quinta-feira, 29 de maio de 2014

Fichamento: O QUE E COMO ENSINAR. Por uma História prazerosa e consequente. Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky

Neste capitulo do livro História na sala de aula Jaime e Carla Pinsky escrevem um verdadeiro manifesto sobre a necessidade de conjugar a tradição humanística com a necessidade de educar jovens do século XXI.
Parte I – Abordagens
O QUE E COMO ENSINAR. Por uma História prazerosa e consequente.
Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky
(P.17) O Problema.
As grandes mudanças políticas e econômicas ocorridas no final do século XX causaram muita perplexidade entre professores e estudantes de História em geral, criando um certo ceticismo em relação ao próprio conhecimento histórico, o valor do ensino de História nas escolas e seu potencial transformador..
Somado a isso está a difusão das novas tecnologias globais que questiona a eficácia dos livros, da utilidade dos professores e das propostas curriculares ligadas as necessidades nacionais e locais.
Procurando acompanhar essas mudanças os professores acabaram comprando a ideia de que o que não é veloz é chato. Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído por “achismos”, alunos trocam as investigações bibliográficas por informações superficiais dos sites e vídeos que são utilizados para substituir e não complementar os livros. E o passado é sempre visto como algo passado e portanto superado.
(P.19) O grande desafio neste novo milênio é adequar o nosso olhar às grandes exigências do mundo real sem sermos sugados pela onda neoliberal que parece estar empolgando corações e mentes. É preciso desenvolver uma prática de ensino de História adequada aos novos tempos (e alunos): rica de conteúdo, socialmente responsável e sem ingenuidade ou nostalgia.
A proposta: a favor do conhecimento humanista.
Ao mesmo tempo que condeno, no discurso, o pragmatismo e o materialismo dos novos tempos, as escolas parecem ter esquecido de sua parcela de responsabilidade na formação humanística do aluno. Onde está o humanismo quando a escola transforma o aluno em uma máquina de responder vestibular?
Queiram ou não a história na escola é de extrema importância, pois história é referência e deve ser bem ensinada.
(P.20) Neste momento em que a sociedade brasileira começa a dar extrema importância a História (livros, filmes e novelas com esse tema se tornam sucesso) parece que muitas escolas caminham na contramão, cortando a disciplina de sua grade, ou mutilando-a. E mais grave, desistindo de, ao menos, nos aproximar do patrimônio cultural da humanidade. E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do aluno?
(P.21) Cada estudante precisa se perceber de fato, como sujeito histórico, e isso só se consegue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fizeram para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos.
(P.22) O papel do professor de história.
O ensino de História deve ser revalorizado e os professores dessa disciplina devem ter consciência de sua responsabilidade social perante os alunos, preocupando-se em ajudá-los a compreender e melhorar o mundo em que vivem. Para isso é bom não confundirmos informação com educação. Para informação temos jornais, televisão e internet. Essa informação só é transformada em conhecimento quando é organizada.
O professor deve ter conteúdo, ou melhor, cultura e erudição. Sem estudar e saber a matéria não pode haver ensino. É inadmissível um professor que não lê. Se o tempo é curto, o salário é baixo e se o Estado não cumpre com seus deveres, discute-se isso nas esferas competentes. Mas o professor deve estar atualizado.
(P.23) Afinal, se o professor é o elemento que estabelece a intermediação entre o patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educando é necessário que ele conheça tanto um quanto o outro. O professor precisa conhecer a base de nossa cultura e o universo sócio cultural do educando, sua maneira de falar, seus valores e aspirações. É a partir do conhecimento desses dois universos que ele realiza seu trabalho.
Pela volta do conteúdo nas aulas de história.
O passado deve ser interrogado a partir de questões que nos inquietam no presente (caso contrário, estuda-lo fica sem sentido). Portanto, as aulas de História serão muito melhores se conseguirem estabelecer um duplo compromisso: com o passado e o presente.
Compromisso com o presente significa tomar como referência questões sociais, assim como problemáticas humanas que fazem parte da nossa vida, temas como desigualdades sociais, raciais, sexuais, diferenças culturais, etc.
(P.24) Compromisso com o passado não significa estudar o passado pelo passado, apaixonar-se pelo objeto de pesquisa por ser a nossa pesquisa, sem pensar no que a humanidade pode ser beneficiada com isso. Compromisso com o passado é pesquisar com seriedade, basear-se nos fatos históricos, não distorcer o acontecido como se fosse uma massa amorfa a disposição da fantasia de seu manipulador. Sem esse respeito ao acontecido a História vira ficção. Interpretar não é inventar.
