domingo, 21 de junho de 2020

RESENHA: Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire



Parte I: Contexto Histórico e biográfico.
Biografia.
Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997).
Nasceu em Recife – PE.
Mundialmente conhecido como educador e filósofo brasileiro.
Integrou o movimento denominado de “Pedagogia Crítica”.
1943: Ingressou na faculdade de Direito de Recife. Nunca advogou.
1944: casou-se com a professora primária Elza Maria Costa de Oliveira, com quem teve cinco filhos. Elza foi a inspiração de freire na alfabetização de trabalhadores pobres, principalmente rurais.
Desenvolveu a ideia de uma alfabetização conscientizadora com a finalidade de possibilitar a libertação do oprimido.
1959: defendeu sua tese de doutorado, onde expôs ideias pedagógicas sobre escola democrática, definida como a que centra o processo de ensino-aprendizagem no educando e utiliza uma abordagem política no ato de alfabetizar.
1963: realizou a experiência de alfabetização de adultos na cidade de Angico-RN, alfabetizando 300 trabalhadores rurais em 45 dias.
Características da Obra “Pedagogia do Oprimido”.
Paulo Freire sempre se preocupou com a educação popular. Buscando não apenas ensinar a ler e escrever, mas formar cidadãos com consciência política. Seus livros deixam claro seu posicionamento em favor dos oprimidos.
No livro Pedagogia do Oprimido conheceremos o processo de alfabetização de adultos criado por ele.
Sua pedagogia se desenvolve por meio do diálogo e da postura democrática. Desconstruindo a postura de professor ensina e aluno aprende. Para Freire na relação professor/aluno ambos se educam.
Neste livro, Freire ataca a educação tradicional (que ele chama de bancária) vista como tecnicista e alienante.
Para Paulo Freire, a alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador. Dessa maneira, o trabalhador deveria conhecer sua realidade, inserir-se nela criticamente e buscar transformá-la. A alfabetização era antes de tudo, uma alfabetização política.
Contexto histórico.
Mundial:
·        Crise de 1929;
·        Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria;
·        Bipolarização e ideologia mundial;
·        Revolução Cubana e Chinesa.
Brasil:
·        Estado Novo;
·        Golpe Militar – perseguições políticas;
·        Crises econômicas da década de 1980;
·        Redemocratização.

Parte II: Justificativa da Pedagogia do Oprimido.
Introdução.
Livro mais conhecido de Paulo Freire. Propõe uma nova pedagogia centrada no relacionamento entre professor, aluno e sociedade.
O livro Pedagogia do Oprimido apresenta o método de alfabetização criado por Paulo Freire. Os participantes eram camponeses analfabetos que Freire não denominada como alunos, mas como participantes. Esta é uma pedagogia construída com eles, a partir da vida deles.
Pedagogia do oprimido é uma obra universal, pois ultrapassou as fronteiras culturais, linguísticas e temporais. Contribuiu para o questionamento e a problematização dos processos educativos em todo o mundo.
As principais questões levantadas pelo livro são:
·        a possibilidade de emancipação dos homens;
·        características da educação libertadora;
·        papel dialógico;
·        Construção da personalidade democrática.
Neste livro o autor faz duras críticas a ordem social geradora e mantenedora da opressão e a miséria.
A justificativa da Pedagogia do Oprimido.
O livro é endereçado aos miseráveis sofredores do mundo e a todos aqueles que desejam lutar ao lado dos oprimidos do mundo por sua liberdade.
O livro prega uma mudança radical no modo de pensar e conduzir a educação, na relação professor/aluno e na vida dos educandos. Para Paulo Freire não cabe ensinar algo alienado, desconectado da realidade, nem de tratar de conteúdos, mas de problematizar temas que tenham relação com a vida dos sujeitos, com seus problemas, angustias e necessidades.
 Por ser uma pedagogia do oprimido, ela não pode ser realizada pelo opressor. É o próprio oprimido que terá que realizar o grande esforço de sua libertação, percebendo e retirando de si o hospedeiro (opressor) que lhe oprime e impede de enxergar com clareza a realidade e a situação de opressão.
É necessário que o oprimido tome consciência de sua opressão e liberte-se
Contudo, há no processo de libertação dos oprimidos uma contradição. Muitas vezes no momento em que tomam consciência de sua própria opressão, os oprimidos desejam se tornar novos opressores. É neste ponto que há a necessidade de uma educação libertadora que supere essa contradição e restaure a humanidade. Contudo, libertar-se a si mesmo e aos outros é tarefa difícil. Ao expulsar o opressor que reside em nós, devemos preencher o espaço com autonomia e responsabilidade.
Freire criticava o imobilismo subjetivista que fazia com que o oprimido esperasse pacientemente sua liberdade, como se ela fosse uma doação e não uma conquista.
A situação concreta de opressão e os opressores.
Do ponto de vista dos opressores, tudo o que retire o seu direito de oprimir significa opressão a eles. Sentir-se-ão como os novos oprimidos. Para os opressores, mais importantes do que ser é ter, e eles querem ter cada vez mais, mesmo que isto custe a miséria de muitos. O dinheiro é a medida de tudo e o lucro o objetivo maior.
A situação concreta de opressão e os oprimidos.
O oprimido é ao mesmo tempo hospedeiro do opressor, replicante de sus discursos e de suas práticas. É necessário conhecer o oprimido para localizar e arrancar o opressor que habita nele.
Há um fatalismo no modo de pensar do oprimido que vê nele mesmo, na natureza, em sua preguiça, sua incapacidade ou no desejo de Deus os motivos de sua miséria. Quando na realidade sua miséria é causada por uma ordem econômica injusta que o oprime.
Para Freire, é necessário que o oprimido perceba exemplos de vulnerabilidade no opressor, desconstruindo assim o mito de sua intransponibilidade.
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.
Paulo Freire argumenta sobre a necessidade do constante diálogo crítico com os oprimidos. O processo de libertação em comunhão se dá pelo fato de que, sozinho não é possível ao homem alcançar s níveis mais elevados de percepção da realidade. É no diálogo que os homens aprendem mais.

Parte III: A concepção bancária da educação.
A concepção “bancária” da educação como instrumento da opressão: seus pressupostos, suas críticas.
Educação bancária.
Conceito criado por Paulo Freire. Usado para se referir ao processo de educação como ato de depositar, de transferir, de transmitir calores e conhecimentos por meio da narração de conteúdos.
Na educação bancária, há uma separação entre o sujeito que narra e os ouvintes, onde o educador conduz os educandos à memorização mecânica dos conteúdos narrados.
Os conteúdos são desconectados da realidade e da totalidade em que surgem, não ganham significação e transformam os educandos em receptáculos de conhecimentos fragmentados, sem espaço para a criatividade e para a transformação.
O objetivo da educação bancária é adaptar os educandos aos valores do mundo, garantindo o status quo. Transformando apenas a mentalidade do oprimido e não a situação que o oprime.
A educação bancária não favorece a mobilidade social e nem o questionamento. Esse tipo de educação não leva ao saber, pois, só existe saber na invenção e reinvenção, na busca inquieta, paciente, permanente que os homens fazem do mundo, com o mundo e com os outros.
Educação problematizadora.
Proposta por Freire em contraposição à concepção bancária.
Longe da pura e simples transmissão de conhecimento, a educação problematizadora assume o caráter de problema, desafio, invenção e construção de conhecimento. Com uma prática que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo!
Dialogicidade.
Ao contrário da educação bancária e sua “transmissão” de conhecimentos, Paulo Freire propõe na Educação Problematizadora a dialogicidade.
Ao invés da narrativa (professor) e da escuta (aluno), há um diálogo franco entre as duas partes.
O papel do professor (educador problematizador) é proporcionar as condições, para que durante o diálogo, ocorra a superação do conhecimento no nível do senso comum do aluno (doxa) pelo verdadeiro conhecimento no nível da reflexão científica (logos).
Paulo Freire chama o conhecimento prévio do aluno de percepção ingênua da realidade. E é ela quem deve ser superada através da dialogicidade e da educação problematizadora.

