quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Meu ponto de vista. O olhar de um professor recém formado e recém filiado, sobre a APEOESP.

Não tem conversa! Um sindicato deve ser combativo!

William C. T. Rodrigues
Durante os 4 anos que duraram meu curso de graduação, sempre entendi a APEOESP como uma instituição inimiga do professor em inicio de carreira. E essa não é apenas a minha opinião é também a opinião da maioria dos estudantes dos cursos de licenciatura do Estado de São Paulo. Quando disse a meus amigos que me filiei ao sindicato, quase fui linchado! 
Nunca vi motivos para me filiar a uma coisa, que acreditava, só me prejudicar. Não via luta, não via pressão, não via oposição ao governo. Um sindicato de verdade deve ser combativo e fiel, acima de tudo, a classe que representa!
Como não conhecia o interior do sindicato, acreditava que a APEOESP era formada por um grupo de pessoas “sagradas e intocáveis”, que não faziam nada a não ser gritar aos quatro ventos palavras de ordem e no interior do gabinete do secretário da educação “abanar o rabinho” e dizer amém. Mas conhecendo melhor cheguei à conclusão de que estava certo! É isso mesmo o que acontece! Nunca, em minha vida, vi tanta picaretagem quanto nas assembléias do sindicato.
Mas o ponto que quero chegar é: se a APEOESP continuar nesse ritmo, dentro de alguns anos o número de filiados vai cair a níveis críticos, pois a coisa que a nova geração de professores mais odeia é saber que está sendo manipulada e no caso do sindicato isso é explicito.
Somente me filiei, pelo fato de descobrir (pois, não sabia) que dentro da APEOESP existia oposição e que esta era realmente combativa, diferente da diretoria e seus acordinhos internos.
A oposição dentro da APEOESP é de extrema importância para a validade do sindicato, pois, “quando todos pensam igual, ninguém está pensando!” E quando a diretoria utiliza-se de artimanhas para neutralizar a atuação dos opositores, apresenta-se ai sua total incapacidade de representar os professores, pois, se as suas propostas fossem realmente boas para toda a categoria, não haveria necessidade de serem votadas apenas entre “amiguinhos”.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Jorge Ferreira & Lucilia de Almeida Neves Delgado: Espionagem, Polícia Política, Censura e Propaganda.


