terça-feira, 28 de junho de 2016

Fichamento: "A Interpretação dos Sonhos" de Sigmund Freud. Cap 07

Considerado o maior trabalho de Sigmund Freud (1856-19390), "A Interpretação dos Sonhos" é o livro que inaugura a era da psicanálise. Neste estudo, o Mestre de Viena apresenta uma instância da mente que era,até então, ignorada: o inconsciente. Esse pressuposto foi o estopim de uma revolução teórica que permeou o debate sobre o comportamento humano no século XX.
(P.290) Cap. VII: A Psicologia dos Processos Oníricos.
(P.291) Até aqui estivemos principalmente interessados no sentido secreto dos sonhos e no método para descobri-lo, bem como nos meios empregados pelo trabalho do sonho para ocultá-lo. Os problemas da interpretação dos sonhos ocuparam até aqui o centro da descrição. Agora trabalharemos com a psicologia dos sonhos.
(P.290) (A) O esquecimento dos sonhos.
Em primeiro lugar, o que nos lembramos de um sonho, aquilo que exercemos nossa arte interpretativa, já foi mutilado pela infidelidade de nossa memória, que parece singularmente incapaz de reter um sonho e bem pode ter perdido exatamente as partes mais importantes de seu conteúdo. Em geral, lembramos apenas de fragmentos.
Em segundo lugar, nossa lembrança dos sonhos é não apenas fragmentada, mas também inexata e falseada. Spitta afirma que se um sonho apresenta ordem e coerência é porque o tornamos assim ao tentar evocá-lo.
(P.293) Para Freud é verdade que distorcemos os sonhos ao tentar reproduzi-los (ele chama essa tentativa de reprodução de elaboração secundária) pelo pensamento normal. Mas essa distorção, podemos não perceber, é influenciado pelo pensamento onírico.
(P.296) O esquecimento dos sonhos são, em grande parte, produto da resistência do próprio sonhador ao sonho.
(P.303) (B) Regressão.
Resumindo tudo o que vimos até aqui: os sonhos são atos psíquicos tão importantes quanto quaisquer outros. Sua força propulsora é um desejo que busca realizar-se. O fato dos sonhos não serem reconhecidos como desejos tem relação com a censura psíquica a que foram submetidos durante sua formação. Para fugir dessa censura o sonho recorre a condensação e deslocamento. Este processo dá as energias psíquicas depositadas no inconsciente novas formações substitutas que emergem como imagens sensoriais, uma imagem objetivada e vivenciada no sonho como no estado de vigília. Dando a estrutura uma fachada racional e inteligível.
(P.304) Mas qual o lugar psíquico do sonho? Para respondermos a esta pergunta devemos observar dois aspectos importantes.
O pensamento é representado como uma situação imediata, omitindo o talvez. A situação representada existe como realidade psíquica. Há supressão do condicional e utilização do presente do indicativo. Os desejos nos sonhos representam-se como realizados.
Segundo, o pensamento se transforma em imagens visuais e fala. Os sonos operam como “alucinações”. E a pessoa que os sonha, em geral da crédito aos conteúdos de seu sonho, que parecem vivenciados.
(P.305) Freud acredita que o sonho tem uma localização dentro do aparelho psíquico. É nesse local em que se produz um estágio preliminar da imagem. Compara a formação dessas imagens com os reflexos, ou como imagens impressas numa fotografia. Essas imagens são traços mnêmicos gerados pela experiência. Esses traços são a matéria-prima, por assim dizer, do psiquismo e são captados pelo aparelho psíquico e registrados com “deformações”. Tudo o que temos são percepções.
Freud concede o aparelho psíquico como possuidor de diversas instâncias e qualquer excitação neural atravessa o aparelho numa ordem estabelecida, ou seja numa sequencia temporal. O fluo no aparelho psíquico possui um sentido e direção: inicia-se na percepção (estímulos externos ou internos) e termina nas inervações (funções motoras). Reflete o modelo de arco-reflexo = percepção > ação.