Parte IV. A dialogicidade: essência da educação como prática da liberdade.
A dialogicidade.
Dialogicidade > Diálogo > Palavra.
A palavra para Freire possui duas dimensões extremamente importantes: ação e reflexão. A perda da interação entre essas duas dimensões leva o dialogo por diferentes resultados:
·        Sem ação a palavra se transforma em blá, blá, blá.
·        Sem reflexão a palavra se transforma em ativismo.
A Dialogicidade, o diálogo e a palavra (contendo ação e reflexão), pronunciam o mundo e, ao pronunciá-lo, o problematizam e ao problematizarem, o transformam.
O diálogo, base desta educação, só acontece quando a palavra é dita com o outro e mediatizado pelo mundo.
O diálogo é o ato de criação e de recriação, é um ato de libertação do homem.
Educação Dialógica e Diálogo.
Uma educação dialógica, fundada no diálogo ocorre numa relação de humildade e pedagogicamente horizontal.
O papel do diálogo começa na busca pelo conteúdo a ser trabalhado. O conteúdo deve ser buscado a partir do ponto de vista, anseios, dúvidas e esperanças do aluno. Eles são temas significativos para a problematização.
O conteúdo não deve ser uma imposição, ou um conjunto de informes a ser depositado nos educandos.
O conteúdo para ser libertador deve ser organizado a partir da situação presente e concreta dos educandos. Refletindo um contexto específico.
O educador auxilia o indivíduo a problematizar essas questões e a desenvolver um pensamento crítico sobre elas, propondo uma reflexão sobre sua condição. O papel do educador é instigar respostas tanto no nível intelectual, quanto no nível da ação, uma vez que a educação é um ato político.
O autor adverte que o educador não deve dissertar sobre as questões a serem trabalhadas. Seu papel não é de falar sobre sua visão de mundo, mas sim dialogar sobre as visões de mundo do povo.
Os temas geradores são sempre relativos à época e a sociedade em que se vive. Por isso são sempre diferentes em cada comunidade. Há contudo, problemas que atingem todas comunidades oprimidas e a humanidade. Esses temas são legítimos de serem dialogados, se forem trazidos pelos próprios sujeitos.
É a partir de temas geradores locais, que podemos partir para temas regionais, nacionais, continentais e universais.
Para buscar temas geradores, o educador deve conhecer a realidade do educando, seu trabalho, lazer, bairro, costumes... Tornando-se uma espécie de investigador de campo, reunindo a maior quantidade de material possível. O relatório final deve ser discutido em assembleia com os educandos, um psicólogo e um sociólogo. A reunião decidirá o que será trabalhado.
Na educação como prática de liberdade, como problematizadora e dialógica, jamais o conteúdo será depositado nos indivíduos, pois este se organizará a partir de sua visão de mundo.
Após a metodologia dos temas geradores, bem a metodologia da ação sobre os temas refletidos. É hora de transformar seus supostos determinantes históricos.

Parte V: Teoria da ação antidialógica.
Ação antidialógica.
A teoria antidialógica é oposta a Dialogicidade.
Dialogicidade: o diálogo real com as massas oprimidas e luta contra o status quo.
Antidialogicidade: o diálogo não ocorre e a intenção é manter o estado de opressão. Utilizada para mantes os opressores no poder.
Para Freire o homem é um ser de práxis (ação e reflexão) incidindo sobre as estruturas a serem transformadas. Não havendo revolução apenas com verbalismo ou ativismo, mas com práxis.
As lideranças dos oprimidos não podem negar a práxis. Eles devem agir em conjunto com as massas, pois caso contrário isso levaria à manipulação.
O autor chama de idealista aqueles que pensam que basta uma simples reflexão sobre a realidade opressora, para que os oprimidos se percebam como sujeitos.
O autor também deixa claro a diferença entre ativismo e ação revolucionária:
·        Ativismo: uma massa é liderada por um líder.
·        Ação revolucionária: os sujeitos são responsáveis por sua ação libertadora.
A liderança revolucionária popular é aquela que através do diálogo e da comunicação leva as massas ao conhecimento, a ação e a libertação.
Segundo Freire, os líderes que pensam que a revolução se faz primeiramente chegando ao poder, para depois educar as massas estão enganados, pois dessa forma, não é feita uma revolução com as massas, mas uma revolução de um grupo que supostamente está representando as massas. Isso pode levar a uma estratificação e uma burocratização, que é quando os líderes veem a revolução apenas como um meio de dominação, e se tornam, eles mesmos, a própria elite dominante.
Teoria da ação antidialógica.
Freire divide a ação antidialógica em quatro tópicos: conquistar, dividir para manter a opressão, manipulação e invasão cultural.
1. Conquista.
Primeiro aspecto antidialógico é a conquista. A elite opressora necessita elementos para sustentar sua dominação.
O dominador é antidialógico, mas precisa conquistar o dominado e isso ocorre de diversas maneiras, as vezes sutis como o paternalismo, e as vezes agressiva como a dominação.
O resultado da conquista é um ser/sujeito objeto, alienado que vê o mundo como dado e ao qual os homens devem se ajustar e não problematizar.
2. Dividir para manter a opressão.
Dividir a classe oprimida e mantê-la dividida é condição indispensável à continuidade do poder da classe opressora. Estes veem na união, organização e luta do oprimido um perigo a sua hegemonia. A divisão feita pelos opressores, visa enfraquecer os oprimidos, ilhando-os e criando cisões entre eles.
3. Manipulação.
Usado pelas classes opressoras para que as massas se conformem com a opressão.
As massas mais imaturas politicamente são as mais facilmente manipuladas por meio de comunicados e promessas enganosas.
4. Invasão cultural.
É a penetração cultural da classe dominante sobre o contexto cultural dos dominados. Impõe-se sua visão de mundo e impede a criatividade e a originalidade das classes oprimidas.
O propósito da invasão cultural é a alienação, a dominação cultural, a desvalorização de padrões de vida da massa, sempre visando moldar novos padrões e modos de vida nos oprimidos. Uma vez invadido culturalmente, é difícil para o oprimido ter força para romper com essa aderência.
Revolução Cultural.
Para sair dessa situação de invasão cultural, Freire defende uma “Revolução Cultural”. Feita a partir da ação cultural dialógica, que toma em consideração a importância da reconstrução da sociedade em sua totalidade, por meio do poder revolucionário de todos, e não apenas de alguns líderes.
Teoria da ação dialógica e suas características.
Colaboração.
Os sujeitos se unem para transformar o mundo em “co-laboração”(trabalhar juntos). Não há sujeito que domina e objeto dominado, mas sujeitos que em comunhão mudam o mundo.
O diálogo é a base da co-laboração, pois o diálogo não maneja e não domestica.
Unir para a libertação.
Comunhão entre os oprimidos.
Organização.
Organização e justaposição de oprimidos para a luta.
Síntese cultural.
O que a ação cultural dialógica propõe é a superação das contradições que dificultam a libertação do homem.
A síntese cultural pretende a integração dos homens do povo e sua ação no mundo, e se apresenta como instrumento de superação da cultura alienante.


