quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Miscigenação não explica tudo


O texto mostra como a percepção racial do brasileiro mudou no decorrer do tempo.
William Cirilo Teixeira Rodrigues
Nos anos 1930, o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre revolucionou o pensamento brasileiro ao defender radicalmente a miscigenação. Freyre, cuja a formação ocorreu em grande parte nos EUA, comparou a situação racial tensa desse país com o que enxergava como relativa paz no Brasil. Para Freyre,a imensa miscigenação do Brasil, que atingia também os imigrantes europeus recentes, era a prova de que o país não era racista como os EUA – éramos, enfim, uma “democracia racial”, em que ninguém se achava mais puro que ninguém.(...)
A idéia de democracia racial pegou, e por claros motivos – afinal, ela estabeleceu o orgulho nacional e mostrava um ponto em que o Brasil era superior à Europa e aos Estados Unidos. Mas os números e a realidade dizem que há algo fora do lugar nesse suposto paraíso racial: segundo uma pesquisa do IBGE publicada em 2010, famílias chefiadas por pessoas brancas consomem 89% a mais do que famílias negras e 79% a mais do que pardas. Comerciais, novelas e séries de TV apresentam uma clara desproporção de brancos em relação à realidade da população.
Desde os anos 1970, o movimento negro brasileiro busca desconstruir essa idéia de democracia racial. Ainda que a miscigenação seja inegável, ela não apagou a idéia de que “branco e melhor”. Se há um degradê de cores no Brasil, há uma preferência clara para uma ponta desse espectro. O racismo brasileiro é diferente do norte-americano (nos Estados Unidos, existiam leis de segregação racial até os anos 1960), mas nem por isso é algo menor ou menos nocivo.
Nem todos os militantes negros concordam na questão de cotas para universidades, mas há uma tendência geral de valorizar a parte africana da cultura brasileira e a identidade negra. Desde 2003, a cultura afro-brasileira tornou-se obrigatória no currículo escolar, e o programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), em processo de aprovação, prevê a obrigatoriedade de uma proporção realista de pardos e negros na televisão.
Interessa também ao movimento negro a questão dos quilombolas, comunidades rurais remanescentes de escravos fugidos. Os quilombolas são cristãos e falam português, mas mantêm várias tradições de uma cultura africana antiga, ameaçada de desaparecer por êxodo rural e influencia cultural, principalmente pela televisão. A demarcação de terras quilombolas provoca certa polêmica, porque isso às vezes afeta as propriedades rurais.
Em 2008, o IBGE anunciou que 50,6% da população brasileira se identifica como parda ou negra – pela primeira vez, a maioria não se declarava como branca. Em parte, isso pode ser explicado pro questões demográficas – a população de menor renda, majoritariamente parda ou negra, tem mais filhos que a classe média e alta. Mas também é um indício da mudança de percepção racial no Brasil.

Matéria retirada da revista curso preparatório Enem 2011 ed abril.

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