sábado, 31 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 15º Capítulo


Vida Material
Cap. 15: Organização social.
(P.269) O que caracteriza a sociedade brasileira no século XIX é a escravidão. Ea permeia todos os aspectos da vida social brasileira.
A escravidão americana não se assemelha com nenhum outro tipo de escravidão anterior. Ela deriva de uma nova ordem que se inaugura no século XV e os descobrimentos ultramarinos. A escravidão que foi largamente usada na Antiguidade, quase se extinguiu na Idade Média ocidental e renasceu fortalecida na Idade Moderna e o descobrimento da América.
(P.270) A escravidão do mundo antigo é resultado de um processo evolutivo natural, de tal forma que ela se entrosa perfeitamente na estrutura material e moral da sociedade antiga. Seria algo como o assalariado em nossos dias e apesar de muito discutida por intelectuais da época, a grande maioria via a escravidão como uma fatalidade, um mal necessário.
(P.271) A escravidão moderna não se liga a um passado ou a uma tradição. Sendo apenas um recurso utilizado pelos países da Europa afim de explorar as riquezas do Novo Mundo. E para isso os povos da Europa puseram de lado todos os princípios e normas que fundavam sua civilização e sua cultura.
Outro elemento que caracteriza a escravidão Moderna é que enquanto na antiguidade os povos dominadores e dominados estavam em um mesmo patamar cultural e civilizacional, na América os povos dominados estavam tecnologicamente muito abaixo da civilização europeia.
(P.272) Um exemplo é que Roma tornou-se grandiosa graças a cultura trazida por seus escravos. Na América, pelo contrário, assistimos a um recrutamento de bárbaros para o trabalho bruto, eram apenas um “instrumento vivo de trabalho”.
(P.273) Em paralelo a esta subserviência ao trabalho, deveria ocorrer a subserviência sexual das escravas para satisfazer o colono branco privado de mulheres.
Um último diferencial da escravidão americana é a diferença profunda entre raças, criando obstáculos intransponíveis a aproximação das classes e mantendo a rígida estrutura social baseado no preconceito racial. Diferente da escravidão da antiguidade, a marca da escravidão moderna estava na pele. Os indivíduos eram rotulados pelos tons de sua pele entre escravos (pretos) e mestiços (livres de pele mais clara).
(P.275) Ou seja, a cor tinha papel fundamental na discriminação das classes. Havendo uma enorme repugnância contra a escravidão de gente de cor mais clara, devendo os escravos possuírem uma cor escura.
(P.276) Enquanto que com o indígena, mesmo que seu final tenha sido trágico, foi tentado incorporá-lo à colônia. Para tal fim criaram-se missões jesuítas, estatutos e debates sobre sua escravidão. O africano não foi defendido por ninguém e sua escravidão era sempre justificada e incentivada.
As raças escravizadas incluídas na sociedade colonial, mal preparadas e adaptadas, vão formar nela um corpo estranho e incômodo, o qual seu processo de absorção se prolonga até hoje.
(P.277) O tráfico africano despejou milhões de pessoas semibárbaras no Brasil de extremo baixo nível, o que deixará profundas marcas no país, tanto nos relaxamentos dos costumes, quanto na ineficiência da produção levada a cabo por pretos boçais e índios apáticos. O ritmo retardado de nossa economia tem como principal causa a escravidão.
Contudo, segundo Caio Prado Jr o escravo brasileiro foi muito melhor tratado do que os cativos das colônias inglesas e francesas, isso se dá pelo caráter português e a moleza dos costumes nos trópicos. Além do regime patriarcal que dá ao senhor um tom paternal de protetor de seus servos.
(P.278) Todo trabalho na colônia é servil e pode ser dividido em produtivo e doméstico. O primeiro foi predominante, contudo a influência do segundo não pode ser descartada, uma vez que eram eles que possuíam contato direto com seus senhores e com a sociedade branca.
(P.280) No campo ou na cidade o trabalho escravo é onipresente, tornando restrito o terreno reservado ao trabalho livre. Isso teve profunda influência sobre nossa visão do trabalho, tido como indigno. Daí a aversão dos brasileiros ao trabalho braçal, preferindo ser senhores, funcionários públicos, profissionais liberais, ou até mesmo entrar para o clero.
(P.281) Em suma a sociedade colonial brasileira é dividida em dois extremos: no topo uma minoria de senhores brancos e abaixo separada por um enorme abismo uma maioria negra e mestiça de escravos. Entre estes dois polos estão uma massa de indivíduos de ocupações mais ou menos incertas, os homens livres (em geral mestiços), indígenas, brancos pobres e escravos fugidos. Além dos agregados (cidadãos que viviam sob a guarda de um senhor) e os vadios e bandoleiros que infestavam o interior e as grandes cidades do país, praticando o roubo e a violência.
(P.284) Esta subcategoria da população colonial era muito barulhenta e se fazia sentir, mantendo o país num estado pré-anárquico permanente.
(P.285) Caio Prado vê nessa massa desgarrada o elemento da instabilidade política, das rebeliões e lutas entre facções que agitaram o Brasil do século XIX, já que esta massa vive a margem da ordem social, com carência de ocupação formal e estável que a absorva para fixar uma base segura; já que o trabalho é feito por escravos.
(P.286) Visto isto, em paralelo possuímos o “clã patriarcal”, que em essência domina o cenário da vida social da colônia. Ela é formada por um conjunto de indivíduos que vão desde o Senhor até o último dos escravos.
(P.287) Sua origem vem do patriarcalismo português, mas o meio brasileiro moldou este patriarcalismo a sua própria maneira, sendo o clã patriarcal algo próprio de nossas organizações.
A autoridade pública é fraca e não chega ao interior do Brasil de forma efetiva, assim quem realmente possuí autoridade e prestígio é o senhor rural. A administração colonial, se que ser fazer ouvida, é obrigada a reconhece-lo como um elemento de poder.
(P.288) Constituída sob uma sólida base econômica e centralizando a vida social da colônia, a grande propriedade passará de simples unidade produtiva para uma célula orgânica da sociedade colônia. Berço do clã patriarcal brasileiro.
No Brasil coexistiram ao mesmo tempo vários estágios desse fato. No Nordeste é mais profunda do que nas regiões recém-colonizadas. As sucessivas gerações moldam o caráter dessa realidade. Criando-se um organismo assentado em bases tão sólidas que os laços que unem senhores, agregados e escravos parece indissolúvel. Os laços afetivos ligam estas categorias.
