Saberes
Necessários à Prática Docente
I.
Biografia.
Paulo Reglus Neves
Freire (Recife, 19 de setembro de 1921 — São Paulo, 2 de maio de 1997) foi um
educador, pedagogista e filósofo brasileiro. É considerado um dos pensadores
mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento
chamado pedagogia crítica. É também
o Patrono da Educação Brasileira.
Sua prática didática
fundamentava-se na crença de que o educando assimilaria o objeto de estudo
fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por
ele denominada educação bancária, tecnicista e alienante: o educando criaria
sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já
previamente construído; libertando-se de chavões alienantes, o educando
seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado. Destacou-se por seu trabalho na
área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a
formação da consciência política.
II.
A Pedagogia da Libertação.
Paulo Freire delineou
uma Pedagogia da Libertação, intimamente relacionada com a visão marxista do
Terceiro Mundo e das consideradas classes oprimidas na tentativa de elucidá-las
e conscientizá-las politicamente. As suas maiores contribuições foram no campo
da educação popular para a alfabetização e a conscientização política de jovens
e adultos operários, chegando a influenciar em movimentos como os das Comunidades
Eclesiais de Base (CEB).
No entanto, a obra de
Paulo Freire não se limita a esses campos, tendo eventualmente alcance mais
amplo, pelo menos para a tradição da educação marxista, que incorpora o
conceito básico de que não existe educação neutra. Segundo a visão de Freire,
todo ato de educação é um ato político.
III.
Principais Conceitos Trabalhados pelo autor.
Dialogicidade:
1. “Ensinar
não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção
ou sua construção” Paulo Freire.
2.
Relação horizontal com aluno.
3.
“Não há saber mais ou saber menos, há
saberes diferentes” Paulo Freire
4.
Texto “A canoa” de Paulo Freire
Politicidade
do ato educativo:
1.
“Educar é um ato político” Paulo Freire
2. “Não
basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva
ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra
com esse trabalho.” Paulo Freire
Educação
Bancária
1. Segundo
Freire, é aquela na qual o aluno é concebido como um ser “vazio” onde o
educador “deposita” conhecimentos que o discente precisa memorizar e
reproduzir.
2.
Aluno na condição passiva e receptiva.
3.
Culto ao silêncio e a subordinação
Educação
como prática de liberdade
1.
Reflete sobre o homem situado no seu
tempo histórico e suas relações com o mundo.
2. Possibilita
ao sujeito se perceber na sua condição
histórica e como construtor do seu caminhar, tornando-o consciente de
sua presença atuante e transformadora no mundo.
Conscientização
1.
Atuação do Homem sobre a realidade
social e superação da visão ingênua.
“A
leitura do mundo precede a leitura da palavra”
1. Ninguém
educa ninguém, tão pouco ninguém se educa a si mesmo: os homens, se educam em
comunhão, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 1978).
IV.
Fichamento do livro Pedagogia da Autonomia.
(P.06)
Primeiras Palavras.
Logo de inicio Paulo
Freire deixa claro que o objetivo desse livro é a questão da formação docente
ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressista em favor da
autonomia do educando.
(P.07)
Este
pequeno livro encontra-se cortado ou permeado em sua totalidade pelo sentido da
necessidade de ética, que conota expressivamente a natureza da prática
educativa, enquanto prática formadora.
Fica claro, portanto,
que educadores e educandos não podem escapar da ética. Da ética universal do
ser humano. Ética que condena a exploração da força de trabalho do ser humano,
que condena o cinismo, a desinformação, o falso testemunho, a mentira, o
preconceito, etc.
(P.08)
O
preparo científico do professor ou da professora deve incidir com sua retidão
ética.
Formação ética,
correção ética, respeito aos outros, não permitir que o nosso mal-estar pessoal
ou a nossa antipatia com relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez,
são obrigações a cujo cumprimento devemos humildemente mas perseverantemente
nos dedicar.
(P.10)
Este
é um livro de esperança e otimismo, contra a ideologia fatalista neoliberal,
travestida de pós-modernidade, que insiste em nos convencer que nada podemos
fazer contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou
virar “quase natural”.