Afirmações baseadas em filiações ideológicas são desprezíveis, perigosas, não verdadeiras, e podem acabar se transformando em veículos de preconceito e segregação.
Além dessas questões estruturais, há alguns vícios que afetam a qualidade das aulas de história.
Um deles é a critica sem base. Antes de entender um texto, uma questão, uma conjuntura, professores e alunos já lançam críticas. “Tal autor? Esta superado”, dizem alunos e professores que nunca se deram ao luxo de lê-lo, mas que se permitem julgamentos definitivos.
(P.25) Outra é a supervalorização do desconstrutivismo. Não que ele não tenha sido um avanço importante, porém como proposta de ensino ele deve ser utilizado com cautela, pois mesmo que o professor tenha total domínio, só a desconstrução não basta, pois deixa um gostinho de vazio no ar. É preciso que o aluno tenha acesso a algum conteúdo histórico que o contextualize.
Um modo mais construtivo seria abordar a História a partir de questões temas e conceitos. Quais as questões relevantes que podem ser feitas ao presente e, por extensão ao passado? Qual a relevância dos recortes temáticos tradicionais e novos feitos pela historiografia? Quais conceitos importantes a serem discutidos com os alunos? Com isso o professor poderá:
- Despertar o interesse dos alunos demonstrando a atualidade de coisas tão cronologicamente distantes;
- Capacitar os estudantes no sentido de perceberem a historicidade de um conceito como democracia, cidadania, beleza (porque e como mudaram através do tempo?);
(P.26) – Práticas como manifestações de religiosidade, afetividade e sexualidade, ideias como a inferioridade racial, cultural e moral;
- Fazer com que os alunos reconheçam preconceitos, seu desenvolvimento e mecanismos de atuação, para assim criticá-los com argumentos sólidos.
- Demonstrar com clareza os usos e abusos da História, perpetrados por grupos políticos, nações e facções;
- Possibilitar a crítica a dogmatismos e “verdades” absolutas.
(P.27) Uma questão de abordagem.
Não há incompatibilidade entre História Social e a História das mentalidades e do Cotidiano. Pois na visão do autor, em sala de aula elas se complementam. A abordagem da corrente da História Social busca a percepção das relações sociais, do papel histórico dos indivíduos e dos limites e possibilidades de cada contexto e processo histórico. A das mentalidades privilegia cortes temáticos. Bem utilizados, ambos são procedimentos recomendáveis.
O potencial transformador do ensino de História.
Este é um assunto que causa muita polêmica e que quase sempre possui uma enorme dificuldade para o professor situar racionalmente.
A frase de Marx que dizia que não era mais hora de apenas entender o mundo, mas mudá-lo, tem justificado diversas propagandas politicas sobre esse ou aquele candidato em sala de aula. Sob o pretexto de saber qual a mudança que o mundo deve merecer o professor corre o risco de se tornar um cabo eleitoral privilegiado, perdendo sua dignidade.
(P.28) Privilegiado pois suas palavras podem ter grande aceitação sobre sua turma de alunos.
Não se trata aqui de despolitizar o discurso do professor, uma vez que não há discurso apolítico, mas dotá-lo de equilíbrio e ponderação. O conhecimento histórico, por si só, já carrega um profundo potencial transformador.
O professor deve fazer o aluno entender que ele é fruto de seu tempo, região, classe social, etc. Ou seja, o aluno deve entender que ele não poderá se tornar um guerreiro medieval ou um faraó egípcio pois ele é um homem de seu tempo e essa é uma determinação histórica. Porém, dentro de seu tempo, dentro de suas limitações, ele possui a liberdade de optar. Sua vida é feita de escolhas e ele, com maior ou menor grau de liberdade pode tornar-se o sujeito principal de sua história, o senhor do seu destino.
Quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela. O verdadeiro potencial transformador da história é a oportunidade que ela oferece de “inclusão histórica”.
O que ensinar (do abstrato para exemplos concretos).
(P.29) Vemos muitos professores frustrados por não conseguirem dar toda a matéria. Há estudantes que durante todo o período escolar só viram um tema, um recorte histórico.
Com o numero reduzido de aulas e o vasto conteúdo o professor se vê incutido de desestimular as discussões que atrasariam a matéria. O resultado são passagens de um tema para outro muito rapidamente, o que transforma a disciplina numa maçaroca de informações desconectadas e articuladas à força, mas sempre desinteressante e inútil.
A primeira coisa que um professor deve fazer ao montar um curso é selecionar conteúdos. Caso o professor não encontre conteúdos o suficiente, ele não deve ter pena em abandonar um determinado assunto. Outras vezes vale a pana dedicar um tempo maior à leitura cuidadosa de determinado documento histórico, tanto por seu significado, quanto pela validade de se ler uma fonte primária.