(P.289) Os senhores se aristocratizarão e serão respeitados pela posição que ocupam. Ganham as características de outras aristocracias: o orgulho pela tradição (de família), e do sengue que lhes correm na veia. O próprio escravo verá o senhor como um pai, um benfeitor.
(P.290) Este sistema se alastrará em maior ou menor grau por todo o Brasil. Com exceção de algumas regiões como o sul de Minas (onde o proprietário trabalha ao lado do escravo) e Santa Catarina (de colonização açoriana).
(P.292) Como vimos anteriormente as cidades eram como apêndices do campo e como tal, este patriarcalismo rural também é transportado para a cidade. Em geral as cidades ficam abandonadas durante a semana e todos, do comerciante ao padre, ocupam-se dos afazeres de suas lavouras. Já nos fins de semana, dia de missa, a cidade se enche.
(P.293) Com o passar do tempo as cidades ganham importância, chegam magistrados, juízes, advogados, comerciantes, clero e estes ombreiam lado a lado com os senhores de terras (que aos poucos deixam suas propriedades e vão viver nas cidades).
(P.296) Aos poucos o comércio ganha destaque e nas cidades e na política os comerciantes passam a fazer frente aos proprietários. Uma espécie de réplica da luta entre burguesia e aristocracia que enche a história da Europa. Forma-se ai uma dicotomia entre brasileiros (proprietários) e portugueses ou reinóis que vão descambar muitas vezes em violência (Revolta de Beckmann e Guerra dos Mascates.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 269-296.

terça-feira, 27 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. Cap. 14


Cap. 14: Vias de comunicação e transporte.
(P.237) As comunicações e os transportes exerceram profunda influência na formação do país. A geografia, o relevo, a hidrografia e a vegetação vão marcar as comunicações coloniais com morosidade, lentidão e retardo.
O sistema de comunicação da colônia evoluiu acompanhando naturalmente a progressão do povoamento. Primeiro no litoral e partindo em direção ao interior, as vias de comunicação seguem o mesmo caminho.
Os homens que se fixam no interior procuram rapidamente construir um caminho que os liguem ao litoral. Estas vias ligam o interior ao litoral, mas não ligam-se entre si, e toda comunicação deve passar obrigatoriamente pela via marítima.
Este capitulo objetiva relatar as principais vias de acesso ao interior da colônia: norte, nordeste, centro-oeste e sul.
(P.255) As estradas coloniais são extremamente precárias. Nas chuvas a estrada de terra transforma-se num grande atoleiro, na seca as vias fluviais desaparecem. Poucas são calçadas e a escolha do traçado possui uma regra “a que mais economizar esforço em sua construção”, assim surgem aberrações pelo caminho. As primeiras estradas carroçáveis surgem apenas com a chegada da família real.
Tudo o que é transportado se faz pela força de escravos ou de bestas, que é um tipo de transporte muito caro em comparação com o fluvial.
(P.237) Com o tempo, as comunicações que eram por via marítima se entrelaçam, ligando vários núcleos do interior sem passar pela mediação do litoral, mas no século XIX esta tentativa de criar um sistema de comunicações internos será desbancada pela introdução da navegação a vapor e pela navegação de cabotagem, o que acaba por substituir a comunicação pelo interior.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 237-287.

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 13º capítulo.


Cap. 13: Comércio.
(P.228) O traço fundamental do comércio colonial brasileiro é que ele é organizado para a produção de gêneros tropicais e metais preciosos para o mercado internacional. Todo o resto é subsidiário e limita-se a ampará-lo.
O comércio é dividido em dois setores: externo e interno. O primeiro nos é muito conhecido e reteve todas as atenções dos contemporâneos. Assim nosso comércio exterior é um comércio marítimo, o Brasil sempre esteve voltado para o Atlântico, seu comércio exterior sempre esteve voltado para a Europa, dando as costas aos seus vizinhos sul-americanos.
(P.231) As importações legais brasileiras (isso porque o contrabando inglês já vinha sendo praticado à muitos anos) visava os grandes centros urbanos com gêneros alimentícios de luxo como o vinho ou o azeite, mas principalmente com escravos da costa africana.
(P.232) O comércio interno visava o abastecimento dos grandes centros urbanos, sendo o único de destaque o comércio de gado que com suas boiadas criavam enormes rotas que rasgavam o Brasil, criando ligações terrestres entre várias partes da colônia. Este foi um dos pilares da unidade nacional.
(P.235) Resumindo, a economia colonial era uma empresa mercantil voltada para a exploração e exportação de produtos tropicais. Isso condicionou a própria existência do país. Sendo que o povoamento liderado por uma minoria branca, que escravizava outras raças que eram maiorias, para a produção e a extração desses produtos. O povoamento condensou-se nas áreas que possibilitavam a extração/produção destes gêneros. O comércio interno era somente para garantir que o comércio exterior se realizasse.
Portugal coloca-se no meio do caminho entre os produtos tropicais, o ouro e o diamante e o mercado consumidor. (P.236) A metrópole tirará muita vantagem deste posto, 2/3 dos produtos exportados por Portugal vinham da colônia e assim que ocorrer a separação política, Portugal cairá dos status de potência para o medíocre último lugar das economias europeias.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 228-236.

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 12º capitulo


Cap. 12: Artes e Industrias.
(P.220) Elementos que ocupam um papel insignificante no Brasil Colonial. Longe dos centros urbanos, as artes mecânicas e industriais são apenas apêndices das atividades agrícolas e de mineração. Para atender a estas necessidades surgem ferreiros, carpinteiros, tecelões, etc.
Esta pequena indústria doméstica de mão-de-obra escrava ou feminina (fiação, tecelagem e artesanato) completa a autonomia dos grandes domínios rurais. Tudo o que o engenho necessita, o engenho mesmo produz.
(P.224) Os dois setores mais importantes são: as manufaturas têxteis e o ferro. Ambos produtos eram abundantes na colônia e possuíam mercado local de relativa importância. Logo a metrópole interveio extinguindo estas manufaturas têxteis, pois competiam com os produtos portugueses. Pouco tempo depois, a indústria do ferro também foi perseguida. O simples fato de saber fundir minérios já era motivo de perseguição.
