sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Reverso da Fortuna. Por que os ricos são ricos?

Estudos tentam entendem o que faz um rico ser rico
Carlos Haag
Em um de seus contos de juventude, The rich boy, o escritor americano F. Scott Fitzgerald escreveu que “os ricos são diferentes de mim e de você”. “São mesmo”, alfinetou numa carta seu amigo, o também romancista Ernest Hemingway, “eles têm mais dinheiro”. Esses dois “predicados” dão a eles um terceiro privilégio: os ricos “se escondem” e são muito pouco pesquisados...
Há uma extensa literatura sobre a pobreza no Brasil, mas existem poucos estudos sobre os ricos. Estudá-los é relevante porque eles detêm poder e suas ações afetam uma grande massa de pessoas, inclusive os pobres; por outro lado, eles possuem a maior parte da riqueza do país e uma das formas de melhorar as condições de vida da população mais pobre é a redistribuição das riquezas da sociedade na sociedade”, explica Marcelo Medeiros, coordenador de pesquisa aplicada do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Internacional Poverty Centre da ONU e autor da tese de doutorado O que faz os Ricos ricos: um estudo sobre os fatores que determinam a pobreza. A pesquisa será publicada em outubro (2005) pela editora UNB. Para o autor, se conhecermos o grupo que deve receber recursos, pouco sabemos dos que vão cedê-los.
Não faltam, no entanto, estatísticas para mostrar que, como diz Medeiros, a pobreza de muitos está diretamente conectada à riqueza de poucos. Basta ler o estudo Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos, feito por professores da USP, Unicamp e PUC-SP, que revela que a renda dos 10% mais ricos corresponde a 45% do PIB nacional. A situação piora se incluirmos nesse cálculo dados sobre o patrimônio: nesse caso o porcentual chega a 75,4% da riqueza total brasileira. Em outros parâmetros, 5 mil famílias (ou seja, 0,001% do total) detém 3% da renda nacional. Entre os anos 1980 e 1990, o Brasil registrou um aumento no número de ricos, embora tenha havido uma redução no crescimento do país: de 1,8% da população eles saltaram para 2,4%. Mas quem são os ricos? Em seu estudo, Medeiros criou uma linha de riqueza, definida a partir da pobreza e da desigualdade, que estaria em torno de R$3,5 mil per capita. Uma família típica de quatro pessoas teria uma renda total de R$14 mil. Leve-se em consideração que esses não são os “muito ricos”, mas compõem o grupo de 1% da população que detém 11% da renda. Detalhe terrível: o pobre gasta 32,79 da sua renda com comida e o rico apenas 10,26% o que mostra que ele paga mais tributos proporcionalmente do que os ricos que vivem com conforto.
Milagre- Os dados assuntam qualquer corrente econômica. “A péssima distribuição de renda parece ser uma praga perpétua no Brasil. Ela resistiu a surtos econômicos de crescimento do ‘milagre brasileiro’ e aos efeitos positivos da queda drástica da inflação desde o Plano Real”, observou o ex-ministro e professor da USP Delfim Netto em artigo recente. Os juros altos castigam ainda mais os pobres: Toda vez que a taxa se eleva em 1% a renda do trabalhador cai 1,9%, enquanto os ricos perdem 0,72% de seus rendimentos. “A política de juros altos tem um efeito devastador sobre a distribuição de renda, mas é menos visível do que os provocados pela inflação”, analisa Márcio Pochmann, economista da Unicamp. Além disso, ela avisa que o pagamento de juros elevados da dívida pública compromete os investimentos na economia real, gerando desemprego e afetando ainda mais os pobres. O dinheiro, então, mais uma vez migra para os ricos. “É importante lembrar que há uma clara interseção entre as elites econômicas e as elites de poder: dessa forma, além de orientar os destinos da economia, eles também influenciam as decisões de Estado e a formação da opinião pública”, nota Medeiros.
Delfim, foi preciso: essa é uma “praga” perene. “Mudanças de regime político, fases de euforia e depressão da economia, modernização de valores e costumes, nada disso foi capaz de alterar expressivamente essa segmentação entre uma massa grande de pobres e uma pequena, porém rica, elite”, avalia Medeiros. Em seu trabalho, o pesquisador do Ipea, baseado em dados do IBGE, põe abaixo antigas e arraigadas explicações para a desigualdade social. Algumas dentre elas, inclusive, são aventadas como hipóteses para se acabar com a pobreza. Como o controle da população, a ideia de que só são pobres porque têm mais filhos do que os ricos. “Apenas 3% das famílias brasileiras têm mais do que três filhos com menos de 10 anos. As taxas de fecundidade estão em patamares baixos. Dizer que o controle da população é solução da pobreza é jogar para os menos privilegiados a culpa por sua situação”.
Medeiros observou em suas simulações o que ocorreria se os ricos tivessem mais filhos e os pobres menos. “O fato se uma família ser metade da família do outro não explica o fato de os ricos terem uma renda 27 vezes maior do que a dos pobres”, alerta. “Não existe nenhuma razão para crer que o tamanho das famílias é o que faz as pessoas serem ricas. A riqueza não é resultado de um maior controle do número de filhos dos ricos. Justificar a desigualdade nesses termos é dizer que pobre é irresponsável, rico é disciplinado e isso explica toda a diferença entre eles”. Outro mito recorrente, segundo Medeiros, seria o ideal de crescimento econômico puro (ou seja, aquele que aumenta o nível do produto da economia sem mudar sua distribuição) como panaceia para a desigualdade. “Mesmo que o país fosse capaz de manter, por duas décadas taxas estáveis de crescimento de 4% ao ano, isto é, crescer em mais do que o dobro da velocidade das duas últimas décadas e duplicando o PIB atual, a pobreza ainda incidiria sobre 12% da população”. Assim, para o pesquisador, o crescimento pode ser bom, mas é insuficiente para reduzir a desigualdade entre ricos e pobres.
O que os diferencia então? “A forma desigual como os trabalhadores de cada grupo são remunerados. A média da remuneração por hora trabalhada dos ricos é 9,2 vezes maior que a dos não-ricos. Isso indica que, mesmo que os não-ricos tivessem a mesma composição e organização familiar dos ricos, as desigualdades entre os estratos persistiriam”, diz Medeiros. “Também carece de fundamento a ideia de que muito da riqueza pode ser explicada por jornadas de trabalho mais extensas. Mesmo que os trabalhadores não-ricos aumentassem suas jornadas de trabalho para o nível médio dos ricos, pouquíssimos se tornariam ricos”. Outro mito a ser derrubado é o da educação como forma de abrir as oportunidades de ser rico para todos por meio do trabalho. “As simulações mostram que um nível elevado de educação dos trabalhadores, um alto investimento e de longo prazo, é a condição necessária, mas não suficiente para que uma família seja rica”, diz. “Mesmo supondo um aumento significativo do nível educacional dos trabalhadores, não é de esperar grande mobilidade ascendente para o estrato rico.
