|
Tudo o que alguém que iniciou seus estudos sobre história recentemente precisa entender para começar sua imersão nesta disciplina está contido neste fichamento. Boa leitura. |
(P.11) Parte I. O que é história.
1.1. Os Significados da História.
A
palavra História vem do grego “testemunho” e sua origem etnográfica está muito ligada
ao ato de ver (histor = “aquele que vê”).
Para
entendermos o conceito de História e diferenciá-lo cientificamente do conjunto
de eventos vividos por um indivíduo (afinal, todos nós temos uma história),
devemos entender o que é a História (como ciência) e qual o papel do
historiador.
(P.12) A palavra história possuí três
significados fundamentais:
Ø História como
ciência que estuda o passado. (Letra maiúscula).
Ø A história
(passado) como matéria-prima da ciência História.
Ø A história como
uma narrativa, verdadeira ou falsa. Ato de narrar um acontecimento.
(P.13) A História como ciência agrega os
dois outros significados (passado e narrativa) dentro de si. O grande
diferencial está no fato da História possuir metodologias e técnicas próprias
que lhe delegam o posto de ciência. Ou como disse Marc Bloch, “Ciência do Homem
no tempo”.
(P.16) 1.2. As funções da História: a
mestra da vida.
Nas
sociedades arcaicas, o mito exercia função primordial para a explicação de
eventos e fenômenos da natureza. Os mitos eram explicações fantasiosas que
recorriam ao sobrenatural para dar inteligibilidade a acontecimentos que estas
civilizações não compreendiam.
Foi
na Grécia antiga que se iniciou um movimento de diferenciação entre mito e
História. A primeira diferenciação foi levada a cabo por Heródoto, o pai da
“História”, que elaborou sua escrita baseando-se em fatos, não em imaginação.
(P.17) Em seu livro “Histórias” uma
narrativa sobre as Guerras Médicas, Heródoto partia de acontecimentos reais e
possuía uma localização espacial e temporal (diferente do mito). O autor
realizou uma longa pesquisa, selecionou fontes, localizou fatos e explicou
eventos a sua maneira.
Heródoto
foi seguido por Tucídides que escreveu sobre a Guerra do Peloponeso. Uma
característica desses historiadores gregos era a escrita sobre um passado
recente (Tucídides participou da guerra). E a grande preocupação desses
historiadores era registrar esses acontecimentos para que no futuro eles
servissem de exemplo as próximas gerações. Essa noção de História como exemplo,
perdurou até fins do séc. XVIII.
Na
Idade Média somou-se a está visão de história como exemplo, o ideal cristão
moralizador. Santos e reis antigos eram modelos de comportamento para os homens
do presente.
(P.18) No iluminismo o passado ainda
permaneceu como um exemplo aos homens do presente, mas acrescentou-se a ele uma
ênfase na racionalidade imbuída de um extremo otimismo no futuro, na
civilização e no progresso.
(P.20) Segundo Reinhart Koselleck, durante
mais de dois mil anos, a História conservou-se com um caráter puramente
pedagógico de prevenção de erros do passado. Uma História pautada na máxima de
Cícero como a mestre da vida.
(P.22) 1.3. O século XIX e as mudanças no
conceito de História.
A
Revolução Francesa (1789) foi a responsável por alterar o modo de escrita da
História. A ruptura causada pela revolução atacou a “ordem” natural das coisas
e mudou de uma vez por todas a maneira de se entender o passado. Com a
Revolução Industrial, as cidades cresceram e o ritmo de vida acelerou, logo
instituições milenares foram questionadas e o mundo mudava numa velocidade
nunca antes vista.
(P.23) Logo surgiram duas correntes
historiográficas que desejavam entender novo mundo que emergia destas
revoluções:
1.
Revolucionário
e emancipadora, liderada por iluministas franceses e alemães que exaltavam o
ato revolucionário francês e as transformações decorrentes dela.
2.
Conservadora
e tradicionalista, que via a revolução como um erro que deveria ser superado e
esquecido.
O
embate entre essas vertentes logo deixou claro que o passado não era apenas um
repertório de exemplos, mas um campo acirrado de disputas sobre o passado e sua
memória.
