(P.29) Cap. 01: Fronteiras da Europa.
(P.31)
Nosso
país é marcado pela tentativa de implantação e aplicação de um sistema
estrangeiro europeu em um ambiente desfavorável. Somos desterrados em nossa
própria terra. Parece que a civilização que possuímos aqui é fruto de outro
clima e de outra paisagem. Apenas o Mundo é Novo, pois a civilização aqui
instalada é velha. Para entendermos isso é necessário sabermos que somos
herdeiros do que Sérgio Buarque chama de Nação Ibérica (Espanha e Portugal).
(P.32) As nações da Península Ibérica, são
em diversos aspectos, muito diferentes das outras nações europeias. Uma grande
característica desses países é a valorização do indivíduo independente e
autônomo. Quanto menos depender do outro, mais bem quisto é o homem. Assim, em
uma terra onde quase todos são barões é impossível um acordo duradouro, a não
ser pela força.
Há
uma espécie de personalismo exagerado que tem como consequências a tibieza do
espírito de organização, da solidariedade e de entendimento sobre os
privilégios hereditários. Assim, os privilégios hereditários – respeitadíssimos
em países de forte herança feudal – nunca tiveram muita influência nos países
ibéricos. Disso resulta a frouxidão da estrutura social, a falta de hierarquia
e a tendência a anarquia.
Nossa
história nunca teve coesão, ela não é um fenômeno moderno. Assim, erram aqueles
que acreditam na defesa da tradição como única defesa a desordem.
A hierarquia
funda-se em privilégios, e muito antes das revoluções contra esses privilégios
explodiram pelo mundo, os ibéricos já pareciam perceber a irracionalidade e a
injustiça desses privilégios, em especial os hereditários. O prestígio pessoal,
muito mais que o nome, era algo admirado pelos ibéricos, assim eles podem
considerarem-se os pioneiros do pensamento moderno neste sentido.
(P.38) Um fato importante sobre a
psicologia moral dos ibéricos é a repulsa ao trabalho. Isso explica por que as
modernas religiões protestantes, como a Calvinista, não vingaram por lá. Pois,
o que os portugueses e espanhóis consideravam como uma vida ideal, era uma vida
de senhor, sem esforços e sem preocupações, uma vez que o trabalho manual era
inimigo da personalidade, tão estimada nas sociedades ibéricas.
(P.39) Essa carência de moral para o
trabalho reflete na reduzida capacidade de organização social do ibérico. O
esforço humilde, desinteressado e anônimo comum em sociedades com forte
inclinação ao trabalho, são pouco estimadas aqui, o que em geral gera um fraco
ideal de solidariedade. Sendo que a solidariedade só existe entre familiares e
amigos.
(P.40) O interessante é que a obediência
aparece como virtude suprema, já que a disposição para mandar e para cumprir
regras são igualmente peculiares. Não existindo outra forma de disciplina que
não seja a que se funde na centralização do poder e na obediência. Assim, as
ditaduras são tão comuns quanto a anarquia. Sérgio Buarque acredita que mesmo
com o contato com os indígenas, este traço cultural ibérico ficou profundamente
enraizado em nossa cultura.
(P.41) Cap. 02: Trabalho & Aventura.
(P.43) Os portugueses foram os pioneiros
da conquista dos trópicos, sendo essa sua maior missão histórica. Nenhum outro
povo europeu seria capaz de realizar essa empreitada, que não se empreendeu de
maneira metódica e racional, mas com certo desleixo e abandono.
(P.44) A vida coletiva e os princípios das
atividades dos homens podem ser divididas desde o princípio dos tempos entre
aventureiros e trabalhadores. Existe uma ética do trabalho e outra da aventura.
E cada indivíduo tem por ética uma e detesta a outra. São assim duas éticas
opostas.
Aventureiro
|
Trabalhador
|
Busca
novas experiências;
|
Estima
a segurança e o conforto;
|
Acomoda-se
com o provisório;
|
Valor
moral ao esforço;
|
Prefere
descobrir a consolidar;
|
Constrói;
|
Foco
na chegada.
|
Enxerga
a dificuldade a vencer.
|
(P.45) Cada pessoa possuí a combinação dos
dois, não existe pessoa que é em estado puro nem um nem o outro. Conceitos não
existem fora do mundo das ideias.
Na
conquista da colonização da América a figura do trabalhador foi muito limitada,
tendo uma atuação quase nula.
(P.46) O gosto pela aventura, a ânsia pela
prosperidade fácil, de riqueza sem trabalho é algo muito influente na vida
nacional. (P.47) O português
aventureiro era extremamente plástico e maleável adaptando-se a qualquer estilo
de vida e cultura.
(P.48) Os portugueses e castelhanos
criaram o regime que iria servir de modelo para todos os outros povos da Europa
que fossem colonizar outras regiões quentes do planeta. A grande quantidade de
terras férteis forçou o surgimento do latifúndio e o fracasso do uso da
mão-de-obra indígena transformou a escravidão africana em uma necessidade.
(P.49) Só com grandes reservas podemos
dizer que o que houve no Brasil foi “agricultura”. O processo de exploração da
terra usada no Brasil e uma mescla da técnica europeia e dos métodos
rudimentares dos indígenas, o que gerou um método devastador. Não havia o zelo
com a terra que deveria ser sugada até sua ruína.
O
português veio buscar riqueza que custasse ousadia e não riquezas que custasse
trabalho. Assim, a civilização criada pelos portugueses no Brasil com a cana de
açúcar não foi uma civilização agrícola por três motivos: 1º o gênio
aventureiro, 2º a escassez populacional portuguesa não possibilitou a emigração
em larga escala de trabalhadores rurais, 3º a atividade nunca ocupou uma
posição central em Portugal.
(P.53) Outro ponto relevante sobre a
mentalidade do povo português, além de sua plasticidade, é a ausência de um
orgulho de raça. Diferente dos povos do Norte, o povo latino, em especial o
português, é um povo mestiço. O sangue português é marcadamente uma mistura com
árabes e africanos, sendo no continente os que mais possuem sangue negro.
Assim, o Brasil não foi nenhuma novidade, uma vez que a mistura racial já havia
começado na Metrópole antes de 1500.
(P.55) De maneira geral os portugueses a
raça do indivíduo nunca foi algo determinante para o exercício de determinados
empregos. Muito mais decisivo era o labéu (mancha infame na reputação, desonra)
associado aos trabalhos considerados vis. Muito mais determinante que a raça
para a reputação, era o tipo de trabalho realizado.
(P.57) Uma das grandes consequências da
escravidão e da expansão da lavoura latifundiária no sistema colonial
brasileiro foi a ausência de outras atividades produtoras, como o artesanato.
Enquanto que na América Espanhola tínhamos carpinteiros, alfaiates,
confeiteiros, entre outros, no Brasil a organização desses ofícios foi muito
discreta.
(P.62) A moral das Senzalas (preguiça)
veio imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas do
brasileiro da época. Talvez a maior influência deste moral tão avessa ao
trabalho esteja refletida na agricultura e nas técnicas primitivas que se
instauraram no Brasil.
(P.67) O autor percebe uma espécie de
regresso até mesmo nos povos acostumados com ao trato da terra. A pá e a enxada
são elementos que apesar de obsoletos em todo mundo, aqui possuem papel de
destaque. O arado é algo secundário para o agricultor brasileiro. Outra técnica
herdade dos indígenas, são as queimadas para abrir clareiras na plantação.
(P.71) Cap. 03: Herança Rural.
(P.73) Toda cultura de nossa sociedade
colonial teve sua base fora dos meios urbanos. É preciso considerar esse fato
para entender essa influência que, direta ou indiretamente, nos domina até os
dias de hoje. Os portugueses não criaram aqui uma civilização agrícola, mas uma
civilização de raízes rurais.
A
principal característica desta época é a propriedade rústica da terra, que não
se modificará até a abolição de 1888, sendo esta a divisão entre duas eras.
(P.74) Entre 1851 e 1855, houve um surto
de capitalismo no Brasil com a criação de Bancos, estradas de ferro,
telégrafos, etc. Isso golpeou profundamente o sistema escravocrata e mostrou a
incompatibilidade do trabalho escravo com a civilização burguesa e o
capitalismo moderno.
(P.76) A lei Eusébio de Queirós de 1850,
junto com a intensificação das atividades britânicas de repressão ao tráfico
foram um duro golpe a estrutura escravista brasileira. A extinção deste
comércio, que era a origem de algumas das maiores fortunas brasileiras, deveria
forçosamente deslocar os capitais que eram comprometidos com o tráfico negreiro
para outras áreas produtivas. (P.77) Criou-se
assim uma expectativa de que do tráfico negreiro iria surgir um aparato sem
precedentes de nossa história comercial.
Foi
um período de euforia e prosperidade, facilidade de crédito e enriquecimento
por meio de investimentos e ações, algo totalmente nova para uma elite
acostumada à riqueza ligada a posse da terra.
(P.78) A instabilidade dessas novas
fortunas era a grande crítica dos ricos do antigo Brasil rural e patriarcal.
Eram duas mentalidades rivais que se opunham
(P.79) Um grande exemplo da
incompatibilidade entre esses dois sistemas é a crise de 1864, a primeira do
Brasil imperial, que ocorreu não por problemas políticos internos ou externos,
mas foi o desfecho de uma situação insustentável de tentar vestir um país preso
a uma economia escravocrata com trajes modernos de uma democracia burguesa.
O
fracasso comercial de Mauá é um indício da incompatibilidade entre as formas de
vida copiadas de nações avançadas e o patriarcalismo e personalismo brasileiro.
O
patriarcalismo assemelha-se a um espírito de facção, onde os membros estão
unidos por vínculos biológicos e afetivos a um chefe. Esta união é sempre
relacionada por sentimentos e deveres, nunca por ideias. Este sistema é tão
forte que troca de partidos - coisa
comum em outros países – é visto como traição no Brasil.
(P.80) Patriarcalismo herdado de nossas
origens rurais, onde a autoridade do proprietário de terras não era
questionada.
(P.81) Na zona rural a família é
organizada segundo normas clássicas do velho direito romano-canônico, mantidas
na península ibérica através de inúmeras gerações. Com o pater-família,
agregados e escravos.
(P.82) De todos os setores de nossa
sociedade colonial, foi a esfera doméstica a que mais resistiu aos “ataques” da
modernidade. O poder paterno é virtualmente ilimitado e sem freio.
O
quadro familiar é tão poderoso que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora
do recinto doméstico. Para este indivíduo a entidade privada sempre precede a
entidade pública.
Com
o declínio da vida rural, os filhos dos senhores de engenho migram para as
cidades, ingressando em atividades políticas, burocráticas e liberais
carregando consigo essa mentalidade.
(P.83) O trabalho mental, que não suja as
mãos e não fadiga o corpo, tornou-se a ocupação digna dos senhores de escravos
e seus herdeiros. A inteligência, contudo, é usada como ornamento e não como
meio de ação, o título de bacharel assemelha-se a um título de nobreza.
(P.84) A “inteligência” celebrada e
cultivada era apenas decorativa, essencialmente antimoderno e contrário a
Revolução Industrial que via a inteligência como um meio para a produção e o
enriquecimento,
(P.85) Cairu observa que a sociedade
política e civil no Brasil funciona como um prolongamento da comunidade
doméstica, onde o soberano deve ser o chefe ou o cabeça de uma vasta família e
amparar a todos como seus filhos. Quanto mais o governo civil realizar essa
tarefa filantrópica mais justo e poderoso ele é, e essa obediência do povo é
mais voluntária e verdadeira.
A
vida patriarcal fornece o grande modelo no qual iremos criar a vida política. –
Relação governantes e governados – monarcas e súditos.
(P.89) No Brasil houve uma espécie de
Ditadura dos domínios rurais, enquanto que no restante do planeta, a regra era
a prosperidade urbana fazer-se as custas dos centros de produção agrícolas
graças à formação de classes dominantes não agrárias, aqui e na América Latina
podemos perceber que as funções mais levadas eram destinadas aos senhores de
terras.
O
predomínio do rural sobre o urbano pode ser entendido a partir do fato de que
senhores de engenho realmente viviam nos engenhos, indo as cidades apenas em
dias de festa, algo que nem a Europa feudal viveu. Durante a maior parte do
ano, as cidades brasileiras eram praticamente vazias.
(P.93) Cap. 04: O Semeador e o
Ladrilhador.
(P.95) Fundar cidades como um instrumento
de dominação é algo tão antigo quanto a humanidade: Alexandre o Grande, os
romanos, chineses, persas, etc, usaram destas técnicas.
Enquanto
na América Portuguesa as cidades eram meros apêndices da zona rural, os
espanhóis foram seguros na efetivação e dominação dos territórios conquistados
por meio da conquista militar, econômica e política mediante a criação de
inúmeros povoados estáveis e bem ordenados.
(P.96) O zelo e o planejamento espanhol na
fundação dessas cidades podem ser percebidas por sua linha retas. Enquanto nas
cidades brasileiras não é raro encontrar ruas estreitas e caminhos sinuosos
(que ilustram bem a falta de planejamento na construção destas cidades), as
cidades coloniais espanholas possuíam ruas retas e planejadas.
A
construção das cidades coloniais espanholas deveriam seguir uma série de normas
e regras para a sua construção: não serem construídas em terrenos muito altos
ou baixos, ruas largas e estreitas dependendo do clima, ter ao centro de sua
construção uma igreja e uma praça maior, etc.
(P.97) O esforço português foi
predominantemente de exploração comercial, enquanto que os castelhanos viam a
América como um prolongamento orgânico de seu reino.
(P.98) Isso se deu por vários motivos:
luta pela expansão da fé cristã, clima mais ameno nos territórios espanhóis da
América, etc. Em geral a colonização tendeu ao planalto e ao interior.
(P.100) Os portugueses ao contrário,
povoaram zonas litorâneas e tropicais. Sendo até mesmo proibido a ida ao interior,
já que se temia o despovoamento do litoral.
(P.102) É somente na formação da cidade de
São Paulo que a população colonial adquire forma própria. Os paulistas não
tinham raízes do outro lado do oceano, pois sua localização e a mestiçagem os
afastaram de Portugal.
(P.103) A descoberta de ouro em Minas
Gerais levou a uma grande migração para o interior do Brasil e foi determinante
para finalmente Portugal por um pouco mais de ordem em sua colônia. Ordem
tirânica visando a extração de riquezas diga-se de passagem.
(P.104) O mar para os espanhóis eram um
obstáculo a ser ultrapassado, as terras do litoral eram apenas um acesso ao
interior de terras temperadas. O português, ao contrário fixou-se no litoral,
adentrando o interior somente por vias fluviais.
(P.106) Outro fato interessante é que ao
colonizarem ao Brasil, de costa a costa, os portugueses entraram em contato com
o grupo Tupi que recém havia conquistado o litoral brasileiro e expulsado
outras tribos por meio de guerras tribais, o que deu enorme vantagem ao colono
português.
(P.107) Mesmo em seus melhores momentos, a
obra realizada na Brasil pelos portugueses teve mais um caráter de feitorização
do que de colonização.
(P.109) A rotina e não a razão abstrata foi
o princípio que norteou os portugueses. Preferem agir por experiências
sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras, à traçar de antemão um plano
para segui-lo até o final. Um exemplo é o desordenamento das cidades que aqui
surgiram, frente as linhas retas espanholas.
(P.110) Outra característica portuguesa é o
seu realismo. Um povo que se nega a transfigurar a realidade por meio da
imaginação delirante. Esse apego a realidade português pode ser percebido no
fato das conquistas do descobrimento não transformarem-se em narrativas épicas
como no caso espanhol.
(P.112) A ascensão social em Portugal nunca
foi algo impossível como era em países com uma forte tradição feudal. Assim, a
burguesia em ascensão ao enriquecer tinha como ideário tornarem-se fidalgos e
aderir a nobreza. A burguesia portuguesa possuía uma mentalidade de nobre.
Surge a “nobreza nova” do quinhentismo que ascendeu ao poder pelo trabalho e
que ao chegar a nobreza perceberam o trabalho como algo indigno.
(P.116) Segundo o autor, esta obsessão
imperial castelhana de tudo controlar e ordenar vem do fato da própria Espanha
ser totalmente fragmentada. E a maior abertura de Portugal vem do fato deste
país desfrutar de uma unidade política desde o século XIII.
(P.119) Nota ao Cap 04.
1. Vida Intelectual na América Espanhola e
no Brasil.
Estima-se
que durante a colonização espanhola suas universidades instaladas nas colônias,
tenham formado cerca de 150 mil pessoas. O Brasil formou menos de mil na
universidade de Coimbra em Portugal.
(P.120) Em 1535 já se imprimiam livros na
cidade do México, no Brasil a imprensa só foi definitivamente permitida com a
chegada da Família Real.
(P.121) Portugal impunha entraves a
intelectualidade brasileira pelo medo da circulação de novas ideias, que
pudessem colocar em risco o seu domínio.
(P.122) 2. A Língua geral em São Paulo.
Os
bandeirantes paulistas e a própria população da cidade de S. Paulo valiam-se do
tupi para a comunicação social e doméstica. As mães falavam em tupi e os filhos
aprendiam português na escola.
Em
geral a maioria dos falantes da língua geral eram as mulheres, e os homens só
se entendiam com elas por essa língua. Fato fácil de entender em meio a uma
colonização predominantemente masculina.
A
língua geral foi largamente usada no planalto paulista no séc. XVIII, deixando
de ser usada na primeira metade do séc. XVIII.
(P.131) É sabido que a expansão bandeirante
rumo ao interior deveu-se a carência de mão-de-obra nas lavouras de São Paulo –
Zona de difícil acesso aos escravos africanos vindos do litoral na época. O
objetivo era claro, alcançar o nível de sedentarismo em São Paulo, dos barões
do nordeste que mal precisavam deixar seus engenhos. A mobilidade paulista
deu-se em função de um ideário de permanência e estabilidade.
(P.133) 3. Aversão as virtudes econômicas.
As
qualidades morais da vida de negócios é diferente do das classes nobres. O
primeiro busca crédito, o segundo honra e glória. Os negócios requerem
racionalização e despersonalização o que é repulsivo para povos de origem
ibérica. Para negociar é necessário, antes de tudo, criar vínculos afetivos.
(P.134) O freguês ou cliente há de assumir
de preferência a posição de amigo.
(P.137) O que separará a mentalidade
portuguesa e espanhola da de outros povos, não é a temperança nem o gosto da
riqueza, não é a falta de avareza, é na verdade a incapacidade de fazer
prevalecer qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica sobre as relações
sociais que não se fundam no parentesco, na vizinhança ou na amizade.
(P.139) Cap. 05: O Homem Cordial.
(P.141) Apesar do que disseram alguns
pensadores do século XIX, o Estado não é descendente direto da estrutura
familiar. Na verdade, elas são instituições opostas, só com a transgressão da
estrutura familiar é que surge o Estado. Antígona X Creonte – Família X Estado –
Pessoal X Coletivo.
(P.142) A transição dos trabalhos das
oficinas medievais, onde o artesão e o aprendiz eram muito próximos, pelo
sistema industrial de trabalho, onde o empregado nem sabe quem é o patrão é um
evento universal e mostra como as instituições baseadas nas relações abstratas,
tendem a substituir as de afeto e sangue.
(P.145) No Brasil, onde imperou desde tempos
remotos, o tipo de família patriarcal – que é muito ligada a vida rural - a
urbanização e o êxodo migratório para as cidades, criou um desequilíbrio social,
cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje.
(P.146) Não foi fácil para os funcionários
públicos, criados dentro destas famílias, compreenderem a distinção fundamental
entre o público e o privado. Falta a esse funcionário o caráter da
impessoalidade, necessário a vida pública.
A
grande contribuição brasileira a civilização será a cordialidade. Daremos ao
mundo o homem cordial.
A
hospitalidade, a lhaneza no trato, a generosidade do caráter brasileiro mostra
a influência ancestral do ruralismo e do patriarcalismo. (P.147) Estas virtudes não significam apenas boas maneiras, civilidade,
mas antes de tudo a expressão de um fundo emotivo extremamente rico e
transbordante.
Segundo
Sérgio Buarque de Holanda este trato nada tem de polidez ou de boas maneiras, pois
estas virtudes são ritos, e não há povo mais distante dessa noção ritualista do
que o brasileiro.
(P.148) O brasileiro não é dado à
reverências prolongadas, buscando sempre que possível estabelecer relações de
intimidade com seu superior.
Na linguística
o uso exagerado dos diminutivos (inho) é a maneira de nos familiarizar com
pessoas e objetos, levando-os para o lado emotivo.
No trato
social tendemos a nos relacionar usando o primeiro nome, ao invés do nome de
família, acabando com a barreira de que entre nós existam famílias diferentes.
O
brasileiro não conhece qualquer forma de convívio que não seja aquele ditado
por um fundo emotivo.
(P.149) A própria religião católica, que
permite aos devotos tratarem os santos de maneira intimista converge para isso.
A religiosidade que aqui “pegou” é a de superficialidade, menos atenta aos
cultos e as cerimônias, e mais apegadas ao colorido. Mais importante que a
cerimônia é a festa que a acompanha.
(P.150) Até as religiões protestantes
degeneram por aqui.
(P.153) Cap.06: Novos tempos.
(P.158) O sucesso do positivismo no Brasil
e nos países latinos, se faz justamente por esse repouso que permite definições
irresistíveis e imperativas. Sistema racional que se dizia perfeito, fixo e
capaz de resistir a fluidez da vida. A infalibilidade e a rigidez deste
pensamento agradaram aos brasileiros, pois não é o pensamento que deve se
moldar a realidade, mas a realidade que deve se moldar ao pensamento.
(P.160) O positivismo é apenas um exemplo
de todas as ideologias estrangeiras que trouxemos ao Brasil sem saber até que
ponto elas se adaptariam as nossas terras. O liberalismo jamais se naturalizou
entre nós e a democracia sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma
aristocracia rural e semifeudal importou esta ideologia e a acomodou de forma a
não prejudicar seus direitos e privilégios.
Os
movimentos reformadores na Brasil sempre foram feitos de cima para baixo:
sempre de inspiração intelectual. Independência, reformas liberais e república
foram assistidas pelo povo bestializado.
(P.161) Os velhos padrões coloniais
viram-se seriamente ameaçados somente com a chegada da família real em 1808. Certamente
que o cosmopolitismo deste evento não constituiu perigo aos senhores agrários,
mas abriu novos horizontes. (P.163) Neste
contexto, surgem nossos primeiros pensadores, intelectuais, escritores,
literatos que segundo Junqueira Freire eram mais “belos que verdadeiros, mas
arte que ciência, mais cúpula que alicerce”. Desta estufa nossa única flor foi
Machado de Assis.
Ainda
quando punham-se a cuidar e organizar coisas práticas, nossos homens de ideias
eram mais palavras e lírios do que ação.
(P.169) Cap. 07: Nossa Revolução.
(P.171) A abolição marca o fim do predomínio
agrário, sendo a proclamação da República uma resposta a este novo quadro
social. Perto das agitações vividas pelos nossos vizinhos, a instauração da república
no Brasil assemelha-se as “revoluções palacianas” europeias.
A grande
revolução brasileira caminha lenta e certamente, sendo um processo que já dura ¾
de século.
(P.172) A abolição da escravatura preparou
o terreno para um novo sistema que deslocou o centro gravitacional do rural
para o urbano. É esta nossa revolução: o aniquilamento de nossas raízes
ibéricas e a inauguração de um estilo novo.
Sérgio
Buarque delega a culpa pela persistência dessa cultura ibérica a falta de uma
cultura tipicamente americana.
(P.173) A passagem da plantação de cana
para a lavoura de café, principalmente os cafezais do Oeste Paulista de 1840,
mudou a sociedade e a dinâmica da economia brasileira. O café não depende tanto
de trato quanto a cana, muitos cafeicultores viviam nas cidades, fazendo de
suas fazendas uma simples fonte de renda, e não um mundo à parte como no caso
das fazendas de cana. Passamos da figura do senhor de engenho para a do
fazendeiro.
(P.181) Apoiando-se no pensamento de Herbert
Smith, Sérgio Buarque propõe uma “revolução vertical” - é isto que falta à América do Sul. Diferente das revoluções de
cúpula, era hora de tornar protagonistas os membros dos grupos dominados. O autor
observa os acontecimentos de seu tempo e prevê que uma revolução contra as
oligarquias está em marcha. Contra esta revolução erguem-se os fascistas,
caudilhistas e integralistas, mas estes jamais fincaram bandeira no Brasil por
três motivos: 1) repulsa dos povos americanos a hierarquia. 2) tendência natural
as ideias das democracias liberais. 3) relativa ausência de preconceito de
raça.
Referência.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo. Companhia das Letras, 1995.