quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Junior. 2º Capítulo.

Cap 2: Povoamento.
(P.35) As estatísticas demográficas da colônia são extremamente escassas. Não havia coleta regular de dados e elas (quando eram feitas) se faziam para apenas dois fins: um eclesiástico e outro militar. Ambos sujeitos a falhas e sonegações.
Soma-se isso ao desleixo da administração pública, tanto civil quanto eclesiástico e militar. Ao que parece, apenas no século XVIII a metrópole cogitou a organização de um levantamento estatístico.
(P.36) Caio Prado Júnior avalia a população brasileira, ao dobrar do século XVIII, em cerca de 3 milhões de pessoas, distribuídas irregularmente pela colônia.
Existiam alguns núcleos densamente povoados, mas separados uns dos outros por largos vácuos de povoamento ralo. Sendo evidente a semelhança existente entre o povoamento desta época e do atual (1942), salvo a densidade demográfica.
Quando em 1750 se fez o Tratado de Madri, fez-se seguindo fronteiras grosseiramente parecidas com as de hoje. O critério utilizado foi que: cada parte ficaria com quem as possuísse no momento.
(P.37) Ou seja, a linha que envolve o território Brasileiro, saiu do princípio de posse útil, e permaneceu praticamente a mesma até nossos dias.
Isto já nos mostra, como de fato a colonização portuguesa ocupará toda está área imensa que constituirá nosso país.
Os fatores que determinaram esta dispersão do povoamento são múltiplos: o primeiro é a extensão da costa que coube a Portugal no Tratado de Tordesilhas. O que forçou a colonização simultânea de vários pontos ao mesmo tempo. E apesar do fracasso das Capitanias, elas acabaram por garantir a posse portuguesa do longo litoral.
O segundo foi à expansão rumo ao interior feita pelos bandeirantes que buscavam índios, metais e pedras preciosas. O bandeirante explorou a terra e repeliu eventuais avanços espanhóis.
Mais tarde ocorreram explorações das minas descobertas sucessivamente a partir dos últimos anos do século XVII, o que acabou por levar uma massa humana para o coração do continente, em especial as regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Na bacia amazônica, há outro fator fixador de núcleos humanos: as missões jesuíticas católicas catequizadoras. Sendo a mais atuante a famosa Companhia de Jesus.
O nordeste é ocupado em geral por vaqueiros e seus rebanhos.
(P.38) Esta ocupação portuguesa rumo ao interior do continente, foi possível graças a inércia dos espanhóis, que se fixaram nos altiplanos andinos, fonte de metais preciosos, e de lá não saíram. O português pelo contrário, não encontrou logo de imediato esses elementos e foi praticamente obrigado a se lançar rumo ao interior.
Prado Júnior ainda destaca que geograficamente o interior do continente sul americano se abre para o Atlântico e não para o Pacífico, graças ao relevo dos Andes.
(P.39) No século XVIII cerca de 60% da população vivia próxima ao litoral. Cerca de 2 milhões de pessoas. Este desequilíbrio entre o litoral e o interior exprime muito bem o caráter da colonização: agrícola, dando preferências as zonas férteis e úmidas próximas ao mar. O povoamento do interior só começa no segundo século, mesmo assim ainda de forma muito tímida.
Os bandeirantes andaram por toda a parte, mas como exploradores e não povoadores. A dispersão ocorre de forma efetiva quando o ouro é encontrado em Minas Gerais (fins do século XVII), Cuiabá (1719) e Goiás 6 anos depois.
Afluem então para o interior, levas e levas de povoadores. Estes provenientes diretamente da Europa, também escravos africanos, mas principalmente colonos que viviam da agricultura no litoral. Esse êxodo encerra o primeiro ciclo de prosperidade, que até o momento vinha tão brilhante e promissor.
(P.40) A febre do ouro dura pouco. Em alguns casos esse migração se inverte e os homens se voltam para o litoral e a agricultura, aos poucos, se recupera.
Essa busca pelo ouro ainda não havia sido suficiente para de fato colonizar o interior do país.
A colonização do litoral, contudo não era contínua graças a sua própria geografia e condições naturais. As zonas habitadas eram distantes umas das outras por longos territórios desertos. Nesta época existiam apenas 3 regiões que reunissem todas as condições necessárias para um denso povoamento humano: uma área que vai do Rio Grande do Norte a Maceió, o Recôncavo Baiano e o Rio de Janeiro.
(P.42) Fora estes 3 grandes polos demográficos, existiam pela costa uma série de pequenos e médios povoados, sem grande importância econômica.
No restante do capitulo, o autor analisa desde o Oiapoque ao Chuí (não é força de expressão, ele realmente desce por toda a costa brasileira, tendo este dois pontos como referência) mostrando o porquê destas áreas terem disso tão debilmente povoadas.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 35-54.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Junior. 1º Capítulo.

