quarta-feira, 20 de maio de 2015

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 5º Capítulo.

Neste capítulo Caio Prado Jr nos mostra como 
apetite sexual do português e a mestiçagem 
resultante disso, moldou a população brasileira, e
pasmem, garantiu até mesmo a unidade territorial
do país.
Povoamento
Cap 5: Raças.
(P.85) Das três raças que compõem o Brasil, duas (indígena e africana) trazem problemas étnicos muito complexos. Se por um lado os brancos possuem certa homogeneidade, o mesmo não ocorre com os demais. Os povos encontrados aqui, ou os que foram buscados na África, apresentam entre si tanta diferença que exigem discriminação.
(P.86) Contudo, o estudo das particulares étnicas dos povos negros e indígenas, e sobretudo a análise das atitudes próprias que cada qual assume na história da formação brasileira, era pouco trabalhada, no momento em que Caio Prado Jr escrevia este livro, por isso ele se vê obrigado em tomar as três raças como elementos irredutíveis, considerando cada um unicamente em sua totalidade.
O branco é quase todo de origem portuguesa. Nos dois primeiros séculos da colonização, a política de admissão de estrangeiros era bastante liberal. Bastando apenas ao candidato a colono ser cristão (católico). A nacionalidade era secundária, pois, acreditava-se mais na unidade da crença do que no sangue.
Durante a dominação espanhola, passou-se a aplicar um critério mais rígido. A Espanha, diferente de Portugal, vivia metida na política europeia, e não podia ter o mesmo espírito liberal. Em compensação afluíram espanhóis para o Brasil, aproveitando a unidade da pátria Ibérica, em especialmente para a região sul do país.
Com a restauração volta-se à política antiga, que não durou muito, graças a descoberta de ouro na colônia.
(P.87) A avidez pelo metal mudará a política de colonização daí por diante. Fecham-se, então, as portas do Brasil para os não portugueses.
A emigração do Reino para o Brasil pode ser dividida em suas fases:
A primeira se estende até a segunda metade do século XVII, mais precisamente até a Restauração e o fim das Guerras Holandesas. Fase caracterizada pela emigração escassa, já que a colônia exercia poucos atrativos frente ao Oriente.
(P.88) A segunda é marcada por um aumento considerável do fluxo imigratório. A situação do Reino português restaurado era deplorável, sendo esta crise fator determinante no aumento das correntes migratórias para o Brasil. Com o fim do comércio com o oriente, o Brasil se torna um ponto de recebimento dos excessos demográficos. A imigração será tamanha que a coroa se vê obrigada a intervir com medidas restritivas. Mas nada detêm o movimento, uma vez descoberto o ouro nas minas.
O povoamento desta fase se fez por colonos desde fidalgos letrados que trabalhariam nas repartições públicas até as classes mais humildes.
(P.89) Em geral os camponeses que vinham de Portugal viam nas mercancias uma oportunidade, o que dez a proporção de brancos nos centros urbanos ser superior a de brancos no campo.
Além desse tipo de imigração espontânea, tivemos ainda as estimuladas pela coroa para habitar territórios estratégicos pouco povoados, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e em menor escala no Pará. Era a chamada colonização por casais. O governo português fornecia um lote de terra para ser ocupados por famílias.
(P.91) Diferente da colonização inglesa da América, aqui no Brasil desde o início se tentou incorporar o índio, não apenas na obtenção de produtos nativos, mas também como aliado em alguns casos e sobretudo como elemento participante da colonização.
Os colonos viam nele um trabalhador aproveitável e a metrópole, como um povoador utilizado para ocupar o extenso território da colônia.
Então, um terceiro fator entra em jogo e vem complicar os dados: as missões religiosas, em especial a dos jesuítas.  As missões não vinham para o Brasil como simples instrumentos da colonização. Abrindo caminho e evangelizando para a colonização se tornar mais fácil. Os jesuítas agiam muitas vezes contra os interesses dos colono, tendo seus objetivos próprios.
