quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A Filosofia do século XX



(P. 225) Cap. 12: Os sentimentos deste mundo.
(P. 226) “Sobre aquilo que nada pode ser dito, devemos manter silêncio”. Wittgenstein.
(P. 227) A caixa de cada um.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) elabora a parábola do besouro na caixa para trabalhar com a linguagem e a forma como usamos as palavras e a relação entre a linguagem e os nossos estados mentais.
(P. 228) Wittgenstein faz parte dos analistas da linguagem, grupo de filósofos que analisam a forma como utilizamos as palavras. O filósofo encara a linguagem como reflexo da estrutura lógica que se encontra no mundo real. Os limites da linguagem são os limites da filosofia. A linguagem possui um limite, quando se atinge esse limite fica-se impossível se expressar – não existem palavras.
Ainda segundo ele, a linguagem funciona como uma espécie de jogo; nele o que vale não é a essência de uma palavra, mas a forma como ela é utilizada em diferentes situações. O jogo da linguagem é sempre público, ou seja, só faz sentido se as regras forem conhecidas por mais de uma pessoa.
(P. 229) Ou seja, ninguém pode inventar sozinho uma linguagem privada. As coisas que dizemos só adquirem significado porque existe um palco previamente armado, onde elas podem vestir-se com este ou aquele figurino e representar o papel do momento. Em especial as palavras designam sensações: compreendo as coisas que sinto a partir das palavras que disponho para nomeá-las, e não o contrário.
(P. 230) Este argumento contra a imagem privada é uma possível resposta ao dilema do demônio de Descartes. Na dúvida hiperbólica de Descartes, ele duvidou de tudo, mas não pode duvidar da própria dúvida, se ele duvida ele pensa, se ele pensa ele existe. E o que me dá a certeza de que o mundo é real é a existência de Deus, ele é minha garantia de que todo resto existe. Mas o que acontece se eliminarmos a ideia de Deus? Outra vez voltamos a estaca zero, sabemos de nossa existência, mas a existência do universo se torna outra vez escura. Resta apenas a minguada “penso, logo existo” mas como o cartesianismo compreende os significados do “eu” e “pensar”? Ele não pode ter inventado essas palavras e esses conceitos, pois como vimos em Wittgenstein, é impossível criar uma linguagem totalmente individual. Se posso pensar sobre meu próprio pensamento, então devo fazê-lo em linguagem inteligível a outros além de mim. Então, o raciocínio correto seria: “Penso, logo falo uma língua; se falo uma língua, ela é compreensível a outras pessoas; logo existe de fato um mundo lá fora”.
(P. 231) Condenados a ser livres.
Imagine um objeto qualquer, uma faca, uma cadeira, um violão, etc. É evidente que o artesão antes de fabricar qualquer desses objetos tivesse em sua mente o objeto que queria criar, ou seja, a essência precede a existência.
Para Jean Paul Sartre (1905-1980) o raciocínio oposto se aplica a seres humanos. Muitos filósofos cristãos defendiam que nossa essência precedia nossa existência, pois fomos criados por um ser divino que primeiro nos imaginou. Sartre acabou com isso.
(P. 232) Não existe, para ele, uma natureza humana, primeiro existimos e posteriormente nos definimos. Se não há natureza humana, só há uma coisa que todos nós temos em comum – a liberdade. Se não derivamos de um conceito preexistente, então somos aquilo que escolhemos ser.
Contudo, essa liberdade nos traz angústia. Entre múltiplas possibilidades devemos assumir a responsabilidade pelo que decidimos. Até mesmo quando não queremos decidir e buscamos o conselho de alguém, mesmo sem perceber, já decidimos, pois sempre buscamos pessoas com opiniões que queremos ouvir.
(P. 233) Mas não há o que fazer pois, “estamos condenados a ser livres”. O máximo que podemos fazer é aceitar e assumir nossas escolhas.
(P. 234) O bonde assassino.
A angústia da liberdade chega a um grau quase intolerável, quando preciso escolher entre duas opções moralmente indesejadas. Será possível resolver racionalmente qualquer dilema moral? Ou devemos usar a intuição em alguns?

(P. 235) Philippa Foot (1920-2010) buscando elaborar um princípio racional que possa embasar nossas escolhas em situações extremas, nas quais todas as alternativas sejam indesejáveis cria o dilema moral do trem desgovernado.
Um trem desgovernado pode atropelar 5 ou 1. A maioria das pessoas opta por salvar o maior número de pessoas, pois é o menor dos males.