Fonte:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 68.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

sábado, 20 de junho de 2020

FICHAMENTO: Discurso da Servidão Voluntária de Etienne de la Boétie.



 (P.07) Um grito de liberdade (Casemiro Linarth).
Étienne (Estevão) de la Boétie nasceu em Sarlat-la-Canéda na França no ano de 1530 e faleceu em 1563 com apenas 32 anos de idade. Foi contemporâneo de Michel de Montaigne com quem desenvolveu uma estreita amizade que perdurou por toda sua curta vida. Montaigne foi o responsável por preservar os escritos de Étienne e ainda escreveu “Ensaio sobre a amizade” em sua homenagem.
Nesta obra, La Boétie afirma ser possível resistir a opressão sem recorrer à violência. Segundo ele, a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se recusam a consentir com sua própria escravidão. Sua obra é uma espécie de gérmen da resistência pacífica e da desobediência civil.
A originalidade da obra está na ideia de servidão voluntária. Para Etienne, o servo possuí sua parcela de culpa em sua própria servidão. Desta forma, a servidão não é forçada, mas sim voluntária.
(P.08) Como imaginar que um ou um pequeno grupo de indivíduos seja capaz de subjugar muitos? Só a força não responde esta questão, é necessário entender a obediência consentida.
Essa ideia inspirou anarquistas a desenvolverem movimentos de desobediência civil, pois já que o poder se constrói sobre a obediência, basta parar de obedecer para que o sistema todo entre em colapso.
O século de La Boétie.
o século XVI foi o século da política: surgimento e amadurecimento de jovens Estados Nacionais. Diversos autores escrevendo sobre política: Erasmo de Roterdã, Maquiavel, Thomas More, Jacques Lefévre d’Etaples, entre outros.
(P.09) Uma família de magistrados.
Étienne de La Boétie nasceu em 1 de novembro de 1530 em Sarlat, sudoeste da França, em uma família rica e culta de magistrados.
Seu pensamento é marcadamente influenciado pelo renascimento, pelos conceitos republicanos e pela antiguidade clássica.
Cursou direito em um momento em que a França descobria e tentava aperfeiçoar as leis do jovem Estado.
(P.10) Um espírito novo.
La Boétie formou-se com honras e assumiu o cargo de conselheiro do Parlamento de Bordéus.  Foi neste período que se casou com a cunhada de Michel de Montaigne.
Uma amizade famosa.
Estabeleceu-se uma grande amizade entre os dois.
(P.11) Uma missão especial.
Etienne foi incumbido de diversas missões diplomáticas entre católicos e protestantes franceses.
(P.13) Doença e morte.
Morreu de desinteria em 18 de agosto de 1563.


(P.15) Uma História curiosa (Casemiro Linarth).
O livro de Étienne foi utilizado, dez anos após sua morte, pelos huguenotes (protestantes) para denunciar o massacre de São Bartolomeu. Partes de seu livro eram impressas e distribuídas para fomentar rebeliões. As guerras religiosas europeias se arrastaram por muitos anos.
(P.16) As obras de La Boétie.
Foram recolhidas, organizadas e publicadas postumamente por Montaigne.
Um texto militantes.
Trechos do livro Discurso da Servidão Voluntária circulavam clandestinamente pela França e Montaigne achou melhor não o publicar naquele momento. Assim, o Discurso assumia um tom militante, incitando revoltas contra a monarquia. Contudo, La Boétie defendia a resistência pacífica.
(P.17) Um exemplar raríssimo.
Durante séculos, a obra de La Boétie ficou em termos “escondida”, “esquecida”.

