(P. 225) Cap. 12: Os sentimentos deste
mundo.
(P. 226) “Sobre aquilo que nada pode ser dito, devemos manter silêncio”. Wittgenstein.
(P. 227) A caixa de cada um.
Ludwig
Wittgenstein (1889-1951) elabora a parábola do besouro na caixa para trabalhar
com a linguagem e a forma como usamos as palavras e a relação entre a linguagem
e os nossos estados mentais.
(P. 228) Wittgenstein faz
parte dos analistas da linguagem, grupo de filósofos que analisam a forma como
utilizamos as palavras. O filósofo encara a linguagem como reflexo da estrutura
lógica que se encontra no mundo real. Os limites da linguagem são os limites da
filosofia. A linguagem possui um limite, quando se atinge esse limite fica-se
impossível se expressar – não existem palavras.
Ainda
segundo ele, a linguagem funciona como uma espécie de jogo; nele o que vale não
é a essência de uma palavra, mas a forma como ela é utilizada em diferentes
situações. O jogo da linguagem é sempre público, ou seja, só faz sentido se as
regras forem conhecidas por mais de uma pessoa.
(P. 229) Ou seja, ninguém
pode inventar sozinho uma linguagem privada. As coisas que dizemos só adquirem
significado porque existe um palco previamente armado, onde elas podem
vestir-se com este ou aquele figurino e representar o papel do momento. Em
especial as palavras designam sensações: compreendo as coisas que sinto a
partir das palavras que disponho para nomeá-las, e não o contrário.
(P. 230) Este argumento contra
a imagem privada é uma possível resposta ao dilema do demônio de Descartes. Na
dúvida hiperbólica de Descartes, ele duvidou de tudo, mas não pode duvidar da
própria dúvida, se ele duvida ele pensa, se ele pensa ele existe. E o que me dá
a certeza de que o mundo é real é a existência de Deus, ele é minha garantia de
que todo resto existe. Mas o que acontece se eliminarmos a ideia de Deus? Outra
vez voltamos a estaca zero, sabemos de nossa existência, mas a existência do
universo se torna outra vez escura. Resta apenas a minguada “penso, logo existo”
mas como o cartesianismo compreende os significados do “eu” e “pensar”? Ele não
pode ter inventado essas palavras e esses conceitos, pois como vimos em
Wittgenstein, é impossível criar uma linguagem totalmente individual. Se posso
pensar sobre meu próprio pensamento, então devo fazê-lo em linguagem inteligível
a outros além de mim. Então, o raciocínio correto seria: “Penso, logo falo uma
língua; se falo uma língua, ela é compreensível a outras pessoas; logo existe
de fato um mundo lá fora”.
(P. 231) Condenados a ser livres.
Imagine
um objeto qualquer, uma faca, uma cadeira, um violão, etc. É evidente que o
artesão antes de fabricar qualquer desses objetos tivesse em sua mente o objeto
que queria criar, ou seja, a essência precede a existência.
Para
Jean Paul Sartre (1905-1980) o raciocínio oposto se aplica a seres humanos.
Muitos filósofos cristãos defendiam que nossa essência precedia nossa existência,
pois fomos criados por um ser divino que primeiro nos imaginou. Sartre acabou
com isso.
(P. 232) Não existe, para
ele, uma natureza humana, primeiro existimos e posteriormente nos definimos. Se
não há natureza humana, só há uma coisa que todos nós temos em comum – a liberdade.
Se não derivamos de um conceito preexistente, então somos aquilo que escolhemos
ser.
Contudo,
essa liberdade nos traz angústia. Entre múltiplas possibilidades devemos
assumir a responsabilidade pelo que decidimos. Até mesmo quando não queremos
decidir e buscamos o conselho de alguém, mesmo sem perceber, já decidimos, pois
sempre buscamos pessoas com opiniões que queremos ouvir.
(P. 233) Mas não há o que
fazer pois, “estamos condenados a ser livres”. O máximo que podemos fazer é
aceitar e assumir nossas escolhas.
(P. 234) O bonde assassino.
A
angústia da liberdade chega a um grau quase intolerável, quando preciso escolher
entre duas opções moralmente indesejadas. Será possível resolver racionalmente
qualquer dilema moral? Ou devemos usar a intuição em alguns?
(P. 235) Philippa Foot (1920-2010) buscando
elaborar um princípio racional que possa embasar nossas escolhas em situações extremas,
nas quais todas as alternativas sejam indesejáveis cria o dilema moral do trem
desgovernado.