Contudo
no século XVIII a História era uma disciplina incipiente e sua escrita era
feita por amadores que se utilizavam dos métodos que mais lhes convinham. Foi
apenas no século XIX que a História se emancipou das outras Ciências Humanas, alcançando
sua profissionalização.
(P.27) 1.4. A Construção do campo
disciplinar.
O
século XIX foi marcado pela profissionalização das disciplinas e
institucionalização do conhecimento histórico nas universidades. Logo houve um
enorme empenho em separar a História de outros gêneros, como a literatura. A
crença na contribuição da História para o conhecimento humano foi percebida
nesta época, através de esforços dos Estados em organizarem arquivos nacionais.
Progressivamente,
a História foi se revestindo de um caráter científico, apesar de em alguns
lugares, como na França, ela ainda ser tutelada pela literatura, filosofia e
interesses políticos.
(P.28) Com a III República Francesa (1870)
e a preocupação dos republicanos com a utilização da História por grupos
conservadores, as novas elites republicanas estabeleceram métodos próprios para
a decifração de documentos e afastar amadores da disciplina.
Charles
Seignobos e Charles Langlois publicaram em 1898 “Introdução aos Estudos
Históricos”, manual que define regras da escrita histórica. Definindo- a como
uma ciência que tinha como objetivo descrever por meio de documentos as
sociedades do passado e suas transformações. O foco era o uso dos documentos e
o distanciamento do presente. Quanto mais distante do contemporâneo, melhor.
(P.31) 1.5. O ofício do historiador.
De
seu surgimento como um gênero na Grécia, até sua profissionalização no século
XIX, o ofício do historiador mudou muito. De um simples cronista dedicado a
recolher exemplos do passado, traçar linha genealógicas e descrever batalhas, o
historiador passou a ser o especialista responsável por utilizar métodos
criteriosos de pesquisa e escrita deste campo das Ciências Humanas.
Parte II – Vertentes historiográficas.
2.1. O que é historiografia?
Historiografia
é a responsável por estudar a escrita da História, analisando o conjunto de
escritos de historiadores acerca de um tema ou período específico, ou seja,
analisando sua produção historiográfica. A História é constantemente reescrita,
pois as interpretações sobre o passado e o vivido mudam com o tempo e com a
pessoa que a interpreta. Estudar a historiografia é rever e analisar as
diferentes narrativas, interpretações, visões de mundo, fontes, entre outras,
que foram utilizadas para produzir narrativas sobre o passado.
(P.36) Os vestígios do passado não
fornecem uma única possibilidade de compreensão. Na verdade, fornecessem
indícios possíveis às perguntas feitas pelo historiador em sua análise. Por
exemplo, é fato em 1789 estourou uma Revolução na França, mas casa historiador
irá interpretar à sua maneira a importância, suas motivações e influências.
(P.37) Estudar a “História da História”
ajuda a entender como o discurso historiográfico não é neutro, e sim sustentado
por verdades provisórias, sempre sujeitas a reavaliações. Mostrando de maneira
inegável que o passado não é um assunto morto.
(P.40) 2.2. A Escola Metódica.
A
Escola Metódica surgiu em torno no positivismo do século XIX, movimento que
pretendia transformar todas as áreas do conhecimento o em ciência. Criticando
especulações filosóficas e buscando o máximo de exatidão com as fontes.
Organizando inventários e documentos, esses historiadores metódicos foram os
primeiros a organizar a profissão na Europa.
Com
a escolarização em massa e a escrita da História nas mãos de profissionais, a
História transformou-se no século XX em uma disciplina de grande importância
para a formação das massas.
Uma
das principais influências da corrente metódica foi o historiador alemão
Leopold Von Ranke (1795-1886). Ele criticava o predomínio da Filosofia na
História e seus excessos especulativos, subjetivos e moralizantes. Ranke
inaugurou a moderna forma de conceber a escrita da História seguindo os
procedimentos de uma ciência. (P.41) A
História deixaria de ser um braço da teologia e do Direito nas universidades
alemãs, para ter identidade própria.
Em
1898, os historiadores franceses Charles – Victor Langlois Charles Seignobos
publicaram “Introdução aos estudos históricos”, livro referencial da escola
metódica, pois traça as diretrizes do ofício do historiador de maneira a
atingir a objetividade histórica.