(P.21) O DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA.
(P.23) La Boétie inicia seu livro analisando uma frase de Odisseu (Ulisses) disse em A Ilíada, “não é bom ter vários senhores. Um só seja o senhor, um só seja o rei”. Para Étienne bom mesmo é não ter senhor. Seja um ou muitos, eles sempre causam infelicidade.
(P.24) O objetivo deste livro é entender como tantos homens, tantas cidades, tantas nações suportam a opressão e o despotismo de um só tirano. Ver um milhão de pessoas dobrar a cabeça a um único homem, não que eles sejam obrigados – um homem não é mais forte que um milhão – mas que o fazem por fascinação e encanto.
(P.25) Os deveres recíprocos da amizade absorvem boa parte de nossas vidas.
A natureza humana nos obriga a sermos recíprocos com quem nos faz o bem e a quem amamos. Não é incomum reduzirmos nosso bem-estar para aumentar a honra, o progresso e o conforto de quem amamos. Quando um país encontra um homem bom que pode protegê-lo e governá-lo, com o tempo habituamo-nos a obedecê-lo e a confiar nele ao ponto de ceder algumas vantagens a este líder.
Que desgraça de vício é esse? De que os homens se submetem as vontades de um único homem? Não as vontades de um poderoso Hércules, mas ao mais covarde e afeminado ser da nação.
(P.26) Seria isso covardia? Quando quatro homens não se defender de um, chamamos de covardia, mas quando cem países, mil cidades e um milhão de homens não o fazem recebe outro nome.
Quais irão com mais coragem ao combate?
Coloquem frente a frente dois exércitos, um lutando por sua liberdade e outro para subjugar e escravizar o povo inimigo. Qual apresentará mais coragem?
(P.27) Basta observar a História para perceber a motivação que a liberdade cria. Basta observar os gregos e persas, como a defesa da liberdade animou um exército menor a vencer um maior.
Então, como é possível que cem mil homens que lutam por sua liberdade possam ser reprimidos por apenas um, que lhes priva de sua liberdade?
(P.28) Não é preciso combater este tirano para que ele caia, basta que o país deixe de consentir com sua servidão. É o próprio povo que consente com seu maltrato e privação da liberdade, é o povo que renuncia a sua liberdade e aceita o jugo, ele consente e procura seu sofrimento.
Mais arruínam e destroem quanto mais é dado a eles.
(P.29) Quanto mais lenha um fogo recebe, mais ele queima. Para apaga-lo não é preciso jogar água, basta parar de alimentá-lo. Do mesmo modo, os governantes que mais pilham são os que mais exigem e segundo La Boétie não é necessário enfrenta-los, basta não os obedecer e não lhes dar mais nada.
Viveis de tal maneira que não podeis gabar-vos de que algo vos pertence.
Povos inteiros vivem na miséria e tem seus bens roubados por apenas um inimigo, que só é grande pelo poder que os próprios miseráveis deram a ele.
(P.30) O homem que o oprime, possui o corpo de qualquer homem comum. As mil mãos que golpeiam, os mil olhos que espionam são cedidos pelos próprios oprimidos. Somos cumplices de nosso assassino, receptores do ladrão que nos pilha e traidores de nós mesmos.
Sendo que não é necessário enfrenta-lo, mas, como o fogo, basta parar de alimentá-lo, basta não mais servir e sereis livre.
(P.31) Somos todos companheiros, ou melhor, todos irmãos.
Se seguíssemos os preceitos da natureza seriamos obedientes apenas aos pais, sujeitos a razão e não seriamos escravos de ninguém. Deus nos criou diferentes em dons; uns mais espertos e outros mais fortes, não para que estes oprimissem o resto, mas para que como companheiros e irmãos uns ajudassem aos outros.
(P.32) Boétie considera a liberdade um dom natural. Basta olhar os animais que morrem quando são capturados.
(P.33) O cavalo deve ser preparado desde o nascimento para receber cela e se acostumar a servir.
(P.34) Sugam como o leite a natureza do tirano.
Há três tipos de tiranos: uns adquirem o poder pela eleição do povo, outros pela força das armas, e o último por sucessão hereditária.
Os que chegam ao poder pelas armas, comportam-se como se estivessem em um país conquistado.
Os que herdam, veem o povo como súditos e servos, os ignoram e os veem como inferiores.
Teoricamente os eleitos deveriam ser melhores, mas logo encantam-se com o poder e logo criam mecanismo para perpetuarem-se.
Estes três, embora cheguem ao poder por meios diferentes, governam todos da mesma maneira.
(P.36) Não só perdeu a liberdade, mas ganhou a servidão.
É incrível ver como um povo, quando é submetido, esquece rapidamente de sua liberdade, não conseguindo despertar para reconquistá-la. Serve tão bem que não só perdeu a liberdade, como ganhou a servidão.
É verdade que no início os vencidos servem pela força, mas as gerações seguintes servem sem relutância e voluntariamente.
(P.39) Experimentaste o favor do rei, mas não sabe o gosto delicioso da liberdade.
(P.41) Sobre as gerações que nascem sob o jugo da servidão. Elas não resistem, pois, nunca se lamenta o que nunca se teve. O homem é naturalmente livre e quer sê-lo, mas sua natureza é tal que ele se amolda facilmente a educação que recebe. Assim, a primeira razão para a servidão é o hábito.
(P.42) O tirano os priva de toda liberdade, não só de falar e de agir, mas até de pensar.
Os tiranos percebem que os livros e a instrução dão aos homens o bom senso e o entendimento para odiarem a tirania. Assim, em geral os tiranos atacam a educação e aos sábios.
(P.44) Mas a principal razão pela qual os homens servem voluntariamente é por que nascem servos e são educados como tais. Desse fato ocorre outros: sob a tirania os homens tornam-se covardes e afeminados.
(P.45) Os homens livres são guerreiros, os submissos covardes.
Os tiranos, prejudicando a todos, são obrigados a temer todo mundo.
A punição dos tiranos segundo Xenofonte é a falta de paz e ter que temer a todos. Por isso, muitos reis armam mercenários para a guerra, por não confiarem em armas na mão de seu povo.
(P.47) Os meios que os tiranos empregam para entorpecer seus súditos sob o jugo.
O teatro, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores, os animais ferozes, as medalhas e outras drogas semelhantes eram para os povos antigos a isca para a servidão, o preço de sua liberdade. O meio de embrutecimento do povo utilizado pelo tirano.
“Nero foi um tirano, mas suas festas eram maravilhosas” lamentavam os romanos.
(P.49) Alguns belos discursos sobre o bem público e o interesse geral.
Os imperadores romanos ainda assumiam para si o título de Tribuno do Povo, ofício considerado santo e sagrado pela população. Encobrindo seus verdadeiros ideais em belos discursos sobre o bem público e interesse geral.
Os reis da Assíria, apareciam raramente em público, criando entre o povo (de imaginação fértil) que estes reis possuiriam qualidades sobre-humanas, tornando-o uma divindade.
Essas mentiras e contos sobre habilidades sobrenaturais dos reis representaram muitas vozes na História: Egito, Roma, Idade Média, etc.
(P.53) La Bopetie se pergunta: não está claro que os tiranos, para se manter no poder, esforçam-se para acostumar o povo, não só a obediência, mas ainda a sua devoção?
Contudo, os métodos explicitados até aqui servem apenas para habituar à servidão os homens miúdos e grosseiros.
(P.54) A mola mestra da dominação, o apoio fundamental da tirania, não são os miseráveis, nem os guardas do palácio, mas na verdade 4 ou 5 pessoas. São apenas 4 ou 5 pessoas que mantém o tirano e conservam um país inteiro na servidão.
Cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, favorecedores de sua libidinagem e beneficiários de suas rapinas.
Um tirano conserva 5 ou 6 homens de sua confiança que servem a ele. Esses seis homens mandam em outros 600, estes 600 comandam mais 6 mil. A tirania se mantém, segundo Leandro Karnal (em uma palestra sobre Etienne de La Boétie), graças a uma cascata de tiranias, que vem do topo da pirâmide até sua base.
(P.55) Assim, milhões estão ligados a um tirano por uma espécie de corda invisível, onde os beneficiados pela tirania mantêm sob seu jugo, aqueles que são oprimidos. Surgem pequenos tiranos sob o grande tirano.
É assim que o tirano subjuga os súditos, uns por meio dos outros.
Aqui ele apresenta os bajuladores e aduladores do tirano.
(P.58) Essas pessoas de bem não poderiam manter-se junto ao tirano.
Pessoas realmente boas, jamais aceitariam viver como vivem os bajuladores do tirano. Mesmo que esteja disfrutando da graça e da riqueza do tirano.
(P.60) Os tiranos não possuem amigos. Os tiranos traem e são traídos por pessoas que lhe são queridas.
(P.61) O tirano nunca ama e nunca é amado.
O tirano nunca ama e nunca é amado. A amizade é um sentimento sagrado que só existe entre pessoas de bem. Ela nasce da estima mútua e nunca da bajulação.
Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, se temem. Não são amigos, mas cumplices.
(P.62) Mostrar sempre um rosto sorridente quando o coração está apreensivo.
Os gananciosos que cercam o rei, o fazem ao ver o brilhar de seus tesouros (a esperança de enriquecer), mal sabem que estão cavando suas próprias covas. E mesmo que se salvem com a queda do tirano que servem, poderão eles se salvarem do rei que vem depois?
(P.63) Que vida é essa onde a traição espreita a toda parte, sorrir e desconfiar de todos.
Ao final, Boétie joga uma praga aos tiranos e seus servos: “espero que exista um cantinho especial no inferno esperando para eles”.
 Referência:
BOÉTIE, Etienne de la. Discurso da Servidão Voluntária. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2017.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

APRENDENDO HISTÓRIA - Conceitos básicos para iniciantes.

Quiz de História: Você consegue acertar quantas questões? | MagiCash
Tudo o que alguém que iniciou seus estudos sobre história recentemente precisa entender para começar sua imersão nesta disciplina está contido neste fichamento. Boa leitura.

