PROJETO
POLÍTICO - PEDAGÓGICO DA ESCOLA:
Fundamentos
Até muito recentemente
a grande questão da escola limitava-se a uma escolha entre ser tradicional ou
experimental/moderna. Essas categorias não desapareceram, mas já não respondem
todas as questões atuais da escola e, muito menos, à questão de seu projeto pedagógico.
O mundo de hoje ainda não esgotou as
possibilidades proporcionadas pelos últimos avanços tecnológicos que tornaram
instantânea a comunicação no planeta e globalizaram a economia em um grande
mercado, onde o diferencial das nações depende da educação e capacidade de
iniciativa de suas populações. Aspectos como o pluralismo político, a
emergência do poder local e a multiculturalidade passam a ser dominantes, o que
exige maior autonomia e novas formas de participação social.
Como
tudo isso se traduz na escola?
A escola no Brasil vem de uma longa tradição
de saber enciclopédico e acadêmico, sendo a educação que propicia mais um
símbolo de status do que um mecanismo de redução das desigualdades sociais. Ela
vem também de uma tradição autoritária e de centralização administrativa. Mal
se concretiza a universalização do acesso e a escola está sendo desafiada a
implementar a autonomia e a gestão colegiada e a ser objeto de avaliações pelo
Estado. É natural que a escola se pergunte sobre si mesma, sobre seu papel como
instituição numa sociedade que se democratizou recentemente e que passa por
profunda reforma do Estado.
Não é sem motivo que as
questões da autonomia, cidadania e participação no espaço escolar tenham se
tornado temas marcantes do debate educacional brasileiro de hoje. Essa
preocupação tem-se traduzido na reivindicação de um projeto político-pedagógico
próprio a cada escola. O tema do Projeto Político-Pedagógico é tratado aqui
nesse contexto maior, porque é sob essa ótica que se pode avaliar sua
importância como instrumento central de planejamento e implementação das
atividades de um ano escolar e, mais que isso, como uma etapa para a
concretização da escola desejada por uma comunidade. Sublinharemos seu
significado, bem como as dificuldades e obstáculos e os elementos facilitadores
de sua elaboração.
Começaremos esclarecendo o próprio título.
Entendemos que todo projeto pedagógico é necessariamente político. Poderíamos
denominá-lo, portanto, apenas "projeto pedagógico". Mas, a fim de dar
destaque ao político dentro do pedagógico, resolvemos desdobrar o nome em
"político-pedagógico" .
Freqüentemente se confunde projeto com plano.
Certamente o plano diretor da escola - como conjunto de objetivos, metas e
procedimentos - faz parte do seu projeto, mas não é todo o seu projeto.
Isso não significa que objetivos, metas e
procedimentos não sejam necessários. Mas eles são insuficientes pois, em geral,
o plano fica no campo do instituído ou melhor, no campo do cumprimento mais
eficaz do instituído, como alguns discursos em torno da "qualidade",
e em particular da "qualidade total" defendem hoje. Um projeto
necessita sempre rever o instituído para, a partir dele, instituir outra coisa.
Precisa tornar-se instituinte. Um projeto politico-pedagógico não nega o
instituído da escola que é a sua história e o patamar de onde pode mudar. O
instituído é o conjunto de seus currículos, de seus métodos, o conjunto de seus
atores internos e externos e o seu modo de vida. Um projeto sempre parte do
instituído e o confronta com o instituinte.
Não se constrói um projeto sem uma direção
política, um norte, um rumo. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é
também político. O projeto pedagógico da escola é, por isso mesmo, sempre um
processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que permanece como
horizonte da escola.
De
quem é a responsabilidade da constituição do projeto da escola?
O projeto da escola não é responsabilidade
apenas de sua direção. Ao contrário, numa gestão colegiada, a direção é
escolhida a partir do reconhecimento da competência e da liderança de alguém
capaz de executar um projeto coletivo. A escola, nesse caso, escolhe primeiro
um projeto e só depois, a pessoa que pode executá-lo. A eleição de um diretor
ou de uma diretora deve se dar a partir da escolha de idéias norteadoras de um
projeto político-pedagógico e não a partir de afinidades puramente pessoais. Ao
se eleger um diretor de escola, o que se está elegendo é um projeto para a
escola.