Relações- Em sua tese, Medeiros ressalta a importância de se levar em consideração fatores externos como a inserção em redes de relações sociais, a pose de capital cultural e a propriedade de recursos produtivos, todos elementos que elevam a remuneração de seu trabalho. Medeiros lembra que, para pobres ou ricos, a renda provém mesmo do trabalho, embora “trabalho” signifique coisas diversas para os dois grupos. Dessa forma, afirma, os ricos têm características que os fazem ser ricos por terem nascidos ricos e, com boa chance, continuarem ricos. Eles são mesmo diferentes. “Ainda assim, não devemos ser pessimistas em relação ao futuro, mas enfrentar o fato de que a erradicação da pobreza e a redução da desigualdade só ocorrerão com a redistribuição da renda, ou seja, da transferência de recursos dos mais ricos aos mais pobres”, afirma o pesquisador. “Muitas das pessoas que vão ler esta reportagem fazem parte da elite dos 1%, mesmo que não gostem de admitir a ideia. Quase todos os leitores vão fazer parte dos 10% mais ricos. Isso não é julgamento de valor, mas um fato da nossa distribuição de renda”, avalia.
“Medeiros argumenta com razão que para entender a pobreza é indispensável analisar a ponta da pirâmide, os ricos, uma vez que a pobreza no país é resultado da péssima distribuição de renda”, observa Celi Scalon, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), em comentário ao trabalho do pesquisador. “Rejeitando alternativas mais ‘fáceis’ e ‘digestivas’, como controle populacional e crescimento econômico, o autor escolhe um caminho árduo e pouco simpático à elite, que detém não só o poder econômico como o político e o simbólico. “Rafael Guerreiro Osório, do Centro Internacional de Pobreza do Programa da ONU para o Desenvolvimento, concorda. “As soluções viáveis para a redução da pobreza terão que envolver alguma forma de deixar os ricos menos ricos”, nota em análise às hipóteses de Medeiros. Flavio Comim, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Cambridge, outro analista da tese do pesquisador, ressalta a ideia de que o “envolvimento dos ricos é engrenagem fundamental para a harmonização de interesses sociais e provisão de um Estado de bem-estar social mínimo. Dependemos tanto do Estado quanto do ‘sentimento moral’ dos ricos para progredir na direção de uma sociedade menos injusta e moralmente mais aceitável”.
Ameaça- No mesmo conto em que mostra como os ricos são diversos, Scott Fitzgerald revela o reverso da fortuna: “Eles acreditam, no fundo de seus corações, que são melhores do que os outros, justamente porque as compensações e refúgios da vida foram coisas que nós descobrimos por nós mesmos. Mesmo quando chegam a penetrar em nosso mundo, continuam a pensar que são melhores que o resto do mundo”. Assim, a tarefa proposta por Medeiros não é fácil de ser alcançada. “As elites acreditam que os problemas sociais são as maiores ameaças à democracia brasileira”, observou Elisa Reis em sua pesquisa Percepções da elite sobre pobreza e desigualdade. Fruto de várias entrevistas, o survey de Elisa, feito para o Iuperj, revelou que a educação é apontada pelos ricos como o caminho mais adequado para dotar os desprivilegiados de recursos. Com melhor educação, os pobres teriam chances de competir por um lugar melhor na estrutura social, sem que houvesse necessidade de custos para os não-pobres. O trabalho de Medeiros já mostrou a falácia dessa ideia.
Seja como for, para os ricos, a culpa da miséria é do Estado. Segundo o estudo de Elisa, as elites “acreditam que as coisas poderiam mudar se houvesse vontade política e se o Estado cumprisse o seu papel”. A pesquisadora ressalta que os resultados poderiam fazer crer numa consciência social elevada dos ricos, já que os problemas sociais estariam no topo de suas preocupações. O que poderia, segundo ela, levar a uma avaliação errônea de que nossa elite desejaria repetir aqui o que os ricos dos países desenvolvidos fizeram na forma de solução coletivas públicas (reforma agrária, educacional etc.) para a resolução da pobreza na Europa e a consolidação do Welfare State. “No entanto, isso não procede. Falta uma noção de responsabilidade social entre os ricos. Aparentemente, eles não se veem como parte de um todo e nem percebem o Estado como parte da sociedade, pois, ao responsabilizá-lo pela pobreza, as elites se eximem da responsabilidade coletiva”, avalia. “É quase um consenso entre os ricos que o Estado é e deve ser o responsável pelo combate à pobreza. Essa percepção é tão difundida nesses grupos quanto a ideia de que a liberação do comércio, a privatização das empresas estatais e o encolhimento do Estado são transformações extremamente positivas”, conclui o estudo de Elisa.
Os pobres brasileiros, por sua vez, reforçam a “boa vida” dos ricos e a consideram justa, como nota o estudo de Celi Scalon sobre o “jeitinho brasileiro” de conviver com as desigualdades de renda. “Os brasileiros têm um grande apreço pelas credenciais e atribuem um peso importante às qualificações profissionais como recurso para a aquisição de status”, analisa a professora. “Nesse sentido, altos salários são justificáveis quando vinculados ao mérito individual (esforço, qualificação, inteligência, educação) e, portanto, a desigualdade de renda é moralmente ou eticamente legitimada”, observa Celi. Na mesma pesquisa, a autora descobriu que os brasileiros justificam as desigualdades de renda quando as reconhecem como necessárias para a prosperidade do país. “Esse tipo de legitimação das desigualdades faz lembrar a lógica que imperou no Brasil no período da ditadura militar, quando se afirmava que era necessário primeiro fazer ‘o bolo’ crescer para depois dividi-lo. Tudo indica que essa crença permanece ainda nos dias atuais”. Os mitos descritos por Medeiros ainda sobrevivem.
Declínio– Nem todos, porém concordam com o pesquisador. Cláudio Dedeca, economista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) e professor livre-docente do instituto de Economia da Unicamp, em comentário ao estudo dos ricos, argumenta que nos últimos 25 anos a economia nacional vem sofrendo um declínio de produto per capita gerado pelos trabalhadores brasileiros economicamente ativos, ou seja, há uma queda na produtividade média. “Portanto, distribuir renda nas condições atuais da economia brasileira permitirá no máximo, reduzir o grau de pobreza e diminuir a defasagem em termos de bem-estar da população brasileira, mas não permitirá o seu ingresso no padrão de bem-estar que a população de menor renda de outros países alcançou, como, por exemplo, na Coréia, Cingapura, Taiwan ou Tailândia”, afirma. Para Dedecca, é preciso reconhecer que o Brasil de hoje é um país pobre e que se houve um tempo em que podíamos falar em distribuição de renda essa discussão ficou nos anos 1970, quando a economia brasileira vivia um momento de crescimento econômico e de elevação da produtividade. “Mesmo considerando a relevância das políticas distributivas por ele mencionadas, elas tenderiam à inviabilidade em um contexto de queda da produtividade média social como do Brasil de hoje”, nota o economista.
Mas há ressalvas, mesmo para quem também preconiza a importância do “aumento do bolo”. Para Luiz Gonzaga Belluzo, titular do Departamento de Economia da Unicamp e vencedor do Prêmio Juca Pato deste ano, é preciso tomar cuidado com o tipo de crescimento por que vai se optar. “Em toda a sua história, o Brasil cresceu com aumento de desigualdade social. Isso não é tolerável hoje. Se o país vai crescer, há a exigência de que esse padrão não se repita”, alerta. Levando-se ou não em conta o crescimento, a distribuição de renda, para além dos mecanismos tributários, precisa de mudanças não apenas entre as elites, mas principalmente, entre a massa trabalhadora. “Mudanças ocorrem como fruto de pressão. Trata-se também de pensar como estimular a organização política da população mais pobre para que ela exija as alterações que julgar necessárias”, avisa Medeiros. “Um governo que se interessa por ações distributivas é um governo pressionado para isso, um governo que sabe que, sem isso, não existirá um próximo mandato”.

