Neste capítulo Caio Prado Jr nos mostra como
apetite sexual do português e a mestiçagem
resultante disso, moldou a população brasileira, e
pasmem, garantiu até mesmo a unidade territorial
do país.
|
Povoamento
Cap
5: Raças.
(P.85) Das três raças
que compõem o Brasil, duas (indígena e africana) trazem problemas étnicos muito
complexos. Se por um lado os brancos possuem certa homogeneidade, o mesmo não
ocorre com os demais. Os povos encontrados aqui, ou os que foram buscados na
África, apresentam entre si tanta diferença que exigem discriminação.
(P.86)
Contudo,
o estudo das particulares étnicas dos povos negros e indígenas, e sobretudo a
análise das atitudes próprias que cada qual assume na história da formação
brasileira, era pouco trabalhada, no momento em que Caio Prado Jr escrevia este
livro, por isso ele se vê obrigado em tomar as três raças como elementos
irredutíveis, considerando cada um unicamente em sua totalidade.
O branco é quase todo de origem
portuguesa. Nos dois primeiros séculos da colonização, a política de admissão
de estrangeiros era bastante liberal. Bastando apenas ao candidato a colono ser
cristão (católico). A nacionalidade era secundária, pois, acreditava-se mais na
unidade da crença do que no sangue.
Durante a dominação espanhola,
passou-se a aplicar um critério mais rígido. A Espanha, diferente de Portugal,
vivia metida na política europeia, e não podia ter o mesmo espírito liberal. Em
compensação afluíram espanhóis para o Brasil, aproveitando a unidade da pátria
Ibérica, em especialmente para a região sul do país.
Com a restauração volta-se à
política antiga, que não durou muito, graças a descoberta de ouro na colônia.
(P.87)
A
avidez pelo metal mudará a política de colonização daí por diante. Fecham-se,
então, as portas do Brasil para os não portugueses.
A emigração do Reino para o
Brasil pode ser dividida em suas fases:
A primeira se estende até a
segunda metade do século XVII, mais precisamente até a Restauração e o fim das
Guerras Holandesas. Fase caracterizada pela emigração escassa, já que a colônia
exercia poucos atrativos frente ao Oriente.
(P.88)
A
segunda é marcada por um aumento considerável do fluxo imigratório. A situação
do Reino português restaurado era deplorável, sendo esta crise fator
determinante no aumento das correntes migratórias para o Brasil. Com o fim do
comércio com o oriente, o Brasil se torna um ponto de recebimento dos excessos
demográficos. A imigração será tamanha que a coroa se vê obrigada a intervir
com medidas restritivas. Mas nada detêm o movimento, uma vez descoberto o ouro
nas minas.
O povoamento desta fase se fez
por colonos desde fidalgos letrados que trabalhariam nas repartições públicas
até as classes mais humildes.
(P.89)
Em
geral os camponeses que vinham de Portugal viam nas mercancias uma
oportunidade, o que dez a proporção de brancos nos centros urbanos ser superior
a de brancos no campo.
Além desse tipo de imigração espontânea,
tivemos ainda as estimuladas pela coroa para habitar territórios estratégicos
pouco povoados, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e em menor escala no
Pará. Era a chamada colonização por casais. O governo português fornecia um
lote de terra para ser ocupados por famílias.
(P.91)
Diferente
da colonização inglesa da América, aqui no Brasil desde o início se tentou
incorporar o índio, não apenas na obtenção de produtos nativos, mas também como
aliado em alguns casos e sobretudo como elemento participante da colonização.
Os colonos viam nele um
trabalhador aproveitável e a metrópole, como um povoador utilizado para ocupar
o extenso território da colônia.
Então, um terceiro fator entra em
jogo e vem complicar os dados: as missões religiosas, em especial a dos
jesuítas. As missões não vinham para o
Brasil como simples instrumentos da colonização. Abrindo caminho e
evangelizando para a colonização se tornar mais fácil. Os jesuítas agiam muitas
vezes contra os interesses dos colono, tendo seus objetivos próprios.