(P.92) A metrópole queria integrar o indígena a vida colonial, o sistema de missões jesuítas por sua vez, fazia o contrário, segregando os índios e mantendo-os distante dos centros urbanos.
(P.93) Daí o conflito. Os colonos queriam escravizam o índio e o jesuíta se contrapôs a isso, isolando-o. Esta contenda tornou-se irreconciliável não havendo margem para soluções intermediárias.
A metrópole, envolvida nesta disputa, oscilava entre um e outro, incapaz de se livrar de ambos, e marchar para um objetivo próprio.
Isto durou dois séculos e só chegou ao fim com Marques de Pombal que colocou de vez a política de interesse português sobre a colônia, acima dos interesses particulares.
A legislação pombalina aceitou tanto a tese jesuítica de liberdade dos índios, da necessidade de educa-los e de prepara-los para a vida civilizada, quanto a dos colonos de utilização do índio como trabalhador assalariado.
(P.94) E para complementar estas medidas houve ainda o incentivo aos casamentos mistos (índios e brancos).
(P.95) A legislação pombalina pôs fim a uma disputa que durava desde o início da colonização, e regularizou definitivamente o problema indígena.
O incremento do tráfico africano, que é fomentado depois da leis pombalinas, particularmente para as capitanias cuja mão-de-obra fora até então constituída quase exclusivamente de índios (Pará e Maranhão), torna os colonos menos dependentes destes últimos.
Contudo, não podemos sobrestimar a sorte dos índios sob o novo regime, pois este, continuaram, apesar das leis, considerados uma raça bastarda.
(P.96) Sob o ponto de vista do progresso material da população indígena aldeada após a abolição do poder dos padres, a situação deles piorou muito.
(P.97) não resta dúvida de que os padres jesuítas tinham uma capacidade de organização dos povos indígenas superior à dos seus sucessores leigos.
Neste, como em todos os casos, a administração portuguesa sempre foi de uma ineficiência dolorosa.
Mas com todos seus defeitos, é certo que a legislação pombalina contribuiu muito para os objetivos essenciais que tinha em vista, e que representam sem dúvida os interesses fundamentais da colonização, isto é, a incorporação do índio na massa geral da população.
(P.98) Graças, em grande parte as leis pombalinas, a massa indígena vai aos poucos, embora através de crises dolorosas, integrando-se na população e confundindo-se com ela.
Porém, o que mais contribuiu para a absorção da população indígena foi o cruzamento das raças. E se deu graças ao impulso sexual fisiológico aguçado o português.
Graças a isso foi possível amalgamar e unificar raças tão profundamente diversas, tanto no seus caracteres étnicos como na posição relativa que ocupavam na organização social das colônias.
A mestiçagem, que é o signo sob o qual se forma a nação brasileira é que constitui seu traço característico mais profundo e notável, foi a verdadeira solução encontrada pela colonização portuguesa para o problema indígena.
A legislação pombalina é abolida em 1798, equiparando então os índios aos demais súditos da coroa, suprimindo a tutela dos diretores (que substituíram os jesuítas). Impõem-se então aos índios a obrigação de trabalhar mediante remuneração.
(P.99) Surge então uma forma análoga a escravidão chamada “apenar”. Onde o índio classificado como desocupado era obrigado a trabalhar, sendo então destinado a serviços escolhidos pela autoridade competente.
A sombra desta nova lei recomeçam as violências contra os indígenas. E esta situação se acentuou com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Um série de Cartas Régias editadas pela coroa (agora brasileira), possibilitaram a busca, o apresamento e a escravidão indígena em diversas regiões.
(P.100) A ressureição destas práticas contra os índios, em especial no Pará onde a mão-de-obra indígena era utilizada muito mais do que a negra, contribuiu fortemente para as agitações e insurreições que devastaram aquela capitania (cabanagem).
