Drogas,
conflito e os EUA. A Colômbia no início do século.
León Valencia procura entender a
profundidade que o plantio, colheita, beneficiamento e o tráfico de drogas (em
especial a cocaína) tomou na Colômbia de fins da década de 1980 até o Plano
Colômbia que chegava ao fim de sua primeira fase durante a publicação do texto
em 2005, e os seus reflexos em todas as instâncias da sociedade colombiana.
O plantio de plantas psicoativas começou
com a maconha em 1970, em pouco tempo foram introduzidas também à papoula e a
coca vinda da Bolívia e do Peru. Apesar da variedade, foi no cultivo da coca
que a Colômbia ganhou destaque controlando cerca de 60% do comercio
internacional.
O autor chama a nossa atenção para o
fato de que, o crescimento desse comércio ilegal trouxe consequências drásticas
para toda a sociedade colombiana. Segundo ele “o narcotráfico veio
potencializar outros fenômenos presentes na vida colombiana: violência das
guerrilhas e dos paramilitares, o clientelismo e a corrupção, a cultura do jeito
e a desinstitucionalização do país”. Que embora existissem há muito tempo, se
mantinham separados até esse momento.
Em 1987, um grupos de especialistas
preparou um relatório sobre a violência na Colômbia e a distinguiu em três
tipos: a dos delinquentes comuns, a do narcotráfico e a de motivação política.
Estes tipos de violência tinham dinâmicas separadas, mas ficou evidente que em
1990, eles começaram a se articular.
Essa articulação entre os três tipos de
violência emitiu sinais claros de que o Estado colombiano poderia entrar em
colapso, desestabilizando toda a região andina. O que começou a preocupar os
EUA.
Não demorou muito para se descobrir que
o dinheiro do narcotráfico também havia corrompido a política. Por mais de
vinte anos diversas campanhas foram financiadas com o dinheiro das drogas.
Todos esses fatores levaram os EUA mudar
sua política para com a Colômbia. Por muitos anos acreditou-se que as
guerrilhas colombianas não eram uma ameaça, então a recomendação dada pelo
Departamento de Estado Norte-americano a Colômbia era a da contenção ao invés
da eliminação que seria muito custosa aos cofres públicos de ambos países. A
mudança da política antidrogas ficou visível com a aprovação do “Plano
Colômbia”, onde substituíram a contenção pela eliminação.
O
problema.
No mundo há cerca de treze milhões de
usuários de cocaína, sendo que mais da metade desses usuários são
estadunidenses. Os Estados unidos se preocupam com as quase cinquenta mil
mortes em seu território todos os anos devido ao tráfico de drogas e se
esquecem que nos países produtores como Colômbia, Peru e Bolívia os problemas
advindos da guerra contras a drogas causam muito mais devastação. Os dois
conflitos são relacionados e indissolúveis.
Pior que os problemas sociais,
familiares e de saúde, que as drogas causam, a sua proibição gera as mais
variadas consequências e que podem ser extremamente mais devastadoras. A
primeira é a perseguição e a marginalização dos usuários. A segunda é o
encarecimento inusitado e a alta rentabilidade desse tipo de negócio. A
terceira é a formação de grupos armados para sua proteção. A quarta é a
corrupção em todos os setores da sociedade. Na Colômbia temos um cenário ainda
mais dramático que é o conflito interno armado.
Segundo Richani, se somarmos todos os
trabalhadores diretos e indiretos, teremos cerca de um milhão de trabalhadores
colombianos que dependem da produção, do beneficiamento e do tráfico de drogas.
Se somarmos suas família, e os traficantes varejistas o número de pessoas chega
a quatro milhões ou cerca de 10% da
população do país.
É a proibição que multiplica o valor de
mercado da droga e gera sua alta rentabilidade. Os grandes narcotraficantes
colombianos chegaram a fazer parte do clube das pessoas mais ricas do mundo e
mesmo os pequenos agricultores que recebem uma parte mínima de todo o dinheiro
da droga, ganham muito mais do que se se dedicassem a culturas legais.
É obvio que nem todo o dinheiro
arrecadado com o narcotráfico volta para a Colômbia, contudo é interessante ver
que entre 1981 e 1990 o aumento acumulado do PIB da América Latina foi de
12,4%, enquanto que na Colômbia foi de 43,6%, essa diferença entre vizinhos só
pode ser atribuída ao tráfico de drogas.