(P.30) A matéria escolar pode estar relacionada a vários recortes da História. Entre outros, citamos:
1) Um acontecimento ou evento histórico (ex.Revolução Francesa, II Guerra, Proclamação da República no Brasil).
2) Uma instituição social (ex.a escravidão no Brasil, o imperialismo, a globalização).
3) Um processo de longa duração (ex.o desenvolvimento das primeiras civilizações).
4) Uma interação cultural (ex.o encontro entre europeus e indígenas).
5) Um tema manográfico (ex.a mulher na idade média).
O primeiro pode ser estudado sob a ótica da continuidade e da ruptura histórica (A história é um processo que sofre rupturas. Há fatos que mudaram a ordem mundial). Os desenvolvimentos políticos, sociais e culturais de países inseridos no contexto mundial. (P.31) Exemplos de revoltas contra a ordem estabelecida e da tentativa de reconstrução social, assim como dos problemas que impediram que os objetivos fossem alcançados.
O segundo tema pode ser trabalhado tendo em vista a ordem e o contexto histórico desse período que permitiram e permitem que determinada instituição exerça poder sobre determinada sociedade.
O terceiro tema deve levar o aluno a entender, que mais do que grandes acontecimentos a história deve ser entendida como um largo período em que as mudanças também ocorrem, mas de forma menos perceptíveis. Ex, surgimento do homem até as primeiras civilizações.
(P.32) O quarto tema visa abordar a problemática da pluralidade cultural e do choque que ocorre no entre elas.
(P.34) No último, um tema monográfico significa escolher um elemento (muitas vezes desconsiderado na História) e estuda-lo. Um exemplo são os estudos sobre a mulher no Brasil colônia. A partir da escolha pode-se discorrer sobre o imaginário social, as representações, as mentalidade que moldaram atitudes e comportamentos.
(P.35) Conclusão.
Como se vê, diferentes recortes da História permitem que o aluno abra enormes horizontes que podem acolher, inicialmente, sua curiosidade, depois, sua análise e, finalmente, sua identificação com essa “gente como a gente” que construiu o processo histórico do qual ele faz parte.
O problema do processo de ensino-aprendizagem é o abandono da ideia de processo. Muitos profissionais misturam Espartaco e Zumbi em um mesmo tema transversal e colocam eles para dialogar como se fossem contemporâneos.
Por sim o autor convoca todos alunos e professores para voltarem aos livros, pois só com eles a pesquisa virtual, os vídeos e os jogos eletrônicos fazem sentido.


 Fonte: KARNAL, Leandro (org): História na sala de aula. Conceitos propostas e prática. 6.ed. São Paulo: Contexto 2010.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Os significados ambíguos do populismo Latino-americano de Carlos de la Torre.

Vargas, Perón e Rujas: exemplos dos governos populistas estabelecidos no continente americano.
A ideia deste trabalho é explicar o populismo de forma a não reduzir os líderes e seus seguidores a simples ideia de manipulação e de anomalia.
Na América Latina o conceito de populismo é vasto e varia de autor para autor, por exemplo, ele pode ser definido como: 1) formas de mobilização sociopolítica em que as massas atrasadas são manipuladas por líderes demagógicos e carismáticos. 2) Movimentos sociais multiclassista com  liderança na classe média ou alta com passe popular operária e/ou camponesa. 3) Uma fase histórica no desenvolvimento dependente da região ou uma etapa na transição para a modernidade. 4) Politicas estatais redistributivas, nacionalistas e excludentes. Essas politicas beneficiam o capital nacional em detrimento do estrangeiro. 5)Tipo de partido político com liderança nas classes médias ou alta com base popular forte e retórica nacionalista, com a presença de um líder carismático e sem uma definição ideológica precisa. 6) Um discurso político que divide a sociedade em dois campos antagônicos: o povo contra a oligarquia. 7) Intenções das nações latino-americanas de controlar os processos de modernização que vem do exterior, fazendo com que o Estado tomo lugar central na defesa da identidade nacional e como promotor da integração através do desenvolvimento econômico.
Por mais vastos que os conceitos de populismo podem ser, alguns autores como Roxborough e Rafael Quintero propõem que o populismo deve ser entendido como uma etapa do desenvolvimento latino-americano ligado ao processo de substituição das importações, além de entenderem que as visões que privilegiam a ideia da existência de um líder carismático e massas anônimas disponíveis ou de analises baseadas nas alianças de classes sejam descartadas.
Condições pré-estruturais dos populismos.
