quarta-feira, 6 de março de 2013

Clássicos do pensamento da integração latino-americana do século XIX.


Simón Bolívar (1783-1830) e José Martí (1853-1895) são os dois autores mais lembrados quando se fala em pensamento integracionista latino-americano no século XIX. Geralmente a Carta a Jamaica do criollo e a Nuestra América do poeta guerreiro são estudadas juntas, entretanto cada texto foi concebido em contextos históricos distintos e apresentam realidades, questionamentos e pensamentos a dificuldades diferentes por qual passava nosso continente.
Carta a Jamaica.
Simón Bolívar nasceu na região onde hoje fica a Venezuela, filho de aristocratas muito ricos teve uma boa educação sendo profundamente influenciado pelo pensamento iluminista.  Sua Carta a Jamais foi escrita em 1815 durante as guerras de independência dos países hispânicos, guerras estas que ele participou ativamente ganhando o título de Grande Libertador.
Entre os diversos libertadores que surgiram nesta época de crise da coroa espanhola –invasão dos franceses – Bolívar era com certeza o mais visionário. Era partidário da formação de um grande país que se estenderia por todo o continente formando uma nação forte, pois acreditava que a fragmentação levaria consequentemente a uma dependência da Inglaterra ou dos EUA. Em seus planos de unificação, Bolívar excluía os EUA por serem anglo-saxões, os haitianos por serem de colonização francesa e o Brasil por serem de colonização portuguesa.
Em sua carta a Jamaica Bolívar critica durante a incapacidade da metrópole espanhola em mantém o poder e o controle nas colônias. Além de expor seu projeto de transformar as colônias espanholas em uma grande e unificada república, entretanto, como não poderia deixar de ser graças a sua educação na Europa, Bolívar tem uma visão eurocêntrica de seu continente, comparando-o a Europa e querendo se utilizar de instituições europeias em continente americano.
Nuestra América.
José Martí escreve seu texto Nuestra América (1891) em um contexto histórico diferente. Neste momento praticamente todas as antigas colônias ibéricas são países independente e repúblicas. Somente Cuba seguia sob a tutela espanhola, tutela esta marcada pelo terror e repressão.
José Martí foi com certeza o mais esclarecido de todos que se entregaram pela independência cubana. De aspirações democráticas, defendia a justiça social e a unidade do continente.
Em seu texto inicialmente ele critica a imobilidade das elites latino-americanas que possuindo os recursos básicos lutavam para a manutenção do status quo. Criticando também as disputas internas dentro do continente. Diferente de Bolívar, Martí entende que se deve construir uma política, um pensamento, uma educação puramente latino-americana, pois até o momento a importação de políticas prontas da Europa só prejudicou o continente.
A passagem do documento para monumento e o resgate da figura de Bolívar e Martí.
Um documento torna-se um monumento, quando ele é apropriado pelo Estado como um legitimador, buscando no passado algo que legitime a forma política estabelecida no presente. Segundo o grande historiador Marc Bloch um documento não fala por si mesmo e sim a partir do ponto de vista e das perguntas que um historiador põe sobre ele (o documento). Ou seja, somos nós que atribuímos valores a este ou aquele documento em especial. Um exemplo fácil de ser compreendido é a carta de Pero Vaz de Caminha que ficou durante duzentos anos ficou perdida na torre do tombo, até que com o advento da independência do Brasil foi resgatada e hoje é tida como a certidão de nascimento da nação.
O mesmo podemos dizer sobre estes dois escritos, atribuímos a eles uma extrema importância – a Carta da Jamaica cotidianamente é exposta em excursões por museus de todo o continente – como documento máximo de um pensamento integracionista do século XIX.
A partir deste importância dada a ela e aos seus escritores, muitos políticos fazem resgate de suas imagens para se afirmar no presente com base no passado. Não é uma crítica, pois todos os Estados fazem isso.
Essa evocação da figura de Bolívar e de Martí por políticos latino-americanos transformou-os em monumentos, ou seja, agora eles são utilizados pelo Estado como legitimadores ancestrais do status político atual. Correto estava Karl Marx quando disse em seu livro 18 Brumário “a história nunca se repete, a não ser a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

terça-feira, 5 de março de 2013

Análise e crítica do Filme Evita do Diretor Alan Parker.



O que foi o populismo, o peronismo e quem foi Eva Perón.

