Cap. 02: A Grande Expansão.
I.
(P. 54) As transformações e expansões econômicas dos anos que medeiam entre 1848 e o inicio da década de 1870, constituem o assunto principal deste capitulo. Foi o período no qual o mundo tornou-se capitalista e uma minoria significativa de paises “desenvolvidos” transformou-se em economias industriais. Com uma expansão que viria a ser a mais espetacular ocorrida até então, sobretudo por ter sido temporariamente impedida pelos eventos de 1848. As revoluções haviam sido precipitadas pela ultima e talvez maior das crises econômicas do tipo antigo pertencentes a um mundo que dependia da sorte nas colheitas. (...)
O novo mundo do “ciclo do comércio”, tinha seu próprio padrão de flutuações econômicas e suas próprias dificuldades seculares. O grande salto a frente estava apenas começando. Podemos datar a grande expansão a partir de 1850. O que se seguiu foi tão extraordinário, que não teve precedente. Nunca, por exemplo, as exportações inglesas cresceram tão rapidamente quanto nos primeiros 7 anos da década de 1850.
(P. 55) O que tornou essa expansão tão satisfatória foi a combinação de capital barato e um rápido aumento de preços entre os períodos de 1848 e 1850 e o ano de 1857. Os lucros aparentemente à espera de produtores, comerciantes e investidores apresentavam-se irresistíveis. E os homens de negócios não eram os únicos a lucrar, a taxa de emprego cresceu aos saltos tanto na Europa como no resto do mundo.
(P. 56) O grande aumento no custo dos cereais entre 1853 e 1855 não mais precipitou tumultos. A alta taxa de emprego e a presteza em conceder aumentos salariais temporários onde fosse necessário apagaram o descontentamento popular. Essa expansão proporcionou aos governos sacudidos pela revolução um espaço para respirar e destroçou as esperanças dos revolucionários.
(P. 57) Esse período de calma chegou ao fim com a depressão de 1857. Economicamente falando, tratava-se apenas de uma interrupção da era de ouro do crescimento capitalista, que continuou numa escala ainda maior na década de 1860 e atingiu seu clímax na expansão ocorrida entre 1871 e 1873.
Politicamente, ele transformou a situação, mas logo reanimou-se. Em pouco tempo, todas as velhas questões da política liberal voltaram a ordem do dia. Apesar de interrompida por diversos fatores externos, como a guerra civil americana de 1861 a 1865, a década de 1860 foi, do ponto de vista econômico, relativamente estável. Em resumo, a política ganhou novo ânimo num período de expansão, mas já não era a política d revolução.
II.
(P. 58) Quais eram as razões desse progresso? Por que a expansão econômica foi tão acelerada nesse período? Na primeira metade do século XIX existia o contraste entre o enorme e crescente potencial produtivo da industrialização capitalista e sua incapacidade de quebrar as correntes que a prendiam. Nenhuma industrialização poderia fornecer emprego para a vasta e crescente “população excedente” dos pobres. Por essa razão, as décadas de 1830 e 1840 haviam sido um período de crise.
(P. 59) Os homens de negócios temeram que pudesse vir a estrangular seu sistema industrial. Por duas razões essas esperanças ou medos se revelaram infundados. Em primeiro lugar, a economia industrial, nos seus primórdios descobriu, graças à pressão da busca pelo lucro da acumulação do capital, o que Marx chamou de sua “suprema realização” a estrada de ferro. Em segundo lugar –e parcialmente devido à estrada de ferro, ao vapor, a ao telegrafo “que finalmente representaram os meios de comunicação adequados aos meios de produção” – o espaço geográfico da economia capitalista poderia multiplicar-se na medida em que a intensidade das transações comerciais aumentasse.
O mundo inteiro tornou-se parte dessa economia. Essa criação de um único mundo expandido é talvez a mais importante manifestação do nosso período. Isto era particularmente crucial para o desenvolvimento econômico porque forneceu a base para a gigantesca expansão verificada nas exportações –em mercadorias, capital e homens- que teve um papel tão importante na expansão daquele que era o maior país capitalista, a Inglaterra.
(P. 60) O capitalismo tinha agora o mundo inteiro a seu dispor. Qualquer coisa vendável era negociada, mesmo as que sofriam direta resistência do país comprador, como o ópio da Índia britânica exportado para a china.
Observadores da época apontariam um terceiro fator: As grandes descobertas de ouro na Califórnia, Austrália e outros lugares depois de 1848. Em sete anos a disponibilidade mundial de ouro aumentou entre seis e sete vezes.