Mais de 70 anos após sua primeira publicação, o
livro Formação do Brasil Contemporâneo é de
uma atualidade, de certa forma, constrangedora.
Cap 1: Sentido da Colonização.
(P.19) Segundo Caio Prado Júnior, todo povo tem um “sentido”, uma linha mestra que parte de um ponto e segue rigorosamente rumo um objetivo. O sentido da evolução de um povo pode variar, diversas conjunturas podem desviar o caminha de um povo, para outras vias até então ignoradas.
Um exemplo é Portugal. Até fins do século XIV este país lutava para se firmar como uma nação europeia. No século XV a história portuguesa muda de rumo e ela se lança ao mar, transformando-se em um país de “sentido” marítimo.
(P.20) E é este sentido que devemos encontrar para o Brasil. Para isso precisamos entender como teve inicio e formou-se esses três séculos de atividades colonizadoras empreendidas pelos países europeus a partir do século XV. Processo esse que colocaria mais um continente sob à órbita da Europa.
(P.21) A expansão marítima dos países da Europa se inicia no século XIV com as empresas comerciais feitas pelos navegadores desses países. Ela é derivada do desenvolvimento do comércio continental europeu do século XIV, restrito até então as rotas comerciais terrestres e a navegação costeira.
Aos poucos a rota terrestre que rasgava o continente europeu, partindo da Itália rumo ao interior do continente por via terrestre foi sendo substituído por uma rota de navegação costeira, que também partia da Itália, cruzando estreito de Gibraltar e circundando o litoral europeu.
Isso deslocou aos poucos, quase de maneira imperceptível, os centros comerciais do interior para a costa. Em especial para Holanda, Inglaterra, Normândia, Bretanha e Península Ibérica. O primeiro passo estava dado. A Europa estava deixando seu isolamento e voltando-se para o oceano.
(P.22) Os pioneiros são os portugueses, melhor situados geograficamente. Buscaram a não concorrência com rotas existentes e se lançaram ao mar, conquistando diversas áreas da África Ocidental (Cabo Verde, Madeira, Açores). Aos poucos um novo objetivo surgiu: chegar ao oriente contornando a África.
Os espanhóis escolheram outra rota pelo ocidente ao invés do oriente, e acabaram por chegar na América.
A era das grandes navegações estava aberta e só ficaram para trás países mal localizados geograficamente, ou que ainda mantinham estreitos laços com as antigas rotas terrestres, em especial Itália e Alemanha.
(P.23) Os portugueses continuaram com seu comércio no oriente, apesar de conseguir seu espaço no novo continente. Os espanhóis no entanto, virão a América como um empecilho à sua empreitada rumo a Índia e tentaram de toda maneira encontrar uma rota para o Pacífico. No entanto, quando Magalhães encontrou a passagem, percebeu-se sua inviabilidade e ela foi desprezada.
(P.24) A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum país. O que realmente interessa é o comércio. O povoamento ocorre apenas pelo surgimento de novas circunstâncias. Aliás nenhum país europeu, naquele momento, poderia se dar ao luxo de se desfazer de parte de sua população, pois, a Europa ainda não havia se recuperado demograficamente da peste.
Inicialmente foram estabelecidas feitorias comerciais como existiam em outras colônias. Contudo, na América por seu território primitivo e sua rala população indígena incapaz de fornecer algo aproveitável pelo colonizador, tornou a feitoria algo inviável, sendo necessário a indesejada colonização.
Portugal foi pioneiro em suas ilhas do Atlântico. Onde era preciso povoar e organizar a produção.
(P.25) São variados os problemas de colonização de um novo território quase deserto e primitivo. A primeira envolve os gêneros aproveitáveis de cada território.
Iniciou-se com materiais extrativos, em especial as madeiras de construção e tintura (Pau-Brasil), as peles de animais e a pesca (em especial no extremo norte).
Os espanhóis toparam logo de inicio com o ouro e a prata em seus domínios, riquezas que apesar de muitas, estavam aquém do que desejavam encontrar.
A colonização viria mesmo com a instituição de uma base econômica mais estável: a agricultura.
Neste ponto Caio Prado Jr apresenta a sua teoria de colonizações diferentes entre as zonas temperadas e as tropicais e subtropicais do continente.
Inicialmente, as zonas temperadas nos dois polos da América não ofereceu nada de interessante e permaneceu muito tempo no ostracismo.
(P.26) Só se colonizou estas áreas por circunstâncias muito especiais, referente à situação interna da Europa, em especial a Inglaterra, que vivia um período político-religioso conturbado. Muitos protestantes ingleses então, se viram obrigados a buscar refúgio no novo continente, concentrando-se majoritariamente nas zonas temperadas, que possuíam um clima mais parecido com o europeu.
Além das perseguições religiosas, as transformações econômicas ocorridas na Inglaterra no século XVI modificou profundamente o equilíbrio do país. O cercamento dos campos, que de áreas cultivadas se transformaram em pasto para carneiros, cuja lã serviria para abastecer a nascente indústria têxtil inglesa, criou um grande êxodo rural. Inchando as cidades inglesas.
Essa massa pobre vê na América um recomeço e parte rumo ao novo mundo, e sua enorme maioria migra para as zonas temperadas do continente.
Esse tipo de colonização é diferente e não possui nenhuma relação com ambições de traficantes ou aventureiros.
(P.27) O que os colonos desta categoria têm em vista é construir um novo mundo. Criando neste povoamento uma sociedade muito próxima e parecida com a europeia.
Muito diferente é o caso da colonização da áreas tropicais e subtropicais da América. Inicialmente o clima afasta o colono que vem como simples povoador.
(P.28) Os trópicos brutos e indevassados é de natureza hostil e cheia de obstáculos. Para se estabelecer aí, o colono europeu tinha de encontrar estímulos diferentes e mais fortes.
Os produtos tropicais eram escassos e supervalorizados, como o açúcar, a pimenta, o tabaco, o anil, etc. Sendo necessário apenas a iniciativa de trabalho do homem para conseguir esses produtos.
(P.29) Contudo, não seria o colono europeu, quem gastaria sua energia no trabalho braçal. Ele queria vir como dirigente de produção, empresário, etc. e só a contragosto viria como trabalhador.
A América temperada, utilizou mão-de-obra branca europeia até o século XVII quando a escravidão foi definitivamente adotada.
(P.30) Já na colônias tropicais não se chegou nem a ensaiar o trabalho do europeu branco. Isso por que nem a Espanha, nem Portugal, tinham mão-de-obra disponível. Faltavam braços por toda parte, e Portugal a tempos vinha utilizando mão-de-obra escrava, primeiros dos mouros remanescentes da Reconquista e depois dos negros africanos.
(P.31) Ou seja, enquanto nas zonas temperadas formaram-se colônias de povoamento, escoadouros demográficos da Europa, que constroem no novo mundo uma sociedade semelhante a europeia, nos trópicos surge uma tipo de sociedade inteiramente original.
Não uma simples feitoria comercial, irrealizável na América, mas conservará um acentuado caráter mercantil. Será uma empresa do colono branco, que produz gêneros de grande valor comercial, utilizando-se do trabalho recrutado entre as raças que ele domina: indígenas e negros importados.
A colonização dos trópicos visa explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical. E isso explica os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos.
Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nós contribuímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros, mais tarde ouro e diamantes, depois algodão e em seguida café para o comércio europeu.
(P.32) É visando o exterior que se organizou a sociedade e a economia brasileira. Este é o sentido da evolução brasileira.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 19-32.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Ritual do Corpo entre os Sonacirema*

Que povo complexo esse dos Sonacirema. Cheios de ritos e locais sagrados. Leia até o final e você se surpreenderá.