(P.226) O grande medo do metropolitano era a concorrência e a temida independência da econômica da colônia, que poderia levar a independência política.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 220-229.

domingo, 25 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 11º Capítulo.


 Cap. 11: Produções Extrativas.
(P.211) Sua maior importância não é o seu valor econômico, mas o modo como possibilitou o assentamento humano no vale do Amazonas: a colheita natural dos frutos das florestas e dos rios.
O Pará ainda se parece com as outras capitanias, tendo uma produção de açúcar, tabaco e uso da mão-de-obra escrava. Mas basta seguir os cursos d’agua rumo ao interior para encontrar um tipo de povoamento e colonização totalmente originais.
Estes colonos da floresta amazônica extraem um grande número de gêneros naturais como o cravo, a canela, a castanha, a salsaparrilha, o cacau, a madeira, a tartaruga e seus ovos e o peixe boi.
(P.212) Diversas foram as tentativas de estabelecer a agricultura neste território, campanhas frustradas pela força da natureza. Assim, no vale do amazonas as atividades se reduzem a duas: penetrar a floresta ou os rios para colher os produtos e os peixes; e conduzir as embarcações pelas vias fluviais, únicos meios de locomoção. Para ambas funções os indígenas estavam preparados. Caça, pesca, extração, andar na mata e remo eram atividades que o índio já fazia. Em nenhum outro lugar o branco sofreu tanta influência do índio quanto nesta região.
(P.213) A colonização desta região foi dispersa ao longo de milhares de quilômetros dos rios, que forneciam alimento e transporte.
O trabalho era organizado em ciclos periódicos de expedições em busca das riquezas da natureza. Um empresário reúne homens e parte rumo ao interior da floresta. Em geral acompanhado de índios semi-escravizados.
(P.216) Este tipo de exploração, relegou a Amazônia o posto de região mais atrasada do Brasil. Contudo, é interessante frisar que no imaginário europeu do colonizador esta seria uma região de riquezas incalculáveis, o que em contato com a realidade não se concretizou.
Nota: outras produções extrativistas da colônia, mas de reduzido papel econômico foram a madeira, a pesca da baleia, o sal, o salitre e a erva-mate.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 211-219.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 10º Capítulo.


Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 
Cap. 10: Pecuária
(P.186) A carne tem um importante papel na alimentação da colônia. Contudo, não são raros os desabastecimentos e a escassez do produto dado seu enorme consumo.
(P.187) Este comércio e consumo avultados são propulsores de uma das principais atividades da colônia: a pecuária. Única, fora as destinadas a exportação, que tem alguma importância.
É a atividade do sertão, longa das vistas da população litorânea. A agricultura povoou o litoral, a extração natural o extremo norte, a mineração o centro-sul e a pecuária todo o resto.
A pecuária realizou-se separadamente da agricultura, privando a segunda do melhor fertilizante: o esterco. Além disso a agricultura para a exportação tomou as melhores terras e monopolizou a mão-de-obra.
(P.188) Como não poderia deixar de ser, a pecuária realizou-se de maneira rustica e simples, criando o gado solto em grandes pastagens do interior.
(P.189) No início do século XIX existiam três grandes zonas de criação de gado: os sertões nordestinos, o meridiano mineiro e as planícies do sul. Cada um com características próprias. Além de zonas pecuárias secundárias de menor importância.
(P.190) O nordeste é a zona de criação mais antiga da colônia. O sertão nordestino possuí uma vegetação de fácil penetração, além de regiões salinas onde o gado se nutre de sal. A pecuária visava atender a demanda por carne do litoral brasileiro. Como desvantagem desta região temos a pobreza da pastagem e a falta d’agua.
(P.194) O gado vivia solto a maior parte do tempo e o maior trabalho do vaqueiro era manter o rebanho sob suas vistas.
A produtividade era extremamente baixa relativamente a imensa área ocupada. A mortandade do gado era alta e a carne gerada era de bois magros e musculosos (intragável).
(P.196) A carne seca tornou-se o principal produto da pecuária nordestina, até a chegada da charque rio-grandense. Outro produto importante eram os derivados de couro.
A produção de carne em Minas para os centros mineradores e as sucessivas secas do século XVIII dão um brutal golpe na pecuária nordestina, da qual ele não se recuperará nunca mais. O Rio Grande do Sul ocupará o seu lugar.
(P.197) O gado mineiro irá fixar-se primeiro no norte (próximo à Bahia) e chega até a fronteira de São Paulo. As pastagens não são tão ricas, mas há rios abundantes e ciclos de chuva mais razoáveis. O problema é o relevo mais acidentado desta região do país. Mas de um modo geral há um conjunto de circunstancias favoráveis a criação de gado neste ambiente.
(P.198) A criação em Minas Gerais será muito mais complexa e bem aparelhada do que a do nordeste. Um exemplo é que o gado é cercado, há divisórias entre as fazendas o que reduz a necessidade de vigilância constante sobre o gado, dispensando o épico trabalho do vaqueiro. As pastagens são divididas em lotes para o descanso e recuperação da terra e as vacas são separadas dos touros, além de haver o recolhimento noturno dos animais para os currais.
(P.200) Os laticínios, desconhecidos no Norte/Nordeste, possuem importância considerável na economia mineira. Outra diferença é que o trabalho empregado nestas fazendas é o escravo, enquanto que no nordeste predomina o livre. Mas um diferencial chama a atenção, o dono da fazenda trabalhava junto com os escravos.
(P.202) Outro produto de suma importância criado em MG é o porco, que além do alimento fornece a banha, universal matéria graxa da culinária brasileira. Além de carneiros, com o qual com a lã se faz a roupa dos escravos.
Por último os campos do sul. Desde o Paranapanema até os pampas. Ótimas pastagens, clima favorável, incontáveis fontes de água, geografia, relevo, condições perfeitas para a criação da gado.
(P.204) O sul do Brasil, em especial o Rio Grande, foi colonizado pelos portugueses tardiamente e só depois de muita luta contra os espanhóis, jesuítas e índios (1733-1777). A guerra levou a criação de sesmarias (queira-se ocupar as terras em definitivo), mas inúmeras tramoias levaram a concentração das terras em poucas mãos.