Os paramilitares, apesar de se
autoproclamarem uma resposta armada as guerrilhas, surgiram para proteger os
negócios lucrativos do tráfico de drogas, que nesse caso servia também para o
enriquecimento pessoal de alguns líderes desses movimentos.
As Farc também utilizavam recursos
provenientes do narcotráfico para financiar a guerra. Nesta época elas
duplicaram o seu efetivo e formaram um verdadeiro exército guerrilheiro que no
sul do pais impôs dezesseis derrotas sucessivas às forças militares, entre 1996
e 1998.
Há uma diferença básica entre os
paramilitares e a guerrilha. Os primeiros enriquecem individualmente, enquanto
as guerrilhas investem tudo na guerra.
Há quem diga que a corrupção é ainda
mais prejudicial do que o conflito armado, e na Colômbia uma grande parte da
corrupção está ligado ao tráfico de drogas. O processo judicial do presidente
Samper demonstra como a corrupção e o narcotráfico tinham penetrado em todas as
instâncias do poder.
Muitos estudiosos podem dizer que as
drogas são as causas de todos os males, mas não podem negar que a proibição
dificulta em muito o combate a elas. Proibição esta apoiada nos malefícios
causados pelas drogas, mas principalmente no enfoque moralista dos EUA.
O
Plano Colômbia.
A grande ofensiva contra o cultivo, o
processamento e o tráfico de drogas na Colômbia começou em 1994 com as
fumigações. O período mais intenso de fumigações e de confrontos com os grupos
armados ligados ao narcotráfico, começou em 2000 com o Plano Colômbia. O custo
destas fumigações e os confrontos custaram aos EUA cerca de 3,3 bilhões de
dólares.
Nos primeiros dois anos de Plano
Colômbia, quando Andrés Pastrana Arango era o presidente da República, não
havia um plano geral para uma mudança fundamental do conflito. Foi só com a
posse do Presidente Uribe que se começou a desenvolver um projeto de mudanças
de objetivo, da contenção para a eliminação.
Pacificação
no Norte e Guerra no Sul.
Álvaro Uribe foi firme em seu projeto de
eliminação dos grupos guerrilheiros, dizendo que com eles não haveria
negociação nem reconciliação. Já com os paramilitares Uribe abriu diálogo tão
rapidamente que surpreendeu a todos.
O Estado Colombiano estava em um
impasse. Nem o Estado poderia acabar com a guerrilha, nem a guerrilha tinha
condições de chegar ao poder. Uribe rompeu essa situação se lançando com toda a
força contra as guerrilhas no sul do país.
Uribe chamou de “segurança democrática”
seu projeto de negociar com os paramilitares no norte e derrotar militarmente
as guerrilhas no sul.
Uma
negociação com muitas interrogações.
Em 2002 os paramilitares afirmaram que
só deixariam de atuar quando a guerrilha desaparecesse. Eles se justificavam
dizendo que agora possuíam um presidente com vontade de derrotar a guerrilha. O
fato é que os paramilitares nunca tiveram força suficiente para derrotar a
guerrilha, na verdade eles eram eficientes em pressionar a população civil nas
regiões de conflito, nos massacres e no confronto com a ELN (uma guerrilha de menor
porte). Perante a comunidade internacional as ações dos paramilitares perdeu
legitimidade e uma vez que eles conseguiram acumular muito poder político,
social e econômico com trabalho ilegal, estava na hora de encontrar uma base
legal para consolidar esse poder.
Já para os governantes do país, havia
chegado o momento de recuperar o monopólio da contra-insurgência. Quem assumiu
as negociações com os paramilitares foi Carlos Castaño, que concebia essas
negociações como uma “submissão à justiça”. No entanto, Carlos Castaño desapareceu
ou morreu nas mãos de seus companheiros de armas, em uma rebelião contra essa
posição de submissão à Justiça.
As negociações desandaram após o
desaparecimento do chefe dos paramilitares. Após esse fato a mesa de negociação
passou a ser um cenário de disputa entre os EUA, os paramilitares e o governo.
Isso cria um clima de incerteza, incerteza essa que não é apenas jurídica,
porque o tipo de negociação e o estilo de pacificação no norte , depende da
guerra que se desenrola no sul.