(P.11).
Cap 1: Não há docência sem discência.
O ato de cozinhar
pressupõe alguns saberes concernentes ao uso do fogão, como acendê-lo,
harmonizar temperos e etc. A prática de cozinhar prepara o novato e vai
possibilitando que ele vire cozinheiro.
Portanto, o que
interessa aqui é alinhar alguns saberes fundamentais à prática
educativo-crítica ou progressista, que devam ser conteúdos obrigatórios à
organização programática da formação docente.
(P.12)
Esses
conteúdos devem ser tão claros quanto possível, para ser elaborada a prática
formadora.
É preciso sobretudo que
o formando, desde o princípio de sua experiência formadora, assuma-se como
sujeito também da produção do saber, e se convença de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a
sua construção.
Se, na experiência de
minha formação começo por aceitar que o formador é o sujeito e o formado o
objeto, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos acumulados
pelo sujeito que sabe e os transfere para mim.
Nesta forma de
compreender e de viver o processo formador, eu (objeto agora), poderei amanhã
me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro do objeto.
Muito pelo contrário, é
preciso que desde o começo do processo, vá ficando claro que embora diferentes
entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e
forma ao ser formado.
Portanto, é neste
sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, e nem formar é ação pela
qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e
acomodado.
Não há docência sem
discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar de diferentes, não se
reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender.
(P.13)
Quando
vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos
de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica,
pedagógica, estética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a
decência e com a serenidade.
Segundo François Jacob,
nós somos “seres programados para aprender” e quanto mais aprendemos mais se
desenvolve a “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o
conhecimento cabal do objeto.
É isto que nos leva à
crítica e à recusa cabal do “ensino bancário[1]”
que deforma a necessidade criativa do educando e do educador. Contudo, o fato
de sermos programados para aprender monstra que podemos dar a volta por cima.
Sendo necessário ao educando, manter seu espírito rebelde frente à educação
bancária.
(P.14)
1.1: Ensinar exige rigorosidade metódica.
O educador democrático
não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade
critica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas
primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem
se aproximar dos objetos cognoscíveis. É nesse sentido que ensinar não se
esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se
alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E
essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos
criadores, instigadores, inquietos, curiosos, humildes e persistentes.
Percebemos que a
importância do educador não está somente em ensinar os conteúdos, mas em
ensinar a pensar certo.
(P.15)
Só
quem pensa certo, mesmo que às vezes pense errado, é quem pode ensinar a pensar
certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado
certos de nossas certezas. Por isso é que pensar certo é inconciliável com a
arrogância de quem se acha cheio de si mesmo.
O professor que pensa
certo mostra aos educandos que uma das bonitezas de estar no mundo, como seres
históricos, é a capacidade de conhecendo o mundo, intervir nele.
E o conhecimento
(histórico como nós) tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo
supera outro antes novo e que agora se faz velho. E este novo se dispõe a ser
superado amanhã.
Para Paulo Freire, o
ensinar, o aprender e o pesquisar lidam dois momentos do ciclo gnosiológico:
conhecer o conhecimento existente e produzir conhecimento ainda não existente.
Sendo o ensino, a aprendizagem e a pesquisa práticas inseparáveis do clico
gnosiológico.
(P.16)
1.2: Ensinar Exige Pesquisa.
Não há ensino sem
pesquisa e pesquisa sem ensino. Enquanto ensino continuo buscando, ensino
porque busco, porque indaguei. Pesquiso para constatar, constatando intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço.
Pensar certo, em termos
críticos, é uma exigência que os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo
à curiosidade que, tornando-se mais
metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que Paulo Freire chama
de “curiosidade epistemológica”.
A curiosidade ingênua
(que possui um certo saber, mesmo que metodicamente desrigoroso) é o chamado senso comum. O saber de pura
experiência do fato.
O professor que pensa
certo deve respeitar o senso comum, mas tendo em vista sua superação e
desconstrução, estimulando a capacidade criadora do educando.
1.3:
Ensinar Exige Respeito aos Saberes dos Educandos.