(P.11) Parte I. O que é história.
1.1. Os Significados da História.
A palavra História vem do grego “testemunho” e sua origem etnográfica está muito ligada ao ato de ver (histor = “aquele que vê”).
Para entendermos o conceito de História e diferenciá-lo cientificamente do conjunto de eventos vividos por um indivíduo (afinal, todos nós temos uma história), devemos entender o que é a História (como ciência) e qual o papel do historiador.
(P.12) A palavra história possuí três significados fundamentais:
Ø  História como ciência que estuda o passado. (Letra maiúscula).
Ø  A história (passado) como matéria-prima da ciência História.
Ø  A história como uma narrativa, verdadeira ou falsa. Ato de narrar um acontecimento.
(P.13) A História como ciência agrega os dois outros significados (passado e narrativa) dentro de si. O grande diferencial está no fato da História possuir metodologias e técnicas próprias que lhe delegam o posto de ciência. Ou como disse Marc Bloch, “Ciência do Homem no tempo”.
(P.16) 1.2. As funções da História: a mestra da vida.
Nas sociedades arcaicas, o mito exercia função primordial para a explicação de eventos e fenômenos da natureza. Os mitos eram explicações fantasiosas que recorriam ao sobrenatural para dar inteligibilidade a acontecimentos que estas civilizações não compreendiam.
Foi na Grécia antiga que se iniciou um movimento de diferenciação entre mito e História. A primeira diferenciação foi levada a cabo por Heródoto, o pai da “História”, que elaborou sua escrita baseando-se em fatos, não em imaginação.
(P.17) Em seu livro “Histórias” uma narrativa sobre as Guerras Médicas, Heródoto partia de acontecimentos reais e possuía uma localização espacial e temporal (diferente do mito). O autor realizou uma longa pesquisa, selecionou fontes, localizou fatos e explicou eventos a sua maneira.
Heródoto foi seguido por Tucídides que escreveu sobre a Guerra do Peloponeso. Uma característica desses historiadores gregos era a escrita sobre um passado recente (Tucídides participou da guerra). E a grande preocupação desses historiadores era registrar esses acontecimentos para que no futuro eles servissem de exemplo as próximas gerações. Essa noção de História como exemplo, perdurou até fins do séc. XVIII.
Na Idade Média somou-se a está visão de história como exemplo, o ideal cristão moralizador. Santos e reis antigos eram modelos de comportamento para os homens do presente.
(P.18) No iluminismo o passado ainda permaneceu como um exemplo aos homens do presente, mas acrescentou-se a ele uma ênfase na racionalidade imbuída de um extremo otimismo no futuro, na civilização e no progresso.
(P.20) Segundo Reinhart Koselleck, durante mais de dois mil anos, a História conservou-se com um caráter puramente pedagógico de prevenção de erros do passado. Uma História pautada na máxima de Cícero como a mestre da vida.
(P.22) 1.3. O século XIX e as mudanças no conceito de História.
A Revolução Francesa (1789) foi a responsável por alterar o modo de escrita da História. A ruptura causada pela revolução atacou a “ordem” natural das coisas e mudou de uma vez por todas a maneira de se entender o passado. Com a Revolução Industrial, as cidades cresceram e o ritmo de vida acelerou, logo instituições milenares foram questionadas e o mundo mudava numa velocidade nunca antes vista.
(P.23) Logo surgiram duas correntes historiográficas que desejavam entender novo mundo que emergia destas revoluções:
1.      Revolucionário e emancipadora, liderada por iluministas franceses e alemães que exaltavam o ato revolucionário francês e as transformações decorrentes dela.
2.      Conservadora e tradicionalista, que via a revolução como um erro que deveria ser superado e esquecido.
O embate entre essas vertentes logo deixou claro que o passado não era apenas um repertório de exemplos, mas um campo acirrado de disputas sobre o passado e sua memória.
Contudo no século XVIII a História era uma disciplina incipiente e sua escrita era feita por amadores que se utilizavam dos métodos que mais lhes convinham. Foi apenas no século XIX que a História se emancipou das outras Ciências Humanas, alcançando sua profissionalização.
(P.27) 1.4. A Construção do campo disciplinar.
O século XIX foi marcado pela profissionalização das disciplinas e institucionalização do conhecimento histórico nas universidades. Logo houve um enorme empenho em separar a História de outros gêneros, como a literatura. A crença na contribuição da História para o conhecimento humano foi percebida nesta época, através de esforços dos Estados em organizarem arquivos nacionais.
Progressivamente, a História foi se revestindo de um caráter científico, apesar de em alguns lugares, como na França, ela ainda ser tutelada pela literatura, filosofia e interesses políticos.
(P.28) Com a III República Francesa (1870) e a preocupação dos republicanos com a utilização da História por grupos conservadores, as novas elites republicanas estabeleceram métodos próprios para a decifração de documentos e afastar amadores da disciplina.
Charles Seignobos e Charles Langlois publicaram em 1898 “Introdução aos Estudos Históricos”, manual que define regras da escrita histórica. Definindo- a como uma ciência que tinha como objetivo descrever por meio de documentos as sociedades do passado e suas transformações. O foco era o uso dos documentos e o distanciamento do presente. Quanto mais distante do contemporâneo, melhor.
(P.31) 1.5. O ofício do historiador.
De seu surgimento como um gênero na Grécia, até sua profissionalização no século XIX, o ofício do historiador mudou muito. De um simples cronista dedicado a recolher exemplos do passado, traçar linha genealógicas e descrever batalhas, o historiador passou a ser o especialista responsável por utilizar métodos criteriosos de pesquisa e escrita deste campo das Ciências Humanas.

