(P.07) As inúmeras civilizações indígenas existentes no continente foram dizimadas na fase do descobrimento europeu e da conquistas (séc. XV e XVI) e desse fato ainda derivam vários problemas de documentação e interpretação...
De documentação: os conquistadores destruíram monumentos, obras de arte e queimaram quase todos os códices, além da destruição física da maioria dos nativos americanos, entre eles os sábios portadores da cultura oral desses povos.
(P.08) De interpretação: nas regiões indígenas e mestiças da América, o trauma da conquista e da colonização se prolonga até hoje, expressando-se na oposição entre “hispanistas” e “indigenistas”. Que em ambos os casos, são posições unilaterais, distorcidas e idealizadas.
(P.09) Podemos dividir em três grandes grupos os documentos de que dispomos para o estudo da antiguidade americana: em primeiro lugar as fontes disponíveis para toda a América, que são restos arqueológicos, mapas linguísticos, textos escritos pelos colonizadores ou funcionários da coroa etc. Segundo, fontes disponíveis principalmente para a Meso-América e a zona andina central, como textos em línguas indígenas, provenientes da tradição oral, escritos com caracteres latinos depois da conquista. E por ultimo, fontes disponíveis somente para a Meso-América como códices ou livros de pinturas dos quais somente quarenta são Pré-Colombianos, e o resto do século XVI feitos segunda a tradição indígena.
(P.10) Conhecida as fontes, qual é o método que deve ser aplicado? O único método aplicável ao passado indígena é o arqueológico. Trata-se da reconstrução de culturas desaparecidas através dos vestígios materiais por elas deixados. Outra metodologia muito importante para os estudos pré-colombianos é a da etno-história, o uso crítico de documentos diversos para a reconstrução das estruturas econômicas, sociais, políticas e intelectuais dos diversos grupos indígenas, eliminando as visões deformadas induzidas por uma documentação repleta de uma visão eurocêntrica do mundo. (P.11) A etno-história se apóia ainda em métodos antropológicos e historiográficos.
Entretanto, em regiões fartas em fontes como é o caso da Meso-América, o método historiográfico tradicional, baseado na análise de documentos e na tradição oral já é suficiente.
Por fim, deve ficar claro que não é possível construir um saber histórico sobre a América pré-colombiana comparável ao que possuímos sobre a Grécia ou a Roma.
Sociedades Pré-Agrícolas:
O povoamento da América.
(P.12) Esta é uma questão que permanece sem solução cabal, mas convêm resumir os pontos sobre os quais hoje há um consenso geral: 1) a impossibilidade de uma evolução autóctone do homem ter-se produzido na América, pois todos os esqueletos humanos encontrados são do tipo Homo sapiens sapiens que tem no máximo cinqüenta mil anos. (P.16) 2) a rota que conduz da Ásia à América do Norte, seja pelo estreito de Bering, seja pelo arquipélago das Aleutas, é considerado a rota principal. 3) admite-se a existência de um Paleolítico Americano. 4) acredita-se que o povoamento se fez em diversas ondas e no curso de longos períodos e não em uma entrada única.
Quanto a antiguidade máxima do povoamento, utilizando-se do carbono 14, é data do século X a.C.
(P.17) Acreditava-se que o povoamento da América veio totalmente da Ásia e que todos os indígenas americanos pertencessem à raça mongolóide. (P.18) Isto apesar de já conhecerem o “homem de Lagoa Santa” (MG) descoberto por volta de 1840, que data de uns dez mil anos e que nada tem de mongolóide. Então é absurdo insistir na unidade mongolóide dos povoadores, já que não existiam mongolóides, mas apenas proto-mongolóides. É possível que essa onda de proto-mongolóides tenha sofrido algum tipo de mutação ou variação genética durante milênios e que algumas ondas de mongolóides autênticos tenham chegado a América posteriormente.
Entretanto, hoje, a idéia mais aceita é a de um povoamento heterogêneo em várias ondas: asiáticas, australianas, melanésia e polinésia. Essa hipótese se apóia no estudo linguístico, que busca entender como em alguns milênios se formaram no continente dois mil e seiscentos idiomas.