O professor que pensa
certo e a escola devem respeitar s saberes dos educandos, sobretudo as classe
populares, e também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses
saberes em relação com os ensinos dos conteúdos.
Relacionar o saber do
aluno com os conteúdos a serem trabalhados. Estabelecer uma necessária
“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm como indivíduos.
(P.17)
1.4: Ensinar Exige Criticidade.
Paulo Freire não vê na
diferença e na distância entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de
pura experiência e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma
ruptura, mas sim uma superação. Pois, a superação se dá na medida em que a
curiosidade ingênua (sem deixar de ser curiosidade) se criticiza,
transformando-se em curiosidade epistemológica. Muda de qualidade mas não de
essência.
(P.18)
Não
haveria criatividade sem a curiosidade. E uma das tarefas da prática
educativa-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica,
insatisfeita, indócil.
1.5:
Ensinar Exige Estética e Ética.
A necessária promoção
da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita a distância de uma
rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência boniteza de mãos
dadas.
Por isso, transformar a
experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de
fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.
(P.19)
Se
se respeitar a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se
alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.
Pensar certo demanda
profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos
fatos. Supões a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a
possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-lo.
Contudo, como o pensar direito é algo ético, ao se mudar de ponto de vista,
cabe a quem muda que assuma a mudança operada. Do ponto de vista do pensador,
não é possível mudar e fazer de conta que não mudou, pois todo pensar certo é
coerente.
1.6:
Ensinar Exige a Corporeificação[2]
das palavras pelo exemplo.
O professor que
realmente ensina, ou seja, que trabalha com o pensar certo, nega como falsa, a
formula do faça o que mando e não faça o que faço, pois pensar certo é fazer
certo.
(P.20)
1.7: Ensinar Exige Risco, Aceitação do Novo e Rejeição a Qualquer Forma de
Discriminação.
É próprio do pensar
certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado e
a rejeição a qualquer forma de discriminação. Devemos entender que não devemos
aceitar o novo só porque recusamos o velho, ou negar o novo apenas por ser
novo.
Faz parte igualmente do
pensar certo a rejeição a qualquer tipo de discriminação. A prática
preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser
humano e nega radicalmente a democracia.
(P.21)
A
grande tarefa do sujeito que pensa certo não é, portando, transferir,
depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a
intelegibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do
educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de
inteligir[3],
desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzindo sua
compreensão do que em sendo comunicado. Não há intelegibilidade que não se
funde na dialogicidade. O pensar certo é dialógico[4] e
não polêmico.
(P.22)
1.8: Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática.
A prática docente
crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético,
entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
É fundamental que, na
prática da formação docente, o aprendiz de educador entende que o conhecimento
deve ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.
É por isso que, na formação permanente dos professores a reflexão crítica sobre
sua prática é fundamental. É pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática. Quanto mais assumo como estou,
mais me torno capaz de mudar, de promover-me de um estado de curiosidade
ingênua para o de curiosidade epistemológica.
(P.23)
Contudo,
seria um exagero idealista afirmar, por exemplo, saber que fumar ameaça minha
vida, já significa deixar de fumar. Mas deixar de fumar passa, em algum
sentido, pela assunção[5] do
risco que corro ao fumar. Quando assumo o mal ou os males que o cigarro pode me
causar, movo-me no sentido de evitar os males. Decido, rompo, opto, Mas é na
prática de não fumar que a assunção do risco que corro por fumar se concretiza
materialmente.
Há ainda outro
elemento: o emocional. Além do conhecimento que fumar faz mal, tenho
conhecimento sobre ele, o que legitima a raiva do fumo.
Trazendo este exemplo
para a educação, chego a conclusão de que esta errada a educação que não
reconhece na justa raiva contra as injustiças, o desamor, a exploração e a
violência um papel altamente formador. O que não podemos, contudo é deixar que
a raiva se transforme em ódio.
1.9.
Ensinar exige o reconhecimento e assunção da identidade cultural.
Uma das tarefas mais
importantes na prática educativa crítica é propiciar as condições para que os
educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ensaiem a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico,
como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos,
capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque é
capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a
exclusão dos outos.