(P.92)
A
metrópole queria integrar o indígena a vida colonial, o sistema de missões
jesuítas por sua vez, fazia o contrário, segregando os índios e mantendo-os
distante dos centros urbanos.
(P.93)
Daí
o conflito. Os colonos queriam escravizam o índio e o jesuíta se contrapôs a
isso, isolando-o. Esta contenda tornou-se irreconciliável não havendo margem
para soluções intermediárias.
A metrópole, envolvida nesta
disputa, oscilava entre um e outro, incapaz de se livrar de ambos, e marchar
para um objetivo próprio.
Isto durou dois séculos e só
chegou ao fim com Marques de Pombal que colocou de vez a política de interesse
português sobre a colônia, acima dos interesses particulares.
A legislação pombalina aceitou
tanto a tese jesuítica de liberdade dos índios, da necessidade de educa-los e
de prepara-los para a vida civilizada, quanto a dos colonos de utilização do
índio como trabalhador assalariado.
(P.94)
E
para complementar estas medidas houve ainda o incentivo aos casamentos mistos
(índios e brancos).
(P.95)
A
legislação pombalina pôs fim a uma disputa que durava desde o início da
colonização, e regularizou definitivamente o problema indígena.
O incremento do tráfico africano,
que é fomentado depois da leis pombalinas, particularmente para as capitanias
cuja mão-de-obra fora até então constituída quase exclusivamente de índios
(Pará e Maranhão), torna os colonos menos dependentes destes últimos.
Contudo, não podemos sobrestimar
a sorte dos índios sob o novo regime, pois este, continuaram, apesar das leis,
considerados uma raça bastarda.
(P.96)
Sob
o ponto de vista do progresso material da população indígena aldeada após a
abolição do poder dos padres, a situação deles piorou muito.
(P.97)
não
resta dúvida de que os padres jesuítas tinham uma capacidade de organização dos
povos indígenas superior à dos seus sucessores leigos.
Neste, como em todos os casos, a
administração portuguesa sempre foi de uma ineficiência dolorosa.
Mas com todos seus defeitos, é
certo que a legislação pombalina contribuiu muito para os objetivos essenciais
que tinha em vista, e que representam sem dúvida os interesses fundamentais da
colonização, isto é, a incorporação do índio na massa geral da população.
(P.98)
Graças,
em grande parte as leis pombalinas, a massa indígena vai aos poucos, embora
através de crises dolorosas, integrando-se na população e confundindo-se com
ela.
Porém, o que mais contribuiu para
a absorção da população indígena foi o cruzamento das raças. E se deu graças ao
impulso sexual fisiológico aguçado o português.
Graças a isso foi possível
amalgamar e unificar raças tão profundamente diversas, tanto no seus caracteres
étnicos como na posição relativa que ocupavam na organização social das colônias.
A mestiçagem, que é o signo sob o
qual se forma a nação brasileira é que constitui seu traço característico mais
profundo e notável, foi a verdadeira solução encontrada pela colonização
portuguesa para o problema indígena.
A legislação pombalina é abolida
em 1798, equiparando então os índios aos demais súditos da coroa, suprimindo a
tutela dos diretores (que substituíram os jesuítas). Impõem-se então aos índios
a obrigação de trabalhar mediante remuneração.
(P.99)
Surge
então uma forma análoga a escravidão chamada “apenar”. Onde o índio
classificado como desocupado era obrigado a trabalhar, sendo então destinado a
serviços escolhidos pela autoridade competente.
A sombra desta nova lei recomeçam
as violências contra os indígenas. E esta situação se acentuou com a
transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Um série de
Cartas Régias editadas pela coroa (agora brasileira), possibilitaram a busca, o
apresamento e a escravidão indígena em diversas regiões.
(P.100)
A
ressureição destas práticas contra os índios, em especial no Pará onde a
mão-de-obra indígena era utilizada muito mais do que a negra, contribuiu
fortemente para as agitações e insurreições que devastaram aquela capitania
(cabanagem).