Contudo, a pecuária se firma com extrema rapidez nesta região. Inicialmente visando a produção de couro e desprezando a carne (não havia demanda suficiente no sul), e o gado criado era semibravil como no nordeste. Aos poucos a carne vai ganhando importância através da charque. Dando um boom econômico apenas visto na mineração. Pelotas é o centro gravitacional deste movimento.
(P.206) A pecuária rio-grandense estava no mesmo nível tecnológico da nordestina, salvo é claro as melhores condições naturais da região sul.
(P.209) As demais zonas criatórias do Brasil são de segunda importância.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 186-209.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 9º Capítulo.


 Cap. 09: Mineração
(P.169) Assim como a grande lavoura, a mineração destina-se unicamente a exportação, desenvolvendo-se as margens das necessidades brasileiras.
O início do século XIX marcou o fim da indústria mineradora no Brasil, ciclo que já vinha em decadência desde meados do século XVIII. A decadência desta indústria veio do esgotamento das minas. (P.170) Inicialmente o ouro era abundante e superficial, de fácil extração localizava-se nos veios de rios e nas encostas das montanhas. Mas conforme o ouro destas regiões diminuiu e os mineradores tiveram que atacar a dura rocha a coisa mudou de figura. A falta de tecnologia, fez com que esta extração passasse aos poucos de deficitária para impossível.
(P.171) A indústria mineradora no Brasil nunca foi nada além de uma aventura passageira e o século XIX marca o colapso final desta empreitada. Nada se acumulou, nada se investiu, nada ficou no Brasil, tudo foi perdido na corte esbanjadora de D. João V e pela ineficiente administração portuguesa.
(P.174) Ao contrário do que se dá na agricultura e em outras atividades da colônia, a mineração foi submetida desde o início a uma rigorosa disciplina. As primeiras notícias de ouro da colônia são dos últimos anos do século XVI e já em 1603 surgiu uma legislação sobre o assunto estabelecendo os princípios fundamentais da mineração: livre exploração e o quinto.
(P.175) Ao se descobrir uma jazida era necessário comunicar as autoridades competentes que iam até o local e demarcavam o terreno e distribuíam aos mineradores presentes – o descobridor era o primeiro a escolher – a exploração deveria começar em 40 dias. Para controlar a distribuição das minas e a cobrança do quinto criou-se um organismo administrativo especial: a intendência das Minas. Em cada capitania em que houvesse extração de ouro, havia uma intendência que respondia somente a metrópole.
(P.176) Subordinada a intendência estava a casa de fundição, onde recolhia-se o ouro extraído, fundia-se e o quintava (ou seja, retirava a quinta parte -20%).
(P.177) Assim, a grande função da intendência era apenas fiscalizar e taxar o ouro, nunca promover melhorias ou aperfeiçoamentos na extração. Nada interessava senão o quinto, e quando a extração caiu consideravelmente (o ouro é um bem não-renovável), a intendência pensou em apenas uma hipótese: a fraude.
(P.178) As jazidas de ouro eram organizadas de duas formas: primeiros as Lavras, grandes centros de extração, organizados sob uma direção que comanda dezenas de trabalhadores (período áureo da extração) e os Faiscadores, indivíduos isolados, de poucos recursos, nômades, que vasculhavam lavras abandonadas. Em geral a chegada dos faiscadores evidenciava a decadência da zona aurífera.
(P.181) A extração do diamante foi secundária. Diamantina – MG foi a única área em que houve uma exploração legal de diamantes. Nas outras áreas era proibida, medida utilizada para reduzir a extração e manter o preço elevado. Podemos dizer que os cidadãos de Diamantina viviam em um permanente “estado de sítio”, tudo para dificultar o comércio ilegal de diamantes. (P.182) A extração dos diamantes era feita pela própria coroa. Não delegando a terceiros o direito de extração, como no caso do ouro.
(P.184) Em princípios do século XIX a extração de diamantes caiu e abriu-se caminho para os faiscadores de ouro, mas estes faiscavam o ouro e o diamante, cabendo a administração fazer vista grossa, pondo fim ao monopólio do diamante;
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 169-186.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 8º Capítulo.


Cap. 08: Agricultura de subsistência
(P.157) A economia colonial foi dividida por Caio Prado Jr entre lavoura exportadora e agricultura de subsistência, a segunda era destinada ao consumo interno e a manutenção da própria colônia. Enquanto no primeiro predomina o sistema plantation (latifúndio, monocultura e trabalho escravo), no segundo predominam outros tipos de estrutura agrária, bem mais variados.
 E apesar dos dois tipos serem consumidos internamente e também exportados, a grandeza da exportação de um se sobrepõe de tal maneira que fica impossível confundi-los.
A aguardente é um subproduto da cana usado internamente e para o escambo por escravos africanos.
(P.158) O algodão e o arroz, embora produzidos para exportação eram largamente consumidos na colônia.
Devemos entender que a linha que divide a produção para exportação e para a subsistência é muito clara. Em primeiro lugar a agricultura de subsistência está dentro das terras do engenho para alimentar os que ali trabalham. Podem ser plantadas em meio a cultura principal (milho+algodão ou mandioca+cana) ou em terras exclusivas para ela. O trabalho era escravo, utilizando cativos que não estavam trabalhando a cultura principal naquele momento, ou sem terras cedidas pelo senhor para que o escravo cultivasse sua roça no domingo.
As fazendas de gado do nordeste também eram autônomas e a agricultura acontecia as margens dos rios.
(P.159) Para atender as cidades surgem lavouras especializadas dedicadas ao seu abastecimento. Podendo ser fazendas, roças, chácaras ou sítios (onde não há escravos ou assalariados e onde o dono da terra é ao mesmo tempo o trabalhador). Esta terra pode ter um dono ou um ocupante (agregado a quem o proprietário cede um pedaço de terra à troca de uma espécie de vassalagem).
Este setor subsidiário da economia colonial e dependente da grande lavoura, é de baixo nível econômico, vegetativo e precário, pouco produtivo e sem vitalidade. Em geral estas propriedades circundam as grandes cidades, que é seu polo consumidor. Contentando-se por solos inferiores, cansados ou inaproveitáveis para a cana e outras culturas para exportação.
(P.162) Esta agricultura de subsistência também difundiu-se em Minas Gerais, rodeando as minas de ouros e diamantes. E ainda à encontrarmos à beira das estradas de tropeiros e caravanas de vaqueiros que precisavam comer, descansar e alimentar os animais durante a viagem.