Muitas
vezes chamamos erroneamente a Escola Metódica de Positivista. Na verdade, a
Escola Metódica tem a pretensão de encontrar uma História positiva (não
positivista), no sentido de ser verificável por meio de documentos.
Vulgarmente
se diz que Langlois e Seignobos tinham a pretensão de criar uma verdade
absoluta de História. Contudo, em seu livro eles deixam bem claro que o
conhecimento histórico é sempre indireto (fontes), o que impossibilitava
conhecer o passado tal qual ele aconteceu.
Esta
escola metódica viu-se confrontada por desafios de ordem prática. Como por
exemplo, a formulação de histórias nacionais criadoras de um passado comum a
fim de fortalecer os Estados Nacionais que emergiam.
(P.42) A escola metódica portanto é
marcada por duas visões contraditórias:
1.
criar
e definir um conjunto de regras e normas de uma nova disciplina científica.
2.
Engajamento
republicano e formação de sentimento nacionalista.
Leopold
von Ranke
via a História como uma mistura entre ciência e arte. Ciência ao coletar, arte
ao dar forma ao colhido.
(P.43) Seignobos e Langlois definiram as regras para a escrita da História, seu objetivo era ser um
manual que ensinasse o jeito certo de descrever, por meio de documentos, as
sociedades passadas e suas transformações. O documento e a crítica separavam a
“história científica” da “história literária” dos ensaístas.
(P.45) 2.3. Os annales.
O reinado da escola metódica durou por todo século
XIX. O século XX marcou a fundação na França da revista Annales (1929) por Marc
Bloch e Lucien Febvre e da École Pratique des Hautes Études (1948), cuja
Febvre era presidente e deu início a um profundo movimento de transformação da
História.
Buscando uma História total essa geração de
historiadores conhecidos como École des Annales, começou a questionar a
hegemonia da História política. Defendendo uma concepção privilegiada da
História econômica e social com novos objetos e fontes.
Essa nova História sustentava que as estruturas
duráveis são mais reais e determinante do que os acidentes de conjuntura, ou
seja, para a compreensão da história os fenômenos d longa duração são mais
significativos do que os de pequena duração. Ainda segundo os annales os
comportamentos coletivos têm mais importância sobre o curso da história do que
as iniciativas individuais.
A realidade do trabalho e da produção, e não mais os
regimes políticos e os eventos, deveriam ser o objeto de estudo das estruturas,
não mais o manifesto, mas o que está por trás.
(P.46) “Era
chegada a hora de passar de uma história dos tronos e das dominações (História
política), para aquelas dos povos e das sociedades”.
Na década de 1950, sob o comando de Fernand Braudel
a École Pratique de Hautes Études tornou-se École des hautes Étues en
Scenses Sociales, não deixando espaço para a História política, uma vez que
seu presidente dizia que o essencial na história era explicado pelas grandes
pulsações econômicas.
Esta forma de entender a história, baseada na longa
duração, criou um problema para o estudo da história recente, relegando-a ao
jornalismo ou as ciências sociais.
(P.47) Os annales
não questionavam o absolutismo das fontes escritas. Pelo contrário, a reafirmou
ao valorizar a longa duração e desqualificar o papel do indivíduo, dos relatos
pessoais e das biografias. A voz coletiva se sobrepôs a individual.
(P.50) 2.4 A Nova História.
Influenciado pelos acontecimentos dos anos 1960 (e o
pós-modernismo), a História passou por uma nova onda de renovação metodológica
dando voz as mulheres, crianças, negros e homossexuais era a vez da “História
vista por baixo”.
Este movimento procurava mostrar que tudo tem
história. Diversificação de análise e o aumento dos tipos de fontes. Tudo agora
pode ter história e tudo pode ser fonte.
Este movimento emergido de dentro dos annales ficou
conhecido como Nouvelle Histoire (História Nova). Seus principais
autores franceses foram Jacques le Goff, Pierre Nora, Marc Ferro, Emmanuel Le
Roy, Roger Chartier, entre outros.