Espionagem, polícia política, censura e propaganda.
(P. 169) Introdução:
(P. 174) Neste breve ensaio tentarei demonstrar que a história do período também pode ser vista a partir da trajetória dos militares da “linha dura”, isto é, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis, que com um discurso anticomunista e anticorrupção ansiavam por maiores prazos para completar os expurgos iniciados em 1964, a chamada “operação limpeza”.   (...)
A linha-dura iniciada com Costa e Silva foi um grupo de pressão que reclamava por meios e modos para a punição. Com o AI-2 e o AI-5 conseguiu tais instrumentos e deu início, transformando-se em comunidade ou sistema de segurança.
(P. 175) A comunidade se amparava nos pilares básicos de qualquer ditadura: A espionagem, a polícia política e a censura. E contavam com a propaganda política, que forneciam suporte ideológico para suas ações.
Espionagem.
Golbery do Couto e Silva criou três meses antes do golpe o SNI (Serviço Nacional de Inteligência), contando com consultoria norte-americana. Segundo ele mesmo disse: “havia criado um monstro”.
(P. 176) Na verdade, o monstro somente seria criado depois da vitória da linha dura, com a posse de Costa e Silva para a presidência e General Jayme Portella de Melo para ministro chefe da casa militar.
A partir de janeiro de 1968, o CSN (Conselho se Segurança Nacional) teve suas competências aumentadas e pode ampliar-se criando as DSI (Divisões de Segurança e Informações) que se tratava de uma vasta rede de espionagem, implantada em todo o país: ministérios civis, autarquias, fundações e diversos órgãos públicos. Se a repartição era importante deveria contar com a AESI (Assessoria Especial de Segurança e Informações).
Jayme Portella primeiramente providenciou a aprovação do Conceito Estratégico Nacional, espécie de manual no qual todos os aspectos da política de governo estão estabelecidas.
(P. 177) Com base nesse “conceito”, o SNI aprovou, em junho de 1970, o seu “Plano Nacional de Informações”.
O SNI tinha status de ministério e coordenava todas as ações em território nacional.
(P. 178) O que se fazia numa DSI diferia muitíssimo daquilo que se passava num DOI. O primeiro fazia escutas telefônicas, recortava jornais, redigia avaliações; o segundo submetia prisioneiros a choques elétricos ou o pau-de-arara. Entretanto as duas atividades não eram desconexas.
Em 1971 foi criada a Escola Nacional de Informações (EsNI) que pretendia formar espiões civis, para que o SNI se transformasse em uma CIA. As forças armadas, cada uma tinha seu próprio órgão de inteligência.
(P. 179) O SNI, as DSI’s e todos os demais órgãos de informação compunham a “comunidade de informações”. O destino dessas informações era o ministro da respectiva pasta.
O Sisni era basicamente um sistema de “inculpação” de pessoas, orientado pela suspeita universalizada do “movimento comunista internacional”.
(P. 180) Em resumo, elegia-se a priori o suspeito e providenciava-se a culpa depois. Quando não existiam indícios, eles eram fantasiados.
(P. 181) Durante a ditadura, além dos casos óbvios de perseguição, prisão, tortura de militantes e quadros organizados, praticados pela polícia política, milhares de pessoas foram espionadas, julgadas e prejudicadas pela comunidade de informações. Muitas nem sequer souberam disso.
Polícia Política.
Uma tese destaca o endurecimento do regime só após o AI-5, entretanto a ditadura desde o início foi extremamente rigorosa com seus inimigos.
(P. 182) Essa tese acompanha a ideia de que a luta armada, segundo os militares é que levou ao AI-5. E a esquerda afirma que foi o AI-5 que levou a opção pela luta armada.
Na verdade, ambos, já planejavam “endurecer” cada um a seu modo de longa data.
(P. 183) Uma das principais motivações para o AI-5 foi à insatisfação da linha dura com o desenvolvimento dos primeiros inquéritos policiais militares (IPM). Antes do AI-5 as tentativas de punição esbarravam na concessão de habeas corpus pela Justiça. (P. 184) Com isso os processos tardavam e as punições não eram obtidas. Assim a “Revolução” não alcançariam seus objetivos.
Uma das principais exigências dos militares eram: fim do habeas corpus e a criação de um foro especial para crimes políticos.
Tudo isso prova que o endurecimento do regime já havia sido planejado. Mas a estrutura repressiva que marcou o pós-68 foi criada através de diretrizes secretas.
Desde julho de 69 funcionava, em São Paulo, a “Operação Bandeirantes” (Oban) criada com ajuda dos EUA, que promovia uma ação conjugada e permanente de combate as guerrilhas urbanas. Com o apoio das forças armadas, polícia militar e civil, amparados pelo governo estadual e financiada por empresários.
(P. 185) A estrutura da Oban inspirou o sistema Codi-DOI. Os Codis eram órgãos de planejamento, dirigidos pelo chefe do Estado Maior do respectivo exército. Controlavam execuções das medidas repressivas e buscavam articular todas as instâncias envolvidas. Os DOI’s faziam o trabalho sujo: prisão, tortura e assassinato.
