Dois grandes filósofos
iluministas da corrente contratualista, Jean-Jacques Rousseau e Thomas Hobbes,
discordavam quanto à natureza do ser humano. O primeiro acreditava ser o homem bom
por natureza, sendo a sociedade a responsável por sua desvirtuação. Isso fica
evidente em sua máxima de que “o homem nasce bom, e é a sociedade que o corrompe”.
Já o segundo acreditava ser o homem capaz de tudo para sua sobrevivência, sendo
a maldade para com seu semelhante um reflexo natural disto. Pensamento que
também fica evidente em sua máxima de que “o homem é o lobo do homem”. Por este
motivo Hobbes propunha a criação de um Estado forte e repressor – o Leviatã – para
por limites e cabresto neste homem lobo.
Na década de 1990
ganhou força, principalmente nos Estados Unidos, trabalhos acadêmicos que
ligavam a violência a fatores genéticos. Sendo desta época o surgimento da
teoria do Gene Guerreiro ou Gene da Violência. Esta teoria propõe
que quanto menor a produção de uma enzima chamada MAOA, maior a probabilidade
de uma pessoa desenvolver atitudes antissociais e violentas. Isso pode
explicar, em parte, porquê algumas pessoas que nunca sofreram abusos na
infância ou passaram dificuldades econômicas “saem dos trilho” e enveredam para
o mundo do crime e da violência. Sendo assim, Hobbes estava certo e o Estado
deve ser forte e punitivo, ou como gosta de dizer a direita brasileira deveria
ter “leis mais rígidas e eficazes”. A punição seria a alma do negócio.
Segundo o antropólogo
francês Edgar Morin somos todos homo sapiens sapiens contudo é preciso
acrescentar um demens (demência),
ficando: Homo sapiens sapiens demens,
o que mostra o quanto somos descomedidos, loucos. Todo homem é duplo: ao mesmo
tempo em que é racional apresenta certa carga de demência.
Contudo, para o espanto
de todos, o mesmo gene foi encontrado em monges budistas. Isto deixa evidente
duas coisas, primeiro: apesar de sua efetiva atuação sobre o comportamento
humano, o gene não é tão poderoso e determinante na formação da personalidade,
ou seja, não é pelo fato de possuí-lo que eu cometerei crimes e vice-versa.
Segundo: se a pessoa é criada em uma sociedade que prima pela não-violência,
com certeza o comportamental irá se sobrepor sobre o genético. Esta tese portanto
pode explicar o psicopata, mas não a violência como um todo.
Com base nessas
informações surge a pergunta. O que faz o nosso país ser um dos mais violentos do
mundo?
Segundo tabela
publicada por Julio Jacobo Waiselfisz em seu Mapa da violência 2013, o Brasil é
o 7º país mais violento per capita do
mundo e o 1º em números absolutos, com cerca de 50 mil mortes ao ano, ou seja,
10% de todos os assassinatos no planeta ocorrem no Brasil. Sem dúvida são números
alarmantes.
E o interessante é que
não estamos sozinhos. Engana-se quem acredita ser a África e o Oriente médio as
regiões mais violentas da Terra. O território que concentra os maiores números
de homicídios do planeta é o nosso querido continente americano. Dezoito, dos
vinte países mais violentos estão na América!
Mas o que há de errado
com nós e com nossos hermanos?
Seremos todos nós portadores deste gene
guerreiro e estamos fadados a transformar o local onde moramos em uma zona
de guerra não declarada?
Bernardo Sorj e Danilo
Martucelli em seu livro O Desafio
Latino-Americano: Coesão Social e Democracia, dão uma boa explicação para a
violência. Na visão deles o país mais violento não é necessariamente o mais
pobre e sim o mais desigual. E adivinhem qual a região mais desigual do
planeta? Exato, a América, em especial a latina.
A concentração muito
próxima entre muito ricos e muito pobres cria tensões extremas que acabam por
descambar em violência. Eles citam o intelectual Briceño León que diz:
“Essa
violência não é necessariamente fruto dos migrantes que deixaram o campo para
se instalar na cidade, para ele, são os jovens da segunda ou da terceira
geração que nasceram na cidade e que vivem agudos processos de frustração. Essa
violência criminal é fruto de um choque entre o crescimento das expectativas e
as insuficientes vias de realização formais. Esse fenômeno expressa também um
processo de homogeneização de expectativas e da comunhão em um imaginário
comum. Além de que, segundo o autor, antes essas expectativas eram canalizadas
para a política e hoje são canalizadas para aspirações individuais”.
Ou seja, os crimes que
descambam em morte são praticados por jovens excluídos do mundo do consumo, que
veem na violência, por exemplo, a única forma de satisfazer esse desejo de
compra e ostentação. Quantas histórias você já não ouviu sobre pessoas que
mataram por um par de tênis da moda?
Outro exemplo sobre
como a desigualdade social é determinante para o grande numero de homicídios
são os Estados Unidos. Mesmo com punições duras como a pena de morte e a
perpétua, mesmo com crianças sendo julgadas como adultos e ainda possuindo a
maior população carcerária do planeta (2,3 milhões de pessoas), os EUA é o país
mais violento entre os países desenvolvidos, ficando em vigésimo primeiro no
mapa da violência 2013. Em outras palavras, ele é o país desenvolvido mais violento
e o mais desigual.
Fica evidente, portanto,
que a desigualdade é fator determinante para a violência de um país. Um país desigual
é um país violento, não há lei dura o suficiente para barrar o surgimento de
novos marginais. Se algo é lucrativo, com certeza surgirão pessoas que
defenderão esse lucro a qualquer custo. É a ganancia que move a violência.
Um exemplo é a cargo de
agente penitenciário, nenhuma criança em idade escolar sonha em ser agente
quando crescer. Mas na fase adulta a necessidade e o alto salário atraem muitas
pessoas para esta profissão de alto risco. O mesmo ocorre com o crime, em um
dado momento o dinheiro e o lucro falam mais altos e os riscos desta “atividade”
ficam em segundo plano. “O importante é ter e possuir, nem que seja necessário morrer
por isso”.
Enquanto houver
desigualdade, enquanto o jovem não ver no trabalho um caminho seguro para a
satisfação de seus desejos materiais e enquanto se pensar que ter é melhor que
ser, nossas cidades serão máquinas eficientes no processo de transformar
crianças e adolescentes em lobos.
Assim entendo que o ser humano, apesar de sua “demência” e
da existência deste gene da violência,
não nasce mal – você consegue enxergar a maldade nos olhos de um bebê? – mas se
transforma gradualmente em lobo, e uma vez transformado em lobo sua “domesticação”
beira o impossível. Ou como toda mãe sempre diz: é melhor prevenir do que remediar. A prevenção é dura (educação, conscientização,
propósitos de vida), mas o remédio é muito mais amargo e cheira a sangue ou
sarna.