(P. 61) Porém três aspectos da nova disponibilidade de ouro praticamente não levantaram controvérsias:
Em primeiro lugar, ajudaram a produzir aquela situação relativamente rara entre cerca de 1810 e fim do século XIX, uma era de aumento de preços ou de inflação moderada, porém flutuante. Basicamente, a maior parte desse século foi deflacionária, em grande parte devido à persistente tendência da tecnologia a baratear produtos manufaturados. Esse período foi basicamente um interlúdio inflacionário num século deflacionário.
Em segundo lugar, a disponibilidade de barras de ouro um grandes quantidades ajudou a estabelecer aquele padrão monetário estável e seguro baseado na libra esterlina.
Em terceiro lugar, os caçadores de ouro abriram eles mesmos novas áreas, sobretudo no Pacífico, para a imensa atividade econômica. Assim fazendo, eles “criaram mercados a partir do nada”.
(P. 62) Certamente os contemporâneos teriam dado ênfase à contribuição de um outro fator: a liberalização da iniciativa privada, o motor que promoveu o progresso da industria. Nunca houve um consenso mais esmagador entre economistas ou políticos e administradores inteligentes no que toca à receita para o crescimento de sua época: o liberalismo econômico.
Essa liquidação legal dos períodos medieval e mercantilistas não se limitou a uma legislação de oficio. As leis contra a usura, letra morta foram abolidas na Inglaterra, Holanda, Bélgica e norte da Alemanha, entre 1854 e 1867.
(P. 63) A tendência mais impressionante era o movimento em direção à total liberdade de comércio, apenas e Inglaterra (depois de 1846) havia abandonado o protecionismo de forma total, mantendo taxas alfandegárias apenas por razões fiscais. Até aquele momento, mesmo as mais audaciosas e seguras economias capitalistas haviam hesitado em confiar plenamente no livre mercado com o qual estavam teoricamente comprometidas, principalmente no que diz respeito à relação entre patrões e empregados.
(P. 64) O que a primeira vista é mais surpreendente, entre 1867 e1875, é que todos os obstáculos legais significativos aos sindicatos trabalhistas e ao direito de greve foram abolidos quase sem causar estardalhaços.
Indiscutivelmente, esse vasto processo de liberalização encorajou a iniciativa privada, assim como a liberalização do comércio ajudou a expansão econômica, mas não devemos esquecer que grande parte da liberalização formal não era realmente necessária.
(P. 65) Não há duvida de que a liberalização trouxe todo tipo de resultados especificamente positivos, a liberalização não resolvia tudo por si mesma. Nenhum lugar liberalizou mais do que a republica de Nova Granada (Colômbia) entre 1848 e 1854, mas quem afirmaria que as grandes esperanças de prosperidade de seus chefes de Estado foram realizadas imediatamente, se é que foram?
Na Europa essas mudanças indicaram uma profunda e grande confiança no liberalismo econômico, que parecia ser justificado por uma geração. A livre iniciativa capitalista florescia tão claramente. Enfim, mesmo a liberdade de contrato para os trabalhadores, incluindo a tolerância de sindicatos, pouco parecia ameaçar os lucros, já que o “exército industrial de reserva” que consistia basicamente em massas camponesas, ex artesãos e outros profissionais que migravam para as cidades e regiões industriais, pareciam manter os salários em um nível satisfatoriamente modesto.
O entusiasmo pelo comércio livre internacional é a primeira vista mais surpreendente entre os ingleses, pois significou, em primeiro lugar, que lhes é permitido vender livremente a preço mais baixo em todos os mercados do mundo e em segundo lugar, que assim encorajavam os paises subdesenvolvidos a vender seus próprios produtos –basicamente alimentos e matérias-primas- barato e em grande quantidade, de forma a conseguir as divisas necessárias para comprar manufaturas inglesas.
(P. 66) Mas por que rivais da Inglaterra aceitaram esse arranjo aparentemente desfavorável? Para os paises subdesenvolvidos, que não procuravam competir industrialmente, isto era evidentemente atraente.
A maior parte das economias em vias de industrialização podiam ver nesse período duas vantagens no livre comércio. 1º a expansão geral do comércio mundial, beneficiou a todos, ainda que beneficiasse desproporcionalmente a Inglaterra. 2º qualquer que fosse a futura rivalidade entre as economias capitalistas, nessa etapa de industrialização, a vantagem de poder utilizar o equipamento, as fontes e o know-how da Inglaterra era bastante útil.
III.
(P. 67) A economia capitalista recebeu simultaneamente numerosos estímulos extremamente poderosos. Os meados do séc. XIX foram fundamentalmente a era da fumaça a vapor. A produção de carvão agora chegava a ser medida em dezenas de milhões de toneladas para o mundo. A produção de ferro por volta de 1870, a França, a Alemanha e os EUA produziam cada um entre um e dois milhões de toneladas, enquanto a Inglaterra, permanecia bem na frente com seis milhões, ou seja, cerca de metade da produção mundial.
