JUDT, Tony: O mal ronda a Terra: um
tratado sobre as insatisfações do presente. Editora objetiva, 2010 RJ, 212 pág.
Introdução.
Tony Judt inicia seu livro explicitando seu mais
profundo mal estar com o modo egoísta, mesquinho e materialista do homem do século
XXI. Deixando claro que apesar desta condição parecer algo da natureza humana,
na verdade é algo iniciado nos anos 1980. A obsessão pelo acúmulo de riquezas,
a crescente desigualdade social, a retórica de livre mercado e o culto a
privatização datam desta época.
Para compreendermos as correntes filosóficas
conflitantes dentro do capitalismo precisamos definir cada uma delas. Primeiro
temos a corrente liberal, que historicamente defendia a não intervenção do
Estado na economia e a liberdade do indivíduo de enriquecer como bem entender.
E em contraponto há a corrente social- democrata, que acredita na viabilidade
da ação coletiva e políticas públicas dentro do capitalismo, visando o bem
comum, suprindo necessidades que o indivíduo sozinho não consegue suprir.
O livro prontamente deixa evidente sua simpatia pela
social-democracia, mostrando como a crise de 2008 desmascarou o discurso
neoliberal de não intervencionismo e de Estado mínimo.
Cap. 01: o mundo em que vivemos hoje.
O primeiro capítulo trata de analisar o mundo
neoliberal em que vivemos. Um mundo de extrema riqueza individual, uma
concentração de renda inédita na história e de generalização da miséria.
Mas, nem sempre foi assim. Do final do século XIX
até os anos 1970, as sociedades ocidentais industrializadas foram, pouco a
pouco, tornando-se menos desiguais. Tudo isso graças a diversas políticas
públicas de redistribuição de renda, como impostos progressivos, subsídios,
serviços públicos, direitos trabalhistas, entre outros. Cada democracia ocidental,
a sua maneira, tentou reduzir os extremos entre ricos e pobres, com iniciativas
públicas que buscavam compensar a carência privada.
Contudo, a partir dos anos 1970, cada país,
especialmente EUA e Inglaterra, tratou de desfazer este Estado de bem-estar
social. Resultando em um aumento progressivo da miséria coletiva, e em
consequência um aumento do número de homicídios, violência urbana e transtornos
mentais.
A progressiva “equalização” das sociedades
ocidentais até a década de 1970, criou o sentimento de possibilidade de
surgimento de uma sociedade mais igualitária. Mas bastou 30 anos de
desigualdades para que estadunidenses e ingleses se convencessem de que a
convivência entre miséria e riqueza era algo próprio da natureza humana. Mais
do que isso, a riqueza extrema passou a ser exaltada, a vida dos ricos e
famosos passou a encantar a classe média e baixa.
Trocamos o progressivo alívio dos males sociais,
pela ideia de que apenas o “crescimento” seja o suficiente para difundir a
prosperidade em determinada sociedade. Um aumento geral da riqueza total,
camufla desigualdades de distribuição desta mesma riqueza. Trata-se de um
problema típico de sociedade menos desenvolvida como o Brasil: o crescimento
econômico beneficia a todos, mas privilegia desproporcionalmente uma pequena
minoria em posição de explorá-lo.
Nos EUA, os impostos são considerados uma perda de
rendimentos sem compensação. A ideia de que eles possam sem uma contribuição à
implantação de benfeitorias públicas, que os indivíduos dificilmente
conseguiriam realizar sozinhos raramente é considerada.
Na Europa continental, a noção de que uma pessoa
pode ser completamente “autossuficiente” evaporou com a ilusões individualistas
do século XIX.
Cap. 02: O mundo que perdemos.
O passado não é nem melhor nem pior, nem bom nem
ruim, apenas é diferente. Contudo, podemos utilizá-lo como parâmetro para
entendermos como vivemos hoje.
A primeira metade do século XX foi um período
extremamente traumático: duas guerras mundiais, epidemias, revoluções, desvalorização
de moedas, inflação, queda de democracias, ascensão de Estados totalitários,
limpezas étnicas, guerras de extermínio, entre outras, em uma escala nunca
antes imaginada.
O fim da Segunda Guerra em 1945 não representou o
fim das preocupações. Depressão econômica e fascismo seguiam presentes na mente
das pessoas. A questão neste momento não era comemorar a vitória, mas buscar
maneiras de garantir que os acontecimentos dos anos de 1914 e 1945 jamais
voltassem a se repetir. E neste ponto, ninguém se dedicou mais do que o
economista inglês John Maynard Keynes.