(P.306) A percepção gera traços mnêmicos e a função a eles associada é a memória. Os traços mnêmicos geram uma modificação permanente do aparelho psíquico. Freud aponta para o fato de que seria impossível que o mesmo sistema registrar modificações de seus elementos de maneira absolutamente fiel e ainda assim permanecer aberto a receber novas oportunidades de modificação. Às duas funções são atribuídos dois sistemas diferentes: um sistema totalmente aberto que não registra nenhum traço mnêmico, apenas percebe imagens e um segundo sistema que transforma as imagens em memórias.
(P.307) No entanto, Freud cria uma hipótese: o ser humano retém mais do que os conteúdos advindos do sistema de percepção. Nossas percepções estão mutuamente ligadas no sistema que retém os traços mnêmicos. São percepções associadas. A evidência de que o sistema de percepção não possui memória está na sua possibilidade de gerar novas percepções. Caso houvesse o remanescente de uma ligação anterior nesse sistema, seria impossível absorver novas experiências.
A associação mnêmica é tanto mais facilitada quanto haja menos resistência na passagem de uma excitação pelos diferentes elementos mnêmicos até chegar ao aparelho motor. Assim, uma nova percepção gerará um novo traço mnêmico e serão verificados vários registros diferentes em cada traço mnêmico presente no aparelho psíquico. As associações não serão realizadas por critérios temporais, mas por uma série de outros processos, como similaridade (oposição também?) dentre outros.
Se as percepções são conscientes, os traços mnêmicos são inconscientes. Podem se tornar conscientes, mas causam seus maiores efeitos quando estão atuando de maneira inconsciente no nosso psiquismo. O caráter baseia-se nos traços mnêmicos que nos causaram as maiores impressões.
 “Haveria um esclarecimento promissor a se fazer sobre as condições que regem a excitação dos neurônios, caso fosse possível demonstrar que a memória e a qualidade que caracteriza a consciência são mutuamente exclusivas.”
Voltando à proposição inicial: só é possível existir uma formação onírica se existirem, pelo menos, duas instâncias psíquicas, uma submetendo a atividade da outra a uma crítica que envolveria a exclusão da consciência.  Essa instância crítica se liga mais à consciência do que ao inconsciente e atua como uma tela entre o ICs e o Cs. Esse sistema crítico se situaria no pré-consciente que é o arquivo de memórias latentes ou “deformadas” pela integração com outros traços mnêmicos e é acessível ao consciente. O inconsciente só tem acesso à consciência através do pré-consciente. As moções do inconsciente só se tornam acessíveis ao pré-consciente se tiverem uma dada intensidade e que a atenção esteja distribuída de uma certa maneira.
(P.308) A força propulsora dos sonhos está no sistema inconsciente (embora Freud já alerte para o fato de que é preciso considerar que as imagens inconscientes devem se ligar a imagens pré-conscientes para poderem emergir). Freud demonstra que todas as estruturas do pensamento tendem a caminhar para o sistema PCs e daí emergir como pensamento consciente. Os pensamentos inconscientes não são diferentes. “Os processos reflexos continuam a ser o modelo de todas as funções psíquicas”.
(P.305) No estado de vigília essa via que parte do inconsciente para chegar ao PCs e ao Cs é barrada pela censura / resistência. Durante a noite, eles conseguem ter acesso à consciência (no esquema de Freud formado pela Percepção numa extremidade e pela parte motora noutra extremidade). Como? Se a energia passasse diretamente pelos sistemas para alcançar o pré-consciente, esses sonhos apareceriam como ideais e não como imagens alucinatórias. Parece haver, a noite, um movimento contrário ao fluxo normal da energia psíquica. Há um movimento retrocedente, ou uma regressão. Ao invés da excitação se propagar para a parte motora, retrocede ao sistema de percepção e emerge como uma “alucinação”.
Esse processo ocorre também no estado de vigília, mas não a ponto de produzir alucinações. Podem produzir lembranças com características alucinatórias, ou seja, o movimento retrocedente nunca ultrapassa as imagens mnêmicas. Por que isso é diferente nos sonhos? Pelo trabalho de condensação no sonho, há intensidades que podem ser transferidas de uma representação para outra e essa alteração permite uma catexia no sistema perceptivo.