Não faz sentido buscar definições genéricas de
projeto político pedagógico, pois não existem duas escolas iguais. Foi-se o
tempo da pretensão de saber de antemão qual é o projeto adequado para as
escolas. Foi-se também o tempo em que se deixava ao diretor a responsabilidade
de definir o projeto, sem ter incorporado as experiências, opiniões e
aspirações daqueles que vão realizá-lo (a equipe escolar) e daqueles para os
quais o projeto é feito (alunos e suas famílias). O planejamento
técnico-racional deu lugar à responsabilidade compartilhada do diálogo e da
criatividade necessários à elaboração do projeto pedagógico. A pluralidade de
projetos pedagógicos faz parte da história da educação da nossa época.
Não se entende, portanto, uma escola sem
autonomia para estabelecer o seu projeto e sem autonomia para executá-lo e
avaliá-lo. No entanto, o uso da autonomia não elimina a necessidade de
competência técnica e racionalidade. A diferença é que elas passam e ser
empregadas em favor e sob a lógica da articulação das experiências, opiniões e
aspirações de todos os envolvidos e interessados nos resultados da escola.
A gestão democrática exige, em primeiro lugar,
uma mudança de mentalidade: deixar de lado o velho preconceito de que a escola
pública é apenas um aparelho burocrático do Estado e não uma conquista da
comunidade e um bem coletivo. A gestão democrática convoca a comunidade e os
usuários da escola a agir como co-gestores e não apenas como fiscalizadores e,
menos ainda, como meros receptores dos serviços educacionais. Na gestão
democrática, pais e mães, alunas e alunos, professores e funcionários assumem
sua parte de responsabilidade pelo projeto da escola.
Há pelo menos duas razões que justificam a
implantação de um processo de gestão democrática na escola pública:
1ª) A escola deve formar para a cidadania e,
para isso, ela deve dar o exemplo. A gestão democrática da escola é um passo
importante no aprendizado da democracia. A escola não tem um fim em si mesma.
Ela está a serviço da comunidade. Nisso, a gestão democrática da escola está
prestando um serviço também à comunidade que a mantém.
2ª) A gestão democrática pode melhorar o que é
específico da escola; o seu ensino. A participação na gestão da escola
proporcionará um melhor conhecimento do funcionamento da escola e de seus
atores; estreitando o contato entre professores e alunos, o que aumentará o
conhecimento mútuo e, em conseqüência, a aproximação entre as necessidades dos
alunos e os conteúdos ensinados pelos professores.
A autonomia e a participação - pressupostos do
projeto político-pedagógico da escola - não se limitam à mera declaração de
princípios consignados em algum documento.
Sua presença precisa ser mantida no Conselho
de Escola ou Colegiado, mas também na escolha do livro didático, no
planejamento do ensino, na organização de eventos culturais, de atividades
cívicas, esportivas, recreativas. Não basta apenas assistir às reuniões.
A gestão democrática envolve atitude e método.
A atitude democrática, que busca a participação e a transparência, é essencial,
mas não suficiente. Precisa de métodos democráticos, de efetivo exercício de
participação conseqüente, que alcance resultados. Nesse aspecto ela é um
aprendizado, que demanda tempo, atenção e trabalho. A gestão democrática deve
estar impregnada por uma atmosfera de ampla circulação das informações que facilite
os processos de divisão do trabalho, estabelecimento do calendário escolar, a
distribuição das aulas, a elaboração ou criação de novos cursos ou de novas
disciplinas, a formação de grupos de trabalho, a capacitação dos recursos
humanos etc..
Existem, certamente, limitações e obstáculos à
instauração de um processo democrático de elaboração e execução do projeto
político-pedagógico da escola. Entre eles, podemos citar:
a nossa pouca
experiência democrática;
a mentalidade de que só
os técnicos têm capacidade de planejar e governar e de que o povo é incapaz de
exercer o governo ou de participar de um planejamento coletivo em todas as sua
fases;
a própria estrutura do
nosso sistema educacional que é vertical;
o autoritarismo que
impregnou nossa política educacional;
o tipo de liderança que
tradicionalmente domina nossa atividade política no campo educacional.
Um projeto político -
pedagógico da escola apóia-se:
no desenvolvimento de
uma consciência crítica;
no envolvimento das
pessoas: comunidade interna e externa à escola;
na participação e na
cooperação das várias esferas de governo;
na autonomia,
responsabilidade e criatividade como processo e produto do projeto.