(P. 186) Com o auxílio da “comunidade de informações” o Codi-Doi, tentava justificar sua existência.
(P. 187) Com a posse de Ernesto Geisel a tortura deixou de ser generalizada, mas o Sissegin só seria extinto no final do governo Figueiredo.
A ação repressiva da ditadura militar mesclava espionagem e polícia política com “justiça” sumária.
Censura.
(P. 188) A censura sempre existiu no Brasil, os militares apenas as adequaram a nova realidade.
(P. 189) Além da imprensa todas as atividades artísticas, culturais e recreativas foram reguladas. Com o AI-5 a censura se tornou mais sistemática. Como não havia leis específicas para a atividade, a imprensa, passou a ser censurada com base nas definições propositalmente ambíguas da lei de Segurança Nacional. Algumas sofrendo com um censor na redação.
Essa ideia de que a imprensa lutou contra a ditadura e foi vítima da censura, aos poucos é desmascarada. Alguns sim lutaram contra, mas muitos no Brasil assumiram posturas de apoio ao regime e tem sido chamado por vezes de “autocensura”.
(P. 190) A censura ao contrário do que se dizia, era algo muito bem organizado. Havia dois tipos de censura a Imprensa: o 1º chamado de “censura prévia” poderia ser feito na própria redação do periódico. O 2º era a fiscalização sistemática e velada para impedir a divulgação de notícias ou comentários contrários ao regime e às instituições.
Os dois procedimentos baseavam-se numa classificação de temas censurados que a ditadura chamava de “proibições determinadas”.
(P. 191) A ideia de confusão na censura, não é de toda incorreta: Integrantes da comunidade de segurança conseguiram muitas vezes censurar temas sem a intermediação do Ministério da Justiça.
Defesa da moral e dos bons costumes sempre foi o objetivo dos órgãos de censura das chamadas “diversões públicas”, isto é, teatro, cinema, espetáculos musicais e até mesmo circo.
Propaganda.
Três dias depois da posse de Médici, definiram-se as diretrizes que norteariam a maior campanha de propaganda jamais vista no Brasil.
(P. 194) Otávio Costa foi convidado por Médici para chefiar a AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas), e convidou Toledo Camargo para auxiliá-lo.
(P. 195) A AERP foi criada em janeiro de 68 durante o governo Costa e Silva e vinha de uma experiência desastrosa com seu primeiro chefe Hernani d’Aguiar. Com propagandas de cunho oficial que enalteciam o país de forma ufanista não convencia. Segundo pesquisas a imagem do governo era ruim.
Eles tentavam desviar as atenções para fatos notáveis onde o cidadão apenas precisava ser lembrado dos motivos que tinha para enaltecer o governo.
Otávio Costa logo percebeu que deveria romper com a estratégia de d’Aguiar e encontrar outros caminhos.
(P. 196) Adotou o nome de relações públicas ao invés de propaganda política. Em seguida definiram jargões que estabeleciam os objetivos das atividades de “comunicação social” do regime. Com frases que afirmavam exatamente o contrário do que se vivia.
Portanto, também na propaganda política, o regime agia envergonhadamente, desejando não ser reconhecido como uma ditadura, negando que houvesse propaganda política, como negava que houvesse tortura ou censura.
A propaganda amparando-se nas leituras sobre o Brasil, em especial Gilberto Freyre.
(P. 197) Otávio Costa acreditava no “poder moderador” dos militares que deviam ensinar ao Brasil a proteger-se dos privilégios políticos civis.
Ele sabia do grande senso de ridículo dos brasileiros, o que inviabilizava a propaganda política típica que enaltecesse a autoridade ou ostentasse os sinais típicos do poder.
Daí a opção por uma propaganda que falasse de solidariedade, amor e participação em plena ditadura.
Otávio Costa produzia “filmetes” que se dividiam em dois grupos: os de natureza educativa e os de caráter ético-moral.
(P. 198) Esse tipo de propaganda do regime era ridicularizado por pessoas de esquerda, mas teve grande repercussão entre a população.
O Regime militar delineou um sistema de propaganda que amparava ideologicamente a repressão e buscava encobri-la e isso de fato se deu.
A pretensão de Otávio Costa e de Toledo Camargo era educar o povo.
(P. 199) Mas a impressão que ficava era de tentativa de lavagem cerebral.
Conclusão.
O propósito deste ensaio foi o de mostrar as especificidades dos sistemas que compunham o aparato repressivo da ditadura militar.
Tais sistemas não foram “inventados” pelo regime, que em alguns casos, se amparou em experiências preexistentes, os da espionagem e da censura.
Porém, é certo que os reinventou, criando estruturas que seriam copiadas até mesmo fora do Brasil, como o sistema de segurança.
Bibliografia:
FERREIRA; Jorge & DELGADO; Lucilia de Almeida Neves: “O Brasil Republicano”. Livro 04. “Introdução” pág.169-203.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Pequena História dos Historiadores de Philippe Tétart.