(P.24)
A
Questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de
classe dos alunos, cujo respeito é fundamental na prática educativa
progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente
com a assunção de nós por nós mesmos. É isso que o puro treinamento do
professor não faz, perdendo-se na estreita e pragmática visão de processo.
As considerações ou
reflexões até agora vêm sendo desdobramentos de um primeiro saber inicial
apontado como necessário à formação docente, numa perspectiva progressista.
Saber não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção. É preciso insistir: e todo professor deve
entender - ensinar não é transferir conhecimento.
(P.28) Pensar certo - e saber que ensinar não é
transferir conhecimento é fundamentalmente pensar certo - Nesse sentido, pensar certo é extremamente difícil e penoso,
pois devemos manter vigilância constante para evitarmos os simplismos,
facilidades e incoerências grosseiras. Ou seja, pensar humildemente é condição sine qua non de pensar certo.
O clima do pensar certo
não têm nada a ver com fórmulas pré-estabelecidas, mas seria a negação do
pensar certo se forjássemos na atmosfera da espontaneidade, pois, sem
rigorosidade metódica não há pensar certo.
2.1: Ensinar Exige Consciência do
inacabamento.
(P.30)
Aqui
chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do inacabamento do
ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é própria da
experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre homens e
mulheres o inacabamento se tornou consciente.
(P.31)
2.2: Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado.
Gosto de ser gente
porque, inacabado, sei que sou condicionado, mas consciente do inacabamento,
sei que posso ir mais além. Esta é a diferença entra o ser condicionado e o ser
determinado.
Gosto de ser gente
porque, como tal, percebo que as condições materiais, econômicas, sociais e
políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre
barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de
mudar o mundo, mas sei também que obstáculos não se eternizam.
(P.32)
Voltemos
um pouco à nossa reflexão anterior. A consciência do inacabamento entre nós,
nos faz seres responsáveis, daí a eticidade de nossa presença no mundo.
Eticidade, que não há dúvidas, podemos trair. Por isso mesmo a capacitação do
educador em torno de saberes instrumentais jamais pode prescindir de sua
formação ética.
Um educador que castra
a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino
dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se.
Ou seja, não forma, domestica.
(P.34)
E
na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação com
processo permanente. Mulheres e homens se tornam educáveis na medida em que se
reconhecem inacabados. Não foi educação que fez homens e mulheres educáveis,
mas a consciência de sua inconclusão que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão
de que no tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de
procura que se alicerça a esperança.
Este é o saber fundante
da nossa prática educativa, da formação docente, o da nossa inconclusão
assumida.
2.3:
Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando.
Outro saber necessário
à prática educativa é o que fala do respeito à autonomia do educando. Seja ele
criança, jovem ou adulto.
(P.35)
O
professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a
sua inquietude, a sua linguagem, que ironiza o aluno, que minimiza, que manda
que o aluno se ponha em seu lugar, etc. Transgride os princípios fundamentais
éticos de nossa existência.
(P.36)
2.4: Ensinar exige bom senso.
A vigilância do meu bom
senso tem uma importância enorme na avaliação que, a todo instante, devo fazer
de minha prática. É o meu bom senso que me adverte de exercer a minha
autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades,
estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo. Mas,
não devemos confundir autoridade com autoritarismo.
De nada serve, a não
ser para irritar o educando e desmoralizar o discurso hipócrita do educador,
falar em democracia e liberdade, mas impor ao educando a vontade arrogante do
mestre.
O exercício do bom
senso, com o qual só temos a ganhar, se faz no corpo da curiosidade. Neste
sentido, quando mais pomos em prática de forma metódica a nossa capacidade de
indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, tanto mais eficazmente curiosos
nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso.
(P.37)
O
exercício ou a educação do bom senso vai superando o que há nele de instintivo
na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos que nos envolvemos.
Não é possível respeito aos educandos, à sua
dignidade, a seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levar
em consideração em que condições ele vem existindo, se não se reconhece a
importância dos conhecimentos com que chegam à escola.