Reprodução integral da matéria Reverso da Fortuna da revista Pesquisa Fapesp 115 de setembro de 2005. Pág. 78-83

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Imperialismo em Verde e Amarelo (Lobo em pele de papagaio).


Neste momento tropas brasileiras ocupam o Haiti, indígenas bolivianos protestam contra a construção de estradas em sua reserva e empresas brasileiras investem pesado no exterior, nós fazemos uma pergunta: O Brasil é imperialista?
O Brasil é o país do samba, do futebol e da cordialidade certo? Não é o que pensam nossos vizinhos da América do Sul, que nos acusam de imperialismo. A análise fria da história mostra que os Hermanos têm alguma razão...
Em abril de 1866, uma coalizão de países conhecida como Tríplice aliança invadiu a república do Paraguai e iniciou uma das ocupações mais catastróficas na história das Américas. O objetivo oficial era derrubar o ditador Solano López. Teoricamente, uma cruzada contra a tirania, em nome da liberdade e da civilização – semelhante à guerra que George W. Bush iniciou em 2003. Mas os paraguaios, como os iraquianos, penaram com as consequências de sua “libertação”: cerca de 70% da população morreu na guerra e sua economia ficou dependente dos conquistadores. Século e meio depois, nacionalistas paraguaios ainda reclamam que o país foi vítima da maior agressão imperialista na América do Sul. Detalhe: o país líder da coalizão foi o Brasil.
Se você ficou surpreso ou ofendido com o parágrafo acima, certamente não está só. Parta a maior parte dos brasileiros hoje, “imperialista” é um rótulo que combina apenas com os EUA. Mas entre uruguaios, paraguaios, equatorianos e outras nações vizinhas, o “país do jeitinho” é um colosso que inspira respeito. E revolta – por causa do tamanho, da economia gulosa e da projeção internacional, o Brasil às vezes é visto como um país aproveitador e prepotente. Esse antibrasileirismo tem seu quê de sensacionalista, mas também carrega algumas verdades desconfortáveis. Apesar da fama de cordial e avesso a brigas, o Brasil ganhou seu lugar no mundo, passando de colônia europeia a potência emergente, da mesma forma que todos os Estados modernos: a ferro e fogo. Hoje a projeção do país na América do Sul (e no mundo) atrai críticas ferozes ao lado de elogios entusiásticos. Nestas páginas você vai conhecer os dois lados do império tropical.
Fronteiras e sangue.
O imperialismo é a dominação política ou econômica que um Estado exerce – na marra, se necessário- sobre outros mais fracos. O termo surgiu no século XIX, quando nações europeias como Inglaterra e França chegaram a dominar 80% do planeta. Exemplos recentes são os EUA e a URSS, que cimentaram sua hegemonia financiando golpes de Estado e apoiando ditaduras.
Mas o tipo mais simples e agressivo de imperialismo é mesmo a expansão de fronteira – e, até um século atraso país do samba viveu num sangrento baile territorial com seus Hermanos hispânicos. O racha começou antes que os Estados sul-americanos existissem: em 7 de junho de 1494, quando Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas, dividindo o mundo “a descobrir” entre duas nações. A fronteira virtual passava a 2 mil quilômetros de cabo verde, exatamente sobre a então inexplorada América do Sul. Após o “terra a vista” de 1500, os portugueses aumentaram sua colônia pelas armas, e o Brasil foi virando o que é hoje: uma enorme ilha lusófona num mar de fala espanhola.
Após a independência, em 1822, o Brasil virou império até no nome, um Estado poderoso cercado de 9 repúblicas menores. Quase todas assustadas pela proximidade do gigante. Só a então próspera Argentina ousava competir: no século 19, ela disputava com o Brasil a influência sobre os vizinhos. O grande palco desse duelo, que um século depois passaria aos campos de futebol, foi o Uruguai. Em 1821, o país foi invadido pelas tropas daquilo que na época era o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves – a mentora da operação foi a rainha Carlota Joaquina, nascida na Espanha, que sonhava com um Estado hispano-português cujas terras atingissem o rio da Prata. A independência uruguaia veio em 1928 com a ajuda nada desinteressada de exércitos mandados por Buenos Aires. Décadas depois, Solano Lopez se meteu no tango estratégico: num desafio desastrado ao poderio brasileiros e argentinos, o Paraguai atacou ambos em 1864. E se deu muito mal: os velhos rivais se uniram, arrastaram junto o satélite Uruguai, rechaçaram Solano e logo invadiram o Paraguai. Depois de saquear Assunção, as tropas brasileiras mataram o ditador em 1870. Nesses 6 anos, a destruição foi enorme - cerca de 600 mil paraguaios morreram. “O Paraguai foi o primeiro país da região a ter telégrafos, fornos siderúrgicos e indústria pesada. A guerra destruiu tudo isso”, diz o historiador Fernando Lopez D’Alessandro, da Universidade de Montevidéu. “E não foi por acaso. A tríplice aliança tinha a intenção de transformar o Paraguai num exemplo a quem desafiasse sua hegemonia”.
Hoje, muitos historiadores brasileiros acham que a invasão foi uma resposta legítima à agressão de Solano. Os paraguaios, claro, discordam. “O que a Tríplice Aliança cometeu foi um genocídio”, diz o sociólogo Enrique Chase, diretor do instituto de Comunicação e Arte de Assunção. Após a Guerra o Brasil anexou um pedaço do país derrotado e o ocupou até 1876. A economia local nunca se recuperou e até hoje muitos culpam o Brasil pelo subdesenvolvimento do país. Em 2004, grupos paraguaios de extrema esquerda invadiram dezenas de fazendas na fronteira leste do país – propriedades compradas por imigrantes brasileiros, que hoje somam cerca de 500 mil pessoas. O grito de guerra dos invasores não incluía chavões marxistas. Eles gritavam: “Brasileños, fuera!”.
Nova potência.
A hegemonia brasileira foi eclipsada no século 20 pela política externa dos EUA, que engolfou as Américas após a 2ª Guerra. E, por décadas, as reclamações contra o imperialismo verde-amarelo ficaram ralas (exceto no Paraguai, onde o Brasil nunca perdeu a fama de vizinho abusado). Nos anos 80 surgiram novos polos de força no chamado terceiro mundo. A diplomacia brasileira impôs respeito em 199, impulsionando a criação do Mercosul, o tratado de livre comércio inclui Argentina, Uruguai e Paraguai. Foi uma tentativa de desfazer o tal racha sul-americano – e uma jogada esperta contra a supremacia dos EUA, acostumados a tratar a América Latina como seu quintal estratégico.
Por pensar assim, o Brasil era visto como um paladino internacional do terceiro mundo – até o início do século 21. Daí por diante, segundo os críticos, nossas ambições de potência tropical subiram a cabeça. Sintoma disso seria o discurso de Lula ao tomar posse do Parlamento em janeiro de 2003: o novo presidente afirmou que o Brasil era o “líder natural” dos vizinhos, espalhando acusações de arrogância aos quatro ventos do Mercosul. Outro argumento para o antibrasileirismo veio no ano seguinte, quando o Brasil se candidatou a um assento no Conselho de Segurança da ONU: oficialmente responsável por manter a paz no mundo, o órgão é acusado de defender só os interesses das grandes potências. E para abrilhantar sua campanha, o Brasil aceitou o comando das tropas da ONU enviadas ao Haiti, sacudido por conflitos civis em 2004. Hoje muitos analistas veem na “missão de paz” uma interferência indevida das potencias graúdas no pequeno país caribenho – e o Brasil, para a fúria das detratores, está bem no meio da confusão.