(P.51) Um bom
exemplo é o livro de Ladurie “Montaillou Povoado Occitanico” (1975) que
se utilizou das mais diversas fontes para desvendar o cotidiano deste povoado
francês. Não só a política e economia, mas o cotidiano, a religiosidade, a
sexualidade, etc.
Outra novidade é a crítica a ideia de história das
mentalidades. Para eles, a ideia de uma mentalidade única de uma época era
generalizante e retirava o indivíduo da história. A noção antropológica de
cultura assumiu o lugar do conceito de mentalidade.
Na historiografia anglo-saxônica, influenciadamente
marxista, houve uma grande transformação na década de 1960 com Eric Hobsbawm,
Christopher Hill e Edward Palmer Thompson redimensionam as análises históricas
para além das estruturas que determinavam as ações sociais, com organizações
populares, lutas cotidianas, descontinuidades, negociações, com uma grande
margem de ação para atores históricos.
Na Itália Carlos Ginzburg, por meio de um recorte
temporal e espacial encabeça a micro história.
(P.53) 2.5 A Micro História.
É um movimento de renovação historiográfica de
origem italiana da década de 1960.
Tanto na história francesa quanto na inglesa há um
processo de valorização das pessoas comuns nos processos históricos, sendo uma
reposta a história econômica generalizante. A ascensão de novos atores sociais
(negros, pobres, mulheres, crianças e homossexuais) antes silenciados derrubaram
a visão de uma sociedade como um organismo estável e fiel as normas sociais e
econômicas.
A revista italiana Quadrei Torci (1966) é um
marco da produção micro histórica, aproximando os métodos antropológicos à
escrita da História.
(P.54) A micro
história propõe a redução da escola da análise, recorte temporal, espacial e do
objeto. As temáticas contemplam o cotidiano de comunidades e indivíduos que
passariam despercebidos na multidão.
(P.58) 2.6 Novos caminhos da
historiografia.
Nos anos 1980 houve um impulso à História Cultural e
um renascimento do estudo da política. Renovada pelo contato com a
Antropologia, a História cultural ampliou o conceito de cultura, agora
entendida como um conjunto de costumes, valores e modos de vida que dão sentido
à experiência histórica dos indivíduos rompendo com a visão de cultura erudita
e popular.
No caso da história política há um distanciamento da
perspectiva de que a política era determinada pela estrutura econômica. Os anos
1980 entenderam que a política possuí uma consistência própria e autônoma.
(P.59) O resgate
da política como um lugar de articulação social trouxe uma revalorização do
papel do indivíduo na história. Contra as noções de mentalidade e de longa
duração que diluíam em grandes períodos e multidões anônimas, a historiografia
passou a realizar um novo tipo de abordagem mais individual.
O presente que sempre foi algo proibido ao
historiador, uma vez que seu trabalho exige distanciamento, passou a
representar um novo nicho que é o da história do tempo presente.
O aumento do número de mídias e a valorização do
papel do indivíduo levaram os depoimentos orais à um papel de destaque.
Outra via de renovação historiográfica do século XX
é a história das representações do imaginário social e dos usos políticos do
passado pelo presente através do debate entre história e memória.
Parte III – Problemas e Métodos.
3.1 As fontes e a crítica do historiador.
O trabalho do historiador se faz com fontes, que são
basicamente os vestígios deixados pelo homem ao longo de sua existência. Sem
fontes não há história.
Todo trabalho de História pressupõe inicialmente uma
delimitação temática (qual o assunto), temporal (qual o período) e espacial
(qual a região do objeto a ser estudado). A partir dessas definições, o
historiador seleciona as fontes com as quais deseja trabalhar.
De modo geral todos os vestígios humanos podem ser
usados como fontes para o historiador, mas nem todas possuem a mesma qualidade
para as perguntas que o historiador faz.
(P.64) É a
partir das fontes que o historiador extrai os fatos que utilizarão para a
escrita da história. Os fatos nunca são coisas dadas, mas o resultado de um
diálogo entre os documentos e o historiador que o lê.
O trabalho do historiador deve ser passível de
confrontação e ele deve indicar as obras que leu e os documentos que consultou.
Somente a crítica rigorosa das fontes garante legitimidade ao trabalho do
historiador. O que não garante a verdade absoluta, algo impossível para
qualquer ciência humana.