(P.39)
A
responsabilidade do professor é sempre grande. Sua presença na sala é de tal
maneira que nenhum professor escapa ao juízo que dele fazem os alunos. Sendo o
pior juízo, o que considera o professor uma ausência na sala de aula. Nenhum
professor passa pelos alunos sem deixar sua marca. Daí a importância do
exemplo.
O professor tem o dever
de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso ele precisa de
condições favoráveis, higiênicas, espaciais e estéticas, sem as quais se move
menos eficazmente no espaço pedagógico. Às vezes as condições são de tal
maneira perversa que nem se move. O desrespeito a este espaço é um ofensa aos
educandos, aos educadores e a prática pedagógica.
2.5:
Ensinar exige humidade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores.
Se há algo que os
educandos brasileiros precisam saber, é que a luta em favor do respeito aos
educadores e à educação inclui que a briga por salários menos imorais é um
dever irrecusável e não só um direito deles. Deve também, ser entendido como um
momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo
que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte.
Um dos piores males que
o poder público vem fazendo a nós, é nos fazer cair no indiferentismo que levo
ao cruzamento dos braços. “Não há o que fazer”, este é um discurso acomodado
que não podemos aceitar.
(P.40)
O
meu respeito de professores à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua
timidez, exige de mim (professor) o cultivo da humildade e da tolerância. Não
posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem. Não tenho porque
exerce-la mal. A minha resposta à ofensa da educação é a luta política,
consciente, crítica e organizada contra os ofensores. Aceito até abandoná-la,
cansado, à procura de dias melhores. O que não é possível é, ficando nela,
aviltá-la com o desdém de mim mesmo e dos educandos.
Uma das formas de luta
é a recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico e a nossa
rejeição a entende-la e exercê-la como prática afetiva de “tias e tios”. Pois,
somente como profissionais idôneos que ele e elas devem ver-se a si mesmo e a
si mesmas.
(P.41)
2.6: Ensinar exige apreensão da realidade.
Como professor preciso
me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes dimensões
que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu
próprio desempenho.
Mulheres e homens,
somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de
aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora,
algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada.
Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se
faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.
Toda prática educativa
demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende e outro que
aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico[6]; a
existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos, envolve o uso
de métodos, de técnicas de materiais; implica objetivos, sonhos, utopias,
ideias. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser
política e não neutra.
(P.42)
Com professor o meu papel fundamental é contribuir positivamente para que o
educando vá sendo o artífice de sua formação com ajuda necessária do educador.
Devo estar atendendo à difícil passagem ou caminhada de heteronomia para a
autonomia.
Em nome do respeito que
devo aos meus alunos não tenho porque omitir, porque ocultar a minha opção
política assumindo uma neutralidade que não existe.
(P.43)
2.7: Ensinar exige alegria e esperança.
Há uma relação entre a
alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que
professor e alunos juntos podem aprender, ensinar, inquietar, produzir e
igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria.
Seria uma contradição
se, inacabado e consciente do inacabado, o ser humano não se inscrevesse ao não
se achasse predisposto a participar de movimento constante e, que nesta busca
não houvesse esperança.
(P.46)
2.2: Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.
Um dos saberes
primeiros, indispensáveis a quem, chegando a favelas ou realidades marcadas
pela traição a nosso direito de ser, é o saber do futuro como problema e não
como inexorabilidade. É o saber da História como possibilidade e não como
determinação. O mundo não é, o mundo está sendo. E sabendo disso, sei também
que não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito. No mundo da História,
da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.
Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa
incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente
a de nos adaptar a ela.
(P.47)
Na
medida em que percebemos o futuro como algo problemático e não inexorável,
outra tarefa se apresenta. A de discutindo a problematicidade do amanhã,
pensemos a resistência e a realidade frente às injustiças.
Uma das questões
centrais é a promoção (ascensão) de posturas rebeldes em posturas
revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo.
É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos
programar nossa ação político-pedagógica.
(P.48)
Trata-se
de desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a
violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta e que
sua situação não é destino certo ou vontade de Deus, mas algo que pode ser
mudado.