Mas as maiores reclamações antitupiniquins pipocam mesmo na arena da economia globalizada. “Com a estabilização econômica nos anos 90, nossas empresas passaram a investir no exterior, principalmente na América Latina e na África”, diz o cientista político Ciro Torres, do instituto Brasileiros de Análises Econômicas (Ibase). Hoje estamos entre as 12 nações que mais investem lá fora: só em 2006, transnacionais verde-amarelas aplicaram impressionantes US$ 28 bilhões em países estrangeiros. E é claro que essa pujança traz suas benesses a regiões pobres – a companhia de construção pesada Odebrecht, por exemplo, emprega hoje mais de 12 mil pessoas em Angola e investe milhões em projetos sociais. Mas, junto à expansão, vêm as críticas. “Em alguns lugares, as companhias brasileiras são acusadas de se comportas como multinacionais americanas, cometendo abusos contra a natureza e os direitos humanos”, diz torres, que coordena um mapeamento de impactos positivos e negativos das companhias brasileiras no exterior. “Muito disso pode ser boato, mas temos de monitorar a nós mesmos para não ganhar fama de vilões”.
A mais incendiaria dessas polemicas envolve a presença da Petrobrás na Amazônia equatoriana. Em junho, a estatal brasileira ganhou uma concessão para extrair petróleo no Parque Nacional Yasuní, que abriga diversas nações indígenas e é uma das regiões de maior biodiversidade do planeta segundo a ONU. O projeto de abrir estradas e cavar poços no santuário ecológico despertou a irá de ambientalistas e indígenas. Em outubro dezenas de indígenas vestindo cocares de plumas marcharam em frente ao palácio do governo em Quito, exigindo que a petroleira canarinho volte para casa. A Petrobrás disse a Super que o local é mesmo uma joia ecológica e que tecnologias de ponta serão usadas para não o prejudicar – mas esses argumentos não aplacaram os críticos. “A lei brasileira proíbe a exploração de petróleo em reservas indígenas – ou seja, a Petrobras está fazendo aqui o que não pode fazer aí”, diz o equatoriano Javier Leon, da ONG Accíon Ecológica. “A concessão só ocorreu porque a influência do governo brasileiro é muito forte. O Brasil está criando sigilosamente um pequeno império no hemisfério sul”, acusa Leon. Mas será que o impávido colosso tão malvado como pintam? Na dúvida, leia os exemplos a seguir.
O malandro, o caubói e o caudilho.
Em 2006, o recém-eleito Evo Morales nacionalizou o gás boliviano e ocupou com soldados as plantes da Petrobras no país. Em vez de chiar, o Brasil deu tapinhas malandros no ombro do enfezado vizinho – e, em 2007, o ministro brasileiro das Relações Exteriores foi negociar um acordo mais favorável a Bolívia. Tudo resolvido com jeitinho. Já em 1953, quando um primeiro-ministro iraniano expulsou do país uma petroleira ocidental, a CIA organizou um golpe de Estado, acabou com a nascente democracia do país e colocou no poder um ditador fantoche, acendendo o estopim do antiamericanismo no Oriente Médio. E o resto você sabe.
Aliás, para encontrar imperialistas mais truculentos que o Brasil, nem é preciso ir a América do Norte. O venezuelano Hugo Chávez, que hoje batalha um lugar no Mercosul, cultiva tentáculos políticos nada sutis. Um exemplo: em outubro, o embaixador da Venezuela em Buenos Aires foi acusado de financiar grupos chavistas, que, segundo a mídia argentina, somam 30 mil militantes no país. A Venezuela, por sinal, tem disputas territoriais com o Suriname e a Guiana – em novembro, o exército venezuelano foi acusado de atravessar a fronteira e disparar tiros contra navios guianeses. Até 2020, o governo Chávez planeja investir US$ 60 bilhões nas Forças Armadas, o que tornaria a Venezuela a maior potência militar da América Latina. “Chávez não é de esquerda nem de direita. É um caudilho”, opina o historiador Marco Villa, da Universidade Federal de São Carlos. Caudilhismo alimentado pelos lucros do petróleo- afinal de contas, a Venezuela é um dos maiores exportadores do mundo. Por isso, a descoberta em novembro das mirabolantes jazidas de Tupi, com seus estimados 8 bilhões de barris de petróleo tinindo de fresco, lança uma sombra na camaradagem entre os governos brasileiro e venezuelano. Com Tupi na manga, o Brasil em alguns anos pode ser não panas um dos maiores produtores das Américas, mas do mundo.
Tudo isso acaba numa pergunta: o Brasil pode ser uma “potência não imperialista?” “Sim. Se o Brasil fosse mesmo imperialista, é claro não teria tratado a Bolívia com tanta brandura em 2006”, responde o geógrafo Diego Pautasso, do Núcleo de Estudos de Relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele está entre os estudiosos que apontam na potência tupiniquim o sintoma de uma nova e bem-vinda ordem mundial. “O modelo da superpotência global, que impõe sua vontade a todos, está obsoleto. O futuro será das potências regionais, que servem de carro-chefe a suas regiões e negociam em vez de mandar. Se ganharmos um assento no conselho de segurança da ONU, a América Latina pela primeira vez terá voz ativa na política internacional”. Lá em Montevidéu, o historiador Fernando Lopez D’Alessandro escutou a mesma pergunta e opinou: “A projeção do Brasil pode ser bem-vinda, desde que não seja egoísta e arbitrária”. Ou seja, desde que o Brasil não seja um caudilho. Ou um caubói.
Referência
Matéria retirada integralmente da revista Superinteressante, edição 248 de janeiro de 2008. Páginas:58 a 63. Texto de José Francisco Botelho.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Religião sustentável.

No Oriente, o budismo é uma religião como qualquer outra, cheia de vícios e abusos.
Luiz Felipe Pondé
Reprodução integral. Artigo retirado do Jornal Folha de São Paulo 26/09/2011  ilustrada E10

Recebemos recentemente, a visita do líder religioso budista tibetano Dalai Lama. Os iniciados tiveram surtos místicos?
Nada contra ele. De fato, o líder budista tem uma imagem positiva no Ocidente, ao contrário do papa Bento 16, que é visto como conservador.
O Dalai Lama defende tudo que gente legal defende: o verde, a tolerância com o “outro”, enfim, uma religião sustentável nos termos ocidentais que migram para religiões orientais costumam gostar, ou seja, de baixo comprometimento religioso. Além de, nela, não ter nenhum parente chato.
Uma religião sustentável é uma religião na qual ninguém tem de sustentar nada além da dieta balanceada, uma bike legal e um pouco de meditação durante a semana. De empresários “do bem” aos falantes da língua tibetana, muita gente correu para ouvir essa sabedoria “estrangeira”.
Religiões são sistemas de sentido. A vida, aparentemente sem muito sentido, precisa de tais sistemas. A profissão pode ser um. A dedicação aos filhos, outro. A história, a natureza, grana também serve. Enfim, muita pode dar sentido a uma existência precária como a nossa, mas nada se compara a uma religião.
Para funcionar, as religiões têm de garantir crenças e constranger comportamentos a partir de liturgias, mitos, exercícios de poder sacerdotal e regras cotidianas munidas de “sentido cósmico”.