Os primeiros estudos sobre os populismos latino-americanos, influenciados por estas teorias de modernização e dependência, trabalharam em especial com a Argentina, o Brasil e o México nas décadas de trinta e quarenta. Neste período, estes países passaram por processos de substituição das importações associadas ao surgimento do peronismo, do varguismo e do cardenismo.
A análise das experiências históricas populistas, não deve nos levar ao erro de ver o populismo como somente um fenômeno do passado. O sucesso eleitoral de alguns lideres populistas a partir do ultimo processo de transição para a democracia na região é um exemplo.
A sedução populista.
É importante diferenciar o populismo como regime no poder, da análise do populismo como movimento social e politico dos movimentos eleitorais populistas. Para entender a sedução que os lideres populistas provocam e as expectativas autônomas de seus seguidores devemos ter em mente: 1) A personalidade do líder carismático, 2) O discurso político maniqueísta, 3) mecanismos de articulação líder-base clientelista e patronal, 4) analise sócio-histórica do populismo.
Liderança Populista.
O líder populista se identifica totalmente com a sua pátria, a nação e o povo em sua luta contra a oligarquia. O líder devido a sua honestidade, força de vontade garantirá o cumprimento dos desejos populares. O vínculo que une o líder aos seus seguidores é místico. O líder é a projeção simbólica do ideal.
Os atributos pessoais do líder é o segundo elemento do líder carismático. A sua aparência física. Os líderes carismáticos invocam mitos. Através da metáfora são assimilados a ícones de suas culturas. Exemplos de Evita como a Madre Dolorosa ou de Ibarra, ou de Haya de la Torre como Cristos Redentores.
Discurso maniqueísta: o povo contra a oligarquia.
Ernesto Lacau introduz a análise do discurso como uma ferramenta para entender os significados ambíguos do populismo. Ele analisa como Perón se apropriou de uma série de criticas ao liberalismo e em seu discurso confrontou antagonicamente o povo contra a oligarquia.
O discurso populista possui as seguintes características: 1) sua temática é centrada explicitamente no problema de controle das estruturas institucionais, do Estado e do poder. 2) São discursos polêmicos que têm o objetivo de refutar e desqualificar o discurso do opositor. 3) Incluem um certo calculo de seus efeitos ideológicos e políticos imediatos.
A característica básicas do discurso e da retórica populistas é que ele radicaliza o elemento emocional em todo discurso político. Pois o discurso não quer notificar, nem explicar, mas somente persuadir.
Como dito anteriormente, o discurso populista divide a população em campos antagônicos: O povo contra a oligarquia. E este discurso é marcado pelo moralismo, religiosidade e intransigência frente estas oligarquias que devem ser destruídas.
Outro elemento interessante, é que os líderes populistas incorporam em seus discursos bordões e elementos da cultura popular. Um exemplo clássico são os “descamisados”, que de expressão pejorativa, tornou-se símbolo do povo argentino, nos discursos de Perón.
Mecanismos de Clientelismo e Patrocínio.
Os estudos que privilegiam o carisma do líder populista, não estudam os mecanismos concretos da articulação eleitoral e portanto outorgam todo o peso explicativo à figura e ao discurso político do líder. Isso é possível quando se entende que os atores envolvidos são massas irracionais e anônimas.
Os estudos que usam o conceito de clientelismo político, descartam o elemento irracional dos setores marginalizados e demonstram a sua racionalidade no fato de que por muitas vezes o clientelismo conquistou mais votos que o carisma. Contudo, devemos entender que o clientelismo, mais do que trocar votos por serviços cria um sentimento de pertencimento e identidade.
É necessário ainda diferenciar analiticamente os fenômenos populistas em movimentos eleitorais e movimentos sociais, uma vez que não foram todos que participaram das campanhas que votaram. No Brasil, por exemplo, em 1933 somente 4,1% da população votava. Isso mostra como a mensagem populista transcendeu o reduzido numero de eleitores.
Talvez a melhor forma de resolver essa falso dilema: Carisma versus clientelismo seja analisando estes fenômenos conjuntamente. O líder articula valores, reivindicações e cria novas linguagens. Por sua vez, a organização política articula estratégias para a captura de voto. Estas formas de ação política diferentes se complementam em processos políticos concretos.
História social do populismo.
Os estudiosos do populismo vêm tentando entender as ações dos seguidores dos líderes populistas. Alguns buscam inseri-los na concepção de sociedade de massa, outros na racionalidade instrumental de seus seguidores, outros em questões ideológicas.
Conclusões: Os paradoxos do populismo para a democracia.
Ao longo deste ensaio os autores buscaram enfatizar a necessidade de estudar os significados ambíguos e contraditórios das experiências populistas.