É importante notar que toda relação lógica no fluxo normal que vai das percepções ao sistema motor não funciona nos sistemas oníricos. Assim, há traços mnêmicos iniciais que vão investindo traços mnêmicos posteriores e se transformando em construções que adquirem estrutura lógica quando passam de um sistema inferior a um superior (do ponto de vista organizacional). No movimento regressivo, “a trama dos pensamentos oníricos decompõe-se em sua matéria prima”. É como se um traço mnêmico, no processo regressivo, fosse se decompondo em unidades fundamentais, cujas intensidades se transferem de uma representação a outra.
(P.310) Durante o dia, de fato, há uma corrente contínua que parte das percepções e se propaga à parte motora. Durante a noite não há a necessidade de que essa corrente se estabeleça nesse sentido (as funções motoras estando suspensas). Portanto, a corrente pode seguir com maior facilidade em sentido oposto. (Daí pode-se inferior o quão fortes são os pensamentos incidentes, os atos falhos, as lembranças encobridoras que, apesar do estado de vigília, conseguem se dirigir contra o fluxo normal do aparelho psíquico).
No entanto, em vigília, os únicos pensamentos que sofrem essa transformação no fluxo são, segundo Freud, os que se ligam a lembranças suprimidas ou inconscientes.
 Freud fornece um exemplo interessante de formação substituta a partir de imagens que foram suprimidas: a do menino que não dormia por sonhar com imagens de um monstro de rosto verde e olhos vermelhos e por isso ia mal na escola (esse menino se auto reprimia por sua masturbação, já que sua mãe lhe dissera anteriormente que este ato deixaria as pessoas com rostos verdes e olhos vermelhos e que os transformaria em idiotas).
(P.311) Todo pensamento vinculado a uma lembrança e proibido pela censura pode sofrer um processo de regressão. Esses pensamentos ou intensidades ou afetos podem se conectar a representações porque necessitam encontrar expressão por meio de uma formação substitutiva.
Existem três tipos de regressão, embora as três estejam intimamente associadas: A) Regressão tópica (acima descrita). B) Regressão temporal (retorno a estruturas psíquicas mais antigas). C) Regressão formal: métodos primitivos de expressão tomam lugar das expressões habituais.
O sonhar é, em regra, uma revivência da infância, de moções pulsionais e dos métodos de expressão de que se dispunha à época. Ou seja, o sonho pode ser descrito como um substituto de uma cena infantil, modificado por transferir-se para a experiência recente.
(P.312) Freud, ao final desse capítulo, também considera a existência de traços filogenéticos em nossa memória – lembranças que conduzem a um conhecimento da herança arcaica da humanidade. Cita Nietsche “acha-se em ação alguma primitiva relíquia da humanidade que agora já mal podemos alcançar por via direta”.
(P.313) (C) Realização de desejos.
 Todo sonho é a realização de um desejo e devemos dividir esses sonhos em dois grupos: os sonhos que se apresentam abertamente como realizações de desejos e outros em que o desejo fica irreconhecível e disfarçado por todos os meios possíveis. Neste último percebemos claramente a atuação da censura, sendo muito comum o primeiro tipo de sonho em crianças.
Estes desejos realizados nos sonhos surgem do contraste entre a vida diurna consciente e a atividade psíquica do inconsciente quando dormimos.
(P.314) Existem três possíveis origens dos sonhos: 1) desejos despertos durante o dia e que não tenha sido satisfeito por questões de possibilidade. 2) desejos que surgem durante o dia e que o sujeito reprimiu por questões morais. 3) não ter relação com a vida diurna mas que emergem do nosso psique e que suprimimos por muito tempo.
Freud acrescenta um quarto elemento que origina sonhos: os desejos surgidos durante a noite como fome, sede, etc.
(P.315) Conforme crescemos e amadurecemos o elemento 1 perde importância na formação dos sonhos. E as moções de desejos da vida em vigília devem ser relegadas a uma posição secundária na formação dos sonhos. E os desejos despertados pelo inconsciente durante o sonho, são geralmente desejos infantis.
(P.316) As excitações diurnas, portanto, funcionam em geral como gatilhos de desejos infantis inconscientes.