 Você não “acessa” o sentido oferecido sem “pagar”, com a própria adesão, o pacote completo. Isso serve para o catolicismo e para o budismo, ao contrário do que pensa nossa vã filosofia “nova era”. No Oriente, o budismo é uma religião como qualquer outra, cheia de vícios e abusos.
A crítica à religião no Ocidente passou pela mão de grandes pensadores. Freud disse que religiosos são obsessivos que não sobreviveram bem à falta de amor incondicional da mãe e a miserável castração do pai verdadeiro, daí crêem num Deus todo-poderoso que os ama.
Nietzsche identificou o ressentimento como marca dos religiosos que são todos uns covardes. Feuerbach sacou que Jesus é a projeção alienante de nosso próprio potencial.
Marx acrescentou que essa alienação é concreta e que se ganha dinheiro com isso. Enfim: o religioso é um retardado, ressentido, alienado e pobre, porque gasta dinheiro com o que não deve, a saber, os “profissionais de Deus”.
O que acho hilário é como muito “inteligentinho” acha que o budismo seja uma religião diferente das “nossas”.
Ela seria sem “vícios” e “imposições”. Pensam, em sua visão infantil das religiões orientais, que dramas sexuais só afetam celibatários de Jesus e não de Buda, e que o budismo, por exemplo é “legal”, porque não tem a noção de pecado.
O budismo ocidental que cultua Dalai Lama é o que eu chamo de budismo light. O perfil desse budismo light é basicamente o seguinte.
Vem de classe social elevada, fala línguas estrangeiras, é cosmopolita, se acha melhor que os outros (apesar de mentir que não se acha melhor, claro), tem formação superior, mora na zona oeste ou na zona sul de São Paulo, come alimentos orgânicos (caríssimos) e é altamente orientado para assuntos de saúde do corpo (um ganancioso com a vida, claro).
E acima de tudo, acha sua religião de origem (judaísmo ou catolicismo, grosso modo) “medieval”, dominada pelo interesse econômico, e sempre muito autoritário.
Na realidade, as causas da migração para o budismo light costumavam ser o avô judeu opressivo, uma freira chata e feia na escola e uma revolta básica contra os pais.
Em extremos, a recusa em arrumar o quarto quando adolescente ou um escândalo de pedofilia na Igreja Católica. Além da preguiça de freqüentar cultos e de ter obrigações religiosas.
Enfim, essas são as bases reais mais comuns da adesão ao budismo light, claro, associadas à dificuldade de ser simplesmente ateu.
A busca por uma espiritualidade light é como o busca por uma marca de jeans, uma pousadinha numa praia deserta no Nordeste ou um restaurante de comida étnica da moda.
A espiritualidade do budismo light é semelhante a uma Louis Vuitton falsa. Brega.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

RESENHA CRÍTICA: COMUNICAÇÃO E REDAÇÃO


O seguinte texto apresenta, como o próprio título diz, técnicas e formas de comunicação e redação. Por meio didático expõe diversos métodos para uma melhor escrita, compreensão, transmissão, comunicação, exposição e as diferentes funções da linguagem.
O texto está dividido em 7 grandes tópicos: Comunicação, língua falada e língua escrita, níveis de linguagem, vocabulário, lógica e emoção da palavra, origem das palavras e funções da linguagem. Onde cada um desses tópicos contribui de forma determinante na compreensão do texto como um todo. Para um melhor entendimento os tópicos serão estudados isoladamente.
Comunicação:
É o ato da transferência de informações entre seres humanos, que pode se dar por meio escrito, gestual ou oral. Segundo o texto a comunicação acontece quando, “Alguém (emissor) comunica algo (mensagem) a outra pessoa (receptor) por algum meio em algum ambiente e, para perceber a eficácia da comunicação, observa-se as reações (retorno)”.
Ele apresenta as diferenças entre as formas de comunicação oral e escrita:
Na forma de expressão oral o conteúdo da mensagem deve condizer com o perfil do receptor, ou seja, deve ser exposto de forma adequada para a plateia que está assistindo, os receptores são muito voláteis caso a apresentação esteja monótona e incompreensível, eles se distraíram e a mensagem não será transmitida por completo. Além do que, o retorno para a expressão oral é imediato, caso os ouvintes não estejam gostando da apresentação isso será entendido no mesmo momento pelo emissor. Para que isso não ocorra o texto apresenta diversas formas de exposição que devem conter, articulação dos fonemas, ritmo na fala nem muito rápida nem muito lenta, modulação na voz (não falar sempre no mesmo tom) volume de voz condizente com o local, além, dos gestos e das expressões faciais que são importantes para prender a atenção da plateia na fala do orador.
Na forma de expressão escrita à apresentação é mais rigorosa e apresenta formas rígidas em sua organização, correções gramaticais e total domínio do assunto a ser tratado são fundamentais. Na escrita o retorno do receptor não é imediato e por vezes até impossível. Assim como na fala, na escrita também é necessário adequar-se intelectualmente o texto ao leitor.
O meio é o objeto por qual se dá o envio da mensagem, o que influi totalmente na comunicação final. Os meios podem ser: o telefone, livro, carta, microfone, jornal, rádio, TV, etc. O ambiente também influencia no envio da mensagem. Não se fala da mesma maneira em um bar e em um velório.
Língua falada e língua escrita:
Este tópico apresenta as diferenças entre a fala e a escrita, pois, cada uma delas apresenta particularidades, apesar do sistema linguístico ser o mesmo. Na fala existem os recursos dos gestos, sonoridade, tom de voz que são próprios da fala. Já a escrita não conta com esses recursos, mas ela registra a comunicação quebrando a barreira tempo espaço, já que tem por objetivo tornar-se um documento.
Níveis de linguagem:
São as diferenças entre as formas de falar/escrever dentro de uma mesma língua. Que ocorre mais frequentemente na fala, pois a escrita obedece a padrões mais rígidos.
Esta diversidade é resultante de três fatores: Regionais, socioculturais e contextuais. Que podem ser de forma sincrônicas (diversidades de linguagem atual através de gírias novos produtos etc.) ou diacrônicas (diferenças entre a língua falada hoje e a de épocas passadas, através da simplificações e palavras que caíram em desuso).
Atualmente existem segundo o texto várias normas de linguagem: Norma culta (padrão usado nas comunicações empresariais), norma comum (base na cultura média), norma coloquial (fala familiar de pessoas cultas) e norma vulgar (fala das pessoas com pouca instrução).
Vocabulário:
Aqui o texto irá tratar sobre a escolha da palavra certa para um determinado momento na comunicação. Tratando dos sinônimos, onde segundo este tópico não existe a sinonímia perfeita, pois, já que são escritas de formas diferentes devem ter significados diferentes. “Há uma subjetiva diferença de grau entre elas”.
Um bom exemplo que o texto dá é entre os sinônimos rosto e cara. Durante uma formalidade deve-se escolher com cuidado as palavras a serem ditas ou mesmo escritas, já que os sinônimos poder dar sentidos muitas vezes grosseiros a frase, mesmo que essa não seja a intenção.
Lógica e emoção da palavra
Esta parte do texto parte da ideia de que uma palavra, seja qual for, pode estar carregada de designações diferentes, e que somente no linguajar técnico encontramos palavras de extrema precisão sem a participação da emoção na elaboração da frase. Na língua portuguesa encontramos diversas palavras que para serem entendidas, necessitam de serem lançadas dentro de um contexto, pois, caso contrário fica difícil entender o que a palavra está sugerindo naquele momento.
Temos como exemplo a palavra obrigado, que pode ter o sentido de obrigar, mandar alguém fazer algo “você é obrigado a prestar serviços comunitários” ou simplesmente como forma de agradecimento “Obrigado pela ajuda rapaz”.
Outro fator que as palavras tentam transmitir são as emoções, que são mais simples de repassar via oral, já que para conseguir transcrever emoções para o papel é necessário dominar a escrita da mesma forma que os grandes escritores fazem.
Origem das palavras:
O português é uma língua de origem direta do latim, transformada através dos tempos. O português sofreu influência muito forte também do árabe, já que os mouros dominaram a península ibérica durante 700 anos. No Brasil a língua sofreu grande contribuição dos indígenas e dos africanos que aqui chegaram.
Mas essa incorporação de novas palavras ainda continua a acontecer com o português, através do estrangeirismo constante que nossa língua vem sofrendo, graças ao processo de globalização. E o uso dessas palavras estrangeiras pode ser uma necessidade ou puro modismo.
Funções da linguagem:
A última parte do texto apresenta seis tipos de linguagem para a elaboração de uma comunicação, as chamadas funções:
Referencial; usada para informar, não tem a intenção de persuadir o leitor a nada e pura e simples informação.
Emotiva; tenta criar diversas emoções, muito usado em poemas.
Conativa; tenta persuadir o leitor a alguma coisa, usada com frequência em propagandas.
Fáticas; tenta facilitar a transmissão linguística, usando as vezes expressões que dizem pouco e prolongam o texto.
Poética; valoriza a mensagem com ritmos, tem sonoridade muitas vezes está mais preocupada com os sons do que com o próprio texto.
Metalinguística; tem como função esclarecer algum código de linguagem lançado no texto.
O texto em seu conjunto tenta instruir o leitor sobre as diferentes técnicas e maneiras de se transmitir, (seja oralmente, textualmente ou gestualmente) qualquer tipo de mensagem. Sem ambiguidades e sem cometer erros grosseiros dentro do corpo de um texto ou de uma apresentação oral.

Philipe Tétart: Pequena História dos Historiadores. pág 11-55

A forma como se escreve a história mudou muito desde seu surgimento até a atualidade.
Cap. 1: A Conquista Grega da História
(P. 11) Nas origens: Os Logógrafos:
Uma nova maneira de apresentar as “origens”.
O termo logographoi designa (sécs. VI e V a.C) os primeiros “escritores em prosa” que se interrogavam sobre suas raízes, tentando ir além das explicações mitológicas. Surgiram na Jônia, desejando tornar a história grega mais racional. Apesar de fragmentadas, suas obras manifestam o divórcio com a tradição da explicação das origens pelo mito...
Hecateu de Mileto (540-476 a.C).
(P. 12) É o mais conhecido entre os logógrafos antigos. Era geógrafo e historiador onde escreveu sobre Genealogias, buscando a origem das famílias que se diziam descendentes de deuses e heróis. Fugindo das explicações maravilhosas.
De Heródoto à Políbio.
Heródoto de Halicarnasso (490-425 a.C). A investigação como história.
Com Heródoto a história fez enormes progressos. (P. 13) O título de sua obra, História, revela sua evolução em relação aos logógrafos. Pois, esta significa investigação, pesquisa, informação. Reconstruindo acontecimentos através de depoimentos escritos e orais, inaugurando a tradição da história factual detalhada.
Tornando-se testemunha e árbitro da memória grega, mas sem se libertar do maravilhoso.
A memória e sua celebração.
Segundo Cícero, as obras de Heródoto eram escritas de forma a seduzir o leitor. E seus relatos muitas vezes não passavam pelo crivo do verdadeiro ou não. Todavia, sua história das Guerras Médicas mostram uma consciência até então desconhecida da importância das guerras na história do mundo mediterrâneo. Mostrando o distanciamento entre a história e a tradição mítica.
(P. 14) Heródoto diz querer reconstruir a história para que “o tempo não apague os trabalhos de outros homens e que os grandes atos realizados seja pelos gregos, seja pelos bárbaros, não caiam no esquecimento”. Recusando o helenocentrismo, destaca a necessidade de conhecimento do outro, elevando a história à posição de saber patrimonial e universalista.
Tucídides (460-396 a.C) e a afirmação da história.
Um método e um pensamento histórico.
 Tucídides estabeleceu um novo método crítico da história. Ultrapassando o simples esforço da cópia e buscando um conhecimento científico do passado, fundado em um encontro entre logos e Chronos [1].
Assim como Heródoto, ele parte de uma apresentação clássica da história grega. Entretanto, ele continua até o tempo presente, fazendo uma análise crítica dos depoimentos escritos e orais que reúne sobre a guerra do Peloponeso.
(P. 15) Tucídides aperfeiçoa um enfoque que favorece o amadurecimento do gênero histórico. Através da preponderância da cadeia factual e causal criticando as fontes, restabelecendo os fatos, organizando-os e analisando-os.
A história como um legado cívico.
 O desejo de legitimação da história em Tucídides não assegura a veracidade de seus escritos, mas confirma uma preocupação dupla: proceder como pedagogo e fazer os gregos compreenderem a utilidade do conhecimento histórico. (P. 16) Ele quer fazer da história um “monumento-tela posto na frente da realidade, para a edificação das gerações vindouras”.
Políbio (205-120 a.C), o observador da ascensão de Roma.
Durante os 17 anos em que Políbio ficou refém em Roma, conjugou as fontes e suas próprias memórias para narrar a conquista do mundo pelos romanos entre os séculos III e II a.C.
(P. 17) Ele encara a história como um exercício rigoroso de interpretação do passado. Por preocupação com a exatidão e por desprezo pelas compilações simples, Políbio considera que toda boa história só pode sair de uma memória viva: ou seja, para ele o essencial é ter vivido os acontecimentos que descreve. Para isso utiliza sua própria experiência e os depoimentos dos exilados que encontra em Roma.
Problemática, causa e demonstração.
Políbio busca a explicação sobre como e graças a qual governo o Estado Romano pôde estender sua dominação a quase toda a terra habitada em menos de 53 anos.
(P. 18) “Nada de provável nem de improvável pode acontecer sem uma causa”. Desse modo Políbio vai mais longe que seus predecessores. A busca pela causa, e a presença da problemática o obriga a abordar todas as questões, trazendo a história um racionalismo mais pronunciado do que Tucídides, mesmo se deixando levar pelo finalismo (providência dos acontecimentos).
Um espaço novo de pensamento.
Da lenda aos homens.
Em quatro séculos a história avançou, impondo uma demarcação entre o lendário e o “real”. A origem do poder e o presente, agora podem ser explicados pelos fatos e causas humanas.
Uma ciência fonte de reflexão.
Os historiadores gregos justificavam a ideia de uma reflexão sobre o passado e a memória. O homem a sociedade e todo o mundo que os rodeavam estavam no centro de suas interrogações. A história tornou-se uma ciência humana.
Um período rico e fundador.
(P. 19) As regras editadas pelos historiadores gregos constituem a origem distante do método histórico contemporâneo.
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Cáp.2: Clio no Tempo de Roma
(P. 21) Uma História tardia.
As causas do atraso.
O desenvolvimento da historiografia romana é tardio. Seu início data dos séculos III e II a.C, ou seja, cinco séculos após a fundação de Roma. As principais causas dessa história tardia são: primeiro a historiografia grega domina o mundo romano, e a deficiência de fontes graças a um arquivo deficiente.