Aqui foi proposta a análise histórico-social da ação coletiva que gerou este movimentos, assim como os discursos políticos da época. Esta proposta ainda levou em consideração tanto os discursos do líder, como as respostas e expectativas de seus seguidores.
Isso possibilitou aos autores chegaram a conclusão de que o principal efeito do populismo foi o acesso de grandes grupos sociais à dignidade simbólica de ser alguém, de ser humano em uma sociedade excludente e racista.

Fonte:
Alvarez Junco, José y González Leandri, Ricardo (comps.), El populismo em España y América, Madrid, Catriel, 1994.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Fichamento: Cap III: Problemas e promessas: economia informal, crime e corrupção, normas e direitos.

Onde estão os países mais violentos do mundos? Errou quem disse África ou Oriente médio. Os países mais violentos do mundo estão no continente americano e é este fenômeno que os dois autores do capítulo buscam compreender. 
Boa Leitura!
(157) 1. Introdução: uma cultura de transgressão.
A coesão social é impensável sem o respeito a um conjunto de regras e normas. Toda sociedade as possui e no fundo, apesar das transgressões, todas tendem a submeter-se a elas. Umas mais (quando o respeito às normas está na tradição e na religião) e outras menos (quando a secularização e a destradicionalização são mais intensas, e onde o acatamento das ordens de baseia em escolhas éticas pessoais e racionais).
Na América Latina a representação histórica que se possui sobre as normas é que elas possuem um caráter bifronte, ou seja, o seu uso difere em relação a pessoa com quem entra 
(158) Na América Latina existe uma cultura de transgressão particular. Essa cultura é uma mescla de atitudes arbitrárias e de “vista grossa”, de severidade no castigo para uns e da “lei do funil” para outros (o amplo para mim, o estreito para os outros). Em relação aos poderosos a tolerância pode ser imensa. Em muitos países, a “esperteza” não é só tolerada como é reconhecida como uma expressão do “gênio” nacional.
Em todo caso, a lei são se aplica de maneira igual a todos, e em particular para os poderosos a impunidade é quase uma certeza, pois há a possibilidade de empregar seu poder econômico para por os mecanismos legais a seu favor, ou de simplesmente corromper o funcionário público responsável pelo processo.
(159) A raiz dessa situação vem da herança colonial, e a distância estre o país legal e o país real, isto é, entre o que a lei manda e o que a realidade social permite. A longa tradição de desconexão entre a “lei” e o “hábito” é tal, que parece que a única finalidade da “lei” é favorecer a corrupção.
Contudo, existe uma moralidade nas sociedades latino-americanas, mas ela é elástica e ambivalente. Diz-se que quem cumpre as leis é um idiota, mas ao mesmo tempo ninguém duvida de que seja necessário dispor de regras. Muitas vezes uma transgressão pode ser objeto de elogio público e mais tarde ser desqualificada como uma “sem-vergonhice”. Ela é ao mesmo tempo rechaçada e admirada. Para alguns, a transgressão é em si mesma legítima, já que se vive em uma sociedade em que “ninguém respeita nada”.
(160) Os indivíduos, de todos os setores sociais, constroem suas estratégias de sobrevivência a partir das possibilidades determinadas pelas práticas estabelecidas com as instituições do Estado. Em uma dinâmica perversa, se a corrupção policial causa repulsa a todos, poucos, no entanto deixarão de usá-la se a questão for beneficiar ou proteger alguém querido que burlou a lei.
Se a transgressão é uma constante na história latino-americana, ao mesmo tempo ela foi permanentemente recomposta, tanto em seu sentido como em suas práticas.
Se o passado – fundado em relações de classe hierárquicas, autoritárias e do uso patrimonialista do Estado – é fundamental para entender como chegamos ao presente, ao mesmo tempo é insuficiente para explicar a atual relação entre as sociedades urbanas e a transgressão da lei. Trama esta, dos quais participam tanto ricos, quanto pobres.
(161) Como todo fenômeno histórico, as características e a vigência dessas práticas começaram a mudar e a tolerância a essas transgressões começou a diminuir. Pensemos na corrupção, se em outras épocas ela era considerada como regra na jogo político, agora ela é considerada cada vez mais um feito delituoso, o que levou a protestos e a uma desmoralização da democracia.
2. Violência Urbana Armada na América Latina.
(163) Segundo alguns estudos, a América Latina concentra cerca de 42% dos homicídios com arma de fogo do mundo.
O crescimento da violência.
Tomemos como exemplo El Salvador, Guatemala, Brasil e Venezuela, países que apesar das diferenças, apresentam sinais comuns nas questões que serão aqui analisadas.