O trabalho com fontes não se limita a comprovar sua
veracidade, mas a um massivo trabalho de interpretação: de onde vem esse
documento? Quem o produziu? Quando foi feito? Como foi conservado? Haveria
razões, conscientes ou inconscientes, para que o autor deformasse as
informações?
Não há documento neutro, nem fonte que traga a
verdade embutida, por isso as fontes devem ser submetidas à análise crítica.
(P.68) 3.2 Os limites da Crítica.
A crítica do historiador às fontes históricas é uma
tarefa extremamente complexa que necessita tempo e exercício constante. Não é
algo dado, mas algo trabalhado por toda a vida.
Todo historiador deve entender que não existem
documentos que sejam “verdadeiros” por definição, não importando se é oficial,
pessoal, escrito, oral, etc. todos devem ser objeto de questionamento.
O exercício da crítica passa pela análise de outras
fontes semelhantes, leituras de trabalhos sobre o assunto e capacidade de ler o
universo. Isso diferencia profissionais de amadores. A escrita profissional
exige o controle da bibliografia e conhecimento das fontes. Todo o percurso da
investigação deve ser claramente indicado, dos arquivos pesquisados à
bibliografia consultada.
(P.69) A
história não é simplesmente um conhecimento do passado, mas um conhecimento do
passado feito através de vestígios, assim conhecer o passado e revela-lo tal
qual as coisas aconteceram é algo impossível.
A produção do conhecimento histórico está
diretamente ligada ao olhar que o historiador lança sobre os acontecimentos,
sendo assim, eles existem conforme a leitura que o pesquisador faz dos seus
documentos. É o historiador, através da crítica, que julga o valor e relevância
dos fatos para assim elaborar sua narrativa. Segundo Seignobos “os fatos
históricos só existem por sua posição em relação a um observador. Sem a
curiosidade do historiador, o documento não existe”.
É necessário compreender que qualquer leitura é
formulada por homens situados em um dado tempo e sociedade. A crítica dos
documentos está ligada ao tempo em que é feita. Não existe História fora do
tempo, portanto, cada época lê os vestígios do passado de uma forma diferente.
“Toda História diz muito do momento em que foi feita”. Não há conhecimento
definitivo do passado. A crítica limita-se a fornecer interpretações possíveis.
(P.72) 3.3 História e temporalidade.
O que é o tempo? Essa pergunta milenar inquietou pensadores
de diversas áreas.
O tempo é uma invenção que procura situar a atuação
humana dentro de uma sucessão diferenciada de acontecimentos. Se todos os dias
fossem iguais não haveria sentido pensar no tempo. Ele existe apenas porque
cada dia é diferente do outro. Essa é a noção que dá sentido à História, porque
é o tempo que dá sentido a localizar eventos numa perspectiva de presente,
passado e futuro.
A natureza possui um tempo exterior, imortal e
homogêneo. O seu tempo é a contagem de movimentos naturais: assim, não há
passado, nem presente, nem futuro. O tempo da lua é a repetição eterna de seus
movimentos naturais.
O tempo humano é diferente. O dia de hoje não se
repetirá jamais. O ser humano conta seu tempo, consciente de sua morte e do fim
de sua duração.
Os calendários são criações humanas que usam o tempo
natural (ciclo lunar ou solar) para localizar ações ao longo de sua existência,
seja de pessoas, gerações, culturas ou sociedades.
(P.73) O tempo é
fundamental para a História. É impossível analisar um acontecimento histórico
sem levarmos em consideração a época em que o fato aconteceu. Quando isso
ocorre, há o que os historiadores chamam de anacronismo. cada fato deve ser
entendido dentro do período (tempo) em que ocorreu.
Os calendários são importantes como referência, pois
estabelecem pontos fixos de referência e linearidade. Cabe lembrar que o
calendário cristão não é universal e que cada cultural possuí o seu.
(P.78) 3.4. História e Verdade.
Os críticos do conhecimento histórico sempre apontam
a dificuldade de alcançar a verdade, como o principal entrave ao conhecimento
do passado. Para eles, a História seria um joguete nas mãos dos governantes e
dos poderosos.