(P.49)
E
se, de um lado não posso me converter ao saber ingênuo dos grupos populares, de
outro, não posso, se realmente progressista[7],
impor-lhes arrogantemente o meu saber como o verdadeiro. O dialogo em que vai
se desafiando o grupo popular a pensar sua história social como a experiência
igualmente social de seus membros, vai revelando a necessidade de superar
certos saberes que desnudados, vão mostrando sua “incompetência” para explicar
os fatos. Ou seja, inicialmente é necessário entender como as classes populares
pensam e a partir daí descontruir o pensamento ingênuo.
(P.50)
É
importante ter sempre claro que faz parte do poder ideológico dominante a
inculcação nos dominados da responsabilidade por sua situação. Daí a culpa que
eles sentem por se acharem nesta ou naquela situação desvantajosa.
A alfabetização, por
exemplo, numa área de miséria, só ganha sentido na dimensão humana se for
realizada em conjunto de uma espécie de psicanálise histórica-político-social
de que vá resultando a extrojeção da culpa indevida. A isto corresponde a
“expulsão” do opressor de “dentro” do oprimido, enquanto sombra invasora.
Sombra que, expulsa pelo oprimido, precisa ser substituída pela autonomia e a
sua responsabilidade.
(P.51)
2.9: Ensinar exige curiosidade.
O bom clima
pedagógico-democrático é o em que o educando vai aprendendo à custa de sua
prática mesmo que sua curiosidade como sua liberdade deva estar sujeita a
limites, mas em permanente exercício. Limites eticamente assumidos por ele.
(P.52)
Como
professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me
insere na busca, não aprendo nem ensino.
Com a curiosidade
domesticada posso alcançar a memorização do perfil ou daquele objeto, mas não o
aprendizado real ou o conhecimento cabal do objeto. A construção ou a produção
do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade
crítica de “tomar distância” do objeto, de observá-lo, delimitá-lo, de cindi-lo,
de “cercar” o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de
comparar, de perguntar.
O fundamental é que o
professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é
dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou
enquanto ouve. O que importa é que o professor e alunos se assumam epistemologicamente
curiosos.
(P.56)
Cap. 03: Ensinar é uma especificidade humana.
3.1:
Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade.
A segurança (postura
segura) com que a autoridade docente se move implica uma outra, que se funda em
sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente
desta competência. O professor que não leva a sério sua formação, que não
estuda, que não se esforça para estar à altura de sua tarefa não tem força
moral para coordenar as atividades de sua classe. A incompetência profissional
desqualifica a autoridade do professor.
Outra qualidade
indispensável à autoridade do professor em suas relações com as liberdades é a
generosidade.
(P.58)
No
fundo, o essencial nas relações entre o educador e educando, entre autoridade e
liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no
aprendizado de sua autonomia. Me movo como educador porque, primeiro, me movo
como gente.
Não é possível separar
em dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos. O
ensino dos conteúdos implica o testemunho ético do professor. Sendo este outro
saber indispensável para a prática docente.
(P.59)
É
impossível separar prática de teoria, autoridade de liberdade, ignorância de
saber, respeito ao professor de respeito aos alunos, ensinar de aprender.
3.2:
Ensinar exige comprometimento.
Uma das minhas preocupações
centrais como educador deve ser a de procurar a aproximação cada vez maior
entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou
sendo.
(P.60)
Creio
que nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em
face da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da
educação. Desse ponto de vista, que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro
por excelência, é aquele em que se treinam alunos para práticas apolíticas,
como se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma maneira
neutra.
(P.61)
3.3 Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no
mundo.
Intervenção que além do
conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e /ou aprendidos implica tanto o
esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Não
só uma, mas sempre as duas coisas. Reprodutora e contestadora.
(P.63)
Não
posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser
neutra, minha prática exige de mim uma definição.
(P.64)
Assim
como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem
os conteúdos de minha disciplina, não posso reduzir minha aula ao puro ensino
deste conteúdo. Tão importante quanto o conteúdo, é o meu testemunho ético ao
ensiná-lo. É a decência com que o faço.