Como a experiência do entreguerras revelara
claramente a incapacidade dos capitalistas de proteger seus próprios
interesses, o Estado liberal teria de fazer isso por eles, gostassem ou não.
A Segunda Guerra foi tão traumática que todas as
linhas ideológicas capitalistas se mostravam dispostas a restringir a liberdade
do mercado em nome do interesse público e coletivo. Era então, necessário
atrair a classe média, uma das apoiadoras do fascismo para a defesa da
democracia, e isso ocorreu com o universalismo. Ao invés de vincular qualidade
de vida à renda, ofereceu-se à classe média a mesma assistência social
(educação gratuita, saúde pública, pensões, seguro-desemprego) que era
destinada aos mais pobres. Como grande parte das necessidades da vida eram
cobertas com impostos, a classe média europeia se viu com mais recursos
disponível do que nunca antes.
O fato é de que em 1945, diferente do século XIX,
poucos acreditavam na eficiência do livre mercado. A crise de 1929 e a Segunda
Guetta Mundial enterraram de vez o laissez-faire. Havia consenso geral de que
uma moderada distribuição de renda, eliminando extremos de riqueza e pobreza,
beneficiaria a todos.
A confiança, a cooperação, a taxação progressiva e o
Estado intervencionista garantiram ao mundo pós-guerra, segurança,
prosperidade, serviços sociais e igualdade. O discurso que se seguiu a esse
período afirmava que o preço que pagamos por esse “bem viver” foi a
ineficiência econômica, inovação insuficiente, empreendedorismo sufocado,
dívida pública e decadência da iniciativa privada.
A social-democracia é uma mistura dos sonhos da
utopia socialista, com a necessidade de viver num mundo capitalista. Diferente
dos socialistas revolucionário e comunistas, os sociais-democratas sempre
aceitaram o jogo democrático. A social-democracia buscava garantir o mínimo
distributivo, para que a riqueza não se concentrasse exageradamente em apenas
uma mão. Não buscavam um futuro radical, mas uma vida melhor.
Mas o que ocorreu para que as pessoas perdessem
totalmente a fé neste sistema?
Cap 03: A insuportável leveza da política.
Ao final dos anos 1960 o paternalismo estatal já
havia começado a produzir efeitos negativos. Conjuntos habitacionais horríveis
se espalhavam pela Europa.
Mas o grande abismo estava entre as gerações. Os que
viveram a Guerra tinham a social-democracia como uma revolução. Mas para quem
nasceu após 1945 o Estado de bem-estar social era simplesmente a condição
normal de vida (serviços públicos, mobilidade social, segurança econômica). Os
reformistas das gerações anteriores eram vistos cada vez mais como restrições à
autoexpressão e a liberdade individual.
Os anos 1960, mas do que questões de classe e
nacionalidade, vimos um conflito entre gerações. Claro que todos os jovens dos
EUA e Europa não estavam representados nas manifestações universitárias, mas os
sintomas (música, roupa, linguagem) se espalhavam pelo rádio e televisão, e o
racha cultural que separava jovens e pais era o maior desde o início do século
XIX.
Até mesmo a esquerda passou por mudanças nesta
época. A esquerda associada e dependente do proletariado industrial urbano e
dos camponeses, viu no decorrer dos anos 1950 a fragmentação e diminuição do
trabalho industrial tradicional com a automatização e o crescimento do setor de
serviços. A antiga esquerda viu seu curral eleitoral reduzido a uma porcentagem
cada vez menor da população.
A nova esquerda trocou o proletário por pautas
progressista de “negros”, “estudantes”, “mulheres” e “homossexuais”. Rejeitando
o antigo coletivismo da geração anterior e pregando o individualismo e suas
liberdades individuais. “Justiça”, “igualdade de oportunidades” e “segurança
econômica”. Foram substituídas por “cuidar da própria vida”, “deixar rolar”,
“faça amor, não faça guerra”.
Após a Segunda Guerra, o conservadorismo e a direita
caíram em descrédito, tornando-se preferência minoritária o mundo político.
Ninguém perdia muito tempo com defensores de livre mercado ou do Estado Mínimo.
O centro gravitacional da política pós 1945, não estava situada entre direita
ou esquerda, mas dentro da esquerda entre comunistas e
liberais-sociais-democratas. Isso dentro do contexto de intervenção ou não
intervenção do Estado na economia.