Parte II – Vertentes historiográficas.
2.1. O que é historiografia?
Historiografia é a responsável por estudar a escrita da História, analisando o conjunto de escritos de historiadores acerca de um tema ou período específico, ou seja, analisando sua produção historiográfica. A História é constantemente reescrita, pois as interpretações sobre o passado e o vivido mudam com o tempo e com a pessoa que a interpreta. Estudar a historiografia é rever e analisar as diferentes narrativas, interpretações, visões de mundo, fontes, entre outras, que foram utilizadas para produzir narrativas sobre o passado.
(P.36) Os vestígios do passado não fornecem uma única possibilidade de compreensão. Na verdade, fornecessem indícios possíveis às perguntas feitas pelo historiador em sua análise. Por exemplo, é fato em 1789 estourou uma Revolução na França, mas casa historiador irá interpretar à sua maneira a importância, suas motivações e influências.
(P.37) Estudar a “História da História” ajuda a entender como o discurso historiográfico não é neutro, e sim sustentado por verdades provisórias, sempre sujeitas a reavaliações. Mostrando de maneira inegável que o passado não é um assunto morto.
(P.40) 2.2. A Escola Metódica.
A Escola Metódica surgiu em torno no positivismo do século XIX, movimento que pretendia transformar todas as áreas do conhecimento o em ciência. Criticando especulações filosóficas e buscando o máximo de exatidão com as fontes. Organizando inventários e documentos, esses historiadores metódicos foram os primeiros a organizar a profissão na Europa.
Com a escolarização em massa e a escrita da História nas mãos de profissionais, a História transformou-se no século XX em uma disciplina de grande importância para a formação das massas.
Uma das principais influências da corrente metódica foi o historiador alemão Leopold Von Ranke (1795-1886). Ele criticava o predomínio da Filosofia na História e seus excessos especulativos, subjetivos e moralizantes. Ranke inaugurou a moderna forma de conceber a escrita da História seguindo os procedimentos de uma ciência. (P.41) A História deixaria de ser um braço da teologia e do Direito nas universidades alemãs, para ter identidade própria.
Em 1898, os historiadores franceses Charles – Victor Langlois Charles Seignobos publicaram “Introdução aos estudos históricos”, livro referencial da escola metódica, pois traça as diretrizes do ofício do historiador de maneira a atingir a objetividade histórica.
Muitas vezes chamamos erroneamente a Escola Metódica de Positivista. Na verdade, a Escola Metódica tem a pretensão de encontrar uma História positiva (não positivista), no sentido de ser verificável por meio de documentos.
Vulgarmente se diz que Langlois e Seignobos tinham a pretensão de criar uma verdade absoluta de História. Contudo, em seu livro eles deixam bem claro que o conhecimento histórico é sempre indireto (fontes), o que impossibilitava conhecer o passado tal qual ele aconteceu.
Esta escola metódica viu-se confrontada por desafios de ordem prática. Como por exemplo, a formulação de histórias nacionais criadoras de um passado comum a fim de fortalecer os Estados Nacionais que emergiam.
(P.42) A escola metódica portanto é marcada por duas visões contraditórias:
1.      criar e definir um conjunto de regras e normas de uma nova disciplina científica.
2.      Engajamento republicano e formação de sentimento nacionalista.
Leopold von Ranke via a História como uma mistura entre ciência e arte. Ciência ao coletar, arte ao dar forma ao colhido.
(P.43) Seignobos e Langlois definiram as regras para a escrita da História, seu objetivo era ser um manual que ensinasse o jeito certo de descrever, por meio de documentos, as sociedades passadas e suas transformações. O documento e a crítica separavam a “história científica” da “história literária” dos ensaístas.
(P.45) 2.3. Os annales.
O reinado da escola metódica durou por todo século XIX. O século XX marcou a fundação na França da revista Annales (1929) por Marc Bloch e Lucien Febvre e da École Pratique des Hautes Études (1948), cuja Febvre era presidente e deu início a um profundo movimento de transformação da História.
Buscando uma História total essa geração de historiadores conhecidos como École des Annales, começou a questionar a hegemonia da História política. Defendendo uma concepção privilegiada da História econômica e social com novos objetos e fontes.
Essa nova História sustentava que as estruturas duráveis são mais reais e determinante do que os acidentes de conjuntura, ou seja, para a compreensão da história os fenômenos d longa duração são mais significativos do que os de pequena duração. Ainda segundo os annales os comportamentos coletivos têm mais importância sobre o curso da história do que as iniciativas individuais.
A realidade do trabalho e da produção, e não mais os regimes políticos e os eventos, deveriam ser o objeto de estudo das estruturas, não mais o manifesto, mas o que está por trás.
(P.46) “Era chegada a hora de passar de uma história dos tronos e das dominações (História política), para aquelas dos povos e das sociedades”.
Na década de 1950, sob o comando de Fernand Braudel a École Pratique de Hautes Études tornou-se École des hautes Étues en Scenses Sociales, não deixando espaço para a História política, uma vez que seu presidente dizia que o essencial na história era explicado pelas grandes pulsações econômicas.
Esta forma de entender a história, baseada na longa duração, criou um problema para o estudo da história recente, relegando-a ao jornalismo ou as ciências sociais.
(P.47) Os annales não questionavam o absolutismo das fontes escritas. Pelo contrário, a reafirmou ao valorizar a longa duração e desqualificar o papel do indivíduo, dos relatos pessoais e das biografias. A voz coletiva se sobrepôs a individual.
(P.50) 2.4 A Nova História.
Influenciado pelos acontecimentos dos anos 1960 (e o pós-modernismo), a História passou por uma nova onda de renovação metodológica dando voz as mulheres, crianças, negros e homossexuais era a vez da “História vista por baixo”.
Este movimento procurava mostrar que tudo tem história. Diversificação de análise e o aumento dos tipos de fontes. Tudo agora pode ter história e tudo pode ser fonte.
Este movimento emergido de dentro dos annales ficou conhecido como Nouvelle Histoire (História Nova). Seus principais autores franceses foram Jacques le Goff, Pierre Nora, Marc Ferro, Emmanuel Le Roy, Roger Chartier, entre outros.
(P.51) Um bom exemplo é o livro de Ladurie “Montaillou Povoado Occitanico” (1975) que se utilizou das mais diversas fontes para desvendar o cotidiano deste povoado francês. Não só a política e economia, mas o cotidiano, a religiosidade, a sexualidade, etc.
Outra novidade é a crítica a ideia de história das mentalidades. Para eles, a ideia de uma mentalidade única de uma época era generalizante e retirava o indivíduo da história. A noção antropológica de cultura assumiu o lugar do conceito de mentalidade.
Na historiografia anglo-saxônica, influenciadamente marxista, houve uma grande transformação na década de 1960 com Eric Hobsbawm, Christopher Hill e Edward Palmer Thompson redimensionam as análises históricas para além das estruturas que determinavam as ações sociais, com organizações populares, lutas cotidianas, descontinuidades, negociações, com uma grande margem de ação para atores históricos.
Na Itália Carlos Ginzburg, por meio de um recorte temporal e espacial encabeça a micro história.
(P.53) 2.5 A Micro História.
É um movimento de renovação historiográfica de origem italiana da década de 1960.
Tanto na história francesa quanto na inglesa há um processo de valorização das pessoas comuns nos processos históricos, sendo uma reposta a história econômica generalizante. A ascensão de novos atores sociais (negros, pobres, mulheres, crianças e homossexuais) antes silenciados derrubaram a visão de uma sociedade como um organismo estável e fiel as normas sociais e econômicas.
A revista italiana Quadrei Torci (1966) é um marco da produção micro histórica, aproximando os métodos antropológicos à escrita da História.
(P.54) A micro história propõe a redução da escola da análise, recorte temporal, espacial e do objeto. As temáticas contemplam o cotidiano de comunidades e indivíduos que passariam despercebidos na multidão.
(P.58) 2.6 Novos caminhos da historiografia.
Nos anos 1980 houve um impulso à História Cultural e um renascimento do estudo da política. Renovada pelo contato com a Antropologia, a História cultural ampliou o conceito de cultura, agora entendida como um conjunto de costumes, valores e modos de vida que dão sentido à experiência histórica dos indivíduos rompendo com a visão de cultura erudita e popular.
No caso da história política há um distanciamento da perspectiva de que a política era determinada pela estrutura econômica. Os anos 1980 entenderam que a política possuí uma consistência própria e autônoma.
(P.59) O resgate da política como um lugar de articulação social trouxe uma revalorização do papel do indivíduo na história. Contra as noções de mentalidade e de longa duração que diluíam em grandes períodos e multidões anônimas, a historiografia passou a realizar um novo tipo de abordagem mais individual.
O presente que sempre foi algo proibido ao historiador, uma vez que seu trabalho exige distanciamento, passou a representar um novo nicho que é o da história do tempo presente.
O aumento do número de mídias e a valorização do papel do indivíduo levaram os depoimentos orais à um papel de destaque.
Outra via de renovação historiográfica do século XX é a história das representações do imaginário social e dos usos políticos do passado pelo presente através do debate entre história e memória.