Capitulo 10: Entre a Ciência e Pedagogia Cívica.

(P. 97) Em meados do séc. XIX o mundo dos historiadores é submergido por uma febre documental, que pesa na evolução da profissão.
(P. 98) Para manter esse patrimônio o Estado passa contratar funcionários: arquivistas, inspetores dos monumentos históricos, conservadores de museus e bibliotecas e professores.   (...)
Para os professores as mudanças são primordiais, favorecendo a mudança da mentalidade e da condição do historiador. E é nesse momento que o lugar dos historiadores no mundo é legitimado, pois, tendo-se tornado uma disciplina curricular a história afirma seu estatuto cientifico.
(P. 99) Uma Ciência e seu Método.
Sob a influência positivista, as regras da história se tornam precisas.
O Reinado do Documento: O Rigor Seco da História Metódica.
Baseada nas opiniões de Monod (1844-1912) a história nova é estritamente metódica.
Em nome de um racionalismo total prega unicamente o estudo das fontes escritas: coleta dos documentos (heurística), critica externa (data, autor, origem), crítica interna (hermenêutica), resumo crítico, síntese e colocação em perspectiva dos dados.
(P. 100) O Historiador entrincheirado atrás do documento.
O método de Monod é rigoroso e perverso. Considerando somente a historicidade do escrito, o historiador positivista encerra-se numa torre de marfim, evita confrontar-se com a análise, recusa o poder da intuição, dos dados orais, etc. Em suma, evita confrontar-se com as indeterminações da história.
E por detrás do “fetichismo do documento” esconde-se o ideal de uma história perfeita.
(P.101) A história como “ciência social”: Lavisse um historiador cidadão.
Ernest Lavisse (1842-1922) compõe uma história clara, clássica, exigente e inteligível para o grande público.
Lavisse considerava a história como parte integrante da disciplina cívica e patriótica.
(P. 102) Ele promove o sentimento de pertença e de unidade nacional, o respeito mútuo na cidadania. Lavisse prega lição moral laica, patriótica e republicana, tingida às vezes por acentos revanchistas.
A história como pedagogia social.
Formar bons cidadãos, bons eleitores e bons soldados que “amam seu fuzil”, é a divisa do trabalho emblemático de Lavisse. Fazer história em 1900 não é portanto um ato neutro.
(P.103) O historiador cientifico, profissional e republicano acredita ser o aguilhão da consciência social e política do cidadão, e desempenha assim um papel na vida cívica. 
Bibliografia:
TÉTART; Philippe: “Pequena História dos Historiadores”. Ed Edusc, pág.97-103.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

03/12/10 - MPF-SP ajuíza ação para que programa Brasil Urgente se retrate de atitude preconceituosa contra ateus