O renascimento da direita foi facilitado pela
passagem do tempo. As pessoas esqueceram dos traumas dos anos 1930 e 1940 e,
portanto, se abriram ao apelo do discurso conservador tradicional. O narcisismo
dos movimentos estudantis, da nova esquerda e da cultura popular dos anos 1960
estimularam a reação conservadora. A direita agarrou-se assim ao discurso de
defesa dos valores nacionais, autoridade, legado nacional ou ocidente.
No pós-guerra, conservadores e a velha esquerda
debatiam sobre a atuação do Estado. Somente nos anos 1970 surge uma nova
geração de conservadores com coragem para desafiar o “estatismo” e sua atuação
sobre a iniciativa privada.
O novo pensamento econômico que surgiu para atacar o
Keynesianismo foi gestado na Universidade de Chicago pelos chamados “Chicago
Boys”, influenciados por economistas da Europa central como Ludwig von Mises,
Friedrich Hayek, Joseph Schumpeter, Karl Poper e Peter Druckir. Todos
imigrantes austríacos influenciados pelos horrores das duas Guerras Mundiais e
suas consequências. O trauma de uma Áustria liberal afundado frente ao
Fascismo, foi entendida por estes economistas como causada por tentativas
malsucedidas da esquerda (marxista) de introduzir o planejamento estatal na
Áustria pós 1918, o que acabou por criar uma reação contrária fascista.
Todos os austríacos concordavam que o único caminho
para defender o liberalismo e a sociedade aberta, era manter o Estado fora da
vida econômica. Acreditavam que se as autoridades fossem mantidas a uma
distância segura de seus cidadãos, o extremismo da esquerda e da direita
poderiam ser contidos.
O mesmo dilema “como evitar a repetição de outra
guerra mundial” foi defendida de forma diferente por Keynes e Hayek. Para
Keynes era necessário ampliar o papel do Estado e realizar intervenções econômicas
anticíclicas. Para Hayek isso levaria ao fascismo, teoria refutada e
desacreditava no auge dos governos sociais-democratas do pós-guerra. Ninguém
acreditava que a interferência estatal nos mecanismos de mercado levaria
inevitável ao totalitarismo. Esses economistas austríacos, ressentidos pela
invasão nazista de seus país, viam qualquer argumento social e não
individualista como uma penosa lembrança do passado.
Tudo indicava que economistas como Hayek e Von Mises
estavam condenados a lata de lixo d história. Mas quando o Estado de bem-estar
social começou a enfrentar dificuldades eles conseguiram plateia para suas
opiniões.
Teve início um grande desmonte do poder econômico e
das iniciativas estatais adequadas. A diminuição do Estado ocorre apenas nas
áreas relacionadas aos benefícios sociais. Margaret Thatcher, George W. Bush e
Tony Blair jamais hesitaram em aumentar os ramos repressivos e de informações
de seu governo. O Estado Moderno Liberal exerce sobre seus cidadãos um controle
nunca antes visto.
A característica principal desta virada intelectual
que marcou o ultimo terço do século XX é a idolatria ao setor privado e o culto
das privatizações.
O argumento teórico para defender as privatizações é
o da eficiência. Segundo seus defensores o estímulo do lucro tornaria empresas
estatais deficitárias em empresas lucrativas e eficientes, uma vez que o pior
empresário é muito mais capaz do que o melhor burocrata estatal.
O fato é que
em geral os serviços estatais que estão sendo repassados ao controle privado
sempre foram deficitários: custosos demais para montar e incapaz de gerar
receita. Por isso nunca atraíram o interesse do setor privado. Para que isso
ocorresse foi necessário vender a preços irrisórios e dar garantias estatais
contra eventuais prejuízos. Isso por si só já derrubava o argumento de
incentivo e busca por lucro.
Todo capitalista sabe que um Estado jamais
permitiria que uma empresa fundamental para um país quebrasse. E que em momento
de dificuldade ela sempre seria socorrida com dinheiro público.
A atribuição de obrigações públicas à empresas
privadas desacredita o Estado, não existindo nada que vincula o indivíduo ao
Estado a não ser a autoridade e obediência. A redução da “sociedade” a uma fina
membrana de interação entre indivíduos particulares, nos reduz ao pó da
individualidade e da desconfiança, muito parecida com a guerra de todos contra
todos de Hobbes.
Cap: 04 Adeus a tudo isso?
Durante a queda do socialismo real em 1989, diversos
comentaristas declararam triunfantes o fim da História, e que dali em diante o
mundo pertenceria ao capitalismo liberal rumo a um futuro de paz, democracia e
livre mercado. Vinte anos depois, essa afirmação não se sustenta mais.