(P.65)
3.4: Ensinar exige liberdade e autoridade.
Noutro momento deste
texto me referi ao fato de não termos ainda resolvido o problema da tensão
entre autoridade e liberdade. Paulo Freire acredita na necessidade do limite,
sem os quais a liberdade se perverte em licença e a autoridade em
autoritarismo.
O grande problema que
se coloca ao educador de opção democrática é trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja
assumida eticamente pela liberdade.
(P.67)
O
que sempre deliberadamente recusei (Paulo Freire), em nome do próprio respeito
a liberdade, foi sua distorção em licenciosidade. O que sempre procurei foi
viver em plenitude a relação tensa, contraditória e não mecânica, entre
autoridade e liberdade, no sentido de assegurar o respeito entre ambas, cuja
ruptura provoca a hipertrofia de uma e de outra.
(P.68)
A
posição indiscutivelmente mais correta, é a democrática, coerente com seu sonho
solidário e igualitário, para quem não é possível autoridade sem liberdade e
esta sem aquela.
3.5:
Ensinar exige tomada consciente de decisões.
Quando falo em educação
como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudanças radicais e
progressistas na sociedade, quanto a que reaccionariamente pretende imobilizar
a História e manter a ordem injusta.
(P.69)
Ou
seja, é impossível a neutralidade na educação, pois a educação é política.
A raiz mais profunda da
politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se
funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente.
Para que a educação
fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre pessoas
com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo
político a ser posto em prática, aos valores a serem encarnados.
Para a neutralidade
seria necessário ainda que houvesse unanimidade na forma de enfrentar os
problemas e superá-los.
Para que a educação não
fosse uma forma política de intervenção no mundo era indispensável que o mundo
em que ela se desse não fosse humano. Há uma incompatibilidade total entre o
mundo humano da fala, da percepção, da inteligibilidade, da comunicabilidade,
da ação, da ética, e da possibilidade de sua transgressão e da neutralidade não
importa de quê.
O que devo pretender
não é a neutralidade da educação, mas o respeito aos educandos e educadores.
(P.70)
3.6: Ensinar exige saber escutar.
(P.71)
Se
o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando dos outros, de
cima para baixo, como se fossemos os portadores da verdade a ser transmitida,
que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com ele. O
educador que escuta transforma seu discurso em uma fala com o aluno.
(P.72)
O
sistema de avaliação pedagógica de alunos e professores vem assumindo cada vez
mais os discursos verticais camuflados de democráticos.
(P.73)
Devemos
compreender a avaliação enquanto instrumento de apreciação. Avaliação em que se
estimule o falar a, como caminho do falar com.
É preciso, porém, que
quem tem o que dizer saiba, não ser o único a ter o que dizer. Mais ainda, que
o que tem a dizer não é necessariamente, por mais importante que seja, a
verdade alvissareira[8]
por todos esperada.
É intolerável o direito
que se dá a si mesmo o educador autoritário de comportar-se como proprietário
da verdade de que se apossa e do tempo. Sua fala, por isso mesmo, se dá num
espaço silenciado.
No espaço do educador
democrático, ao contrário; se aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio
intermitente, um faz silêncio para o outro falar e vice-versa. É o diálogo.
É por isso, repito, que
ensinar não é transferir conteúdo a ninguém assim como aprender não é memorizar
o perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do professor. Ensinar e
aprender tem a ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar
a compreensão de algo e com empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando
como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor deve
deflagrar.
Não é difícil compreender,
assim, que uma das tarefas centrais do educador progressista seja apoiar o educando
para que ele mesmo vença suas dificuldades na compreensão ou na inteligência do
objeto.
(P.75)
Escutar
é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de qualquer um.
Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por
parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro,
às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente, que escutar exija
de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. Isto não seria escuta,
mas auto-anulação. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a
capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar.
Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar, ou melhor
me situar do ponto de vista das ideias.