O projeto da escola
depende, sobretudo, da ousadia de seus agentes, da ousadia de cada comunidade
escolar em assumir a sua "cara" tanto para dentro, nas menores
manifestações de seu cotidiano, quanto para fora, no contexto histórico em que
ela se insere.
Muito importante é também entender que o projeto
político-pedagógico tem natureza interdisciplinar e intersetorial. Não se trata
de trocar de teoria, como se ela pudesse salvar a escola.
Pelo que foi dito até agora, a introdução do
projeto pedagógico em qualquer escola pode ser considerado como um momento
importante de renovação da escola. Isso porque ele projeta um futuro
coletivamente desejado e, projetar significa "lançar-se para a
frente", antever um futuro diferente do presente. Projeto pressupõe uma
ação intencionada, com um sentido definido, explícito, sobre o que se quer
mudar. Além disso, constitui um processo que com dois momentos distintos:
1º) o momento da concepção do projeto;
2º) o momento da institucionalização e
implementação do projeto.
Todo projeto supõe rupturas com o presente e
promessas para o futuro. Significa intenção ou coragem para arriscar quebrar um
estado confortável, atravessar um período de instabilidade em nome de um
resultado, de um estado melhor do que o presente. Um projeto educativo é uma
promessa frente a determinadas rupturas e, para ter sucesso; suas promessas
devem ser factíveis e tornar visíveis os campos de ação possível, motivando
seus atores e autores. Sem confiança na viabilidade do resultado e clareza em
como fazê-lo acontecer, não se consegue reunir disposição para deslanchar uma
mudança.
O êxito do projeto implica sobretudo uma noção
de tempo:
a) Tempo político - o
da oportunidade política de um determinado projeto.
b) Tempo institucional
- cada escola encontra-se num determinado tempo de sua história. Um projeto que
é inovador e contagiante para uma escola pode não ser para outra.
c) Tempo escolar - o
período do calendário da escola no qual o projeto é elaborado pode ser também
decisivo para o seu sucesso.
d) Tempo para
amadurecer as idéias - só os projetos burocráticos chegam prontos e, por isso,
se revelam ineficientes a médio prazo. Idéias novas precisam de tempo para
serem sedimentadas e amadurecidas, para serem discutidas e para persuadirem.
Como elementos facilitadores de êxito de um
projeto, podemos destacar:
1º) Comunicação
eficiente. O projeto deve ser factível e seu enunciado facilmente
compreensível;
2º) Adesão voluntária e consciente ao projeto.
A co-responsabilidade é um fator decisivo no êxito de um projeto. Todos ou,
pelo menos, uma grande maioria, precisa estar envolvida;
3º) Suporte
institucional e financeiro, que significa vontade política. Todos -
principalmente dos dirigentes - devem ter pleno conhecimento e os recursos
financeiros devem estar claramente definidos;
4º) Controle,
acompanhamento e avaliação. Um projeto que não envolva constante avaliação, não
permite que se saiba se seus objetivos estão sendo atingidos.
5º) Atmosfera ou
ambiente favorável. Não se deve desprezar o componente mágico-simbólico, que
contagia e cimenta a confiança de todos os que se envolvem no design e
concretização de um projeto.
6º) Credibilidade. As
idéias podem ser boas, mas se os que as defendem não têm prestígio, comprovada
competência e legitimidade, o projeto pode não deslanchar.
7º) Referencial teórico
que respalde os principais conceitos e a estrutura do projeto.
A falta desses elementos dificulta a
elaboração e implantação de um projeto político - pedagógico novo para a
escola. O que é novo enfrenta sempre a descrença dos que pensam que de nada
adianta projetar uma boa escola se não houver vontade política dos "de
cima". Contudo, o pensamento e a prática dos "de cima" se
modifica quando existe pressão dos "de baixo". Um projeto político -
pedagógico da escola deve constituir-se num verdadeiro processo de
conscientização e de formação cívica; deve ser um processo de recuperação da
importância e da necessidade do planejamento na educação.
Texto adaptado de:
GADOTTI M. & ROMÃO,
J. E. (orgs.) Autonomia da escola: princípios e propostas. São Paulo: Cortez,
1997.
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