Com o comunismo caíram mais do que um punhado de
governos repressivos e dogmas políticos. O fim da URSS marcou a derrocada de
uma promessa revolucionária que durou dois séculos. Na esteira da Revolução
Francesa e do sucesso de Lenin em 1917, a esquerda marxista passou a acreditar
que um futuro socialista não era apenas viável, como era inevitável. A esquerda
simplesmente acreditava que suas metas seriam abençoadas pelo universo. E não
foi o que aconteceu.
O apego da esquerda, dos socialistas e dos
sociais-democratas ao marxismo, muita vez privou0os de dar respostas políticas
práticas aos dilemas do mundo real.
Contudo, por mais engessado que fosse o socialismo
moscovita, ele funcionou como uma cola que unia toda a esquerda. Sua queda
serviu de impacto desagregador. Além de que, os conservadores defendiam a
necessidade de “conservar”, já a esquerda defendia uma narrativa histórica de
transformação tendo em vista o socialismo inevitável no futuro. Sem esse
idealismo, com a queda da URSS a esquerda ficou perdida.
Os sociais-democratas distinguiam-se dos comunistas
russos justamente pelo apego a democracia. E desde o colapso da esquerda
autoritária, a ênfase na democracia tornou-se redundante, pois hoje somos todos
democratas.
Os sociais-democratas aprenderam que há certas
coisas que o Estado deve fazer e outras que não. Contudo, a única coisa pior do
que o governo demais é governo de menos: em Estados falidos, as pessoas sofrem
tanta violência, quanto sob um governo autoritário.
Os problemas que enfrentamos depois de 1989 não é o
que pensar do comunismo, já que a visão de uma organização social total
desmoronou, mas como organizar nossas vidas de modo a buscar o bem comum.
Cap 05: O que deve ser feito?
Precisamos reaprender a criticar quem nos governa.
Mas, para fazer isso com credibilidade, precisamos nos livrar do círculo
viciosos do conformismo ao qual estamos todos presos.
Reformistas do século XIX tinham uma bandeira muito
clara: como uma sociedade liberal deveria reagir à pobreza, excesso de
população, sujeira, desnutrição e problemas de saúde da nova sociedade industrial?
Como aliviar o sofrimento dos trabalhadores e fazer com que elite governante da
época entendesse a necessidade disso?
A história do
ocidente do século XX é em grande parte a história para responder a essas
perguntas. E o ocidente foi bem sucedido em responder essas questões, pois não
só evitou uma revolução, como também integrou consideravelmente o proletário
industrial.
Contudo, a partir dos anos 1970, os países
Ocidentais viram aumentar enormemente a pobreza e seus sintomas como
mortalidade infantil, desemprego, expectativa de vida, alcoolismo, crime
violência, doenças mentais... A questão social voltou à pauta.
De todos os objetivos conflitantes e parcialmente
reconciliáveis que podemos buscar, a redução da desigualdade deve vir em
primeiro lugar. Em condições de desigualdade endêmica, todas as outras metas
tornam-se mais difíceis de atingir.
As consequências corrosivas da inveja e do
ressentimento que afloram em sociedades desiguais seriam mitigadas com a
redução das desiguales. A população carcerária de países igualitários comprova
essas hipóteses. Até as pessoas ricas seriam mais felizes e seguram em
sociedades igualitárias.
Cap.06: A História do futuro.
Já nos livramos da ideia do século XX de que o
Estado era melhor solução para qualquer problema. Agora precisamos nos libertar
da noção oposta, a de que o Estado é sempre a pior opção.
Existem coisas que não compensam o investimento
privado. Uma pessoa pode construir um caminho em volta de seu jardim, mas é
incapaz de construir uma rodovia até a cidade vizinha.
Conclusão.
A palavra socialismo possui uma carga histórica
real. E muitos países que no século XX proclamaram-se socialistas penderam para
ditaduras. Por mais que a leitura das obras de Marx sejam uma coisa benéfica, o
marxismo foi irremediavelmente manchado por sua herança.
O socialismo é algo diferente da social-democracia.
O socialismo prega uma mudança transformadora: a substituição do capitalismo
por outro sistema inteiramente diferente de produção e propriedade. A
social-democracia é uma forma de acordo: implica a aceitação do capitalismo e
da democracia como um ambiente para o acolhimento de parcelas excluídas da
população.
Essas diferenças importam muito: o socialismo em
todas suas tentativas fracassou. A social-democracia não apenas chegou ao
poder, como avançou muito além dos sonhos de seus fundadores.