Os conflitos armados que ocorreram na América Central acabaram na década de 1990, contudo a taxa de violência por agressão intencional continuou alta. 40 por 100 mil habitantes em El Salvador e 46 por 100 mil na Guatemala (2006).
A Venezuela e o Brasil, por outro lado, chegaram aos anos 1980 com perspectivas promissoras de desenvolvimento e democratização. No entanto, as taxas de homicídios dispararam na Venezuela de 9 por 100 mil em 1989 para 51 por 100 mil em 2003. No Brasil, a taxa de homicídios triplicou em duas décadas, passou de 7 mortes por arma de fogo a cada 100 mil habitantes, para 21 em 2002.
(164) Esse processo conheceu um deslocamento importante: a violência deixou o campo e transformou-se em um fenômeno fundamentalmente urbano.
(165) Para Briceño León, essa violência não é necessariamente fruto dos migrantes que deixaram o campo para se instalar na cidade, para ele, são os jovens da segunda ou da terceira geração que nasceram na cidade e que vivem agudos processos de frustração. Essa violência criminal é fruto de um choque entre o crescimento das expectativas e as insuficientes vias de realização formais. Esse fenômeno expressa também um processo de homogeneização de expectativas e da comunhão em um imaginário comum. Além de que, segundo o autor, antes essas expectativas eram canalizadas para a política e hoje são canalizadas para aspirações individuais.
(166) A dissonância entre expectativas e capacidade de realização se reflete em um mapa urbano marcado por desigualdades sociais. A pobreza, passa a significar uma vulnerabilidade crônica.
(167) “Vitimização” e grupos de risco.
(168) Mesmo nos bairros pobres, a vitimização não afeta a todos por igual. Em geral os mais afetados são homens jovens urbanos. Conhecem a cidade e não são analfabetos, mas tampouco formados para superar os obstáculos da integração na sociedade. Estão no meio do caminho entre o analfabetismo de seus pais e a educação qualificada exigida pelo mercado.
Não só a violência, mas também a sexualidade tendem a ser praticadas cedo nessa geração, e de modo livre, independentemente do controle dos adultos próximos. O que criou gerações de famílias chefiadas por mulheres nesses quatro países. No Brasil há uma relação direta entre famílias chefiadas por mulheres jovens e as taxas de violência letal por armas de fogo.
(169) A violência entre homens armados produz, um grande impacto direto nas família (em que os homens desempenham função determinante no sustento, e indireto na economia, onde somados e multiplicados, essa violência alcança a cifra de milhões de dólares.
(170) Em síntese, a violência que nos ocupamos aqui se caracteriza pelo uso intensivo de armas de fogo por parte de grupos criminais formados por homens de 15 a 29 anos, provenientes de setores de baixa renda. Nascem em famílias instáveis, fragilizadas pela ausência frequente do figura paterna. Não são analfabetos, mas tampouco são capacitados para progredir nas instituições da sociedade contemporânea. Com dificuldades de acesso ao mercado formal de trabalho, esses jovens exploram as oportunidades criadas pelo mercado ilícito, principalmente o tráfico de drogas. O fácil acesso ao mercado ilegal de armas fortalece seu domínio sobre determinados seguimentos territoriais ou econômicos. Esses grupos operam em toda a sociedade, mas assumem o domínio em áreas pobres de cidade grandes. Crescem se aproveitando da fragilidade endêmica das instituições e dos serviços públicos. Essa situação ocorre em cidades de países que não estão atualmente em guerra (Rio de Janeiro, Tegucigalpa, Caracas) ou em países com conflitos armados de caráter político, mas em áreas urbanas afastadas das zonas rurais de combate entre forças governamentais e grupos insurgentes (Cali e Medellín, na Colômbia).
A explosão das taxas de violência urbana armada transmite o sentimento de que o Estado é incapaz de assegurar a integridade física de seus cidadãos. O impacto sobre a coesão social é imediato e profundo. A insegurança e o medo dessensibiliza as classes médias e as afasta da situação em que se encontram os setores mais pobres, que passam a ser vistos com desconfiança, em particular se são homens jovens, e mais ainda se tem traços mestiços, índios ou negros. O que por sua vez reforça uma estratégia, especialmente entre os jovens dos setores populares, de utilizar a violência, ou a incivilidade como recurso para combater sua invisibilidade. É essa dinâmica perversa que se encontra na raiz desse “outro conflito” sem nome. Nesse sentido para é preciso destacar a lesão de conjunto que sua presença infringe na sociedade. A segurança sendo uma das liberdades de base da vida social que os Estados devem garantir a seus cidadãos – a todos os cidadãos – sua incapacidade nesse ponto conspira tanto contra a solidariedade entre os indivíduos quanto contra sua própria legitimidade.