Além do fato de que a ideia de nação leva muito tempo para tomar corpo. A história com função cívica de legitimação ainda não aparece.
(P. 22) Os analistas
Foram os primeiros a tentar resgatar o passado romano (séc. III a.C). Diferente da forma grega do relato contínuo e explicativo, os analistas fazem um trabalho de compilação cronológica esclarecida, tendo como fonte calendários, listas de cônsules, memórias familiares etc. Geralmente medíocre, os analistas apenas juntam as citações umas às outras.
Que história?
A celebração da grandeza romana
Na virada do século II para o século I a.C, desenvolve-se o fio condutor da história romana: construir uma história da qual Roma é o centro, para afirmar seu papel prestigioso e celebrá-lo, para estabelecer um tesouro “político” e nacional (j. Hours).
A prioridade da eloquência [2]
(P. 23) A história romana pertence primeiro a área da literatura, da eloquência e da retórica, postas a serviço da exaltação nacional. Catão (234-149 a.C) é o primeiro a escrever em latim reivindicando a importância da ruptura com o grego. Seu objetivo é convencer um auditório, pois os historiadores declamavam suas obras.
Nas pegadas do gênio romano
(P. 24) Clio, musa “nacional”.
A partir do séc. I a.C, a história romana se aperfeiçoa. Roma permanece o personagem central da história. Sempre buscando na história a grandeza romana. Nesse ponto, o rigor científico passa a segundo plano.
Clio romana não é uma ciência. Ciceroniana no plano estilístico, é uma história que tem como objetivo maior enaltecer as instituições morais e políticas de Roma, mantendo o gênio romano.
Salústio (86-35 a.C): uma densidade moralizada.
(P. 25) Tribuno da plebe e protegido de César, Salústio retira-se da vida pública para escrever monografias. Admirador de Tucídides, escreve interessado nas causas e motivações dos grandes atores da história romana. A obra salustiana constitui um avanço para a historiografia romana.
Tito Lívio (59 a.C-17 d.C.), dramaturgo da história.
Tito Lívio dedica-se inteiramente à literatura e a história, onde fica evidente seu apreço pela análise da longa duração. Seu trabalho é didático e moral: “as qualidades morais de um povo forjam seu destino”.
(P. 26) Não é um homem de métodos. Desconfia pouco de suas fontes. Sua obra contém anacronismos e contradições.
Um gênero em busca de si mesmo
(P. 27) No séc. I, a história romana está longe da exigência esperada de uma verdadeira curiosidade científica. Essa história medíocre decorre do fato de que querendo ao mesmo tempo enaltecer Roma e protegê-la dela própria, os historiadores, sensíveis antes de tudo à arte da narração e da demonstração política, preocupavam-se mais com a moral do que com a história propriamente dita.
Tácito (56-117 d.C.), observador da decadência.
Tácito foi criticado por sua parcialidade e falta de exatidão. Apesar disso produz uma obra-prima da historiografia, impregnada de vontade de “pensar o assunto”.
Um estilo denso e incisivo.
(P. 28) Tácito é um grande orador, o que influência definitivamente seu estilo de escrever.
Uma abordagem metódica e pessimista.
Revela-se ainda um dos maiores historiadores de sua época, segundo M.C Howatson. Pessimista, mas dotado de um senso de desenvolvimento e ironia, Tácito, utiliza-se de suas qualidades para julgar vícios e virtudes do sistema republicano e imperial.
Um olhar dirigido a outros lugares.
(P. 29) Tácito abre também a perspectiva para fora do mundo romano. Esse esforço constitui um progresso notável numa historiografia até então pouco preocupada com povos não romanos.
Suetônio (70-122), biógrafo pontilhista.
Método e otimismo.
Suetônio é influenciado pelo enciclopedismo dos vícios e virtudes além de apresentar um alto rigor arquivístico o que o leva a escrever de forma otimista, rompendo com a tradição taciteana.
Nas raízes da biografia.
Algumas de suas obras, não são obras de historiador e sim de um biógrafo influenciado pela análise de longa duração.
(P. 30) Em suma, a história segundo Suetônio consiste mais em pôr em relevo os casos excepcionais dos césares do que analisar a evolução do império. Tanto que compartilha com Plutarco (46-120) o título de “pai da biografia”.
Entre história e política
(P. 31) O peso do político
Apesar de sua inclinação subjetiva e pessimismo moralizador, os historiadores romanos legam documentos que tornam inteligíveis muitos fatos. Entretanto, no essencial, esta história permanece uma arte consumada de estratégia política.
Existe uma razão para tanto: “a história durante o período imperial” se faz “sob o império do medo e da autocensura”.
(P. 32) Moralismo, pluralidade e imediatismo.
Nesse contexto que mistura censura e temor da decadência romana, a história é remetida a uma função moral e política.
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Cáp.3: A História Cristã: séc. IV-XI
(P. 33) Uma história consagrada.
Um simples auxiliar da religião.
A historiografia cristã antiga e medieval foi por muito tempo censurada por sua pobreza. Pobreza derivada da falta de independência e curiosidade intelectual, graças a influência da mentalidade cristã.
Mantida num papel auxiliar, serve para edificar e alimentar a teologia, a veneração do divino, a igreja, a conversão e a evangelização.
Uma coerência interna e um legado.
(P. 34) Apesar de sua mediocridade, a história escrita pelos cristãos é em si, um fator de inteligibilidade do mundo. Ou seja, como os cristãos desse período enxergavam o mundo.
Os fundadores da história cristã.
Eusébio (265-341), pai da história cristã.
As obras de Eusébio têm como fio condutor a lógica providencialista.
Um enfoque finalista.
As obras de Eusébio sobre a igreja primitiva são de grande valia, mas celebram antes de tudo o triunfo da igreja, imprimindo uma leitura finalista, que rompe com o enfoque repleto de incerteza dos romanos.
(P. 35) Uma história universal e evangelizadora.
Eusébio organiza a cronologia em torno do saber bíblico, da criação ao Juízo final. Sua história não permite lacunas, nem dúvidas. Graças à revelação, o cristão possui um fio condutor que lhe permite pensar a totalidade da história. Sabe que o universo tem um início e um fim.
A contribuição essencial de Santo Agostinho (354-430).
A obra de Santo Agostinho prolonga a de Eusébio, fazendo da história um auxiliar da fé, dirigindo-a em direção da afirmação da existência de Deus e de seu reino.
A história, trampolim para a cidade celeste.
(P. 36) Santo Agostinho desenvolveu a teoria da Cidade de Deus, onde todo cristão deve se submeter às exigências da terra para conseguir ser aceito na Cidade de Deus.
Uma teologia cristã da história.
A Cidade de Deus pode ser designada como “o tratamento fundamental da teologia cristã da história”.  (P. 37) E esta já não é senão a memória da viagem para a felicidade.
Orose ou a história como “consequência do pecado”.
Paul Orose (390-primeira metade do séc. V) tenta mostrar que “toda a história humana antes da vinda de Cristo é consequência ou castigo consecutivo do pecado original”.
A sombra dos mosteiros (séc. V – XII).
O arquétipo na diversidade.
As hagiografias [3] revelam uma visão arquetípica da biografia. Santos e mártires substituem heróis e homens ilustres.
(P. 38) A história cristã medieval diversifica-se até o séc. XII, período em que emerge uma “consciência histórica” que subverterá os quadros da historiografia a partir do séc. XIII.
Uma história “monacal”.
Entre o “bem e o mal”.