Mas salvo no curso do Extremo-Norte do Brasil, a ressureição destas práticas serviam para terminar de extinguir as tribos hostis que ainda existiam pelo território brasileiro.
(P.102) Ao contrário desta zona tropical em que predominavam os índios selvagens, a que se segue para sudeste, e abrange o sertão nordestino, achava-se livre deles; nesta região descoberta e mais acessível, onde a colonização penetrara mais profundamente, as tribos que não se refugiaram em outras áreas tinham sido eliminadas ou absorvidas.
(P.104) Em suma, sobraram poucos índios selvagens no Brasil em princípios do século XIX. A grande parte da população indígena era composta pelos chamados “mansos” incorporados à população da colônia.
(P.105) Fora este o resultado principal das leis de Pombal. Uma integração paulatina e sofrida do indígena, conseguida em grande parte, graças ao cruzamento que já não encontrava obstáculos impostos pelos antigos diretores eclesiásticos.
Mas além dos cruzamentos, as doenças vão diminuindo o número de indígenas no Brasil. Somado a isso temos os vícios que a civilização traz: em especial a embriaguez.
O fato é que a população indígena, em contato com os brancos, vai sendo progressivamente eliminada. E se não fosse os cruzamentos, praticado em larga escala entre nós e que nos permitiu a perpetuação do sangue indígena, este estaria fatalmente condenado à extinção total.
(P.106) O caso do negros é para o historiador mais simples. Uniformizado pela escravidão, que ao contrário do índio, nunca se contestou, ele entra para formar a população brasileira.
Nos dois séculos e meio de escravidão não surgiram maiores problemas nas suas relações com os colonos brancos.
A contribuição que o negro traz é consideravelmente superior à do índio. Em parte pela quantidade de negros trazidos ao Brasil, em parte pela proximidade com o colono branco.
(P.107) E este aliás é o caráter mais saliente da formação étnica do Brasil: a mestiçagem profunda das três raças que entram na sua composição. Sendo a população brasileira um dos mais variados conjunto étnicos que a humanidade jamais conheceu.
Esta mestiçagem resulta da capacidade do português em se cruzar com outras raças. É a esta aptidão que o Brasil deveu a sua unidade e a sua própria existência. Graças a ela, um numero razoavelmente pequeno de colonos brancos que veio povoar o território pôde absorver as massas consideráveis de negros e índios. Pôde impor seus padrões e cultura à colônia.
Esta aptidão lusitana para o cruzamento possui uma boa explicação baseada na história da península. Esta extremidade da Europa foi sempre ponto de contato entre as raças brancas do continente e as africanas. A invasão árabe mais tarde prolongou o contato dos portugueses com os mouros. Tudo isso veio favorecer a plasticidade do português com as raças exóticas.
(P.108) Muito mais importante, foi o modo com que ocorreu a emigração portuguesa para a colônia. Em regra, o colono português veio para o Brasil sozinho. A emigração para cá tem um caráter aventuresco em que, em geral, o homem emigra só. Daí a falta de mulheres brancas.
(P.109) Assim, o colono teve que satisfazer suas necessidades sexuais com mulheres de outras raças. As uniões mistas se tornaram a regra. Embora, sempre à margem do casamento.
Das três combinações possíveis: branco-negro, branco-índio e negro-índio. É a primeira que prepondera. Isso se dá, como já foi dito anteriormente, à quantidade e o maior contato entre o negro e o branco.
A terceira variante (Cafuzos) é a mais escassa, pois o contato foi muito menor entre estas raças dominadas pelos brancos.
(P.111) Podemos resumir aqui o panorama étnico do Brasil em princípios do século XIX: um fundo preponderantemente de mestiços, em geral resultado do cruzamento branco-preto. Sobre esse fundo dispõem-se grupos puros das três raças, alimentados pelo influxo de novos contingentes.


Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 85-115.