Em fins do século XIX, havia uma diferenciação entre
as Ciências da Natureza (que explicavam a matéria) e as Ciências do Espírito
(buscava compreender os homens e suas ações). Desta forma, a História seria uma
espécie de ciência compreensiva.
(P.79) A
História foi definida como uma Ciência Compreensiva porque as ações humanas não
são regidas por leis, mas cada indivíduo detém em si um universo amplo de
escolhas, cabendo ao historiador tentar entender os seus motivos. Desta forma,
o exercício do historiador é compreender melhor, e não atingir a verdade
absoluta.
O historiador escreve a partir de regras que dizem
respeito ao seu ofício, mas não busca atingir a verdade absoluta, porque a
compreensão do universo humano é sempre parcial e fragmentada.
O conhecimento produzido pelo historiador não é
palpável. O acontecido é irrecuperável e único, o passado não pode ser refeito
em laboratório. Uma situação histórica jamais se repetirá e por isso o
conhecimento histórico é sempre indireto, sendo necessário fontes que servem
para a elaboração de uma narrativa. Lembrando que as fontes jamais fornecem a
verdade absoluta, cabendo ao historiador o papel crítico.
Caso vinte pessoas escrevessem sobre uma mesma
experiência, haveriam vinte relatos diferentes. Cada pessoa destacaria um
aspecto e silenciaria os outros. A escrita do historiador é semelhante, o
conhecimento histórico é subjetivo e está diretamente ligado ao historiador,
com a diferença que há uma análise crítica. O papel do historiador é acessar o
passado com base em critérios específicos.
(P.80) Se por um
lado não podemos dizer que a história produz um conhecimento objetivo, tampouco
podemos afirmar que se trata de um conhecimento inválido. Cabendo aqui a
seguinte pergunta: afinal o que seria a verdade? Pois, assim como a história,
todo conhecimento humano é social e histórico.
(P.82) 3.5. Fazer a História.
Há uma distância entre a História produzida nas
universidades e a história vivida por cada um de nós. São palavras homônimas
que se referem ao passado, mas possuem aplicações e objetivos diferentes.
(P.83) O fato de
todos “terem” história no sentido de serem agentes históricos, não significa
que todos “fazem história” no sentido de produzirem conhecimento.
O historiador possui certezas: 1500 Pedro Alvares
Cabral chegou ao Brasil, as elites do governo imperial possuíam trabalho escravo,
1937 foi o ano do golpe do Estado Novo, etc. Mas a compreensão do passado não
se limita a esse tipo de informação. Cabe ao historiador o entendimento dos
porquês, das causas, motivações e contexto, e isso só vem com fontes,
interpretação e crítica.
(P.84) Quando
alguém narra um acontecimento pelo qual passou, está elaborando uma narrativa
baseada em sua memória, sem nenhum rigor científico ou compromisso com a
verdade. Não atendendo as exigências do rigor necessário ao discurso histórico.
A história longe de ser simples opinião, é um ramo das Ciências Sociais. O
historiador não possui a verdade, mas oferece um conhecimento dotado de
embasamento teórico e crivo científico.
(P.86) 3.6 Identidade e Memória.
A contemporaneidade vem mostrando muito interesse
nas questões relativas as memórias e as identidades. Identidade é a palavra
chave do mundo pós-moderno.
Com a diluição das fronteiras, fragilização das
tradições dos laços interpessoais, as pessoas tenderam a se reagrupar em
identidades (religiosas, étnicas, territoriais, nacionais, empresariais, de
gênero, etc.). Identidade é o processo pelo qual a pessoa se reconhece e
constrói traços e afinidades, tendo por base um conjunto de atributos que o
distingue dos outros. A identidade pode ser individual e coletiva, sendo ao
mesmo tempo um elemento distintivo e unificador.
Neste processo, a memória é um elemento constitutivo
do sentimento de identidade, uma vez que lhe dá continuidade e coerência.
(P.87) A memória
não é apenas um depósito de dados sobre o passado, ela é um instrumento de
poder sobre o presente. A memória não é neutra e é recuperada sempre em função
das demandas do presente.
As cerimônias de comemoração pública fazem
exatamente isso. O resgate de uma memória nacional que deve ser resgatada para
fortalecer a identidade nacional.
(P.91) 3.7. História Oral.
