Espionagem, polícia política, censura e propaganda.
(P. 169) Introdução:
(P. 174) Neste breve ensaio tentarei demonstrar que a história
do período também pode ser vista a partir da trajetória dos militares da “linha dura”,
isto é, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis, que com um discurso
anticomunista e anticorrupção ansiavam por maiores prazos para completar os
expurgos iniciados em 1964, a chamada “operação limpeza”. (...)
A linha-dura iniciada com Costa e Silva foi um grupo de pressão
que reclamava por meios e modos para a punição. Com o AI-2 e o AI-5 conseguiu
tais instrumentos e deu início, transformando-se em comunidade ou sistema de segurança.
(P. 175) A comunidade se amparava nos pilares básicos de
qualquer ditadura: A espionagem, a polícia política e a censura. E
contavam com a propaganda política, que forneciam suporte ideológico para suas
ações.
Espionagem.
Golbery do Couto e Silva criou três meses antes do golpe o SNI (Serviço
Nacional de Inteligência), contando com consultoria norte-americana. Segundo
ele mesmo disse: “havia criado um monstro”.
(P. 176) Na verdade, o monstro somente seria criado depois da
vitória da linha dura, com a posse de Costa e Silva para a presidência e
General Jayme Portella de Melo para ministro chefe da casa militar.
A partir de janeiro de 1968, o CSN (Conselho
se Segurança Nacional) teve suas competências aumentadas e pode ampliar-se
criando as DSI (Divisões
de Segurança e Informações) que se tratava de uma vasta rede de espionagem,
implantada em todo o país: ministérios civis, autarquias, fundações e diversos
órgãos públicos. Se a repartição era importante deveria contar com a AESI (Assessoria
Especial de Segurança e Informações).
Jayme Portella primeiramente providenciou a aprovação do Conceito
Estratégico Nacional, espécie de manual no qual todos os aspectos da política
de governo estão estabelecidas.
(P. 177) Com base nesse “conceito”, o SNI aprovou, em junho de
1970, o seu “Plano Nacional de Informações”.
O SNI tinha status de ministério e coordenava todas as ações em
território nacional.
(P. 178) O que se fazia numa DSI diferia muitíssimo daquilo
que se passava num DOI. O primeiro fazia escutas telefônicas, recortava
jornais, redigia avaliações; o segundo submetia prisioneiros a choques
elétricos ou o pau-de-arara. Entretanto as duas atividades não eram desconexas.
Em 1971 foi criada a Escola Nacional de Informações (EsNI) que
pretendia formar espiões civis, para que o SNI se transformasse em uma CIA. As
forças armadas, cada uma tinha seu próprio órgão de inteligência.
(P. 179) O SNI, as DSI’s e todos os demais órgãos de
informação compunham a “comunidade de informações”. O destino dessas
informações era o ministro da respectiva pasta.
O Sisni era basicamente um sistema de “inculpação” de pessoas,
orientado pela suspeita universalizada do “movimento comunista internacional”.
(P. 180) Em resumo, elegia-se a priori o suspeito e
providenciava-se a culpa depois. Quando não existiam indícios, eles eram
fantasiados.
(P. 181) Durante a ditadura, além dos casos óbvios de
perseguição, prisão, tortura de militantes e quadros organizados, praticados
pela polícia política, milhares de pessoas foram espionadas, julgadas e
prejudicadas pela comunidade de informações. Muitas nem sequer souberam disso.
Polícia Política.
Uma tese destaca o endurecimento do regime só após o AI-5,
entretanto a ditadura desde o início foi extremamente rigorosa com seus
inimigos.
(P. 182) Essa tese acompanha a ideia de que a luta armada,
segundo os militares é que levou ao AI-5. E a esquerda afirma que foi o AI-5
que levou a opção pela luta armada.
Na verdade, ambos, já planejavam “endurecer” cada um a seu modo de
longa data.
(P. 183) Uma das principais motivações para o AI-5 foi à
insatisfação da linha dura com o desenvolvimento dos primeiros inquéritos
policiais militares (IPM). Antes do AI-5 as tentativas de punição esbarravam na
concessão de habeas corpus pela Justiça. (P. 184) Com
isso os processos tardavam e as punições não eram obtidas. Assim a “Revolução”
não alcançariam seus objetivos.
Uma das principais exigências dos militares eram: fim do habeas
corpus e a criação de um foro especial para crimes políticos.
Tudo isso prova que o endurecimento do regime já havia sido
planejado. Mas a estrutura repressiva que marcou o pós-68 foi criada através de
diretrizes secretas.
Desde julho de 69 funcionava, em São Paulo, a “Operação
Bandeirantes” (Oban) criada com ajuda dos EUA, que promovia uma ação conjugada
e permanente de combate as guerrilhas urbanas. Com o apoio das forças armadas,
polícia militar e civil, amparados pelo governo estadual e financiada por
empresários.
(P. 185) A estrutura da Oban inspirou o sistema Codi-DOI. Os
Codis eram órgãos de planejamento, dirigidos pelo chefe do Estado Maior do
respectivo exército. Controlavam execuções das medidas repressivas e buscavam
articular todas as instâncias envolvidas. Os DOI’s faziam o trabalho sujo:
prisão, tortura e assassinato.