Parte III – Problemas e Métodos.
3.1 As fontes e a crítica do historiador.
O trabalho do historiador se faz com fontes, que são basicamente os vestígios deixados pelo homem ao longo de sua existência. Sem fontes não há história.
Todo trabalho de História pressupõe inicialmente uma delimitação temática (qual o assunto), temporal (qual o período) e espacial (qual a região do objeto a ser estudado). A partir dessas definições, o historiador seleciona as fontes com as quais deseja trabalhar.
De modo geral todos os vestígios humanos podem ser usados como fontes para o historiador, mas nem todas possuem a mesma qualidade para as perguntas que o historiador faz.
(P.64) É a partir das fontes que o historiador extrai os fatos que utilizarão para a escrita da história. Os fatos nunca são coisas dadas, mas o resultado de um diálogo entre os documentos e o historiador que o lê.
O trabalho do historiador deve ser passível de confrontação e ele deve indicar as obras que leu e os documentos que consultou. Somente a crítica rigorosa das fontes garante legitimidade ao trabalho do historiador. O que não garante a verdade absoluta, algo impossível para qualquer ciência humana.
O trabalho com fontes não se limita a comprovar sua veracidade, mas a um massivo trabalho de interpretação: de onde vem esse documento? Quem o produziu? Quando foi feito? Como foi conservado? Haveria razões, conscientes ou inconscientes, para que o autor deformasse as informações?
Não há documento neutro, nem fonte que traga a verdade embutida, por isso as fontes devem ser submetidas à análise crítica.
(P.68) 3.2 Os limites da Crítica.
A crítica do historiador às fontes históricas é uma tarefa extremamente complexa que necessita tempo e exercício constante. Não é algo dado, mas algo trabalhado por toda a vida.
Todo historiador deve entender que não existem documentos que sejam “verdadeiros” por definição, não importando se é oficial, pessoal, escrito, oral, etc. todos devem ser objeto de questionamento.
O exercício da crítica passa pela análise de outras fontes semelhantes, leituras de trabalhos sobre o assunto e capacidade de ler o universo. Isso diferencia profissionais de amadores. A escrita profissional exige o controle da bibliografia e conhecimento das fontes. Todo o percurso da investigação deve ser claramente indicado, dos arquivos pesquisados à bibliografia consultada.
(P.69) A história não é simplesmente um conhecimento do passado, mas um conhecimento do passado feito através de vestígios, assim conhecer o passado e revela-lo tal qual as coisas aconteceram é algo impossível.
A produção do conhecimento histórico está diretamente ligada ao olhar que o historiador lança sobre os acontecimentos, sendo assim, eles existem conforme a leitura que o pesquisador faz dos seus documentos. É o historiador, através da crítica, que julga o valor e relevância dos fatos para assim elaborar sua narrativa. Segundo Seignobos “os fatos históricos só existem por sua posição em relação a um observador. Sem a curiosidade do historiador, o documento não existe”.
É necessário compreender que qualquer leitura é formulada por homens situados em um dado tempo e sociedade. A crítica dos documentos está ligada ao tempo em que é feita. Não existe História fora do tempo, portanto, cada época lê os vestígios do passado de uma forma diferente. “Toda História diz muito do momento em que foi feita”. Não há conhecimento definitivo do passado. A crítica limita-se a fornecer interpretações possíveis.
(P.72) 3.3 História e temporalidade.
O que é o tempo? Essa pergunta milenar inquietou pensadores de diversas áreas.
O tempo é uma invenção que procura situar a atuação humana dentro de uma sucessão diferenciada de acontecimentos. Se todos os dias fossem iguais não haveria sentido pensar no tempo. Ele existe apenas porque cada dia é diferente do outro. Essa é a noção que dá sentido à História, porque é o tempo que dá sentido a localizar eventos numa perspectiva de presente, passado e futuro.
A natureza possui um tempo exterior, imortal e homogêneo. O seu tempo é a contagem de movimentos naturais: assim, não há passado, nem presente, nem futuro. O tempo da lua é a repetição eterna de seus movimentos naturais.
O tempo humano é diferente. O dia de hoje não se repetirá jamais. O ser humano conta seu tempo, consciente de sua morte e do fim de sua duração.
Os calendários são criações humanas que usam o tempo natural (ciclo lunar ou solar) para localizar ações ao longo de sua existência, seja de pessoas, gerações, culturas ou sociedades.
(P.73) O tempo é fundamental para a História. É impossível analisar um acontecimento histórico sem levarmos em consideração a época em que o fato aconteceu. Quando isso ocorre, há o que os historiadores chamam de anacronismo. cada fato deve ser entendido dentro do período (tempo) em que ocorreu.
Os calendários são importantes como referência, pois estabelecem pontos fixos de referência e linearidade. Cabe lembrar que o calendário cristão não é universal e que cada cultural possuí o seu.
(P.78) 3.4. História e Verdade.
Os críticos do conhecimento histórico sempre apontam a dificuldade de alcançar a verdade, como o principal entrave ao conhecimento do passado. Para eles, a História seria um joguete nas mãos dos governantes e dos poderosos.
Em fins do século XIX, havia uma diferenciação entre as Ciências da Natureza (que explicavam a matéria) e as Ciências do Espírito (buscava compreender os homens e suas ações). Desta forma, a História seria uma espécie de ciência compreensiva.
(P.79) A História foi definida como uma Ciência Compreensiva porque as ações humanas não são regidas por leis, mas cada indivíduo detém em si um universo amplo de escolhas, cabendo ao historiador tentar entender os seus motivos. Desta forma, o exercício do historiador é compreender melhor, e não atingir a verdade absoluta.
O historiador escreve a partir de regras que dizem respeito ao seu ofício, mas não busca atingir a verdade absoluta, porque a compreensão do universo humano é sempre parcial e fragmentada.
O conhecimento produzido pelo historiador não é palpável. O acontecido é irrecuperável e único, o passado não pode ser refeito em laboratório. Uma situação histórica jamais se repetirá e por isso o conhecimento histórico é sempre indireto, sendo necessário fontes que servem para a elaboração de uma narrativa. Lembrando que as fontes jamais fornecem a verdade absoluta, cabendo ao historiador o papel crítico.
Caso vinte pessoas escrevessem sobre uma mesma experiência, haveriam vinte relatos diferentes. Cada pessoa destacaria um aspecto e silenciaria os outros. A escrita do historiador é semelhante, o conhecimento histórico é subjetivo e está diretamente ligado ao historiador, com a diferença que há uma análise crítica. O papel do historiador é acessar o passado com base em critérios específicos.
(P.80) Se por um lado não podemos dizer que a história produz um conhecimento objetivo, tampouco podemos afirmar que se trata de um conhecimento inválido. Cabendo aqui a seguinte pergunta: afinal o que seria a verdade? Pois, assim como a história, todo conhecimento humano é social e histórico.
(P.82) 3.5. Fazer a História.
Há uma distância entre a História produzida nas universidades e a história vivida por cada um de nós. São palavras homônimas que se referem ao passado, mas possuem aplicações e objetivos diferentes.
(P.83) O fato de todos “terem” história no sentido de serem agentes históricos, não significa que todos “fazem história” no sentido de produzirem conhecimento.
O historiador possui certezas: 1500 Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil, as elites do governo imperial possuíam trabalho escravo, 1937 foi o ano do golpe do Estado Novo, etc. Mas a compreensão do passado não se limita a esse tipo de informação. Cabe ao historiador o entendimento dos porquês, das causas, motivações e contexto, e isso só vem com fontes, interpretação e crítica.
(P.84) Quando alguém narra um acontecimento pelo qual passou, está elaborando uma narrativa baseada em sua memória, sem nenhum rigor científico ou compromisso com a verdade. Não atendendo as exigências do rigor necessário ao discurso histórico. A história longe de ser simples opinião, é um ramo das Ciências Sociais. O historiador não possui a verdade, mas oferece um conhecimento dotado de embasamento teórico e crivo científico.
(P.86) 3.6 Identidade e Memória.
A contemporaneidade vem mostrando muito interesse nas questões relativas as memórias e as identidades. Identidade é a palavra chave do mundo pós-moderno.
Com a diluição das fronteiras, fragilização das tradições dos laços interpessoais, as pessoas tenderam a se reagrupar em identidades (religiosas, étnicas, territoriais, nacionais, empresariais, de gênero, etc.). Identidade é o processo pelo qual a pessoa se reconhece e constrói traços e afinidades, tendo por base um conjunto de atributos que o distingue dos outros. A identidade pode ser individual e coletiva, sendo ao mesmo tempo um elemento distintivo e unificador.
Neste processo, a memória é um elemento constitutivo do sentimento de identidade, uma vez que lhe dá continuidade e coerência.
(P.87) A memória não é apenas um depósito de dados sobre o passado, ela é um instrumento de poder sobre o presente. A memória não é neutra e é recuperada sempre em função das demandas do presente.
As cerimônias de comemoração pública fazem exatamente isso. O resgate de uma memória nacional que deve ser resgatada para fortalecer a identidade nacional.
(P.91) 3.7. História Oral.
Durante muito tempo os historiadores foram resistentes em incorporar a oralidade ao universo de pesquisa.
O século XX possibilitou a coleta de depoimentos pessoais mediante a utilização de um gravador.
(P.92) A distorção e a falta de veracidade atribuídas a oralidade deixaram de ser um problema quando passaram a ser encaradas de uma nova maneira. Não como fontes de verdade, mas como interpretações.
A História oral possuí três linhas de atuação:
1.      Usa os depoimentos orais como forma de preencher lacunas deixadas pelas fontes escritas;
2.      Utilizadas para buscar uma representação mais refinada do uso político do passado. Nesse sentido as deformações nos relatos não são vistos como prejudiciais à pesquisa, pois busca a memória de um dado grupo sobre um evento específico;
3.      História Oral como um instrumento de intervenção social, voltada para a recuperação de testemunhos de grupos marginalizados e impactados por genocídios e massacres.
(P.96) 3.8. Métodos quantitativos e qualitativos.
Para a escrita da história, o pesquisador por utilizar diversos tipos de fontes (escritas, orais, iconográficas...). Dependendo do recorte, o historiador pode encontrar diversos documentos ou não. E caberá a ele selecionar e escolher a forma de analisar estas fontes.
Existem dois métodos de se abordar as fontes históricas:
·        Método quantitativo: indica a quantidade de dados contidos nos documentos. Por meio da coleta sistemática de informações, o historiador valorizará aspectos que se repetem de forma a convertê-los em números que possibilitem verificar a ocorrência, ou não, de um fenômeno e permitir a formulação de hipóteses.
·        (P.97) Método qualitativo: não tem por base a utilização de estatísticas. A pesquisa quantitativa trabalha predominantemente com informações coletadas e transformadas em números, excluindo o papel do indivíduo na história. Já as fontes qualitativas incluem documentos escritos, pinturas, fotos, desenhos, filmes, vídeos e músicas. O objetivo é oferecer fontes de qualidade à pesquisa, individualizando as generalizações.
Os métodos são complementares e em um determinado trabalho histórico, o historiador pode se utilizar dos dois.