São discursos assim que jogam países em guerra civil.
  Por cinquenta minutos apresentador e repórter proferiram ofensas e declarações preconceituosas contra cidadãos ateus; TV aberta é concessão pública e não pode ser usada para disseminar preconceito
  O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Rede Bandeirantes de Televisão seja obrigada a exibir, durante o programa “Brasil Urgente”, um quadro com retratação das declarações ofensivas às pessoas ateias, bem como esclarecimentos à população acerca da diversidade religiosa e da liberdade de consciência e de crença no Brasil, com duração de no mínimo o dobro do tempo usado para exibição das mensagens ofensivas.   (...)
  É pedido também que a União, através da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, seja obrigada a fiscalizar adequadamente o referido programa e, inclusive, a exibição em questão.
  No dia 27 de julho, no Programa Brasil Urgente, o apresentador José Luiz Datena e o repórter Márcio Campos, durante reportagem sobre um crime bárbaro, fizeram comentários preconceituosos sobre pessoas ateias. Por cinquenta minutos, o apresentador e o repórter relacionaram os crimes às pessoas que não acreditavam em Deus.
  “Esse é o garoto que foi fuzilado. Então, Márcio Campos (repórter), é inadmissível, você também que é muito católico, não é possível, isso é ausência de Deus, porque nada justifica um crime como esse, não Márcio ?”
  Em todo o tempo em que a matéria ficou no ar, o apresentador associava aos ateus a ideia de que só quem não acreditava em Deus poderia ser capaz de cometer tais crimes.
  “...porque o sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente vê esses crimes aí.”
  Além disso, o apresentador atribuía os males do mundo aos descrentes “...É por isso que o mundo está essa porcaria. Guerra, peste, fome e tudo mais, entendeu? São os caras do mau. Se bem que tem ateu que não é do mau, mas, é ..., o sujeito que não respeita os limites de Deus, é porque não sei, não respeita limite nenhum.”
  PESQUISA - Mesmo sabendo que as declarações eram preconceituosas e imputavam crimes a pessoas ateias, a TV Bandeirantes permitiu a veiculação de uma pesquisa interativa sobre a opinião de seus telespectadores acerca do assunto, o que permitiu que o apresentador José Luiz Datena continuasse a ofender as pessoas que não acreditavam em Deus, dando a entender que quem votava na pesquisa declarando-se ateu era bandido.“Muitos bandidos devem estar votando do outro lado", afirmou.
Para o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, ao veicular as declarações preconceituosas contra pessoas que não compartilham o mesmo modo de pensar do apresentador, a emissora descumpriu a finalidade educativa e informativa, com respeito aos valores éticos e sociais da pessoa, prestou um desserviço para a comunicação social, uma vez que encoraja a atuação de grupos radicais de perseguição de minorias, podendo, inclusive, aumentar a intolerância e a violência contra os ateus.
  “Evidentemente, houve atitudes extremamente preconceituosas uma vez que as declarações do apresentador e do repórter ofenderam a honra e a imagem das pessoas ateias. O apresentador e o repórter ironizaram, inferiorizaram, imputaram crimes, 'responsabilizaram' os ateus por todas as 'desgraças do mundo'”, afirma o procurador.
  O procurador ainda ressalta que todos têm direito a receber informações verídicas, não importando raça, credo ou convicção político-filosófica, tendo em vista que grande parte da sociedade forma suas convicções com base nas informações veiculadas em programas de rádio e televisão.
  Ao veicular declarações ofensivas aos cidadãos ateus, em um programa de grande audiência, a TV Bandeirantes deixou de atender aos princípios da legalidade e moralidade. Assim, além de desrespeitar a proteção constitucional à liberdade de consciência e crença ao transmitir as ofensas no programa, não esclareceu aos telespectadores que se tratavam de afirmações absurdas.

Ação Civil Pública nº 0023966-54.2010.4.03.6100, distribuída à 5ª Vara Federal Cível de São Paulo.
 
Notícia retirada do site do Ministério Publico Federal.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Participação das Diferentes Classes sociais na França (1848-1852) segundo Karl Marx.

Qual foi o papel de cada classe social francesa nestes emblemáticos 4 anos (1848-1852) segundo Marx.