Durante muito tempo os historiadores foram
resistentes em incorporar a oralidade ao universo de pesquisa.
O século XX possibilitou a coleta de depoimentos
pessoais mediante a utilização de um gravador.
(P.92) A
distorção e a falta de veracidade atribuídas a oralidade deixaram de ser um
problema quando passaram a ser encaradas de uma nova maneira. Não como fontes
de verdade, mas como interpretações.
A História oral possuí três linhas de atuação:
1. Usa os depoimentos orais como forma de preencher lacunas deixadas pelas
fontes escritas;
2. Utilizadas para buscar uma representação mais refinada do uso político do
passado. Nesse sentido as deformações nos relatos não são vistos como
prejudiciais à pesquisa, pois busca a memória de um dado grupo sobre um evento
específico;
3. História Oral como um instrumento de intervenção social, voltada para a
recuperação de testemunhos de grupos marginalizados e impactados por genocídios
e massacres.
(P.96) 3.8. Métodos quantitativos e
qualitativos.
Para a escrita da história, o pesquisador por
utilizar diversos tipos de fontes (escritas, orais, iconográficas...).
Dependendo do recorte, o historiador pode encontrar diversos documentos ou não.
E caberá a ele selecionar e escolher a forma de analisar estas fontes.
Existem dois métodos de se abordar as fontes
históricas:
·
Método
quantitativo: indica a quantidade de dados contidos nos
documentos. Por meio da coleta sistemática de informações, o historiador valorizará
aspectos que se repetem de forma a convertê-los em números que possibilitem
verificar a ocorrência, ou não, de um fenômeno e permitir a formulação de
hipóteses.
·
(P.97) Método
qualitativo: não tem por base a utilização de estatísticas. A
pesquisa quantitativa trabalha predominantemente com informações coletadas e
transformadas em números, excluindo o papel do indivíduo na história. Já as
fontes qualitativas incluem documentos escritos, pinturas, fotos, desenhos,
filmes, vídeos e músicas. O objetivo é oferecer fontes de qualidade à pesquisa,
individualizando as generalizações.
Os
métodos são complementares e em um determinado trabalho histórico, o
historiador pode se utilizar dos dois.
(P.102) Parte IV - Em sala de aula.
4.1 A História na escola.
Ensinar história não é tarefa fácil. História não é
apenas o ofício do historiador, mas também o seu ensino. Como explicar métodos
tão diferentes, questões tão complexas e interpretações contraditórias a alunos
do ensino fundamental e médio?
A simples repetição de conteúdos e datas afasta o
ensino da história do seu processo de elaboração de conhecimento. Produzindo
discursos unilaterais comprometidos com o poder.
(P.103) O ensino
escolar se sairia melhor se tivesse enfoque nas múltiplas interpretações
possíveis sobre um fato.
Por isso, o conhecimento histórico em sala de aula
pressupõe dinamismo, diversidade e consciência por parte de professores e
alunos, de que a História relaciona-se com construções, provisórias, relativas
e superáveis.
A história pode contribuir para diversas discussões
sem ter obrigatoriamente uma função preestabelecida, seja ela a de formar
cidadãos, civilizar, valorizar a pátria, etc. (P.104)
O único papel da disciplina História é o de ensinar
a refletir e a ler o mundo a partir de uma orientação histórica. Desenvolvendo
nos alunos a noção de tempo, permanência, mudanças, contextos e crítica das
informações.
(P.109) 4.2 O Brasil é um país sem
memória?
O trabalho com a memória permite tomar diferentes
caminhos: podemos focalizar nossos museus, monumentos, imagens e personalidades
do passado. Além de escolher fontes diversas como documentos escritos, livros,
relatos orais, etc.
O resgate de uma memória busca trazer, recordar,
comemorar ou expressar um elemento do passado para comandar o presente. Todo
resgate de um passado tem ligação direta com a imagem que quer se construir no
presente.
(P.110) Um
exemplo é a figura de Vargas, muito resgata o imaginário brasileiro. Em 2004
por exemplo, durante o governo Lula houve a comemoração dos 50 anos da morte de
Vargas e o resgate predominante de seu mandato entre 1950-54 e de seu projeto
industrial nacionalista. Já na década de 1990 com o advento do neoliberalismo,
o resgate veio através do contraponto que dizia ser “o fim da era Vargas” com
privatizações e revisão da CLT. Na década de 1980 o resgate foi feito buscando
a unidade necessária para o processo de redemocratização.