(P.102) Parte IV - Em sala de aula.
4.1 A História na escola.
Ensinar história não é tarefa fácil. História não é apenas o ofício do historiador, mas também o seu ensino. Como explicar métodos tão diferentes, questões tão complexas e interpretações contraditórias a alunos do ensino fundamental e médio?
A simples repetição de conteúdos e datas afasta o ensino da história do seu processo de elaboração de conhecimento. Produzindo discursos unilaterais comprometidos com o poder.
(P.103) O ensino escolar se sairia melhor se tivesse enfoque nas múltiplas interpretações possíveis sobre um fato.
Por isso, o conhecimento histórico em sala de aula pressupõe dinamismo, diversidade e consciência por parte de professores e alunos, de que a História relaciona-se com construções, provisórias, relativas e superáveis.
A história pode contribuir para diversas discussões sem ter obrigatoriamente uma função preestabelecida, seja ela a de formar cidadãos, civilizar, valorizar a pátria, etc. (P.104) O único papel da disciplina História é o de ensinar a refletir e a ler o mundo a partir de uma orientação histórica. Desenvolvendo nos alunos a noção de tempo, permanência, mudanças, contextos e crítica das informações.
(P.109) 4.2 O Brasil é um país sem memória?
O trabalho com a memória permite tomar diferentes caminhos: podemos focalizar nossos museus, monumentos, imagens e personalidades do passado. Além de escolher fontes diversas como documentos escritos, livros, relatos orais, etc.
O resgate de uma memória busca trazer, recordar, comemorar ou expressar um elemento do passado para comandar o presente. Todo resgate de um passado tem ligação direta com a imagem que quer se construir no presente.
(P.110) Um exemplo é a figura de Vargas, muito resgata o imaginário brasileiro. Em 2004 por exemplo, durante o governo Lula houve a comemoração dos 50 anos da morte de Vargas e o resgate predominante de seu mandato entre 1950-54 e de seu projeto industrial nacionalista. Já na década de 1990 com o advento do neoliberalismo, o resgate veio através do contraponto que dizia ser “o fim da era Vargas” com privatizações e revisão da CLT. Na década de 1980 o resgate foi feito buscando a unidade necessária para o processo de redemocratização.
(P.111) Podemos perceber que o resgate da figura de Vargas se faz de diferentes maneiras, de acordo com as demandas do presente.
(P.114) 4.3 Trabalhando com História oral.
O termo “História Oral” é amplo e gera muitas confusões e abusos. Alguns acreditam ser possível aplicá-lo a todo depoimento oral, produzido por qualquer indivíduo em qualquer circunstância, sem nenhuma preparação prévia. A história oral possuí métodos de pesquisa própria que são diferentes do registro de simples informações sonoras. O método e o fim diferenciam a história Oral de uma entrevista jornalística.
Um dos maiores desafios do método de pesquisa de História Oral está em seu arquivamento e em sua preservação de fontes. Para contornar está dificuldade, muitos arquivos e bibliotecas tem criado acervos de depoimentos orais.
(P.115) A História Oral produz uma fonte especial, possibilitando a preservação da memória coletiva e das identidades de grupos ou indivíduos dentro de uma sociedade.
(P.120) 4.4 História e imagens.
No século XIX com a elevação da História ao status de disciplina científica, os documentos escritos adquiriram grandes destaque em detrimento das fontes visuais e orais.
Os últimos anos assistiram a uma valorização da investigação da importância do uso das imagens para a construção de projetos de nação, identidade nacional e imaginário coletivo. Pinturas, fotografias e esculturas constituem um caminho fundamental para ler e compreender a História de uma país.
No entanto, para compreender essas fontes é necessário entender que elas não são neutras. Pintores, fotógrafos e escultores selecionam, enquadram, omitem e destacam elementos de acordo com seu ponto de vista.
(P.121) As imagens são construídas para passar uma dada representação social, política e ideológica. Para compreender a imagem é necessário compreender o contexto de sua produção: por quem e por que foram produzidas. Partindo dessa perspectiva, as imagens podem ser entendidas, não como uma representação fiel do real, do acontecimento, mas como uma narrativa que busca moldar ou influenciar opiniões em uma dada sociedade. Quando entendemos isso, podemos perceber que as imagens não constituem uma mera ilustração.
(P.127) 4.5 História e filme.
A História do cinema surgiu com a invenção do cinematógrafo (1895). Um aparelho capaz de gravar e projetar imagens em movimento. Mudos até 1920, rapidamente esse novo tipo de mídia conquistou o mundo.
Chegou-se ao ponto de em 1898 o câmera polonês Boleslas Matuszewski anunciar as “fotografias animadas” como o testemunho verdadeiro e inquestionável da História.
Essa crença de que o filme, seja ele de reconstrução histórica, ficção ou documentário, é a representação do vivido é altamente questionada pelos historiadores. Pois, um filme independente de seu gênero, é um produto direto do tempo em que foi feito. E isso é fundamental para quaisquer análises históricas.
(P.128) Nos “filmes históricos” há o problema de que eles podem misturar livremente realidade e ficção. Por ser uma expressão artística ele pode se valer de sua imaginação para produzir “sua” própria história e tudo sem comprovação.
Um “filme histórico” é sempre um misto de história e do momento em que foi feito. Um filme pode passar a ideia de uma representação fiel da realidade histórica e do passado, nada mais enganador.
(P.132) 4.6 História e internet.
O computador e a internet causaram um grande impacto no mundo contemporâneo. Uma nova forma de leitura e distribuição de informações popularizou-se rapidamente implicando novas maneiras de lidar com o conhecimento.
A internet tornou-se uma ferramenta útil ao historiador, ajudando na pesquisa quantitativa, em gráficos, na conservação de acervos e na rapidez da troca de informações. Por outro lado, a rede também é responsável pela divulgação de notícias sem compromisso metodológico e na vulgarização da história.

Fonte:


FERREIRA, Marieta de Moraes. Aprendendo História: Reflexões e ensino. São Paulo. Ed do Brasil. 2009.