(P.19) A explicação mais plausível sobre a travessia do estreito de Bering, diz que como os migrantes não possuíam embarcações, eles conseguiram atravessar ao estreito graças à ultima glaciação que fortaleceu as geleiras e faz baixar o nível do mar.
(P.20) O nível cultural dos primeiros povoadores é objeto de grandes polêmicas, como veremos a seguir.
Existiu na América uma etapa cultural anterior ao Paleolítico Superior.
(P.21) Há uma discussão a respeito de saber se antes dos caçadores especializados em grandes animais, armados com projéteis pontiagudos feitos em pedras, existiam na América grupos: 1) com utensílios toscos e rudimentares que impossibilitavam o ataque frontal a caça. 2) vida baseada na coleta e na caça não especializada (que se aproveita de animais enfraquecidos, doentes ou presos em pântanos). 3) população baixa, devido ao nível primitivo das forças produtivas.
(P.22) A maioria das provas arqueológicas para afirmar a existência dessa etapa ficam na América do Sul. Entretanto as dúvidas permanecem devido: 1) alguns sítios arqueológicos são superficiais, impedindo a datação, e outros nem foram datados. 2) Em certos casos a datação com carbono 14 foi falha e precisou ser revista. 3) Em alguns sítios existem a duvida se os artefatos são mesmos produzidos pela espécie humana ou são frutos de formações naturais. 4) Alguns sítios são tão pobres que não é possível afirmar a ausência de um paleolítico superior. 5) Grupos humanos tecnicamente avançados podem produzir ferramentas de aparência tosca para suprir certas necessidades e isso engana os pesquisadores.
(P.23) Cada vez mais especialistas aceitam a existência de uma etapa cultural americana anterior ao paleolítico superior. Entretanto, ao se aceitar isso surge uma questão, na Europa, na África e no Oriente Próximo, o paleolítico superior se desenvolveu entre hominídeos fósseis, e como já vimos na América não há hominídeos anteriores ao Homo sapiens sapiens. Isso ocorre simplesmente pela transferência do atraso tecnológico dos povos que migraram para a América.
O paleolítico superior
(P.24) Entre 11000 e 7000 a.C, grupos humanos dotados de tecnologia lítica já caçavam grandes animais da megafauna. O exame arqueológico deste período mostra: 1) Maior quantidade de sítios, que indica um aumento demográfico. 2) Surgimentos de diferentes tipos de pontas de projéteis (ponta de lança). 3) Continuidade da caça e da coleta não especializada., com algumas modificações.
Discute-se muito sobre a origem das pontas de projétil: seria uma difusão a partir da Ásia ou uma invenção autentica americana. A ultima hipótese parece mais provável, por razões tipológicas e cronológicas.
(P.26) Entretanto, é um erro imaginar que todos os nativo americanos fossem caçadores de animais grandes. Em certas regiões sim, em outras a coleta era a base principal. Devemos imaginar dois conjuntos pancontinentais, refletidos em dois modos de vida básicos, caça é coleta generalizadas de um lado e caça especializada de outro.
O Mesolítico.
(P.27) O fim do ultimo período glacial, marcado pela transição entre o Pleistoceno e o Holoceno, começou na América com atraso em relação à Europa, entre 8800 e 7000 a.C e completou-se por volta de 600 a.C com a retirada das geleiras abrindo caminho para uma fase seca que se prolongou até 3000 a.C.
(P.28) A fauna do Pleistoceno sofreu um lento processo de extinção. E a flora se modificou. Evidentemente todas estas transformações provocaram mudanças no modo de vida e nos padrões tecnológicos dos habitantes da América.
(P.29) Às modalidades de subsistência que já existiam (coleta e caça generalizada e caça especializada) vieram se juntar a exploração especializada de moluscos, e outros recursos marinhos, a pesca marinha ou fluvial, a coleta de vegetal especializado, etc.
A organização social dos grupos humanos pré-agrícolas.