Mas salvo no curso do
Extremo-Norte do Brasil, a ressureição destas práticas serviam para terminar de
extinguir as tribos hostis que ainda existiam pelo território brasileiro.
(P.102)
Ao
contrário desta zona tropical em que predominavam os índios selvagens, a que se
segue para sudeste, e abrange o sertão nordestino, achava-se livre deles; nesta
região descoberta e mais acessível, onde a colonização penetrara mais
profundamente, as tribos que não se refugiaram em outras áreas tinham sido eliminadas
ou absorvidas.
(P.104)
Em
suma, sobraram poucos índios selvagens no Brasil em princípios do século XIX. A
grande parte da população indígena era composta pelos chamados “mansos”
incorporados à população da colônia.
(P.105)
Fora
este o resultado principal das leis de Pombal. Uma integração paulatina e sofrida
do indígena, conseguida em grande parte, graças ao cruzamento que já não
encontrava obstáculos impostos pelos antigos diretores eclesiásticos.
Mas além dos cruzamentos, as
doenças vão diminuindo o número de indígenas no Brasil. Somado a isso temos os
vícios que a civilização traz: em especial a embriaguez.
O fato é que a população indígena,
em contato com os brancos, vai sendo progressivamente eliminada. E se não fosse
os cruzamentos, praticado em larga escala entre nós e que nos permitiu a
perpetuação do sangue indígena, este estaria fatalmente condenado à extinção
total.
(P.106)
O
caso do negros é para o historiador mais simples. Uniformizado pela escravidão,
que ao contrário do índio, nunca se contestou, ele entra para formar a população
brasileira.
Nos dois séculos e meio de
escravidão não surgiram maiores problemas nas suas relações com os colonos
brancos.
A contribuição que o negro traz é
consideravelmente superior à do índio. Em parte pela quantidade de negros
trazidos ao Brasil, em parte pela proximidade com o colono branco.
(P.107)
E
este aliás é o caráter mais saliente da formação étnica do Brasil: a mestiçagem
profunda das três raças que entram na sua composição. Sendo a população
brasileira um dos mais variados conjunto étnicos que a humanidade jamais conheceu.
Esta mestiçagem resulta da
capacidade do português em se cruzar com outras raças. É a esta aptidão que o
Brasil deveu a sua unidade e a sua própria existência. Graças a ela, um numero razoavelmente
pequeno de colonos brancos que veio povoar o território pôde absorver as massas
consideráveis de negros e índios. Pôde impor seus padrões e cultura à colônia.
Esta aptidão lusitana para o cruzamento
possui uma boa explicação baseada na história da península. Esta extremidade da
Europa foi sempre ponto de contato entre as raças brancas do continente e as
africanas. A invasão árabe mais tarde prolongou o contato dos portugueses com
os mouros. Tudo isso veio favorecer a plasticidade do português com as raças exóticas.
(P.108)
Muito
mais importante, foi o modo com que ocorreu a emigração portuguesa para a colônia.
Em regra, o colono português veio para o Brasil sozinho. A emigração para cá
tem um caráter aventuresco em que, em geral, o homem emigra só. Daí a falta de
mulheres brancas.
(P.109)
Assim,
o colono teve que satisfazer suas necessidades sexuais com mulheres de outras
raças. As uniões mistas se tornaram a regra. Embora, sempre à margem do
casamento.
Das três combinações possíveis:
branco-negro, branco-índio e negro-índio. É a primeira que prepondera. Isso se
dá, como já foi dito anteriormente, à quantidade e o maior contato entre o
negro e o branco.
A terceira variante (Cafuzos) é a
mais escassa, pois o contato foi muito menor entre estas raças dominadas pelos
brancos.
(P.111)
Podemos
resumir aqui o panorama étnico do Brasil em princípios do século XIX: um fundo
preponderantemente de mestiços, em geral resultado do cruzamento branco-preto.
Sobre esse fundo dispõem-se grupos puros das três raças, alimentados pelo
influxo de novos contingentes.
Fonte: PRADO JÚNIOR,
Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª
reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 85-115.