Um
trem desgovernado pode atropelar 5 ou 1. A maioria das pessoas opta por salvar
o maior número de pessoas, pois é o menor dos males.
Dilema
do transplante: 5 pacientes precisam de um transplante, cada um de um órgão
diferente. Nisso chega um jovem saudável para fazer exames de rotina. Seria
moralmente aceito matar o rapaz para salvar a vida dos 5 pacientes?
(P. 236) Os dois dilemas
são semelhantes, então por que o primeiro é aceito e o segundo não?
Para
Philippa Foot o problema está na ação. Existem duas espécies de dever moral: 1)
não devemos causar danos a outros seres humanos. 2) devemos ajuda-los sempre que
possível. Ai existe uma hierarquia onde o primeiro é mais forte que o segundo.
Matar é pior do que deixar morrer, e causar mal ao ser humano é mais grave que
socorrê-lo.
(P. 237) Judith Tomson
(1920-?) torna a questão do bonde ainda mais complexa, onde a única forma de
parar o trem (que matará cinco) é empurrar uma pessoa na frente. A maioria das
pessoas não faria isso. Sendo que o ato é o mesmo, mas as pessoas não veem o
ato de apertar o botão como um atentado tão grave quanto empurrar alguém para a
morte, já que o segundo é um atentado direto.
(P. 238) Outros pensadores
dizem que a opção moralmente correta seria não fazer nada. Nem desviar o trem,
nem empurrar uma pessoa, porque se fizéssemos isso estaríamos admitindo que é
justo tirar a vida de uma pessoa para salvar muitas. Viver em sociedade sabendo
que a qualquer momento em posso ser sacrificado em nome de outra pessoa
tornaria a vida insuportável.
Em
outros termos, talvez você não concorde em matar uma pessoa para salvar 5, mas
e para salvar mil? Você mataria uma pessoa para salvar 50? E por que não 49?
Qual o número de vidas humanas equivale a exatamente uma morte?
Alguém
com mentalidade trágica pode argumentar que não importa o que façamos estamos
condenados ao remorso, não importa o rumo que escolhamos.
(P. 225) Um sentido humano.
Esses
dilemas só parecem insolúveis, pois reconhecemos o princípio do caráter sagrado
da vida humana. Esse sentido considera o ser humano como sujeito, e não como
objeto. Vemos a vida humana como algo sagrado e tudo o que é sagrado parece conter
um universo em si mesmo.
Agora
o grande dilema contemporâneo, digamos que Deus tenha de fato morrido como
disse Nietzsche, inda assim devemos ou podemos acreditar que exista algo
sagrado neste mundo, além da solitária e desgarrada humanidade?
Roger
Scruton (1944-?) diz que sim, e elabora definições de “sagrado” que podem ser
aplicados mesmo em um mundo secular. Ele define sagrado como um lugar, um
artefato, um objeto que para nós possuí uma espécie de subjetividade. É uma
mistura de objetos e sujeito, um transbordamento da mente humana para o mundo. Olhamos
o mundo de forma pessoal.
(P. 240) Ainda segundo ele,
interpretar as coisas de forma objetiva é algo essencial ao conhecimento lúcido,
mas deve haver um limite para essa tendência moderna de despersonalizar o
mundo.
(P. 241) Um exemplo que não
está no livro, mas me veio a cabeça é a destruição dos monumentos mesopotâmicos
pelo Estado Islâmico em 2015. Sentimos isso como uma profanação.
(P. 242) Se for levada ao
extremo, a ideia de um mundo totalmente impessoal acaba ameaçando até mesmo o
indivíduo. Em geral regimes autoritários se baseiam no princípio de que todos
os sujeitos sejam objetos. E se objetos são descartáveis, pessoas objetos
também são.
Existe
ainda outro conceito de sagrado. Santuários, totens, pinturas, imagens, entre
outros, despertam reverencia e temor em suas respectivas culturas porque
parecem ter natureza dupla: estão em nosso mundo e ao mesmo tempo não. Fazem a
mediação entre o mundo terreno e o além.
(P. 243) Essa adoração a um
objeto sagrado pode levantar dois significados: o primeiro vê que neste mundo
existem coisas divinas e que devemos cuidar dele. O segundo vê que neste mundo
não há nada de sagrado e essas coisas apenas facilitam o contato com Deus que não
está na Terra – esse é o Deus dos fanáticos.
BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.225-243.