(171) 3. Drogas, Crime Organizado e Estado.
Se a violência armada é o signo maior da impotência do Estado e da expansão de uma cultura da transgressão e do crime, não se trata, no entanto do único fenômeno que conspira contra a coesão social. A importância do tráfico de drogas é tanta que merece uma analise em separado.
Tráfico drogas e deslegitimação.
A relação da América Latina com os EUA, no que se refere ao tráfico de drogas não teve resultados muito positivos na região. O impacto do crescimento do tráfico de drogas na região significou em muitos países o fortalecimento dos grupos armados que passaram a controlar espaços urbanos e rurais, gerando um quadro desestabilizador que desafia a capacidade do Estado de assegurar sua função básica de monopolizar o uso dos instrumentos de violência.
(174) A questão das drogas, de seu tráfico e de seu consumo impacta de maneiras muito diversas as sociedades e o ambiente político nos países estudados. Em relação a isso, podem-se distinguir dois grupos: por um lado, o Brasil, a Colômbia e o México, países em que o narcotráfico tem impacto considerável – no primeiro, principalmente no ambiente social ao passo que nos outros dois, também na área política; enquanto nos outros quatro países estudados (Guatemala, Venezuela, Argentina e Chile) a questão das drogas não tem nem o mesmo impacto nem as mesmas consequências. Mas mesmo nesse ponto os países os países analisados divergem, enquanto na Colômbia o problema esta sendo solucionado, no México o problema alcançou outros níveis.
(175) O crime organizado e a perversão da coesão social.
A organização do crime alcançou níveis tais na região, que é preciso reconhecer o paradoxo e o enorme desafio que enfrentam as sociedades latino-americanas. Deve-se entender que a violência não é necessariamente o inverso da coesão social. Mas sim a condição de sua existência, embora não seja democrático.
Um exemplo empírico pode ajudar a visualizar essa questão: uma comunidade acossada pela violência pode se armar ou apoiar um grupo que se disponha a “fazer justiça com as próprias mãos”. A violência é a motivação para a organização da sociedade local. Estamos diante de um caso em que a coesão deriva da violência e se estrutura como violência.
(177) Crime organizado a patrimonialização do Estado.
O crime organizado e o tráfico de drogas implicam um risco de “repatrimonialização” perversa do Estado na América-Latina. Esse processo se apoia em uma herança baseada na convivência de uma precária convicção retrógrado e opressivo que reproduz e aprofunda desigualdades matriciais, obstruindo o desenvolvimento e a expansão da cidadania e da liberdade.
(178) O autor afirma que não quer dizer no trecho acima que o Estado na América Latina foi tomado pelo crime organizado ou pelo patrimonialismo, mas sim, que na medida em que muitas sociedades da região se tornaram mais complexas e as instituições democráticas se consolidaram, essas não conseguiram garantir o controle externo, ampla participação, transparência e redução da impunidade para criminosos do “colarinho branco”, o que fez com que o patrimonialismo tradicional, que politizava negativamente a economia e bloqueava o mercado, se metamorfoseasse, se enganchasse em dinâmicas criminais modernas e passasse a se manifestar sob a forma de crime organizado, do qual a corrupção pública representa um só exemplo possível.
Quando o patrimonialismo se degrada em crime organizado, a corrosão da legitimidade das instituições políticas pode conduzir ao ceticismo, à apatia, à autonomia crescente do corpo político, ao afastamento de segmentos burocrático-administrativos, isolando cada vez mais o Estado e a representação política daquilo que poderia ser chamado a base efetiva da vontade popular republicana.
(179) 4. As ameaças da corrupção.
Há a concepção de que na América Latina existe muita corrupção, o que afeta a vida política, econômica, as instituições e a coesão social dos países da região. Uma das características de um sistema social coeso é a legitimidade de suas instituições políticas , que se fundamenta no respeito aos que possuem uma autoridade delegada pela sociedade. É essa legitimidade que permite que as autoridades cumpram seus mandatos. Quando a legitimidade não existe, a autoridade é exercida pelo autoritarismo, pela violência, pela corrupção, etc.
Os regimes autoritários favorecem a corrupção pelas limitações que impõem a opinião publica, ao judiciário e pelo uso discricionário do poder. Os sistemas políticos corruptos sempre tendem ao autoritarismo, enquanto se apropriam dos recursos públicos.
(180) A corrupção é um fenômeno universal, a diferença está que na América Latina, se comparada aos EUA ou Europa, a corrupção apresenta elevados índices de impunidade. Essa impunidade, mais do que a corrupção em si mesma, é o que provoca a revolta e indignação dos cidadãos.