(P.111) Podemos
perceber que o resgate da figura de Vargas se faz de diferentes maneiras, de
acordo com as demandas do presente.
(P.114) 4.3 Trabalhando com História oral.
O termo “História Oral” é amplo e gera muitas
confusões e abusos. Alguns acreditam ser possível aplicá-lo a todo depoimento
oral, produzido por qualquer indivíduo em qualquer circunstância, sem nenhuma
preparação prévia. A história oral possuí métodos de pesquisa própria que são
diferentes do registro de simples informações sonoras. O método e o fim
diferenciam a história Oral de uma entrevista jornalística.
Um dos maiores desafios do método de pesquisa de
História Oral está em seu arquivamento e em sua preservação de fontes. Para
contornar está dificuldade, muitos arquivos e bibliotecas tem criado acervos de
depoimentos orais.
(P.115) A
História Oral produz uma fonte especial, possibilitando a preservação da
memória coletiva e das identidades de grupos ou indivíduos dentro de uma
sociedade.
(P.120) 4.4 História e imagens.
No século XIX com a elevação da História ao status
de disciplina científica, os documentos escritos adquiriram grandes destaque em
detrimento das fontes visuais e orais.
Os últimos anos assistiram a uma valorização da
investigação da importância do uso das imagens para a construção de projetos de
nação, identidade nacional e imaginário coletivo. Pinturas, fotografias e
esculturas constituem um caminho fundamental para ler e compreender a História de
uma país.
No entanto, para compreender essas fontes é
necessário entender que elas não são neutras. Pintores, fotógrafos e escultores
selecionam, enquadram, omitem e destacam elementos de acordo com seu ponto de vista.
(P.121) As imagens
são construídas para passar uma dada representação social, política e ideológica.
Para compreender a imagem é necessário compreender o contexto de sua produção: por
quem e por que foram produzidas. Partindo dessa perspectiva, as imagens podem
ser entendidas, não como uma representação fiel do real, do acontecimento, mas
como uma narrativa que busca moldar ou influenciar opiniões em uma dada sociedade.
Quando entendemos isso, podemos perceber que as imagens não constituem uma mera
ilustração.
(P.127) 4.5 História e filme.
A História do cinema surgiu com a invenção do
cinematógrafo (1895). Um aparelho capaz de gravar e projetar imagens em
movimento. Mudos até 1920, rapidamente esse novo tipo de mídia conquistou o
mundo.
Chegou-se ao ponto de em 1898 o câmera polonês
Boleslas Matuszewski anunciar as “fotografias animadas” como o testemunho verdadeiro
e inquestionável da História.
Essa crença de que o filme, seja ele de reconstrução
histórica, ficção ou documentário, é a representação do vivido é altamente questionada
pelos historiadores. Pois, um filme independente de seu gênero, é um produto
direto do tempo em que foi feito. E isso é fundamental para quaisquer análises
históricas.
(P.128) Nos “filmes
históricos” há o problema de que eles podem misturar livremente realidade e ficção.
Por ser uma expressão artística ele pode se valer de sua imaginação para
produzir “sua” própria história e tudo sem comprovação.
Um “filme histórico” é sempre um misto de história e
do momento em que foi feito. Um filme pode passar a ideia de uma representação
fiel da realidade histórica e do passado, nada mais enganador.
(P.132) 4.6 História e internet.
O computador e a internet causaram um grande impacto
no mundo contemporâneo. Uma nova forma de leitura e distribuição de informações
popularizou-se rapidamente implicando novas maneiras de lidar com o conhecimento.
A internet tornou-se uma ferramenta útil ao
historiador, ajudando na pesquisa quantitativa, em gráficos, na conservação de
acervos e na rapidez da troca de informações. Por outro lado, a rede também é responsável
pela divulgação de notícias sem compromisso metodológico e na vulgarização da
história.
Fonte:
FERREIRA, Marieta de Moraes. Aprendendo
História: Reflexões e ensino. São Paulo. Ed do Brasil. 2009.