[Horace Minner]
O antropólogo tornou-se tão familiarizado com a diversidade de modos com que diferentes povos reagem diante de situações similares, que ele não consegue se surpreender com os costumes mais exóticos possíveis. Com efeito, se quaisquer entre todas as combinações logicamente possíveis de comportamento não tiverem sido encontradas em alguma parte do mundo, ele tem o direito de suspeitar que elas devem estar presentes em alguma tribo ainda não estudada. Esta observação já foi realmente feita pro Neerdeek, no que diz respeito à organização clânica. Neste sentido, as crenças e práticas mágicas dos Sonacirema apresentam aspectos tão pouco usuais que nos parece importante descrevê-los como exemplo dos extremos a que o comportamento humano pode chegar.
O Prof. Linton foi o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Sonacirema, há vinte anos atrás, mas a cultura deste povo é ainda pouco compreendida. Os Sonacirema são um grupo norte-americano que vive no território que se estende desde os Cree do Canadá, aos Yaqui e Tarahumara do México, e aos Caribe e Aruaque das Antilhas. Pouco se sabe quanto à sua origem, embora a tradição mítica afirme que eles vieram do leste.
A cultura Sonacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que se beneficiou de um habitat cultural muito rico. Embora a maior parte do tempo das pessoas, nesta sociedade, seja devotada à ocupação econômica, uma grande porção de frutos destes trabalhos e uma considerável parte do dia são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante de ethos deste povo. Embora tal tipo de preocupação não seja realmente pouco comum, seus aspectos cerimoniais e a filosofia aí implícitas são únicas.
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é evitar estas características, através do uso de poderosas influências do ritual e de cerimônia. Todo o grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm vários santuários em sua casa e, de fato, a opulência de uma casa é freqüentemente aferida em termos da quantidade dos centros de rituais que abrigam. A maioria das casas é de taipa, mas os santuários dos mais ricos têm as paredes cobertas de pedra. As famílias mais pobres imitam os ricos, aplicando placas de cerâmica nas paredes dos seus santuários.
Embora cada família possua ao menos um destes santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mas sim privadas e secretas. Os ritos, normalmente, só são discutidos com as crianças, e isto apenas durante a fase em que elas estão sendo iniciadas nestes mistérios. Eu pude, entretanto, estabelecer com os nativos uma relação que me permitiu examinar este santuário e anotar a descrição destes rituais.
O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nesta arca são guardados os inúmeros feitiços e poções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais feitiços e poções são obtidos de vários profissionais especializados. Dentre estes, os mais poderosos são os curandeiros, cujos serviços devem ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as poções curativas para seus clientes, decidindo apenas os ingredientes que nelas devem entrar, escrevendo-os em seguida em uma linguagem antiga e secreta. Tal escrito só pode ser decifrado pelo curandeiro e pelos herbanários, os quais, mediante outros presentes, fornecem o feitiço desejado.
O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, mas sim colocado na caixa de mágica do santuário doméstico. Como estes materiais mágicos são específicos para certas doenças, e considerando-se que as doenças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa de mágicas costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado vagos em relação a esta questão, só podemos concluir que a idéia subjacente ao costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos, é a de que sua presença na caixa de mágica, diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegem de alguma forma o fiel.
Embaixo da caixa de mágicas existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, em sucessão, entra no quarto do santuário, curva a cabeça diante da caixa de mágica, mistura diferentes tipos de água sagrada na fonte e realiza um breve rito de ablução. As águas sagradas são obtidas do Templo da água da comunidade, onde os sacerdotes conduzem elaboradas cerimônias para manter o líquido ritualmente puro.
Na hierarquia dos profissionais da magia e abaixo do curandeiro em termos de prestígio, estão os especialistas, cuja designação é melhor traduzida por “homens-da-boca-sagrada”. Os Sonacirema têm um horror pela boca e uma fascinação por ela que chega às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Não fosse pelos rituais da boca, os Sonacirema acham que seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas mandíbulas encolheriam, seus amigos os abandonariam, seus amantes os rejeitariam. Eles também acreditam na existência de uma forte relação entre características orais e morais. Assim, por exemplo, existe uma ablução ritual da boca das crianças que se considera como forma de desenvolver sua fibra moral.
O ritual do corpo cotidianamente realizado por todos inclui um rito bucal. Apesar de sabermos que este povo é tão meticuloso no que diz respeito ao cuidado da boca, este rito envolve uma prática que o estrangeiro não-iniciado não consegue deixar de achar repugnante. Conforme foi descrito, o rito consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca, juntamente com certos pós mágicos, e em seguida na movimentação deste feixe segundo uma série de gestos altamente formalizados.
Além deste rito bucal privado, as pessoas procurar um homem-da-boca-sagrada uma ou duas vezes por ano. Estes profissionais possuem uma impressionante parafernália que consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso destes objetos no exorcismo dos perigos da boca implica uma quase e inacreditável tortura ritual do cliente. O homem-da-boca-sagrada abre a boca do cliente e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Materiais mágicos são então depositados nestes buracos. Se não se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serrados, para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do cliente, o objetivo destas aplicações é deter ao apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do mito fica evidente no fato de que os nativos retornam todo ano ao homem-da-boca-sagrada, embora seus dentes continuem a se deteriorar.
Deve-se esperar que quando um estudo intensivo dos Sonacirema for feito, seja realizada uma pesquisa cuidadosa sobre a estrutura de personalidade destes nativos. Basta observar o brilho nos olhos de um homem-da-boca-sagrada quando ele enfia uma agulha em um nervo exposto, para que se suspeite de que uma certa dose de sadismo está presente. Se isto puder ser verificado, uma configuração muito interessante emergirá, posto que a maioria da população mostra tendências masoquistas bem definidas. Era a tais tendências que o Professor Linton se referia, ao discutir uma parte especial do ritual cotidiano do corpo, que é apenas realizada pelos homens. Esta parte do rito envolve uma arranhadura e laceração da superfície do rosto por meio de um instrumento cortante. Ritos femininos especiais ocorrem somente quatro vezes por mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência, lhes sobra em barbárie. Como parte desta cerimônia, as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O ponto teoricamente interessante é que um povo dominantemente masoquista desenvolve especialistas sádicos.
Os curandeiros possuem um templo imponente, o latipsoh, em cada comunidade de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de pacientes muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras do templo com uma roupa e um penteado distintivos.
As cerimônias latipsoh são tão violentas que chega a ser fenomenal o fato que uma razoável proporção dos nativos realmente doentes que entram no templo consiga curar-se. Crianças pequenas, cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de leva-las ao templo, alegando que “é aonde você vai para morrer”. Apesar disto, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se eles possuem meios para tanto. Os guardiões de muitos templos, não importa quão doente o suplicante ou quão grave a emergência, não admitem o cliente se ele não puder dar um rico presente ao zelador. Mesmo depois que se conseguiu a admissão e se sobreviveu às cerimônias, os guardiões não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente.
O(a) suplicante, ao entrar no templo, é primeiramente despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana, os Sonacirema evitam a exposição de seus corpos quando das suas funções naturais. O banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, aonde são ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais. A súbita perda da privacidade corporal, ao se entrar no latipsoh, costuma causar um choque psicológico. Um homem, cuja própria mulher jamais viu quando ele realizava um ato excretório, de repente encontra-se nu, assistido por uma vestal, enquanto executa assim suas funções naturais dentro de um vaso sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque as excreções são usadas por um adivinho para diagnosticar o curso e a natureza da doença do paciente. Os clientes femininos, por seu lado, vêm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e espetadelas dos curandeiros.
Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficar deitados nas camas duras. As cerimônias, como os já citados ritos do homem-da-boca-sagrada, implicam desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis pacientes, rolam-nos em seus leitos de dor, enquanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objeto de treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do paciente, ou obrigam-no a comer substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos, os curandeiros vêm até seus pacientes e atiram agulhas magicamente tratadas em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou possam mesmo matar o neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.
Ainda resta um outro tipo de especialista, conhecido como um “escutador”. Este feiticeiro tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas que foram enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais fazem feitiçaria entre sues próprios filhos. As mães são especialmente suspeitas de colocarem uma maldição na criança, enquanto ensinam a elas os ritos corporais secretos. A contra-magia do feiticeiro “escutador” é singular por sua relativa ausência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “escutador” todos os seus problemas e medos, começando com as primeiras dificuldades de que pode se lembrar. A memória exibida pelos Sonacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum que o paciente lamente a rejeição que sentiu ao ser desmamado, e alguns indivíduos chegam a localizar seus problemas nos efeitos traumáticos de seu próprio nascimento.
Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às funções naturais. Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para fazer os seios das mulheres maiores, se eles são pequenos, e menores, se eles são grandes. Uma insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hipermamário são tão idolatradas que podem viver muito bem através de simples viagens à aldeia, permitindo aos nativos admirá-los mediante uma taxa.
Já fizemos referências ao fato de que as funções excretórias são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao domínio do secreto. As funções reprodutivas naturais são igualmente distorcidas. O intercurso sexual é tabu como tópico de conversa, e programado e planejado enquanto ato. Grandes esforços são feitos para evitar a gravidez por meio de uso de materiais mágicos, ou pela limitação do intercurso em certas fases da lua. A concepção é realmente muito pouco freqüente. Quando grávidas, as mulheres se vestem de forma a ocultar seu estado. O parto se realiza em segredo, sem amigos ou parentes assistindo, e a maioria das mulheres não amamenta nem cuida dos seus bebês.
Nossa descrição da vida ritual dos Sonacirema certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo debaixo dos pesados fardos que eles mesmos se impuseram. Mas, mesmo os costumes tão exóticos quanto estes, ganham seu verdadeiro sentido quando encarados a partir do esclarecimento feito por Malinowski, quem escreveu:
“Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas sem este poder e este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez, nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios da civilização.”