Corrupção econômica e desenvolvimento.
A corrupção afeta a coesão social de diferentes maneiras, mas seu principal efeito é a desmoralização das instituições democráticas e os sentimentos de identificação dos cidadãos com o sistema político. Tecnicamente a corrupção econômica impede a competição saudável dos preços e a qualidade dos produtos e serviços, limitando dessa maneira o crescimento da economia e a distribuição de seus benefícios para a sociedade.
A pergunta que fica é: a existência de práticas corruptas em determinado país facilita ou dificulta a atividade econômica, a criação de riqueza e o desenvolvimento econômico?
(181) Existe um forte consenso entre os economistas de que a corrupção tem um impacto negativo importante sobre a economia dos países afetados, pois, quando os governantes tomam decisões em função dos pagamentos privados que recebem, nem sempre as empresas mais eficientes e competentes aceitam investir no país. Além de que, se o suborno é prática normal, os impostos deixam de ser arrecadados e os serviços públicos beneficiam somente os que tem como pagar por fora, prejudicando investimentos públicos de interesse geral, como educação, saúde e infraestrutura.
(182) Corrupção politica e democracia.
A corrupção política ocorre quando “as regras do jogo” dos processos eleitorais e do funcionamento das instituições governamentais são violadas, seja nos processos eleitorais, seja nos processos legislativos, judiciais, seja na ação do executivo. Esse tipo de corrupção depende, em parte, da cultura ética de cada sociedade, da maneira que as instituições políticas estão conformadas e da transparência dos processos políticos e da ação governamental, assim como da força da opinião publica e da imprensa independente.
(183) A corrupção política, ainda que em alguns momentos possa facilitar a participação e o acesso de setores marginalizados ao poder, também contribui para a desmoralização das instituições.
Tão importante como a legalidade formal dos processos políticos e eleitorais são a legitimidade e o reconhecimento que o sistema político recebe da sociedade. A ausência de confiança dos cidadãos no sistema político gera diversas atitudes de crise. Em muitos países da América Latina, a deterioração da ordem democrática tradicional serviu de justificativa para o estabelecimento de regimes populistas.
(184) A desigualdade social e a insatisfação com os políticos profissionais alimentam o apoio a políticos que se apresentam como salvadores da pátria que vão governar para o bem do povo.
Corrupção, normas e coesão social.
Muitas análises costumam considerar a corrupção como um comportamento racional e desprovido de conteúdo moral.
(185) Sabemos que existem comunidades em que as pessoas agem de acordo com princípios éticos que não permitem a adoção de comportamentos corruptos e em outras sociedades isso não acontece. Diz-se na Argentina que existem as “regras míticas” (éticas) e os “códigos operacionais” (corruptos e que realmente funcionam).
O fato é que em sociedades organizadas para o bem comum e a obtenção de benéficos a longo prazo, os comportamentos éticos e a confiança nas pessoas são uma necessidade. Já nas sociedades voltadas para a busca de resultados imediatos e de curto prazo prevalecem os comportamentos predatórios.
(186) 5. A questão judicial.
(190) Apesar das reformas judiciarias dos anos 1990, as pesquisas de opinião continuam mostrando que a insatisfação da população com o desempenho do judiciário permanece alta. A opinião pública considera que o sistema não é justo, que se caracteriza pela existência de demoras custosas, por decisões politicamente motivadas e pela distância dos interesses dos cidadãos comuns. A justiça é percebida como pouco confiável, corrupta, lenta, custosa e trata de forma desigual ricos e pobres.
(194) Para a perspectiva administrativa, se o desempenho judicial melhora, as dificuldades de acesso serão reduzidas e consequentemente, alguns fatores que conspiram contra a coesão social tenderão a desaparecer.
Contudo, a desigualdade diante da justiça é uma das manifestações mais dramáticas e perigosas para a coesão social. Sua presença corrói não somente a legitimidade das instituições públicas, mas também afeta, muito mais profundamente inclusive, o sentido mesmo da vida comum. A percepção de um sistema judiciário injusto (e já não somente ineficaz) engendra sentimentos opostos que levam facilmente, ao niilismo político.
(195) Experiências desse tipo são ainda mais dramáticas quando acontecem em uma região marcada, por importantes problemas de violência, crime organizado e corrupção. O resultado, todos sabem, é uma mescla de sentimento de indignação, de cinismo e de apatia.

Referências:

SORJ, Bernardo & MARTUCELLI, Danilo: Problemas e promessas: economia informal, crime e corrupção. In O Desafio Latino-Americano: Coesão social e democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 157-197.