(P. 68) Esses números indicam algo mais além do fato de que a industrialização estava em progresso. O fato significativo de que o progresso estava agora geograficamente muito mais espalhados, apesar de ser muito desigual.
(P. 69) Em 1850, a Inglaterra ainda possuía bem mais de um terço de toda a força a vapor global, mas já na década de 1870 possuía apenas uma quarta parte ou menos. Em números absolutos, os EUA já estavam um pouco mais na frente por volta de 1850 e deixaram a Inglaterra bem atrás em 1870, mas mesmo assim, a expansão industrial americana, apesar de extraordinária, parecia menos sensacional que a da Alemanha.
A industrialização da Alemanha era um fato histórico de importância maior. Em 1850, a Federação Alemã tinha tantos habitantes quanto à França, mas sua capacidade industrial era incomparavelmente menor. Em 1871, o império alemão unido já era mais populoso que a França e muito mais poderoso economicamente. Os produtos característicos da era vieram a ser o ferro e o carvão, e seu símbolo mais espetacular, a estrada de ferro, que os combinava. Era a idade do ferro.
(P. 70) Porém, mesmo tendo tornado possível a tecnologia revolucionária do futuro, a nova indústria pesada” não era particularmente revolucionária senão em escala. Em termos globais, a Revolução Industrial da década de 1870 ainda era impulsionada pelas inovações técnicas do período de 1760 e 1840. Mesmo assim, as desenvolveram duas formas de indústria baseadas numa tecnologia ainda mais revolucionária: a química e a elétrica.
Com poucas exceções, as principais invenções técnicas da primeira fase industrial não exigiam conhecimento científico muito avançado. A partir da metade do século os coisas se modificaram.
(P. 71) Laboratórios de pesquisa tornou-se parte integrante do desenvolvimento industrial. Na Europa ele permaneceu ligado a universidades ou instituições similares, mas nos EUA o laboratório puramente comercial já havia aparecido no limiar das companhias telegráficas. Uma conseqüência significativa dessa penetração da industria pela ciência era que, dali em diante, o sistema educacional tornara-se crucial para o desenvolvimento da industria. Daquele momento em diante, era quase impossível que um país que faltasse educação avançada viesse a se tornar uma economia moderna.
(P. 72) Novas matérias-primas, frequentemente encontráveis apenas fora da Europa, atingiram a partir daí uma significação que só viria a ser tornar evidente no período subseqüente ao imperialismo.
(P. 73) Desse modo, petróleo já havia atraído a atenção dos engenhosos ianques como combustível conveniente. O crescimento das importações de borracha pela Inglaterra era realmente notável. Em 1876 havia exatamente duzentos telefones trabalhando na Europa e 380 nos EUA, e, na Exposição Internacional de Viena, a operação de uma bomba d’agua movida a eletricidade ainda era uma grande novidade. Podemos observar que a ruptura estava bem próxima: O mundo estava prestes a entrar na era da luz e da energia elétrica, do aço e das ligas de aço, do telefone e do fonógrafo, das turbinas e dos motores de combustão interna. Mas tudo isso ainda não havia acontecido em meados de 1870.
A maior inovação industrial, excetuando-se os campos científicos acima mencionados, foi provavelmente a produção em massa de maquinaria.
(P. 74) A maior parte do avanço na engenharia de produção de massa veio dos Estados Unidos. Tudo isso preocupava os europeus que já percebiam, por volta de 1860, a superioridade tecnológica norte americana na produção em massa.
IV.
(P. 75) Foi em 1860, depois da primeira dessa genuínas quedas mundiais, que os economistas acadêmicos, reconheceram a periodicidade desse “ciclo do comercio”até então considerado apenas por socialistas e outros heterodoxos.
(P. 76) Assim, por mais dramáticas que fossem essas interrupções na expansão, elas eram temporárias. Os historiadores tem duvidado da existência daquilo que vem sendo chamado “A Grande Depressão” de 1873 a 1896, que, evidentemente, não foi tão drástica quanto a de 1929 a 1934, quando a economia capitalista mundial quase parou. No entanto os contemporâneos não tinham duvida de que a grande expansão havia sido seguida de uma grande depressão.
(P. 77) Nessa época, o capitalismo industrial tornou-se uma genuína economia mundial e o globo estava transformado, dali em diante, de uma expressão geográfica em uma constante realidade operacional. A história, doravante, passava a ser história mundial.
Bibliografia: