(P. 51) A palavra história é antiquíssima
desde que surgiu a dois milênios mudou muito de conteúdo.
(P. 52) Face a imensa e confusa realidade, o
historiador é necessariamente levado a nele recortar o ponto de aplicação
particular de suas ferramentas; em consequência a nela fazer uma escolha será
um autêntico problema de ação. E nos acompanhará ao longo de todo nosso estudo.
Para Marc Bloch dizer: “a história é a
ciência do passado” é um grande erro. Pois a própria ideia de que o passado
possa ser objeto de ciência é absurda. Como, sem uma decantação prévia,
poderíamos fazer de fenômenos que não tem outra característica comum a não ser
terem sido contemporâneas, matéria de um conhecimento racional?
(P. 53) Na origem da historiografia, os
velhos analistas não se constrangiam nem um pouco com tais escrúpulos.
Narravam, desordenadamente acontecimentos produzidos mais ou menos no mesmo
período: como eclipses, chuvas de granizo, batalhas, erupções, mortes de heróis
e reis, etc.. após esse momento inicial, pouco a pouco operou-se a
classificação necessária. Dividindo por exemplo em astronomia, geologia etc.
(P. 54) Mas apesar disso na nova
historiografia a aliança de duas ou mais disciplinas revela-se indispensável a
certas tentativas a certas tentativas de explicação. Michelet e Fustel de
Colanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza o
homem. Digamos melhor, os homens, pois são os homens que a história quer
capturar.
(P. 55) 3. O tempo Histórico.
“Ciência dos homens” dissemos. É ainda
vago demais. É preciso acrescentar: “dos homens no tempo”. O historiador não
pensa apenas o “humano”. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente
é a categoria da duração. Esse tempo verdadeiro é por natureza, um continuum. É
também perpétua mudança. Da antítese desses dois atributos provêm os grandes
problemas da pesquisa histórica. (P. 56) Em
que medida devemos considerar o conhecimento do mais antigo como necessário ou
supérfluo para a compreensão do mais recente?
4. O ídolo das origens.
Naturalmente a homens que fazem do passado
seu principal tema de estudos da pesquisa, a explicação do mais próximo pelo
mais distante dominou nossos estudos até a hipnose. Sob sua forma
característica, esse ídolo da tribo dos historiadores tem um nome: é a obsessão das
origens.
A palavra origem é preocupante, pois é
equivoca. Significa simplesmente começo? Entretanto para a maioria das
realidades históricas, a própria noção desse ponto inicial permanece
singularmente fugaz. Ou origens se entende por causas? Então não haveria mais
outras dificuldades a não ser aquelas que são por natureza inerentes às investigações
causais.
(P. 57) Entre os dois sentidos frequentemente
se constitui uma contaminação tão temível que não é em geral muito claramente
sentida. Para o vocabulário corrente, as origens são um começo que explica.
Pior ainda: que basta para explicar. Ai mora a ambiguidade; ai mora o perigo.
(P. 58) O passado só foi empregado tão
ativamente para explicar o presente no desígnio do melhor justificar ou
condenar. De modo que em muitos casos o demônio das origens foi talvez apenas
um avatar desse outro satânico inimigo da verdade histórica: A mania do
julgamento.
A qualquer atividade humana que seu estudo
se associe, o mesmo erro sempre espreita o intérprete: confundir uma filiação
com uma explicação.
(P. 60) Sempre restará o problema de saber
porque a transmissão se operou na data indicada: nem mais cedo, nem mais tarde.
Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora de estudo do
seu momento.
5. Passado e presente.
Montesquieu fala sobre uma “cadeia
infinita das causas que se multiplicam e combinam de século para século”.
O que é o presente? No infinito da duração
um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce morre.
Mal falei, mal agi e minhas palavras naufragam no reino da memória. Que segundo
o jovem Goethe não existe presente, apenas o devir. Condenada a uma eterna
transfiguração, uma pretensa ciência do presente se metamorfosearia, a cada
momento de seu ser, em ciência do passado.
Na linguagem corrente, “presente” quer
dizer passado recente. Aceitamos portanto esse emprego um pouco frouxo da
palavra.
(P. 61) March Bloch escreve sobre como seu
professor o ensinou que escrever sobre o contemporâneo o presente era matéria
da política, sociologia e
do jornalismo.
E que o historiador deveria se afastar para analisar apenas a sangre frio.
(P. 62) Outros cientistas, ao contrário,
acham com razão o presente humano perfeitamente suscetível de conhecimento. Mas
reservando seu estudo a disciplinas bem distintas daquela que tem o passado
como objeto. Eles analisam limitando-se a apenas algumas décadas como que seu
momento fosse separado do restante da história.
(P. 63) A ignorância do passado não se
limita a prejudicar a compreensão do presente; mas compromete, no presente, a
própria ação.
(P. 64) Para analisar homens de outrora o
historiador, ocupado em compreender e fazer compreender, terá como primeiro
dever recolocar em seu meio, banhado pela atmosfera mental de seu tempo, face a
problemas de consciência que já não são exatamente nossos.
(P. 66) É um erro grave acreditar que a
ordem adotada pelos historiadores em suas investigações deva necessariamente
modelar-se por aquela dos acontecimentos. (P. 67) Livres
para em seguida restituir à história em seu movimento verdadeiro, lês
frequentemente tem proveito em começar por lê-la a partir do mais recente para
chegar ao mais remoto. (Ocorre de, em uma linha de estudos, o conhecimento do
presente ser diretamente ainda mais importante para a compreensão do passado).
Cap. 02- A observação histórica.
(P. 69) 1. Características gerais da
observação histórica.
As características mais visíveis da
informação histórica foram muitas vezes descritas. O historiador, por
definição, está na impossibilidade de ele próprio constatar os fatos que
estuda. (nenhum egiptólogo viu Ramsés, nenhum especialista em
guerras Napoleônicas ouviu o canhão
de Austerlitz). Das eras que no procedem, só poderíamos portanto falar segundo
os testemunhos. Em suma, em contraste com o conhecimento presente, o do passado
seria necessariamente “indireto”.
(P. 71) Onde muitas vezes não existe a
necessidade de uma transmissão humana(como relatos escritos etc) (P. 72) De
vez em quando não existe nada entre a coisa e nós.
(P. 73) Como primeira característica, o
conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte do presente,
deve ser um conhecimento através de vestígios. Quer se trate de ossadas
emparelhadas nas muralhas das Síria, de uma palavra cuja forma ou emprego
revela um costume, de um relato escrito, etc. O que entendemos efetivamente por
documentos senão um “vestígio”, quer dizer a marca, perceptível aos sentidos,
deixada por um fenômeno.
(P. 75) O
passado é por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento
do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e se
aperfeiçoa.
Os exploradores do passado não são homens
livres. O passado é seu tirano. Proíbe-lhes conhecer de si qualquer coisa a não
ser o que ele mesmo lhe fornece. Por exemplo: Jamais estabeleceremos uma
estatística dos preços na época Merovíngia, pois nenhum documento registrou
esses preços em número suficiente.
(P. 76) Em virtude dessa lacuna, toda uma
parte de nossa história necessariamente incide sobre o aspecto, um pouco
esvaído, de um mundo sem indivíduos. Muitas vezes algumas questões são
impossíveis de responder como o exemplo acima. Nesses momentos a melhor coisa a
dizer é “não sei, não posso saber”.
2.Os testemunhos.
“Heródoto de Túrio expõe aqui suas
pesquisas, afim de que as coisas feitas pelos homens não sejam esquecidas com o
tempo e que grandes e maravilhosas ações realizadas tanto pelos gregos como
pelos bárbaros, nada percam de seu brilho”.
Assim começa o mais antigo livro de
história que, no mundo ocidental, chegou até nós sem ser no estado de
fragmentos. Ao lado dele, coloquemos, por exemplo. Um desses guias de viajem
que os egípcios introduziam nos túmulos. Temos cara a cara, os próprios tipos
de duas grandes classes entre as quais se divide a massa, imensamente variada,
dos documentos colocados pelo passado à disposição dos historiadores. Os
testemunhos do primeiro grupo são voluntários. Os outros não.
(P. 77) Os relatos deliberadamente
destinados à informação dos leitores (testemunho voluntário) não cessaram de
prestar um precioso socorro ao pesquisador. Sua maior vantagem é a de fornecer
um enquadramento cronológico razoável a ser seguido.
Entretanto é na 2º categoria dos
testemunhos que a investigação histórica, ao longo de seus progressos, foi
levada a depositar cada vez mais sua confiança. Não é que os documentos desse
gênero sejam, isentos de erro ou de mentira. A diferença aqui é que ela não foi
concebida especialmente em intenção da posteridade.
(P. 78) Até nos testemunhos mais
resolutamente voluntários, o que os textos nos dizem expressamente deixou hoje
de ser o objeto predileto de nossa atenção. Apegamo-nos geralmente com muito
mais ardor ao que ele nos deixa entender, sem haver pretendido dizê-lo. A partir
do momento que o texto revela mesmo a contra gosto seu conteúdo secreto, o
historiador deve impor-lhe um questionário.
(P. 79) Entretanto mesmo os textos mais
claros e complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los. Nunca a
observação passiva gerou algo de fecundo.
Naturalmente, é necessário que essa
escolha ponderada de perguntas seja extremamente flexível, suscetível de
agregar, no caminho, uma multiplicidade de novos tópicos, e abertas a todas as
surpresas. De tal modo que possa desde o início servir de imã às limalhas do
documento. O explorador sabe muito bem, previamente, que o itinerário que ele
estabelece, no começo, não será seguido ponto a ponto. Não ter um, no entanto,
implicaria o risco de errar eternamente ao acaso.
A diversidade dos testemunhos históricos é
quase infinita, tudo o que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que
toca pode e deve informar sobre ele.
(P. 80) Seria uma grande ilusão imaginar que
a cada problema histórico corresponde um tipo único de documentos, específicos
para tal emprego. Já que muitas vezes o testemunho involuntário é mais
importante para a pesquisa e muitas vezes a única.
(P. 82) 3.
A transmissão dos testemunhos.
Reunir os documentos que estima
necessários é uma tarefa das mais difíceis para o historiador. De fato ele não
conseguirá realiza-la sem a ajuda de guias diversos: Inventários de arquivos ou
de bibliotecas, catálogos de museus, repertórios bibliográficos de toda sorte.
(P. 83) Entretanto, por mais bem
feitos, por mais abundantes que possam ser, esses marcos indicadores seriam
somente de pouca serventia para um trabalhador que não tivesse, previamente,
alguma ideia do terreno e explorar.
Ao contrário do que pensam os iniciantes,
os documentos não surgem, aqui ou ali. Sua presença em tal arquivo ou
biblioteca deriva de ações humanas. Pois como tal documento encontra-se em tal
lugar? Como ele chegou a tal lugar através do tempo?etc. Isso quando o
documento consegue sobreviver até nossos dias!
(P. 85) Os grandes desastres da
humanidade estão longe de sempre terem servido à história. Com os manuscritos
literários e historiográficos amontoados, os inestimáveis dossiês da burocracia
imperial romana perderam-se na confusão das invasões.
No entanto, a pacífica continuidade de uma
vida social sem rasgos de febre mostram-se menos favorável do que as vezes se
acredita à transmissão da memória. São as revoluções que forçam as portas dos
armários de ferro e obrigam os ministros à fuga antes que tenham achado tempo
para queimar sua notas secretas.
Será assim pelo menos até que as
sociedades consintam enfim a organizar racionalmente, com sua memória.
Só conseguirão isso lutando contra os dois
princípios responsáveis pelo esquecimento e ignorância: A negligência, que
extravia documentos. E a paixão pelo sigilo- Sigilo diplomático, sigilo dos
negócios, sigilo das famílias que os esconde e destrói.
Referências.
BLOCH; Marc Leopold Benjamnin: “Apologia
da história ou o oficio do historiador” R.J ed Jorge Zahar 2001.