O Plano Patriota é sem dúvida a maior
ofensiva que já se fez contra as Farc, contudo essa ofensiva ainda não obteve grandes
resultados e os guerrilheiros estão se defendendo bem.
Na
defensiva mas longe da derrota.
O presidente Uribe cumpriu a promessa de
lançar uma grande ofensiva contra as Farc. Nesse esforço chegou a gastar quase
5% do PIB do país. Isso garantiu grande conquistas para o Estado.
A confrontação direta contra a guerrilha
tem ocorrido de duas formas: a primeira é a resposta direta e rápida com
contra-ataques decididos contra a ações das guerrilhas. A segunda é lançar
ofensivas sobre pontos-chave da guerrilha.
Nos último anos a Farc perdeu cerca de
30% do seu efetivo e seus recursos diminuíram drasticamente. No entanto, o
núcleo das guerrilhas ainda não foi atingido e suas estruturas de comando estão
intactas.
Alguns analistas precipitados, como
Joaquín Villalobos, já falam de uma derrota estratégica da guerrilha. Pode-se
avaliar as forças que estão na ofensiva pela extensão dos danos causados ao inimigo,
e as que estão na defensiva pelos danos que conseguem evitar, e pela sua
capacidade de se proteger. E se uma força defensiva consegue chegar ao fim sem
sofrer grandes perdas, tem grande possibilidade de organizar um bom
contra-ataque. Villalobos, que dirigiu a guerrilha FMLN com um grande espirito
ofensivo, não percebe que grande arte das Farc está na defesa e na preservação.
O presidente Uribe fez um grande esforço
ofensivo, apostando tudo na derrota da guerrilha. No entanto os resultados
alcançados ainda não são proporcionais ao grande empenho empreendido.
O
ataque às zonas cinzentas.
O principal equívoco da política de “Segurança
Democrática” talvez seja o tratamento dado a população civil. O presidente
Uribe acredita que entre o Estado e a subversão existem “zonas cinzentas”. Crê
que todos os moradores destas áreas apoiam ou são complacentes com as guerrilhas.
A realidade é que este vínculo existiu durante os anos 80, mas agora é quase
inexistente. Com a Queda do muro de Berlim e as transformações havidas no
mundo, esfumaçou-se a ilusão de uma insurreição triunfante.
Atualmente as guerrilhas se apoiam em
setores marginais, ilegais e excluídos da sociedade. São pessoas que têm a dupla
condição de serem vítimas e de fazerem vítimas. Pessoas que resumem a tragédia
de uma nação que obriga milhões de pessoas a viver das migalhas de negócios
sujos.
Diante
de um provável fracasso.
O Council on Foreign Relations, um
centro influente do pensamento americano, esteve na Colômbia em 2003 e formulou
um relatório que diz claramente que a região está caminhando para um colapso,
que a democracia está ameaçada e que a politica dos EUA na região é míope.
O relatoria propõe a “dissolução do
conflito”, onde se mantem a repressão ao tráfico, ao consumo de drogas e aos
grupos armados, mas se enfatiza a superação das causas econômicas e sociais que
estão no funcho do conflito. Dissolução ao invés de eliminação dos atores
envolvidos. O ponto de partida é que a Colômbia necessita de uma “assistência
dura” (repressão) e uma “assistência branda” (inclusão) e os EUA apenas se
concentrou na primeira.
Propõe que haja um equilíbrio entre os
esforços destinados a combater o cultivo e o tráfico de drogas e, de outro, os
recursos e esforço orientados para a redução do consumo. A nova estratégia
sugerida é sem dúvida a mais inteligente já proposta até o momento, mas não
questiona a base proibicionista da política norte-americana.
Para o autor a ideia de dissolução do
conflito é boa, mas o caminho mais certo para o fim da guerra seria a
negociação política e a inclusão, em outras palavras, a reconciliação.
A reconciliação é central e não lateral.
Tentar eliminar os atores é uma catástrofe. Tentar dissolver o conflito é uma
política mais benévola e pode dar resultados, mas o caminho da reconciliação é
que pode trazer melhor rendimento para a democracia, abreviando o tempo de
confrontação.
Fonte:
VALENCIA, León: Drogas, conflito e os EUA. A Colômbia no início do século. Estudos avançados, 19 (55), 2005, p. 129-151.
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