(P.317) Os sonhos podem conter satisfações e ser prazerosos, ou extremamente aflitivos e chocantes (o que parece, vai contra a teoria da realização dos desejos).
Os dois são a realização de um desejo, mas no primeiro o inconsciente coincide com o consciente, enquanto que no segundo o desejo do inconsciente é totalmente contrário ao do consciente.
(P.323) O que um dia dominou a vida em vigília, quando a psique era ainda jovem e incompetente, parece agora ter sido banido para a noite. “O sonho é o ressurgimento da vida anímica infantil já suplantada”.
(P.324) O sonho é a realização de um desejo inconsciente.
D) O despertar pelos sonhos – a função dos sonhos – os sonhos de angústia.
Sabemos que durante a noite um dos princípios objetivos do que Freud chama de pré-consciente é concentrar-se no desejo de dormir.
(P.328) Mas então como é possível que o sonho intervenha no sono e nos faça despertar? Em geral despertamos durante a noite por algum motivo (como para espantar um mosquito) e logo voltamos a dormir. Isso acontece segundo Freud, pois é mais conveniente e econômico deixar que o desejo inconsciente siga seu curso, manter-lhe aberto o caminho da regressão, para que ele possa formar um sonho, depois ligar o sonho e desembaraçar-se dele com um pequeno dispêndio de trabalho do pré-consciente, do que continuar a manter o inconsciente na rédea curta durante todo o período do sono.
O Sonho, que possa ter originalmente surgido sem finalidade útil, granjeou algumas funções para si na interação das forças anímicas. E agora podemos ver qual é a sua função. O sonhar tomou para si a tarefa de recolocar sob o controle do pré-consciente a excitação do inconsciente que ficou livre; ao fazê-lo, ele descarrega a excitação do inconsciente, serve-lhe de válvula de escape e, ao mesmo tempo, preserva o sono do pré-consciente, em troca de um pequeno dispêndio de atividade em vigília.
(P.330) Já não é novidade para nós que um sonho de angústia possa se originar do desejo.
(P.333) (E) Os processos primários e secundários – recalcamento.
(P.339) Existem dois tipos fundamentalmente diferentes de processos psíquicos que participam da formação dos sonhos. Um deles produz pensamentos oníricos perfeitamente racionais, com a mesma validade do pensamento normal; já outro trata esses pensamentos de um modo excepcionalmente desconcertante e irracional.
(P.341) Em consequência do principio do desprazer, o primeiro sistema é incapaz de introduzir qualquer coisa desagradável no contexto de seus pensamentos. Ele não pode fazer nada senão desejar. Já o segundo tem acesso a todas as lembranças depositadas pela experiência.
(P.342) Para poder se expressar o segundo sistema utiliza-se de artifícios, como a inibição.
(P.342) Entre os desejos provenientes da infância (que não podem ser destruídos, nem inibidos) existem alguns cuja realização seria uma contradição do pensamento secundário. A realização desse desejo não geraria prazer e sim desprazer. O recalcamento seria um mecanismo de defesa contra esses desejos.
(P.345) (E) O inconsciente e a consciência – realidade.
(P.347) Para Freud devemos abandonar a supervalorização do estar consciente, pois o inconsciente é a esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor do consciente.
Tudo o que é consciente esteve antes no inconsciente, sendo que o que está no inconsciente lá deve permanecer.
(P.348) Lembrando que Freud divide o inconsciente em dois: o inconsciente que é inadmissível à consciência e o pré-consciente que com suas excitações consegue alcançar a consciência.

(P.352) Então os sonhos podem nos dar conhecimento do futuro? Não. Mas certo seria dizer que eles nos dão conhecimentos do passado, uma vez que os sonhos se originam do passado em todos os sentidos. Contudo, a crença dos povos antigos não está de toda errada, já que os sonhos retratam nossos desejos como realizados. Mas esse futuro, que o sonhador representa como presente é moldado à imagem e semelhança do passado.
Fonte:
FREUD, Sigmund. Interpretação dos Sonhos. 1ª Ed. São Paulo. Folha de S. Paulo, 2010. P.290-352.

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