A história consegue sobreviver à miséria cultural e intelectual do ocidente cristão dos séc. V-VI. Marcada por encomendas de bispos e soberanos que desejavam se apoderar de uma genealogia impregnada pelo tempo e universo cristãos.
Na quietude dos scriptoria.
(P. 39) A transcrição da memória nessa época é feita por clérigos e monges copistas anônimos. Empenhados em copiar esse passado no qual Deus tem o papel principal.
Poucos instrumentos, pouco método.
As fontes são raras, o método é teológico e as fontes bibliográficas são pobres.
(P. 40) Entretanto, alguns aperfeiçoamentos técnicos são introduzidos ao longo dos séculos: capítulos, títulos, sumários, menções e até mesmo fontes.
A manutenção da atividade de historiador (séc. VI-X).
Duas grandes figuras.
Grégoire de Tours (538-594).
Em um de seus livros. Tours, conta a história de Clóvis e de seus sucessores numa dupla perspectiva: a glorificação do destino de uma linhagem e a ideia do povo escolhido. Sua obre é taxada de infantil e contém numerosas inverosimilhanças.
Isidoro de Sevilha (562-636).
(P. 41) Espanhol e grande figura do período VI-VII, afirma que o primeiro historiador não foi Heródoto e sim Moisés.
Sob o sinete carolíngio
O renascimento carolíngio.
Sob Carlos Magno surgem as condições para uma retomada intelectual. O panorama historiográfico, pobre até então, enriquece-se e desloca-se do sul da Europa para o eixo renano-moselano. A cultura clássica aos poucos vai sendo retomada pelo Ocidente medieval. A história politiza-se de novo.
Uma história mais madura.
Paul Diacre (725-799) abre o renascimento historiográfico, caracterizado pelo início de uma apresentação das virtudes nacionais e dinásticas.
(P. 42) Eginhard (770-840) marca a historiografia com sua coletânea baseada em lembranças pessoais, às vezes de maneira fantasiosa impregnada de uma excessiva devoção a Carlos Magno.
Nithard (?-844) neto de Carlos Magno, escreve para Carlos o Calvo. É maduro e abra um excepcional panorama historiográfico dos séc. VI-X.
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Cáp.4: Rumo a Uma História Secularizada: Séculos XII-XV
As premissas de uma história laica
O problema da noção de “passado”.
(P. 43) A Idade Média é um período em que se “vive demais a história para falar dela”, em que o passado, não sendo considerado morto, “dificilmente consegue colocar-se como objeto de conhecimento”.
A reforma gregoriana do séc. XI é central na ajuda ao renascimento historiográfico dos sécs. XII-XIV.
Espaços espiritual e temporal.
Orderic Vital (1075-1142) em seus sete livros expressa um desejo de se libertar da parte do religioso.
(P. 44) Apesar de não conseguir se libertar efetivamente, escrevendo uma história mista, ele dá preciosas informações sobre a primeira cruzada.
As cruzadas: uma virada
Um gênero que se descobre
A memória dos pergaminhos
(P. 45) Surge entre os séculos XI e XIII, uma renovação do olhar sobre a documentação do passado.
Gosto pela narrativa, pelo alhures e épico.
Houve ainda nos séculos XI ao XII, a redescoberta dos autores antigos, o que cultiva um gosto pelo épico, que vem muito a calhar em meio a uma conjuntura da época das cruzadas. O relato dos altos feitos dos cruzados torna-se um gênero muito apreciado, objeto de orgulho nacional, graças ao qual a história “entra no século”.
A história “entra no século”.
A cruzada como choque e espaço cultural.
(P. 46) Pregada por Urbano II, a primeira cruzada (1096-1099), dilatou o tempo e o espaço e colocou dois povos distintos frente a frente. O choque cultural foi inevitável, e as trocas culturais também.
A história sob uma nova identidade.
O espaço e o tempo colocaram-se com uma identidade nova, legitimada tanto pelo caráter sagrado da missão dos cruzados, quanto pelo choque entre as duas sociedades.
Juristas, arquivistas, literatos e guerreiros participam da humanização da história. Surge uma ponte entre a função teológica da história e seu papel político. Pois, as cruzadas tinham tanto interesses religiosos, quanto políticos.
A história, o historiador e as cruzadas.
Sempre a justificativa pela fé.
(P. 47) A história escrita sobre a cruzada sempre se justifica pelo religioso: a exaltação da Francia e da cristandade estão intimamente ligadas.
Depoimento sobre o vivo ou o morno
Villehardouin (1150-1213) relata a quarta cruzada como homem informado. Autor testemunha e autor escreve seus relatos num tom claro, mas sempre adotando o princípio da infalibilidade da missão na Terra Santa. Embora a quarta cruzada tenha sido um fiasco.
(P. 48) Robert de Clari (?-1216) também participa da quarta cruzada. E embora sua biografia seja muito lacunar, ele produz uma história de combatente comum.
Villehardouin e Clari são os primeiros a escrever em língua vulgar. É uma contestação clara da prática da preponderância do latim. O que favorece a secularização da história [4].
A idade de ouro dos cronistas.
O limiar do século XIII.
(P. 49) No século XIII, o apreço pela crônica histórica emancipa-se da tutela religiosa, orientando-se para serviço da política e da glorificação dos “mais ilustres”. Tendo o latim perdido seu monopólio, a história “laica” torna-se um gênero.
O contexto é o de um vivo despertar intelectual, literário e artístico. Nesse período surgem as primeiras universidades,
Jean Froissart (1337-1410): uma obra politizada.
(P. 50) Froissart escreve com o intuito de agradar a seus protetores e a nobreza que lê seus livros.
(P. 51) Sua ideologia é, portanto, uma ideologia cavalheiresca. Defensor da aristocracia contra os vilãos. Froissart inaugura uma historiografia burguesa, aristocrática, politizada, feita por homens que vivem próximos a príncipes. E estes por sua vez, se utilizam dos escritos para exaltar o passado dinástico e forjar seu legítimo direito sobre o território.
A obra de commynes. No ponto de encontro de duas “histórias”.
(P. 52) No essencial, os cronistas dos séculos XIV e XV são mantidos na dependência dos príncipes. Dentre eles Philippe de Commynes (1447-1511), seus escritos constituem uma parte insubstituível da historiografia política do século XV, pois distingue-se por seu bom senso da realidade e da complexidade das coisas. Sendo até mesmo comparado a Maquiavel.
Os primórdios da modernidade
Uma nova percepção do papel do historiador.
(P. 53) Um passo enorme já foi dado em direção ao Renascimento. Se preocupando menos com o que cada um escreveu e mais com o que ele disse sem colocar no papel. A história agora possuiu um poder que não tinha antes, (P. 54) quando o trabalho dos historiadores era edificar a moral, a religião e seus contemporâneos.
Com Commynes a história se torna objeto de estudo e é posta a serviço dos pensadores e dos príncipes europeus.
A história, veículo de sentimento nacional.
A partir desse momento a história torna-se veículo do sentimento nacional, fator de exaltação de uma identidade comum.
A constituição de heróis nacionais ficará por muitos séculos nos manuais escolares e o povo permanece nos bastidores, pois a história é dos grandes.

[1] Procura da “razão mais verdadeira”.
[2] Eloquência: capacidade de falar bem.
[3] Biografia de santos
[4] Secularização: Transformação do religioso em leigo.
Bibliografia:
TÉTART; Phillipe: “Pequena História dos Historiadores”. São Paulo: Edusp, 2000. Pág. 11-55