(P. 186) Com o auxílio da “comunidade de informações” o
Codi-Doi, tentava justificar sua existência.
(P. 187) Com a posse de Ernesto Geisel a tortura deixou de ser
generalizada, mas o Sissegin só seria extinto no final do governo Figueiredo.
A ação repressiva da ditadura militar mesclava espionagem e
polícia política com “justiça” sumária.
Censura.
(P. 188) A censura sempre existiu no Brasil, os militares
apenas as adequaram a nova realidade.
(P. 189) Além da imprensa todas as atividades artísticas,
culturais e recreativas foram reguladas. Com o AI-5 a censura se tornou mais
sistemática. Como não havia leis específicas para a atividade, a imprensa,
passou a ser censurada com base nas definições propositalmente ambíguas da lei
de Segurança Nacional. Algumas sofrendo com um censor na redação.
Essa ideia de que a imprensa lutou contra a ditadura e foi vítima
da censura, aos poucos é desmascarada. Alguns sim lutaram contra, mas muitos no
Brasil assumiram posturas de apoio ao regime e tem sido chamado por vezes de
“autocensura”.
(P. 190) A censura ao contrário do que se dizia, era algo
muito bem organizado. Havia dois tipos de censura a Imprensa: o 1º chamado de
“censura prévia” poderia ser feito na própria redação do periódico. O 2º era a
fiscalização sistemática e velada para impedir a divulgação de notícias ou
comentários contrários ao regime e às instituições.
Os dois procedimentos baseavam-se numa classificação de temas
censurados que a ditadura chamava de “proibições determinadas”.
(P. 191) A ideia de confusão na censura, não é de toda
incorreta: Integrantes da comunidade de segurança conseguiram muitas vezes censurar
temas sem a intermediação do Ministério da Justiça.
Defesa da moral e dos bons costumes sempre foi o objetivo dos
órgãos de censura das chamadas “diversões públicas”, isto é, teatro, cinema,
espetáculos musicais e até mesmo circo.
Propaganda.
Três dias depois da posse de Médici, definiram-se as diretrizes
que norteariam a maior campanha de propaganda jamais vista no Brasil.
(P. 194) Otávio Costa foi convidado por Médici para chefiar a AERP (Assessoria
Especial de Relações Públicas), e convidou Toledo Camargo para auxiliá-lo.
(P. 195) A AERP foi criada em janeiro de 68 durante o governo
Costa e Silva e vinha de uma experiência desastrosa com seu primeiro chefe
Hernani d’Aguiar. Com propagandas de cunho oficial que enalteciam o país de
forma ufanista não convencia. Segundo pesquisas a imagem do governo era ruim.
Eles tentavam desviar as atenções para fatos notáveis onde o
cidadão apenas precisava ser lembrado dos motivos que tinha para enaltecer o
governo.
Otávio Costa logo percebeu que deveria romper com a estratégia de
d’Aguiar e encontrar outros caminhos.
(P. 196) Adotou o nome de relações públicas ao invés de
propaganda política. Em seguida definiram jargões que estabeleciam os objetivos
das atividades de “comunicação social” do regime. Com frases que afirmavam
exatamente o contrário do que se vivia.
Portanto, também na propaganda política, o regime agia
envergonhadamente, desejando não ser reconhecido como uma ditadura, negando que
houvesse propaganda política, como negava que houvesse tortura ou censura.
A propaganda amparando-se nas leituras sobre o Brasil, em especial
Gilberto Freyre.
(P. 197) Otávio Costa acreditava no “poder moderador” dos
militares que deviam ensinar ao Brasil a proteger-se dos privilégios políticos
civis.
Ele sabia do grande senso de ridículo dos brasileiros, o que
inviabilizava a propaganda política típica que enaltecesse a autoridade ou
ostentasse os sinais típicos do poder.
Daí a opção por uma propaganda que falasse de solidariedade, amor
e participação em plena ditadura.
Otávio Costa produzia “filmetes” que se dividiam em dois grupos:
os de natureza educativa e os de caráter ético-moral.
(P. 198) Esse tipo de propaganda do regime era ridicularizado
por pessoas de esquerda, mas teve grande repercussão entre a população.
O Regime militar delineou um sistema de propaganda que amparava
ideologicamente a repressão e buscava encobri-la e isso de fato se deu.
A pretensão de Otávio Costa e de Toledo Camargo era educar o povo.
(P. 199) Mas a impressão que ficava era de
tentativa de lavagem cerebral.
Conclusão.
O propósito deste ensaio foi o de mostrar as especificidades dos
sistemas que compunham o aparato repressivo da ditadura militar.
Tais sistemas não foram “inventados” pelo regime, que em alguns
casos, se amparou em experiências preexistentes, os da espionagem e da censura.
Porém, é certo que os reinventou, criando estruturas que seriam
copiadas até mesmo fora do Brasil, como o sistema de segurança.
Bibliografia:
FERREIRA; Jorge & DELGADO; Lucilia de Almeida Neves: “O
Brasil Republicano”. Livro 04. “Introdução” pág.169-203.