Dilema do transplante: 5 pacientes precisam de um transplante, cada um de um órgão diferente. Nisso chega um jovem saudável para fazer exames de rotina. Seria moralmente aceito matar o rapaz para salvar a vida dos 5 pacientes?
(P. 236) Os dois dilemas são semelhantes, então por que o primeiro é aceito e o segundo não?
Para Philippa Foot o problema está na ação. Existem duas espécies de dever moral: 1) não devemos causar danos a outros seres humanos. 2) devemos ajuda-los sempre que possível. Ai existe uma hierarquia onde o primeiro é mais forte que o segundo. Matar é pior do que deixar morrer, e causar mal ao ser humano é mais grave que socorrê-lo.
(P. 237) Judith Tomson (1920-?) torna a questão do bonde ainda mais complexa, onde a única forma de parar o trem (que matará cinco) é empurrar uma pessoa na frente. A maioria das pessoas não faria isso. Sendo que o ato é o mesmo, mas as pessoas não veem o ato de apertar o botão como um atentado tão grave quanto empurrar alguém para a morte, já que o segundo é um atentado direto.
(P. 238) Outros pensadores dizem que a opção moralmente correta seria não fazer nada. Nem desviar o trem, nem empurrar uma pessoa, porque se fizéssemos isso estaríamos admitindo que é justo tirar a vida de uma pessoa para salvar muitas. Viver em sociedade sabendo que a qualquer momento em posso ser sacrificado em nome de outra pessoa tornaria a vida insuportável.
Em outros termos, talvez você não concorde em matar uma pessoa para salvar 5, mas e para salvar mil? Você mataria uma pessoa para salvar 50? E por que não 49? Qual o número de vidas humanas equivale a exatamente uma morte?
Alguém com mentalidade trágica pode argumentar que não importa o que façamos estamos condenados ao remorso, não importa o rumo que escolhamos.
(P. 225) Um sentido humano.
Esses dilemas só parecem insolúveis, pois reconhecemos o princípio do caráter sagrado da vida humana. Esse sentido considera o ser humano como sujeito, e não como objeto. Vemos a vida humana como algo sagrado e tudo o que é sagrado parece conter um universo em si mesmo.
Agora o grande dilema contemporâneo, digamos que Deus tenha de fato morrido como disse Nietzsche, inda assim devemos ou podemos acreditar que exista algo sagrado neste mundo, além da solitária e desgarrada humanidade?
Roger Scruton (1944-?) diz que sim, e elabora definições de “sagrado” que podem ser aplicados mesmo em um mundo secular. Ele define sagrado como um lugar, um artefato, um objeto que para nós possuí uma espécie de subjetividade. É uma mistura de objetos e sujeito, um transbordamento da mente humana para o mundo. Olhamos o mundo de forma pessoal.
(P. 240) Ainda segundo ele, interpretar as coisas de forma objetiva é algo essencial ao conhecimento lúcido, mas deve haver um limite para essa tendência moderna de despersonalizar o mundo.
(P. 241) Um exemplo que não está no livro, mas me veio a cabeça é a destruição dos monumentos mesopotâmicos pelo Estado Islâmico em 2015. Sentimos isso como uma profanação.
(P. 242) Se for levada ao extremo, a ideia de um mundo totalmente impessoal acaba ameaçando até mesmo o indivíduo. Em geral regimes autoritários se baseiam no princípio de que todos os sujeitos sejam objetos. E se objetos são descartáveis, pessoas objetos também são.
Existe ainda outro conceito de sagrado. Santuários, totens, pinturas, imagens, entre outros, despertam reverencia e temor em suas respectivas culturas porque parecem ter natureza dupla: estão em nosso mundo e ao mesmo tempo não. Fazem a mediação entre o mundo terreno e o além.
(P. 243) Essa adoração a um objeto sagrado pode levantar dois significados: o primeiro vê que neste mundo existem coisas divinas e que devemos cuidar dele. O segundo vê que neste mundo não há nada de sagrado e essas coisas apenas facilitam o contato com Deus que não está na Terra – esse é o Deus dos fanáticos.
BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.225-243.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Filosofia Alemã pós-Kant: Hegel, Schopenhauer e Nietzsche



(P. 209) Cap. 11: O véu de Maia.
(P. 210) “Para aqueles em quem a vontade negou a si mesma, este nosso mundo, tão real, com seus sóis e galáxias é nada”. Schopenhauer.
(P. 211) Desafetos alemães.