(P.31) O grupo de caçadores e coletores é considerado um “bando”. Um bando é sobretudo uma associação residencial de famílias nucleares ou restritas, segundo um sistema exogâmico e virilocal. O trabalho é dividido segundo o sexo (coleta para as mulheres e caça para os homens) e o produto sofre um processo de distribuição imediata. Um bando tem em média 25 pessoas e integram uma “tribo dialetal”, com cerca de 500 indivíduos.
(P.32) Como todos os bandos são nômades o numero de objetos fabricados e usados é mínimo. A base social é o parentesco mínimo, sem genealogias longas e culto aos antepassados. Idade e sexo são os únicos elementos de diferenciação social, o poder é baseado no prestígio pessoal é temporário e não traz privilégios.
Em épocas de fartura os bandos se unem formando macrobandos, e nos meses mais difíceis ocorre uma dispersão.
Sociedades Agrícolas Pré-Urbanas.
(P.34) A “revolução neolítica” e sua difusão.
A noção de uma “revolução neolítica” que pode ser entendida como o surgimento de novas tecnologias que possibilitou aos grupos humanos a transição da situação de predadores da natureza para produtores foi popularizada há meio século pelo arqueólogo V. Gordon Childe.
(P.35) Hoje, a noção de “revolução neolítica” sofre diversos ataques. Em primeiro lugar, tal expressão pode dar a ideia de algo rápido e “explosivo” quando na verdade se estendeu por milênios. É claro que se colocarmos as transformações do neolítico na perspectiva global da pré-história humana, elas pareceram rapidíssimas em comparação com os dois milhões de anos do paleolítico.
(P.36) Acreditava-se no passado na existência de um só foco de desenvolvimento da agricultura e da criação, situado no Oriente Próximo, e que de lá essa tecnologia se espalhou pelo mundo, se adaptando aos mais variados ambientes. Hoje acredita-se na teoria de que houve uma invenção da agricultura na América independente da do Velho Mundo, embora ainda haja alguns problemas ligados à origem botânica de certas plantas cultivadas na América.
(P.37) No caso da América, a domesticação de plantas foi incomparavelmente mais rica do que a de animais. Na Meso-América, a parti de 7.000 a.C foram domesticados o milho, o feijão, a pimenta, a cabaça, uma espécie de cão comestível e o peru, na zona Andina por volta de 5.000 a.C a batata, a quinoa, a cabaça, o feijão e a lhama, na América do Sul a mandioca.
O neolítico americano, ao difundir-se a partir de seus focos, originou duas grandes tradições agrícolas; uma baseada na semeadura, colheita e armazenamento de grãos, de cereais e leguminosos. E a outra, na plantação de mudas, raízes e tubérculos.
(P.40) A descrição sobre a domesticação de plantas e animais não responde, “o porquê dela ter sido empreendida?” Há algumas décadas, quase todos os pré-historiadores viam os inícios agrícolas como uma resposta às drásticas mudanças ecológicas e climáticas da passagem do Pleistoceno para o Holoceno. Porém, o Oriente Próximo e a Meso-América foram regiões pouco afetadas por tais mudanças.
(P.41) Assim, surgiram novas hipóteses. R.Braidwood, acredita numa causalidade cultural: o Neolítico seria causado simplesmente,por uma acumulação de conhecimento agrícolas e pastoris. L. Binford vê o desenvolvimento agrícola deste período como uma resposta ao crescimento demográfico causado pela imigração. Já K. Flannery considera a passagem da vida nômade de caçadores-coletores à sedentária de agricultores, marcada pelo fato de que certas plantas, como o milho, ao serem domesticas e aperfeiçoadas responderam bem, permitindo finalmente uma “explosão” de recursos e conseqüentemente demográfica.
(P.42) Por fim, existem diversas teorias sobre o surgimento da agricultura no continente, e talvez tenham que receber respostas variadas segundo os casos, em função de circunstancias e ambientes distintos.
Outro tema muito debatido é o da origem da cerâmica no Novo Mundo. A mais antiga foi encontrada na costa do Equador (3200 a.C), e por se assemelhar com a cerâmica do período Jomon médio do Japão, levantou a hipótese de um contato asiático transpacífico.
A diversificação cultural dos grupos agrícolas pré-urbanos.