(P.163) O desprezo pela agricultura de subsistência vai criar um problema crônico na sociedade colonial: a crise de desabastecimento, carestia e fome. Principalmente no nordeste. Isso ocorre em geral nos momentos de alta dos preços dos produtos da grande lavoura para a exportação, onde todos os esforços são direcionados a ela, e as culturas alimentares são deixadas de lado.
(P.164) Diversas leis foram criadas para prevenir o desabastecimento de gêneros alimentícios (obrigando traficantes de escravos e plantadores de cana a terem cultivos de mandioca), leis prontamente desrespeitadas em tempos de alta nos preços de açúcar.
(P.165) Entre os cultivos alimentares, destaquemos a mandioca (pão da terra – norte/nordeste), o milho (sul/sudeste), o feijão, arroz, peixe e carne seca.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 157-169.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Fichamento: Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.



(P.29) Cap. 01: Fronteiras da Europa.
 (P.31) Nosso país é marcado pela tentativa de implantação e aplicação de um sistema estrangeiro europeu em um ambiente desfavorável. Somos desterrados em nossa própria terra. Parece que a civilização que possuímos aqui é fruto de outro clima e de outra paisagem. Apenas o Mundo é Novo, pois a civilização aqui instalada é velha. Para entendermos isso é necessário sabermos que somos herdeiros do que Sérgio Buarque chama de Nação Ibérica (Espanha e Portugal).
(P.32) As nações da Península Ibérica, são em diversos aspectos, muito diferentes das outras nações europeias. Uma grande característica desses países é a valorização do indivíduo independente e autônomo. Quanto menos depender do outro, mais bem quisto é o homem. Assim, em uma terra onde quase todos são barões é impossível um acordo duradouro, a não ser pela força.
Há uma espécie de personalismo exagerado que tem como consequências a tibieza do espírito de organização, da solidariedade e de entendimento sobre os privilégios hereditários. Assim, os privilégios hereditários – respeitadíssimos em países de forte herança feudal – nunca tiveram muita influência nos países ibéricos. Disso resulta a frouxidão da estrutura social, a falta de hierarquia e a tendência a anarquia.
Nossa história nunca teve coesão, ela não é um fenômeno moderno. Assim, erram aqueles que acreditam na defesa da tradição como única defesa a desordem[1].
A hierarquia funda-se em privilégios, e muito antes das revoluções contra esses privilégios explodiram pelo mundo, os ibéricos já pareciam perceber a irracionalidade e a injustiça desses privilégios, em especial os hereditários. O prestígio pessoal, muito mais que o nome, era algo admirado pelos ibéricos, assim eles podem considerarem-se os pioneiros do pensamento moderno neste sentido.
(P.38) Um fato importante sobre a psicologia moral dos ibéricos é a repulsa ao trabalho. Isso explica por que as modernas religiões protestantes, como a Calvinista, não vingaram por lá. Pois, o que os portugueses e espanhóis consideravam como uma vida ideal, era uma vida de senhor, sem esforços e sem preocupações, uma vez que o trabalho manual era inimigo da personalidade, tão estimada nas sociedades ibéricas.
(P.39) Essa carência de moral para o trabalho reflete na reduzida capacidade de organização social do ibérico. O esforço humilde, desinteressado e anônimo comum em sociedades com forte inclinação ao trabalho, são pouco estimadas aqui, o que em geral gera um fraco ideal de solidariedade. Sendo que a solidariedade só existe entre familiares e amigos.
(P.40) O interessante é que a obediência aparece como virtude suprema, já que a disposição para mandar e para cumprir regras são igualmente peculiares. Não existindo outra forma de disciplina que não seja a que se funde na centralização do poder e na obediência. Assim, as ditaduras são tão comuns quanto a anarquia. Sérgio Buarque acredita que mesmo com o contato com os indígenas, este traço cultural ibérico ficou profundamente enraizado em nossa cultura.
(P.41) Cap. 02: Trabalho & Aventura.
(P.43) Os portugueses foram os pioneiros da conquista dos trópicos, sendo essa sua maior missão histórica. Nenhum outro povo europeu seria capaz de realizar essa empreitada, que não se empreendeu de maneira metódica e racional, mas com certo desleixo e abandono.
(P.44) A vida coletiva e os princípios das atividades dos homens podem ser divididas desde o princípio dos tempos entre aventureiros e trabalhadores. Existe uma ética do trabalho e outra da aventura. E cada indivíduo tem por ética uma e detesta a outra. São assim duas éticas opostas.
Aventureiro
Trabalhador
Busca novas experiências;
Estima a segurança e o conforto;
Acomoda-se com o provisório;
Valor moral ao esforço;
Prefere descobrir a consolidar;
Constrói;
Foco na chegada.
Enxerga a dificuldade a vencer.
(P.45) Cada pessoa possuí a combinação dos dois, não existe pessoa que é em estado puro nem um nem o outro. Conceitos não existem fora do mundo das ideias.
Na conquista da colonização da América a figura do trabalhador foi muito limitada, tendo uma atuação quase nula.
(P.46) O gosto pela aventura, a ânsia pela prosperidade fácil, de riqueza sem trabalho é algo muito influente na vida nacional. (P.47) O português aventureiro era extremamente plástico e maleável adaptando-se a qualquer estilo de vida e cultura.
(P.48) Os portugueses e castelhanos criaram o regime que iria servir de modelo para todos os outros povos da Europa que fossem colonizar outras regiões quentes do planeta. A grande quantidade de terras férteis forçou o surgimento do latifúndio e o fracasso do uso da mão-de-obra indígena transformou a escravidão africana em uma necessidade.
(P.49) Só com grandes reservas podemos dizer que o que houve no Brasil foi “agricultura”. O processo de exploração da terra usada no Brasil e uma mescla da técnica europeia e dos métodos rudimentares dos indígenas, o que gerou um método devastador. Não havia o zelo com a terra que deveria ser sugada até sua ruína.
O português veio buscar riqueza que custasse ousadia e não riquezas que custasse trabalho. Assim, a civilização criada pelos portugueses no Brasil com a cana de açúcar não foi uma civilização agrícola por três motivos: 1º o gênio aventureiro, 2º a escassez populacional portuguesa não possibilitou a emigração em larga escala de trabalhadores rurais, 3º a atividade nunca ocupou uma posição central em Portugal.
(P.53) Outro ponto relevante sobre a mentalidade do povo português, além de sua plasticidade, é a ausência de um orgulho de raça. Diferente dos povos do Norte, o povo latino, em especial o português, é um povo mestiço. O sangue português é marcadamente uma mistura com árabes e africanos, sendo no continente os que mais possuem sangue negro. Assim, o Brasil não foi nenhuma novidade, uma vez que a mistura racial já havia começado na Metrópole antes de 1500.
(P.55) De maneira geral os portugueses a raça do indivíduo nunca foi algo determinante para o exercício de determinados empregos. Muito mais decisivo era o labéu (mancha infame na reputação, desonra) associado aos trabalhos considerados vis. Muito mais determinante que a raça para a reputação, era o tipo de trabalho realizado.
(P.57) Uma das grandes consequências da escravidão e da expansão da lavoura latifundiária no sistema colonial brasileiro foi a ausência de outras atividades produtoras, como o artesanato. Enquanto que na América Espanhola tínhamos carpinteiros, alfaiates, confeiteiros, entre outros, no Brasil a organização desses ofícios foi muito discreta.
(P.62) A moral das Senzalas (preguiça) veio imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas do brasileiro da época. Talvez a maior influência deste moral tão avessa ao trabalho esteja refletida na agricultura e nas técnicas primitivas que se instauraram no Brasil.
(P.67) O autor percebe uma espécie de regresso até mesmo nos povos acostumados com ao trato da terra. A pá e a enxada são elementos que apesar de obsoletos em todo mundo, aqui possuem papel de destaque. O arado é algo secundário para o agricultor brasileiro. Outra técnica herdade dos indígenas, são as queimadas para abrir clareiras na plantação.
(P.71) Cap. 03: Herança Rural.
(P.73) Toda cultura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. É preciso considerar esse fato para entender essa influência que, direta ou indiretamente, nos domina até os dias de hoje. Os portugueses não criaram aqui uma civilização agrícola, mas uma civilização de raízes rurais.
A principal característica desta época é a propriedade rústica da terra, que não se modificará até a abolição de 1888, sendo esta a divisão entre duas eras.
(P.74) Entre 1851 e 1855, houve um surto de capitalismo no Brasil com a criação de Bancos, estradas de ferro, telégrafos, etc. Isso golpeou profundamente o sistema escravocrata e mostrou a incompatibilidade do trabalho escravo com a civilização burguesa e o capitalismo moderno.
(P.76) A lei Eusébio de Queirós de 1850, junto com a intensificação das atividades britânicas de repressão ao tráfico foram um duro golpe a estrutura escravista brasileira. A extinção deste comércio, que era a origem de algumas das maiores fortunas brasileiras, deveria forçosamente deslocar os capitais que eram comprometidos com o tráfico negreiro para outras áreas produtivas. (P.77) Criou-se assim uma expectativa de que do tráfico negreiro iria surgir um aparato sem precedentes de nossa história comercial.
Foi um período de euforia e prosperidade, facilidade de crédito e enriquecimento por meio de investimentos e ações, algo totalmente nova para uma elite acostumada à riqueza ligada a posse da terra.
(P.78) A instabilidade dessas novas fortunas era a grande crítica dos ricos do antigo Brasil rural e patriarcal. Eram duas mentalidades rivais que se opunham
(P.79) Um grande exemplo da incompatibilidade entre esses dois sistemas é a crise de 1864, a primeira do Brasil imperial, que ocorreu não por problemas políticos internos ou externos, mas foi o desfecho de uma situação insustentável de tentar vestir um país preso a uma economia escravocrata com trajes modernos de uma democracia burguesa.
O fracasso comercial de Mauá é um indício da incompatibilidade entre as formas de vida copiadas de nações avançadas e o patriarcalismo e personalismo brasileiro.
O patriarcalismo assemelha-se a um espírito de facção, onde os membros estão unidos por vínculos biológicos e afetivos a um chefe. Esta união é sempre relacionada por sentimentos e deveres, nunca por ideias. Este sistema é tão forte que troca de partidos -  coisa comum em outros países – é visto como traição no Brasil.
(P.80) Patriarcalismo herdado de nossas origens rurais, onde a autoridade do proprietário de terras não era questionada.
(P.81) Na zona rural a família é organizada segundo normas clássicas do velho direito romano-canônico, mantidas na península ibérica através de inúmeras gerações. Com o pater-família, agregados e escravos.
(P.82) De todos os setores de nossa sociedade colonial, foi a esfera doméstica a que mais resistiu aos “ataques” da modernidade. O poder paterno é virtualmente ilimitado e sem freio.
O quadro familiar é tão poderoso que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. Para este indivíduo a entidade privada sempre precede a entidade pública.
Com o declínio da vida rural, os filhos dos senhores de engenho migram para as cidades, ingressando em atividades políticas, burocráticas e liberais carregando consigo essa mentalidade.
(P.83) O trabalho mental, que não suja as mãos e não fadiga o corpo, tornou-se a ocupação digna dos senhores de escravos e seus herdeiros. A inteligência, contudo, é usada como ornamento e não como meio de ação, o título de bacharel assemelha-se a um título de nobreza.
(P.84) A “inteligência” celebrada e cultivada era apenas decorativa, essencialmente antimoderno e contrário a Revolução Industrial que via a inteligência como um meio para a produção e o enriquecimento,
(P.85) Cairu observa que a sociedade política e civil no Brasil funciona como um prolongamento da comunidade doméstica, onde o soberano deve ser o chefe ou o cabeça de uma vasta família e amparar a todos como seus filhos. Quanto mais o governo civil realizar essa tarefa filantrópica mais justo e poderoso ele é, e essa obediência do povo é mais voluntária e verdadeira.
A vida patriarcal fornece o grande modelo no qual iremos criar a vida política. – Relação governantes e governados – monarcas e súditos.
(P.89) No Brasil houve uma espécie de Ditadura dos domínios rurais, enquanto que no restante do planeta, a regra era a prosperidade urbana fazer-se as custas dos centros de produção agrícolas graças à formação de classes dominantes não agrárias, aqui e na América Latina podemos perceber que as funções mais levadas eram destinadas aos senhores de terras.