*A palavra Sonacirema é americanos ao contrário.
REFERÊNCIAS CITADAS
LINTON, Ralph (1936). The Study of Man. NewYork, D. Appleton-Century Co.
MALINOWSKI, Bronislaw. (1948) Magic, Science, and Religion. Glencoe, The Free Press

MURDOCK, GEORGE P. (1949) Social Structure. New Y ork, The Macmillan Co.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Entre Anjos e Lobos.



Por que nosso país figura como um dos mais violentos do mundo? Somos nós brasileiros fadados ao banho de sangue diário por sermos maus por natureza? Ou serão fatores externos os responsáveis pelos altos índices de homicídios?

Por: William C. T. Rodrigues

Dois grandes filósofos iluministas da corrente contratualista, Jean-Jacques Rousseau e Thomas Hobbes, discordavam quanto à natureza do ser humano. O primeiro acreditava ser o homem bom por natureza, sendo a sociedade a responsável por sua desvirtuação. Isso fica evidente em sua máxima de que “o homem nasce bom, e é a sociedade que o corrompe”. Já o segundo acreditava ser o homem capaz de tudo para sua sobrevivência, sendo a maldade para com seu semelhante um reflexo natural disto. Pensamento que também fica evidente em sua máxima de que “o homem é o lobo do homem”. Por este motivo Hobbes propunha a criação de um Estado forte e repressor – o Leviatã – para por limites e cabresto neste homem lobo.