(P.43) Ao fim da era pré-colombiana (séc XV), Pierre Chaunu divide o continente americano em três áreas de acordo com à agricultura e o povoamento:
1) Uma área de 2 milhões de Km² (5% do continente) e que continha 90% da população do continente: a ilha do Haiti e República Dominicana, planaltos centrais do México, a região do chibchas na Colômbia e região quíchua-aimará nos Andes Centrais. Tinha uma densidade demográfica média de 35 a 40 habitantes por Km². Com uma dieta composta de batata e milho e possuindo tecnologias de irrigação e plantio em terraços.
2) Outra região de 2 milhões de Km²: planícies e planaltos maias. Agricultura baseada no milho e apresentando uma densidade demográfica de 2 a 5 habitantes por 2 milhões de Km².
(P.44) 3) No resto do continente, onde a caça, a coleta e a pesca predominavam, e quando muito uma agricultura primitiva que só permitiam densidades baixas e modos de vida nômades.
Esta situação constitui o ponto fundamental de diferenciação entre a “área nuclear” (Meso-América e Andes centrais, cultural e demograficamente) da América pré-colombiana, e as “culturas marginais” que recebem por difusão muitos elementos da “área nuclear”,
Mencionaremos agora áreas que mesmo sem atingirem a etapa das cidades e dos Estados, exibiram complexos culturais bem avançados, com esboços de hierarquia e existência de um artesanato de boa qualidade.
(P.45) Entre as numerosas sociedades pré-urbanas da América que já apresentavam considerável complexidade cultural citemos com exemplo: as culturas pueblos do sudoeste dos EUA, as diversas culturas do noroeste argentino, diferentes grupos culturais da América Central e as culturas chibcha e San Agustín da Colômbia.
A organização econômico-social dos agricultores pré-urbanos.
(P.47) Os grupos agrícolas pré-urbanos caracterizam-se por dois tipos de organização social, a tribo e a chefia.
As tribos são sociedades subdivididas em unidades sociais multifamiliares. As relações de parentesco tem um caráter multifuncional funcionando ao mesmo tempo como relações econômicas, políticas e ideológicas.
(P.48) As chefias surgem quando há uma hierarquia de prestígio entre linhagens, chegando a ser hereditário o cargo de chefe. Ainda não há uma estratificação em classes sociais e a sociedade ainda se baseia no parentesco. Porém, o chefe, como redistribuidor dos bens que concentra, pode manter uma corte.
(P.49) A explicação marxista tradicional a respeito das sociedades tribais pré-urbanas baseia-se na noção de “comunidade primitiva”, e foi elaborada por F. Engels.
Segundo ele, à horda primitiva sucedeu o regime de clãs. A produtividade do trabalho tornou possível a associação dos homens em grupos menores e mais estáveis. Porém, tais grupos permanecem em contato com o restante da coletividade e o casamento ocorre dentro desta coletividade, ou seja, entre os diferentes clãs derivados de uma mesma horda (coletividade). (P.50) O casamento ainda não é individual e sim por grupos, ou seja, todas as mulheres do clã são esposas de todos os homens de outros. Nessa primeira etapa o regime de clãs e matriarcal e matrilinear, isto porque, no casamento por grupos a paternidade não pode ser estabelecida. Com o inicio da agricultura o poder da mulher atinge a supremacia, pois elas dirigiam a comunidade enquanto os homens estavam fora caçando ou guerreando.
A transformação do homem em pastor e agricultor dá a ele primazia, relegando a mulher a segundo plano. O clã se torna patrilinear e patrilocal. O casamento por grupos desaparece, cedendo lugar aos casais estáveis.
E finalmente, o progresso técnico permite que uma família restrita (o casal e os filhos) assegure sua subsistência apenas com seu trabalho, iniciando o processo de desagregação dos clãs, do surgimento da propriedade privada e das diferenças de classe e do Estado.
(P.51) Fora dos países socialistas, essa tese é duramente criticada. E varias tentativas foram feitas no sentido de construir um novo tipo de teoria destas sociedades. Contudo, tais estudos ainda não chegaram a resultados plenamente satisfatórios, sendo necessário o prosseguimento dos esforços teóricos e de pesquisa.