Influenciados por Kant, as terras germânicas do fim dos séculos XVIII e XIX viu surgir uma série e filósofos. Entre eles Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Arthur Schopenhauer (1788-1860). Figuras totalmente opostas e rivais na filosofia e na vida.
Hegel tem uma escrita rebuscada e extremamente pesada. Schopenhauer dizia que ele não sabia escrever.
Kant em seu livro Crítica da Razão Pura” define os limites do que podemos pensar, encontrando as condições que tornam o próprio pensamento viável.
Bom, se há um limite, quer dizer que há uma fronteira e Hegel busca mapear essa fronteira para de alguma forma, atravessá-la. Pois, uma fronteira não tem um lado só.
(P. 212) Hegel critica Kant por este analisar a consciência humana sem considerar o processo que lhe dera origem. De onde veio nossa razão? Para Hegel ela vem da própria realidade. A razão é o fundamento da existência, e não um filtro humano para compreendê-la.
Hegel elabora o conceito de Geist (espírito ou mente), que alguns interpretam como a mente única de toda humanidade. Para Hegel, existe um sentido em tudo o que aconteceu no mundo, desde a primeira agitação de moléculas até hoje – e esse sentido seria a expansão do espírito em direção ao absoluto. Para ele nada seria aleatório na História, tudo justificaria o desfecho final (o surgimento do Estado Moderno – que para ele, era o estágio superior desse processo).
Para Hegel a razão sempre supera as perspectivas por meio de um processo chamado de dialético (uma tese é contraposta por uma antítese, surgindo uma síntese – que abarca os dois pontos contraditórios). A síntese então se tornaria uma tese que seria contraposta por outra antítese e assim por diante até chegar a ideia absoluta – uma perspectiva total sobre a verdade, em que todas as contradições vão desaparecer.
(P. 213) Vontade e Representação.
(P. 214) Schopenhauer considerava-se um kantiano autêntico. E simplificou a visão de Kant sobre a forma como filtramos a realidade. Kant afirmou que a consciência humana funcionava a partir das “formas de sensibilidade” – o tempo e o espaço – e 12 categorias de entendimento. Para Schopenhauer todos esses conceitos derivam apenas da distinção entre sujeito e objeto – essa seria a base de toda experiência que temos do mundo – sempre deve haver o sujeito que experimenta e o objeto que é experimentado. A partir dessa distinção, a consciência elabora o tempo, o espaço, a causalidade, criando assim nossa representação do mundo.
(P. 215) Schopenhauer elabora também o conceito de “véu de Maia”, que é tudo aquilo que nos separa da verdadeira face da realidade. O mundo real seria, segundo ele, uma força cega, incessante, desprovida de propósito – a vontade. A vontade apenas nos empurra adiante no vão propósito de existir e nada mais. No fundo a própria existência não faz sentido. A vida não tem nenhum grande propósito e viveríamos no pior dos mundos possíveis. (P. 216) E a melhor maneira de viver seria dando as costas ao mundo e renunciando a todos os desejos de esperança.
(P. 217) A dança de Apolo e Dionísio.
(P. 218) Friedrich Nietzsche (1844-1900) era um helenista por excelência e acreditava que o verdadeiro sentido da realidade não se encontrava na obra de grandes filósofos como Platão e Aristóteles, mas nas antigas tragédias gregas. (P. 219) Nietzsche se perguntava, por que os gregos adoravam a encenação destas desgraças? Simples, pois todas as civilizações possuem a intuição de que o sofrimento é inerente a existência e a arte (essas representações) é a única capaz de salvar a humanidade do desespero absoluto.
(P. 221) Nietzsche apreciava os pré-socráticos (em especial Heráclito) pois, neles o pensamento não era separado da vida, e a reflexão era uma forma de enriquecer e afirmar o vigor da existência. Mas tudo mudou com Sócrates – o mestre de Platão – que dividiu a realidade em dois reinos, o sensível e o inteligível, subordinando o primeiro ao segundo. A existência mundana passou a ser medida e avaliada com base em princípios distantes e supostamente superiores. Sócrates matou o “homem trágico” e criou o “homem teórico” e foi esse homem que Nietzsche tratou de demolir.
(P. 222) Em obras posteriores os ataques a Sócrates e Platão, transformou-se em ataques ao cristianismo. Para Nietzsche, o cristianismo e o platonismo, ao projetarem todo valor metafísico em um reino inatingível forjaram um mito que impede o ser humano de viver plenamente neste mundo.
 BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.209-224.