Na década de 1990 ganhou força, principalmente nos Estados Unidos, trabalhos acadêmicos que ligavam a violência a fatores genéticos. Sendo desta época o surgimento da teoria do Gene Guerreiro ou Gene da Violência. Esta teoria propõe que quanto menor a produção de uma enzima chamada MAOA, maior a probabilidade de uma pessoa desenvolver atitudes antissociais e violentas. Isso pode explicar, em parte, porquê algumas pessoas que nunca sofreram abusos na infância ou passaram dificuldades econômicas “saem dos trilho” e enveredam para o mundo do crime e da violência. Sendo assim, Hobbes estava certo e o Estado deve ser forte e punitivo, ou como gosta de dizer a direita brasileira deveria ter “leis mais rígidas e eficazes”. A punição seria a alma do negócio.

Segundo o antropólogo francês Edgar Morin somos todos homo sapiens sapiens contudo é preciso acrescentar um demens (demência), ficando: Homo sapiens sapiens demens, o que mostra o quanto somos descomedidos, loucos. Todo homem é duplo: ao mesmo tempo em que é racional apresenta certa carga de demência.

Contudo, para o espanto de todos, o mesmo gene foi encontrado em monges budistas. Isto deixa evidente duas coisas, primeiro: apesar de sua efetiva atuação sobre o comportamento humano, o gene não é tão poderoso e determinante na formação da personalidade, ou seja, não é pelo fato de possuí-lo que eu cometerei crimes e vice-versa. Segundo: se a pessoa é criada em uma sociedade que prima pela não-violência, com certeza o comportamental irá se sobrepor sobre o genético. Esta tese portanto pode explicar o psicopata, mas não a violência como um todo.

Com base nessas informações surge a pergunta. O que faz o nosso país ser um dos mais violentos do mundo?

Segundo tabela publicada por Julio Jacobo Waiselfisz em seu Mapa da violência 2013, o Brasil é o 7º país mais violento per capita do mundo e o 1º em números absolutos, com cerca de 50 mil mortes ao ano, ou seja, 10% de todos os assassinatos no planeta ocorrem no Brasil. Sem dúvida são números alarmantes.

E o interessante é que não estamos sozinhos. Engana-se quem acredita ser a África e o Oriente médio as regiões mais violentas da Terra. O território que concentra os maiores números de homicídios do planeta é o nosso querido continente americano. Dezoito, dos vinte países mais violentos estão na América!

Mas o que há de errado com nós e com nossos hermanos? Seremos todos nós portadores deste gene guerreiro e estamos fadados a transformar o local onde moramos em uma zona de guerra não declarada?

Bernardo Sorj e Danilo Martucelli em seu livro O Desafio Latino-Americano: Coesão Social e Democracia, dão uma boa explicação para a violência. Na visão deles o país mais violento não é necessariamente o mais pobre e sim o mais desigual. E adivinhem qual a região mais desigual do planeta? Exato, a América, em especial a latina.

A concentração muito próxima entre muito ricos e muito pobres cria tensões extremas que acabam por descambar em violência. Eles citam o intelectual Briceño León que diz:

“Essa violência não é necessariamente fruto dos migrantes que deixaram o campo para se instalar na cidade, para ele, são os jovens da segunda ou da terceira geração que nasceram na cidade e que vivem agudos processos de frustração. Essa violência criminal é fruto de um choque entre o crescimento das expectativas e as insuficientes vias de realização formais. Esse fenômeno expressa também um processo de homogeneização de expectativas e da comunhão em um imaginário comum. Além de que, segundo o autor, antes essas expectativas eram canalizadas para a política e hoje são canalizadas para aspirações individuais”.

Ou seja, os crimes que descambam em morte são praticados por jovens excluídos do mundo do consumo, que veem na violência, por exemplo, a única forma de satisfazer esse desejo de compra e ostentação. Quantas histórias você já não ouviu sobre pessoas que mataram por um par de tênis da moda?

Outro exemplo sobre como a desigualdade social é determinante para o grande numero de homicídios são os Estados Unidos. Mesmo com punições duras como a pena de morte e a perpétua, mesmo com crianças sendo julgadas como adultos e ainda possuindo a maior população carcerária do planeta (2,3 milhões de pessoas), os EUA é o país mais violento entre os países desenvolvidos, ficando em vigésimo primeiro no mapa da violência 2013. Em outras palavras, ele é o país desenvolvido mais violento e o mais desigual.

Fica evidente, portanto, que a desigualdade é fator determinante para a violência de um país. Um país desigual é um país violento, não há lei dura o suficiente para barrar o surgimento de novos marginais. Se algo é lucrativo, com certeza surgirão pessoas que defenderão esse lucro a qualquer custo. É a ganancia que move a violência.

Um exemplo é a cargo de agente penitenciário, nenhuma criança em idade escolar sonha em ser agente quando crescer. Mas na fase adulta a necessidade e o alto salário atraem muitas pessoas para esta profissão de alto risco. O mesmo ocorre com o crime, em um dado momento o dinheiro e o lucro falam mais altos e os riscos desta “atividade” ficam em segundo plano. “O importante é ter e possuir, nem que seja necessário morrer por isso”.

Enquanto houver desigualdade, enquanto o jovem não ver no trabalho um caminho seguro para a satisfação de seus desejos materiais e enquanto se pensar que ter é melhor que ser, nossas cidades serão máquinas eficientes no processo de transformar crianças e adolescentes em lobos.


Assim entendo  que o ser humano, apesar de sua “demência” e da existência deste gene da violência, não nasce mal – você consegue enxergar a maldade nos olhos de um bebê? – mas se transforma gradualmente em lobo, e uma vez transformado em lobo sua “domesticação” beira o impossível. Ou como toda mãe sempre diz: é melhor prevenir do que remediar. A prevenção é dura (educação, conscientização, propósitos de vida), mas o remédio é muito mais amargo e cheira a sangue ou sarna.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O sal e sua virtudes*.


O sal começou a ser explorado e utilizado para consumo humano há cerca de 10 mil anos, com o início da agricultura, da pecuária e a formação das primeiras comunidades rurais. Logo o ser humano percebeu que ele servia para conservar e realçar o sabor dos alimentos e que podia ser usado para curar feridas. Os romanos o associavam à deusa da saúde, Salva, em cuja homenagem lhe deram o nome de sal.