O predomínio do rural sobre o urbano pode ser entendido a partir do fato de que senhores de engenho realmente viviam nos engenhos, indo as cidades apenas em dias de festa, algo que nem a Europa feudal viveu. Durante a maior parte do ano, as cidades brasileiras eram praticamente vazias.
(P.93) Cap. 04: O Semeador e o Ladrilhador.
(P.95) Fundar cidades como um instrumento de dominação é algo tão antigo quanto a humanidade: Alexandre o Grande, os romanos, chineses, persas, etc, usaram destas técnicas.
Enquanto na América Portuguesa as cidades eram meros apêndices da zona rural, os espanhóis foram seguros na efetivação e dominação dos territórios conquistados por meio da conquista militar, econômica e política mediante a criação de inúmeros povoados estáveis e bem ordenados.
(P.96) O zelo e o planejamento espanhol na fundação dessas cidades podem ser percebidas por sua linha retas. Enquanto nas cidades brasileiras não é raro encontrar ruas estreitas e caminhos sinuosos (que ilustram bem a falta de planejamento na construção destas cidades), as cidades coloniais espanholas possuíam ruas retas e planejadas.
A construção das cidades coloniais espanholas deveriam seguir uma série de normas e regras para a sua construção: não serem construídas em terrenos muito altos ou baixos, ruas largas e estreitas dependendo do clima, ter ao centro de sua construção uma igreja e uma praça maior, etc.
(P.97) O esforço português foi predominantemente de exploração comercial, enquanto que os castelhanos viam a América como um prolongamento orgânico de seu reino.
(P.98) Isso se deu por vários motivos: luta pela expansão da fé cristã, clima mais ameno nos territórios espanhóis da América, etc. Em geral a colonização tendeu ao planalto e ao interior.
(P.100) Os portugueses ao contrário, povoaram zonas litorâneas e tropicais. Sendo até mesmo proibido a ida ao interior, já que se temia o despovoamento do litoral.
(P.102) É somente na formação da cidade de São Paulo que a população colonial adquire forma própria. Os paulistas não tinham raízes do outro lado do oceano, pois sua localização e a mestiçagem os afastaram de Portugal.
(P.103) A descoberta de ouro em Minas Gerais levou a uma grande migração para o interior do Brasil e foi determinante para finalmente Portugal por um pouco mais de ordem em sua colônia. Ordem tirânica visando a extração de riquezas diga-se de passagem.
(P.104) O mar para os espanhóis eram um obstáculo a ser ultrapassado, as terras do litoral eram apenas um acesso ao interior de terras temperadas. O português, ao contrário fixou-se no litoral, adentrando o interior somente por vias fluviais.
(P.106) Outro fato interessante é que ao colonizarem ao Brasil, de costa a costa, os portugueses entraram em contato com o grupo Tupi que recém havia conquistado o litoral brasileiro e expulsado outras tribos por meio de guerras tribais, o que deu enorme vantagem ao colono português.
(P.107) Mesmo em seus melhores momentos, a obra realizada na Brasil pelos portugueses teve mais um caráter de feitorização do que de colonização.
(P.109) A rotina e não a razão abstrata foi o princípio que norteou os portugueses. Preferem agir por experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras, à traçar de antemão um plano para segui-lo até o final. Um exemplo é o desordenamento das cidades que aqui surgiram, frente as linhas retas espanholas.
(P.110) Outra característica portuguesa é o seu realismo. Um povo que se nega a transfigurar a realidade por meio da imaginação delirante. Esse apego a realidade português pode ser percebido no fato das conquistas do descobrimento não transformarem-se em narrativas épicas como no caso espanhol.
(P.112) A ascensão social em Portugal nunca foi algo impossível como era em países com uma forte tradição feudal. Assim, a burguesia em ascensão ao enriquecer tinha como ideário tornarem-se fidalgos e aderir a nobreza. A burguesia portuguesa possuía uma mentalidade de nobre. Surge a “nobreza nova” do quinhentismo que ascendeu ao poder pelo trabalho e que ao chegar a nobreza perceberam o trabalho como algo indigno.
(P.116) Segundo o autor, esta obsessão imperial castelhana de tudo controlar e ordenar vem do fato da própria Espanha ser totalmente fragmentada. E a maior abertura de Portugal vem do fato deste país desfrutar de uma unidade política desde o século XIII.
(P.119) Nota ao Cap 04.
1. Vida Intelectual na América Espanhola e no Brasil.
Estima-se que durante a colonização espanhola suas universidades instaladas nas colônias, tenham formado cerca de 150 mil pessoas. O Brasil formou menos de mil na universidade de Coimbra em Portugal.
(P.120) Em 1535 já se imprimiam livros na cidade do México, no Brasil a imprensa só foi definitivamente permitida com a chegada da Família Real.
(P.121) Portugal impunha entraves a intelectualidade brasileira pelo medo da circulação de novas ideias, que pudessem colocar em risco o seu domínio.
(P.122) 2. A Língua geral em São Paulo.
Os bandeirantes paulistas e a própria população da cidade de S. Paulo valiam-se do tupi para a comunicação social e doméstica. As mães falavam em tupi e os filhos aprendiam português na escola.
Em geral a maioria dos falantes da língua geral eram as mulheres, e os homens só se entendiam com elas por essa língua. Fato fácil de entender em meio a uma colonização predominantemente masculina.
A língua geral foi largamente usada no planalto paulista no séc. XVIII, deixando de ser usada na primeira metade do séc. XVIII.
(P.131) É sabido que a expansão bandeirante rumo ao interior deveu-se a carência de mão-de-obra nas lavouras de São Paulo – Zona de difícil acesso aos escravos africanos vindos do litoral na época. O objetivo era claro, alcançar o nível de sedentarismo em São Paulo, dos barões do nordeste que mal precisavam deixar seus engenhos. A mobilidade paulista deu-se em função de um ideário de permanência e estabilidade.
(P.133) 3. Aversão as virtudes econômicas.
As qualidades morais da vida de negócios é diferente do das classes nobres. O primeiro busca crédito, o segundo honra e glória. Os negócios requerem racionalização e despersonalização o que é repulsivo para povos de origem ibérica. Para negociar é necessário, antes de tudo, criar vínculos afetivos.
(P.134) O freguês ou cliente há de assumir de preferência a posição de amigo.