O populismo pode ser caracterizado como um experimento político essencialmente Latino-Americano. Surgido na década de 1930 como uma resposta latina a crise do capitalismo e o avanço da ideologia marxista entre as camadas trabalhadoras, o populismo tem como característica principal a prática de políticas demagógicas e a manutenção do status quo da elite.
O populismo foi feliz em sua proposta, pois, ao incorporar à sua política nacional, as mais diversas reivindicações do movimento operário e colocá-los em prática como um “presente” do Estado Populista, o mesmo conseguiu um enorme apoio entre as massas, desestabilizando o movimento socialista e garantindo a manutenção do sistema capitalista.
Mesmo quando os líderes populistas anexavam ao seu discurso termos de origem socialista, eles faziam apenas no discurso, como manipulação dos anseios populares. Seus líderes carismáticos direcionavam a população para a busca do desenvolvimento dos interesses nacionais, erradicando qualquer possibilidade de instabilidades provocadas por uma eventual luta de classes.
O peronismo foi à versão argentina do populismo. Centrada na figura de Juan Domingo Perón (1985-1974), realizou diversas transformações em toda a política argentina. Suas principais reformas foram as trabalhistas, que garantiram à manutenção de direitos mínimos a classe operária incipiente.
Entretanto, o peronismo não tinha como único sustentáculo a figura de Juan Perón. Sua mulher Maria Eva Duarte Perón (1919-1952), foi fundamental na construção da imagem, quase sacra, que atingiu o peronismo. Evita, como era carinhosamente chamada pelos descamisados – população pobre, base da manutenção das políticas peronistas – ganhou status de santa graças a suas diversas ações filantrópicas.
Ficha técnica do filme Evita.
Musical da Broadway adaptado ao cinema em 1996 pelas mãos de Andrew Lloyde Webber e Tim Rice com direção de Alan Parker. Conta à história da vida de Eva, desde sua infância pobre de filha ilegítima, até chegar ao posto de primeira dama e finalizando sua morte prematura.
Críticas.
Um filme histórico ou baseado em fatos reais, não é a realidade resgata com todas suas nuances do passado e transportada direto para as salas de cinema. Um filme é uma representação do real, uma versão – que assim como os livros de história – passa pelo filtro ideológico do seu criador.
A recepção do filme na Argentina foi cercada de críticas pela maneira como ele retrata Eva Perón. A ex-primeira-dama argentina compõe o panteão argentino de heróis nacionais e o musical justamente desconstrói toda essa benevolência e imagem imaculada ligada a ela, apresentando-a como uma mulher interesseira que na busca de ascensão social utilizou-se de toda sua beleza e sedução. Escalando socialmente graças aos homens que passaram por sua vida, até chegar ao máximo do poder com presidente da república.
Em outras palavras, o filme foi duramente criticado justamente por esse caráter desmistificador de uma figura tão querida na Argentina quanto foi Evita Perón.
Conclusão.
Esta conclusão será baseada na maneira como a imagem do casal Perón foi, e é resgatada no presente por todos seus sucessores.
Karl Marx filósofo alemão do século XIX escreve em seu livro 18 Brumário de Luís Bonaparte que “a história não se repete a não ser a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Contextualizando esta frase, Marx se referia a Luís Bonaparte ou Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte, que na busca de sua afirmação perante a sociedade francesa resgatou a figura do tio no passado para ser legitimado no presente junto à sociedade francesa.
Ou seja, essa prática da busca pela legitimação pelo governo atual no passado, não é algo novo, cotidianamente os mais diversos governos do mundo buscam sua legitimação em um passado glorioso. E na Argentina isso não é diferente.
Evita Perón através dos aparelhos do Estado – e principalmente da propaganda – tornou-se santa, amada e idolatrada até os dias de hoje. Aproveitando-se desta imagem seus sucessores se apropriam de sua imagem buscando legitimar o governo atual.
Segundo Marc Ferro “controlar o passado ajuda a dominar o presente, a legitimar tanto as dominações como as rebeldias”, a esta frase complemento a afirmação de Marc Bloch de que “a ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente, compromete no presente, a própria ação”. Agora analisando em conjunto as duas afirmações pode se chegar à conclusão de que: 1º um passado glorioso (ou resgatado como glorioso) legitima as ações do governo atual. 2º a partir do momento que o Estado se apropria da memória esta passa a ser considerada um monumento, pois também funciona como um legitimador perante a sociedade. 3º A história oficial é um instrumento de manutenção da ordem dentro de um Estado. 4º A ignorância histórica de um povo faz com que essa situação se perpetue.
Finalizo aqui não condenando o Populismo, o Peronismo ou as artimanhas de Evita Perón em sua busca por ascensão social, mas buscando compreender como tal forma política surgiu naquele determinado momento e quais os ecos que, todavia, refletem em nossa realidade. Pois, segundo Marc Bloch “ao historiador não cabe julgar, mas sim compreender. Contudo compreender nada tem de uma atitude de passividade”.
Bibliografia.
VICENTINO, Cláudio: História Geral. ed. Atual. São Paulo; Scipione, 1997.
CÁCERES, Florival: História da América. ed Atual São Paulo; Scipione, 1992.
BLOCH, Marc: Apologia da História ou o Oficio do Historiador. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2001.
FERRO, Marc: A Manipulação da História nos Ensinos e nas Telecomunicações. São Paulo. Ibrasa. 1983
GUTFREIND, Cristiane Freitas: O Filme e a Representação do Real. Revista da Associação Nacional dos programas de prós-graduação em comunicação. PUC-RS.
Assista ao filme online:
http://www.saudadeeadeus.com.br/filme611.htm