(P.78)
Ninguém
pode conhecer por mim, assim como não posso conhecer pelo aluno. O que posso e
o que devo fazer é, na perspectiva progressista, ao ensinar-lhe certo conteúdo,
desafiá-lo a que se vá percebendo na e pela própria prática, sujeito capaz de
saber. Meu papel de professor progressista não é apenas o de ensinar o
conteúdo, mas sim, tratando a temática que é, de um lado objeto de meu ensino,
de outro, da aprendizagem do aluno, ajudá-lo a reconhecer-se como arquiteto de
sua própria prática cognoscitiva.
Todo ensino de
conteúdos demanda de quem se acha na posição de aprendiz que, a partir de certo
momento, vá assumindo a autoria também do conhecimento do objeto. O professor
autoritário, que se recusa a escutar o aluno, se fecha a esta aventura
criadora.
(P.79)
3.7: Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.
Saber igualmente fundamental
à prática educativa do professor é o que diz respeito à força da ideologia. O
poder da ideologia nos faz aceitar docilmente que o que vemos e ouvimos é a
verdade absoluta, e não a verdade distorcida. A ideologia tem a enorme
capacidade de nos “miopizar” e aceitar o cínico discurso fatalista neoliberal.
(P.83)
É
exatamente por isso, que como professor, devo estar advertido do poder do
discurso ideológico, começando pelo que prega o fim das ideologias. Discurso este,
que apesar de não parecer, é marcado de ideologia.
(P.84)
No
exercício crítico de minha resistência ao poder manhoso da ideologia, vou
gerando certas qualidades que vão virando sabedoria indispensável à minha
prática docente. A necessidade desta resistência crítica, por exemplo, me
predispõe, de um lado, a uma atitude sempre aberta aos demais, aos dados da
realidade; de outro, a uma desconfiança metódica que me defende de tornar-me
absolutamente certo de certezas.
(P.85)
3.8: Ensinar exige disponibilidade para o diálogo.
Nas minhas relações com
os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível
da política, da ética, da estética, da pedagogia, não posso partir da ideia de que
devo conquistá-los. Não importando se eles desejam conquistar-me. É no respeito
às diferenças entre mim e eles, na coerência entre o que digo e o que faço, que
me encontro com eles.
(P.89)
3.9: Ensinar exige querem bem os educandos.
E o que esperar de mim,
se, como professor, não me acho tomado por esse saber? O de querer bem aos
educandos e a prática docente de que participo.
Não é correto que serei
melhor professor quanto mais severo, frio e distante me ponha nas minhas
relações com os alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar. A
afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade.
O que não posso
obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de
meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso, por
exemplo, condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou
menor bem querer que tenho por ele.
(P.91)
(P.92) E por fim, Paulo Freire recapitula todo o livro.
Referências:
FREIRE, Paulo: Pedagogia da Autonomia. 1996. PDF grátis
disponibilizado pelo coletivo sabotagem.
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[1] Paulo
Freire denominava o modelo tradicional de prática pedagógica de “educação
bancária”, pois entendia que ela visava à mera transmissão passiva de conteúdos
do professor, assumido como aquele que supostamente tudo sabe, para o aluno,
que era assumido como aquele que nada sabe. Era como se o professor fosse
preenchendo com seu saber a cabeça vazia de seus alunos; depositava conteúdos,
como alguém deposita dinheiro num banco. O professor seria um mero narrador,
nessa concepção de educação. Nessa narração a realidade apareceria como algo
imutável, estático, compartimentado e bem comportado, como se fosse uma “coisa
morta”
[2]
Corporeificação: dar corpo a palavra, fazer o que se fala. Deixar tangível tuas
ações.
[3]
Inteligir: (Filosofia) compreender ou apreender a realidade através do
pensamento ou raciocínio objetivo, sem o uso de intuição ou sentimento.
[4] Dialógico: Que pretende provocar discussão,
debate, diálogo.
[5]
Assunção: ato de assumir.
[6] Gnoseologia:
é a parte da Filosofia que estuda o conhecimento humano.
[7]
Paulo Freire chama todos os professores que fazem uso do “pensar certo” de
progressistas.
[8] Alvissareiro:
promissor; quem traz boas novas ou algo perdido; aquele que promete alvíssaras
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