(P.137) O que separará a mentalidade portuguesa e espanhola da de outros povos, não é a temperança nem o gosto da riqueza, não é a falta de avareza, é na verdade a incapacidade de fazer prevalecer qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica sobre as relações sociais que não se fundam no parentesco, na vizinhança ou na amizade.
(P.139) Cap. 05: O Homem Cordial.
(P.141) Apesar do que disseram alguns pensadores do século XIX, o Estado não é descendente direto da estrutura familiar. Na verdade, elas são instituições opostas, só com a transgressão da estrutura familiar é que surge o Estado. Antígona X Creonte – Família X Estado – Pessoal X Coletivo.
(P.142) A transição dos trabalhos das oficinas medievais, onde o artesão e o aprendiz eram muito próximos, pelo sistema industrial de trabalho, onde o empregado nem sabe quem é o patrão é um evento universal e mostra como as instituições baseadas nas relações abstratas, tendem a substituir as de afeto e sangue.
(P.145) No Brasil, onde imperou desde tempos remotos, o tipo de família patriarcal – que é muito ligada a vida rural - a urbanização e o êxodo migratório para as cidades, criou um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje.
(P.146) Não foi fácil para os funcionários públicos, criados dentro destas famílias, compreenderem a distinção fundamental entre o público e o privado. Falta a esse funcionário o caráter da impessoalidade, necessário a vida pública.
A grande contribuição brasileira a civilização será a cordialidade. Daremos ao mundo o homem cordial.
A hospitalidade, a lhaneza no trato, a generosidade do caráter brasileiro mostra a influência ancestral do ruralismo e do patriarcalismo. (P.147) Estas virtudes não significam apenas boas maneiras, civilidade, mas antes de tudo a expressão de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante.
Segundo Sérgio Buarque de Holanda este trato nada tem de polidez ou de boas maneiras, pois estas virtudes são ritos, e não há povo mais distante dessa noção ritualista do que o brasileiro.
(P.148) O brasileiro não é dado à reverências prolongadas, buscando sempre que possível estabelecer relações de intimidade com seu superior.
Na linguística o uso exagerado dos diminutivos (inho) é a maneira de nos familiarizar com pessoas e objetos, levando-os para o lado emotivo.
No trato social tendemos a nos relacionar usando o primeiro nome, ao invés do nome de família, acabando com a barreira de que entre nós existam famílias diferentes.
O brasileiro não conhece qualquer forma de convívio que não seja aquele ditado por um fundo emotivo.
(P.149) A própria religião católica, que permite aos devotos tratarem os santos de maneira intimista converge para isso. A religiosidade que aqui “pegou” é a de superficialidade, menos atenta aos cultos e as cerimônias, e mais apegadas ao colorido. Mais importante que a cerimônia é a festa que a acompanha.
(P.150) Até as religiões protestantes degeneram por aqui.
(P.153) Cap.06: Novos tempos.
(P.158) O sucesso do positivismo no Brasil e nos países latinos, se faz justamente por esse repouso que permite definições irresistíveis e imperativas. Sistema racional que se dizia perfeito, fixo e capaz de resistir a fluidez da vida. A infalibilidade e a rigidez deste pensamento agradaram aos brasileiros, pois não é o pensamento que deve se moldar a realidade, mas a realidade que deve se moldar ao pensamento.
(P.160) O positivismo é apenas um exemplo de todas as ideologias estrangeiras que trouxemos ao Brasil sem saber até que ponto elas se adaptariam as nossas terras. O liberalismo jamais se naturalizou entre nós e a democracia sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou esta ideologia e a acomodou de forma a não prejudicar seus direitos e privilégios.
Os movimentos reformadores na Brasil sempre foram feitos de cima para baixo: sempre de inspiração intelectual. Independência, reformas liberais e república foram assistidas pelo povo bestializado.
(P.161) Os velhos padrões coloniais viram-se seriamente ameaçados somente com a chegada da família real em 1808. Certamente que o cosmopolitismo deste evento não constituiu perigo aos senhores agrários, mas abriu novos horizontes. (P.163) Neste contexto, surgem nossos primeiros pensadores, intelectuais, escritores, literatos que segundo Junqueira Freire eram mais “belos que verdadeiros, mas arte que ciência, mais cúpula que alicerce”. Desta estufa nossa única flor foi Machado de Assis.
Ainda quando punham-se a cuidar e organizar coisas práticas, nossos homens de ideias eram mais palavras e lírios do que ação.
(P.169) Cap. 07: Nossa Revolução.
(P.171) A abolição marca o fim do predomínio agrário, sendo a proclamação da República uma resposta a este novo quadro social. Perto das agitações vividas pelos nossos vizinhos, a instauração da república no Brasil assemelha-se as “revoluções palacianas” europeias.
A grande revolução brasileira caminha lenta e certamente, sendo um processo que já dura ¾ de século.
(P.172) A abolição da escravatura preparou o terreno para um novo sistema que deslocou o centro gravitacional do rural para o urbano. É esta nossa revolução: o aniquilamento de nossas raízes ibéricas e a inauguração de um estilo novo.
Sérgio Buarque delega a culpa pela persistência dessa cultura ibérica a falta de uma cultura tipicamente americana.
(P.173) A passagem da plantação de cana para a lavoura de café, principalmente os cafezais do Oeste Paulista de 1840, mudou a sociedade e a dinâmica da economia brasileira. O café não depende tanto de trato quanto a cana, muitos cafeicultores viviam nas cidades, fazendo de suas fazendas uma simples fonte de renda, e não um mundo à parte como no caso das fazendas de cana. Passamos da figura do senhor de engenho para a do fazendeiro.
(P.181) Apoiando-se no pensamento de Herbert Smith, Sérgio Buarque propõe uma “revolução vertical” - é isto que falta à América do Sul. Diferente das revoluções de cúpula, era hora de tornar protagonistas os membros dos grupos dominados. O autor observa os acontecimentos de seu tempo e prevê que uma revolução contra as oligarquias está em marcha. Contra esta revolução erguem-se os fascistas, caudilhistas e integralistas, mas estes jamais fincaram bandeira no Brasil por três motivos: 1) repulsa dos povos americanos a hierarquia. 2) tendência natural as ideias das democracias liberais. 3) relativa ausência de preconceito de raça.
 Referência.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo. Companhia das Letras, 1995.



[1] Aviso aos conservadores que insistem em buscar um passado maravilhoso que simplesmente não existe.