Sob o Império, os soldados romanos recebiam parte de seu pagamento em sal – daí a palavra salário. Uma das estradas mais movimentadas era a Via Salária, rota por onde circulavam carros cheios dos preciosos cristais. Na África, onde hoje é a Mauritânia, mercadores trocavam sal por ouro – um peso pelo outro.

Atualmente, graças a métodos físicos e químicos, o sal passou a segundo plano como conservante de alimentos. Mas até o final do século XIX era o único agente que preservava certas comidas.

*Reprodução Integral

Fonte: TOMAZI, Nelson D. Sociologia para o ensino médio. Ed Saraiva. 2010

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A Guerra pop*.

Mais de seis décadas após o seu término, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) permanece no imaginário como um momento crucial da história.
Em abril de 2010, a produtora alemã Constantin Films pediu ao site You Tube que tirasse do ar as paródias de seu filme A Queda, por considerar que seus direitos autorais estavam sendo violados. O filme narra os últimos dias de Adolf Hitler, em 1945, com base nos relatos de Traudl Junge, ex-secretária do líder nazista, e nas investigações do jornalista alemão Jpachim Fest. A cena das paródias, invariavelmente mostrava Hiltler tendo um ataque de fúria ao ser informado de que o Exército Vermelho estava às portas de Berlim. A brincadeira constitui em colocar legendas engraçadas para “traduzir” o alemão, fazendo o ditador surtar com assunto qualquer, como por causa de uma banda musical ruim ou um professor chato. A piada foi repetida em diversas línguas, inclusive em português. Os vídeos foram removidos, mas outros acabaram sendo postados depois no You Tube.
A Liga Antidifamação, ONG norte-americana dedicada a combater o antissemitismo, queixou-se de que esse tipo de vídeo contribui para a banalização da figura de Hitler, tornando-a cômica e inofensiva. Mas brincadeira como essa não é fácil de controlar. Afinal, a Segunda Guerra Mundial é pop e continua rendendo boas histórias e discussões. Existe até mesmo a “Lei de Godwin”, formulada pelo advogado norte-americano Michael Godwin em 1990. Segundo Ele, se uma discussão se prolonga por muito tempo, a probabilidade de surgir alguma comparação com os nazistas ou com Hitler se aproxima de 100%.
Filmes sobre a Segunda Guerra já foram mais comuns nos anos 50 e 60, mas continuam a ser produzidos em bom número. Além da A Queda (2004), tivemos nos últimos anos O Pianista (2002), Cartas de Iwo Jima (2006) e Bastardos Inglórios (2009), para citar alguns campeões de bilheteria. Mesmo filmes que exploram temas sem relação com a Segunda Guerra podem se inspirar neles de algum modo, como os uniformes “nazistas” dos oficiais do Império na série de filmes Guerra nas Estrela.
A música também costuma inspirar-se na Segunda Guerra. Em 1973, o poema Rosa de Hiroshima de Vinicius de Moraes, foi musicado pela banda Secos e Molhados, de Ney Matogrosso. Lá fora, a guerra foi abordada por grupos como Rolling Stones (Sympathy for the devil), Iron Maiden (Ace High) e Pink Floyd (the wall). Mas o movimento punk a tornou um tema constante. Em 1977, os Sex Pistols lançaram Belsen Was Gas, polêmica canção sobre o campo de concentração na Alemanha onde morreu Anne Frank, garota alemã de origem judaica. A banda inglesa Joy Divison (1977-1980) tirou seu nome de uma “divisão” de prostitutas que atendia a soldados nazistas.

Na área de videogames, todos os anos são lançados novos títulos sobre o tema. Em 2009, por exemplo, vieram Wolfenstein, Company of Heroes – Teles of Valor e Battlefield 1943. Na internet, uma pesquisa rápida no Google em 2011 revela 62 milhões de ocorrências para “Worl War II”, contra 14 milhões para “Vietnam War” e 12 milhões para “Iraq War”. Como se vê, 66 anos depois de seu fim, a Segunda Guerra está longe de sair do imaginário popular.

*Reprodução integral.
Fonte: Curso preparatório enem 2011 História II. ed abril. pág 47.

terça-feira, 22 de julho de 2014

A Santa Segunda-Feira e o direito à ressaca.

Pelo direito de curtir minha ressaca longe de um patrão!
Você é daqueles que acham que apenas dois dias são poucos para curtir um fim de semana? Você fica triste ao ouvir a vinheta do Fantástico? No domingo conta as latas de cerveja que pode tomar para trabalhar bem no dia seguinte. Na segunda-feira a tremedeira, dor de cabeça e boca seca são suas principais companheiras de trabalho? Pois então saiba que até o início do século XX existiam em alguns países a chamada  santa segunda-feira, que dava ao trabalhador a possibilidade de se recuperar da tão temida ressaca.
Transcrevo a vocês então, um pequeno e interessante trecho que encontrei no livro didático Sociologia para o Ensino Médio sobre a tal santa segunda-feira. Espero que gostem assim como eu gostei.
Boa Leitura!!
A Santa Segunda-Feira.
Em seu livro Costumes em comum, o historiador britânico Edward P. Thompson comenta um costume arraigado em vários países da Europa desde o século XVI até o início do século XX: o de não trabalhar na chamada santa segunda-feira. Essa tradição, diz ele, parece ter sido encontrada nos lugares onde existiam industrias de pequena escala, em minas e nas manufaturas ou mesmo na indústria pesada. Não se trabalhava nesse dia por várias razões, mas principalmente porque nos outros dias da semana a jornada era de 12 a 18 horas diárias. Assim, os trabalhadores procuravam compensar o excesso de horas trabalhadas. Havia ainda a dificuldade de desenvolver o trabalho na segunda-feira por causa do abuso de bebidas alcoólicas, comum nos fins de semana. Nas siderúrgicas, estabeleceu-se que as segundas-feiras seriam utilizadas para consertos de máquinas, mas o que prevalecia era o não trabalho, que às vezes se estendia até às terças-feiras.
Foram necessários alguns séculos para disciplinar e preparar os trabalhadores para o trabalho diário e regular.
Fonte:

TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o ensino médio. 2ed. São Paulo. Saraiva, 2010.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Fichamento: O QUE E COMO ENSINAR. Por uma História prazerosa e consequente. Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky

Neste capitulo do livro História na sala de aula Jaime e Carla Pinsky escrevem um verdadeiro manifesto sobre a necessidade de conjugar a tradição humanística com a necessidade de educar jovens do século XXI.
Parte I – Abordagens
O QUE E COMO ENSINAR. Por uma História prazerosa e consequente.
Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky
(P.17) O Problema.
As grandes mudanças políticas e econômicas ocorridas no final do século XX causaram muita perplexidade entre professores e estudantes de História em geral, criando um certo ceticismo em relação ao próprio conhecimento histórico, o valor do ensino de História nas escolas e seu potencial transformador..
Somado a isso está a difusão das novas tecnologias globais que questiona a eficácia dos livros, da utilidade dos professores e das propostas curriculares ligadas as necessidades nacionais e locais.
Procurando acompanhar essas mudanças os professores acabaram comprando a ideia de que o que não é veloz é chato. Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído por “achismos”, alunos trocam as investigações bibliográficas por informações superficiais dos sites e vídeos que são utilizados para substituir e não complementar os livros. E o passado é sempre visto como algo passado e portanto superado.
(P.19) O grande desafio neste novo milênio é adequar o nosso olhar às grandes exigências do mundo real sem sermos sugados pela onda neoliberal que parece estar empolgando corações e mentes. É preciso desenvolver uma prática de ensino de História adequada aos novos tempos (e alunos): rica de conteúdo, socialmente responsável e sem ingenuidade ou nostalgia.
A proposta: a favor do conhecimento humanista.
Ao mesmo tempo que condeno, no discurso, o pragmatismo e o materialismo dos novos tempos, as escolas parecem ter esquecido de sua parcela de responsabilidade na formação humanística do aluno. Onde está o humanismo quando a escola transforma o aluno em uma máquina de responder vestibular?
Queiram ou não a história na escola é de extrema importância, pois história é referência e deve ser bem ensinada.
(P.20) Neste momento em que a sociedade brasileira começa a dar extrema importância a História (livros, filmes e novelas com esse tema se tornam sucesso) parece que muitas escolas caminham na contramão, cortando a disciplina de sua grade, ou mutilando-a. E mais grave, desistindo de, ao menos, nos aproximar do patrimônio cultural da humanidade. E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do aluno?
(P.21) Cada estudante precisa se perceber de fato, como sujeito histórico, e isso só se consegue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fizeram para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos.
(P.22) O papel do professor de história.
O ensino de História deve ser revalorizado e os professores dessa disciplina devem ter consciência de sua responsabilidade social perante os alunos, preocupando-se em ajudá-los a compreender e melhorar o mundo em que vivem. Para isso é bom não confundirmos informação com educação. Para informação temos jornais, televisão e internet. Essa informação só é transformada em conhecimento quando é organizada.
O professor deve ter conteúdo, ou melhor, cultura e erudição. Sem estudar e saber a matéria não pode haver ensino. É inadmissível um professor que não lê. Se o tempo é curto, o salário é baixo e se o Estado não cumpre com seus deveres, discute-se isso nas esferas competentes. Mas o professor deve estar atualizado.
(P.23) Afinal, se o professor é o elemento que estabelece a intermediação entre o patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educando é necessário que ele conheça tanto um quanto o outro. O professor precisa conhecer a base de nossa cultura e o universo sócio cultural do educando, sua maneira de falar, seus valores e aspirações. É a partir do conhecimento desses dois universos que ele realiza seu trabalho.
Pela volta do conteúdo nas aulas de história.
O passado deve ser interrogado a partir de questões que nos inquietam no presente (caso contrário, estuda-lo fica sem sentido). Portanto, as aulas de História serão muito melhores se conseguirem estabelecer um duplo compromisso: com o passado e o presente.
Compromisso com o presente significa tomar como referência questões sociais, assim como problemáticas humanas que fazem parte da nossa vida, temas como desigualdades sociais, raciais, sexuais, diferenças culturais, etc.
(P.24) Compromisso com o passado não significa estudar o passado pelo passado, apaixonar-se pelo objeto de pesquisa por ser a nossa pesquisa, sem pensar no que a humanidade pode ser beneficiada com isso. Compromisso com o passado é pesquisar com seriedade, basear-se nos fatos históricos, não distorcer o acontecido como se fosse uma massa amorfa a disposição da fantasia de seu manipulador. Sem esse respeito ao acontecido a História vira ficção. Interpretar não é inventar.
Afirmações baseadas em filiações ideológicas são desprezíveis, perigosas, não verdadeiras, e podem acabar se transformando em veículos de preconceito e segregação.
Além dessas questões estruturais, há alguns vícios que afetam a qualidade das aulas de história.
Um deles é a critica sem base. Antes de entender um texto, uma questão, uma conjuntura, professores e alunos já lançam críticas. “Tal autor? Esta superado”, dizem alunos e professores que nunca se deram ao luxo de lê-lo, mas que se permitem julgamentos definitivos.
(P.25) Outra é a supervalorização do desconstrutivismo. Não que ele não tenha sido um avanço importante, porém como proposta de ensino ele deve ser utilizado com cautela, pois mesmo que o professor tenha total domínio, só a desconstrução não basta, pois deixa um gostinho de vazio no ar. É preciso que o aluno tenha acesso a algum conteúdo histórico que o contextualize.
Um modo mais construtivo seria abordar a História a partir de questões temas e conceitos. Quais as questões relevantes que podem ser feitas ao presente e, por extensão ao passado? Qual a relevância dos recortes temáticos tradicionais e novos feitos pela historiografia? Quais conceitos importantes a serem discutidos com os alunos? Com isso o professor poderá:
- Despertar o interesse dos alunos demonstrando a atualidade de coisas tão cronologicamente distantes;
- Capacitar os estudantes no sentido de perceberem a historicidade de um conceito como democracia, cidadania, beleza (porque e como mudaram através do tempo?);
(P.26) – Práticas como manifestações de religiosidade, afetividade e sexualidade, ideias como a inferioridade racial, cultural e moral;
- Fazer com que os alunos reconheçam preconceitos, seu desenvolvimento e mecanismos de atuação, para assim criticá-los com argumentos sólidos.
- Demonstrar com clareza os usos e abusos da História, perpetrados por grupos políticos, nações e facções;
- Possibilitar a crítica a dogmatismos e “verdades” absolutas.
(P.27) Uma questão de abordagem.
Não há incompatibilidade entre História Social e a História das mentalidades e do Cotidiano. Pois na visão do autor, em sala de aula elas se complementam. A abordagem da corrente da História Social busca a percepção das relações sociais, do papel histórico dos indivíduos e dos limites e possibilidades de cada contexto e processo histórico. A das mentalidades privilegia cortes temáticos. Bem utilizados, ambos são procedimentos recomendáveis.
O potencial transformador do ensino de História.
Este é um assunto que causa muita polêmica e que quase sempre possui uma enorme dificuldade para o professor situar racionalmente.
A frase de Marx que dizia que não era mais hora de apenas entender o mundo, mas mudá-lo, tem justificado diversas propagandas politicas sobre esse ou aquele candidato em sala de aula. Sob o pretexto de saber qual a mudança que o mundo deve merecer o professor corre o risco de se tornar um cabo eleitoral privilegiado, perdendo sua dignidade.
(P.28) Privilegiado pois suas palavras podem ter grande aceitação sobre sua turma de alunos.
Não se trata aqui de despolitizar o discurso do professor, uma vez que não há discurso apolítico, mas dotá-lo de equilíbrio e ponderação. O conhecimento histórico, por si só, já carrega um profundo potencial transformador.
O professor deve fazer o aluno entender que ele é fruto de seu tempo, região, classe social, etc. Ou seja, o aluno deve entender que ele não poderá se tornar um guerreiro medieval ou um faraó egípcio pois ele é um homem de seu tempo e essa é uma determinação histórica. Porém, dentro de seu tempo, dentro de suas limitações, ele possui a liberdade de optar. Sua vida é feita de escolhas e ele, com maior ou menor grau de liberdade pode tornar-se o sujeito principal de sua história, o senhor do seu destino.
Quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela. O verdadeiro potencial transformador da história é a oportunidade que ela oferece de “inclusão histórica”.
O que ensinar (do abstrato para exemplos concretos).
(P.29) Vemos muitos professores frustrados por não conseguirem dar toda a matéria. Há estudantes que durante todo o período escolar só viram um tema, um recorte histórico.
Com o numero reduzido de aulas e o vasto conteúdo o professor se vê incutido de desestimular as discussões que atrasariam a matéria. O resultado são passagens de um tema para outro muito rapidamente, o que transforma a disciplina numa maçaroca de informações desconectadas e articuladas à força, mas sempre desinteressante e inútil.
A primeira coisa que um professor deve fazer ao montar um curso é selecionar conteúdos. Caso o professor não encontre conteúdos o suficiente, ele não deve ter pena em abandonar um determinado assunto. Outras vezes vale a pana dedicar um tempo maior à leitura cuidadosa de determinado documento histórico, tanto por seu significado, quanto pela validade de se ler uma fonte primária.
(P.30) A matéria escolar pode estar relacionada a vários recortes da História. Entre outros, citamos:
1) Um acontecimento ou evento histórico (ex.Revolução Francesa, II Guerra, Proclamação da República no Brasil).
2) Uma instituição social (ex.a escravidão no Brasil, o imperialismo, a globalização).
3) Um processo de longa duração (ex.o desenvolvimento das primeiras civilizações).
4) Uma interação cultural (ex.o encontro entre europeus e indígenas).
5) Um tema manográfico (ex.a mulher na idade média).
O primeiro pode ser estudado sob a ótica da continuidade e da ruptura histórica (A história é um processo que sofre rupturas. Há fatos que mudaram a ordem mundial). Os desenvolvimentos políticos, sociais e culturais de países inseridos no contexto mundial. (P.31) Exemplos de revoltas contra a ordem estabelecida e da tentativa de reconstrução social, assim como dos problemas que impediram que os objetivos fossem alcançados.
O segundo tema pode ser trabalhado tendo em vista a ordem e o contexto histórico desse período que permitiram e permitem que determinada instituição exerça poder sobre determinada sociedade.
O terceiro tema deve levar o aluno a entender, que mais do que grandes acontecimentos a história deve ser entendida como um largo período em que as mudanças também ocorrem, mas de forma menos perceptíveis. Ex, surgimento do homem até as primeiras civilizações.
(P.32) O quarto tema visa abordar a problemática da pluralidade cultural e do choque que ocorre no entre elas.
(P.34) No último, um tema monográfico significa escolher um elemento (muitas vezes desconsiderado na História) e estuda-lo. Um exemplo são os estudos sobre a mulher no Brasil colônia. A partir da escolha pode-se discorrer sobre o imaginário social, as representações, as mentalidade que moldaram atitudes e comportamentos.
(P.35) Conclusão.
Como se vê, diferentes recortes da História permitem que o aluno abra enormes horizontes que podem acolher, inicialmente, sua curiosidade, depois, sua análise e, finalmente, sua identificação com essa “gente como a gente” que construiu o processo histórico do qual ele faz parte.
O problema do processo de ensino-aprendizagem é o abandono da ideia de processo. Muitos profissionais misturam Espartaco e Zumbi em um mesmo tema transversal e colocam eles para dialogar como se fossem contemporâneos.
Por sim o autor convoca todos alunos e professores para voltarem aos livros, pois só com eles a pesquisa virtual, os vídeos e os jogos eletrônicos fazem sentido.


 Fonte: KARNAL, Leandro (org): História na sala de aula. Conceitos propostas e prática. 6.ed. São Paulo: Contexto 2010.