A burguesia industrial liderando a revolução de fevereiro de 1848 põe fim à monarquia de julho do rei Luiz Felipe que foi instaurada em 1830 e cria a segunda república onde se instaura o governo provisório. A burguesia industrial republicana tem destaque especial neste momento, pois como vanguarda revolucionaria organiza e lidera uma coalizão de classes com o intuito de derrubar a aristocracia. Essa ampla aliança de classes é formada pela burguesia industrial de tendências republicanas e liberais, a pequena burguesia de tendências democratas, a classe operária de tendências socialistas utópicas e a massa camponesa de forma esporádica.  (...)
Essa coalizão de classes forma o governo provisório comprometido em convocar uma assembleia nacional constituinte.
O problema é que os interesses da classe operária eram antagônicos aos interesses das outras classes sociais. E diante da incapacidade da burguesia francesa em aderir às reivindicações da classe operária esta resolveu assumir a frente do processo revolucionário promovendo em junho de 1848 a primeira revolução socialista da história. Do massacre resultante desta fracassada insurreição surge o general cavaignac.
Com essa revolta, a burguesia industrial e todas as outras classes possuidoras da França se organizam em alianças temendo outras insurreições. O medo de outra insurreição operária, faz com que a burguesia francesa se jogue nos braços de Luiz Bonaparte. Em dezembro de 1848 Luiz Bonaparte ganha as eleições
A partir de 1848 a burguesia, não só na França, como em toda a Europa perdeu todo seu caráter revolucionário, cedendo seu poder político em troca da conservação do poder econômico. A partir deste momento a classe operária torna-se a vanguarda da revolução.
Em 1849 a pequena burguesia na busca de regulamentar a constituição de forma democrática, da início a uma insurreição que também é massacrada. As outras classes possuidoras então se organizam em torno do partido da ordem. Um partido formado para a contenção da revolução. E em maio de 1850 o partido da ordem abole o sufrágio universal voltando ao voto censitário, deixando bem claro as três maiores classes numericamente falando (operária, pequena burguesia e campesinato), que seus interesses seriam “atropelados”.
Essas três classes então recorrem, mesmo a contragosto de seus líderes políticos, a Luiz Napoleão, aquele que dentro do Estado ainda é oposição ao partido da ordem. E assim em dezembro de 1851 Bonaparte dá o golpe e o partido da ordem é incapaz de evitá-lo.
Iniciando-se assim a primeira ditadura moderna, concentrando todos os poderes, porém, com sufrágio universal. Consolidando seu golpe em novembro de 1852, quando Luiz Bonaparte se autoproclama imperador Napoleão III.

A PARTICIPAÇÃO DAS DIFERENTES CLASSES SOCIAIS NA FRANÇA ENTRE 1848-1852 SEGUNDO KARL MARX EM O 18 BRUMÁRIO.

Analise da Política como Farsa no Golpe de Napoleão III.

Karl Marx (1818-1883) em seu livro “O 18 Brumário de Luíz Bonaparte” analisa o golpe aplicado por Luiz Bonaparte em 1852, em que o mesmo proclamou-se imperador assumindo o título de Napoleão III e criando o segundo império Francês. O próprio título do livro de Marx é carregado de ironia, pois traz a data do golpe de Napoleão Bonaparte contra o diretório, deixando bem claro a tentativa do sobrinho de imitar o tio. O 18 Brumário foi publicado em 1852, alguns meses após o golpe de Luiz Bonaparte, e por esse motivo desempenhou crítica ferrenha ao regime de Napoleão III.
Marx inicia seu livro relembrando o pensamento de outro célebre filosofo alemão: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes.” e completa “E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Fica clara a posição de Marx ao golpe de Luiz Bonaparte, ele não passaria de uma sombra, uma caricatura de Napoleão Bonaparte, onde, para legitimar-se no presente é necessário buscar raízes no passado, mesmo que essas raízes não passem de devaneios e invenções.
A busca por legitimidade cria a política como farsa. A política apenas com cópia mal feita de eventos passados e esses eventos passados nada mais são do que cópias mal feitas de um passado ainda mais distante.
O objetivo desta afirmação é levar o leitor, contemporâneo dos acontecimentos franceses de 1851, a compreender que a repetição (mal feita) da história nada mais é do que uma farsa, uma busca por legitimidade e alertar que Napoleão III não é Napoleão I, pois, Luiz Bonaparte somente utiliza-se de sua memória para manter-se o poder.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Receita de como se criar um marginal

No Brasil os jovens pobres são massacrados. São simplesmente carne barata.
Por: William Cirilo Teixeira Rodrigues
Falcão Mv Bill Composição: Mv Bill
Jovem, preto, novo, pequeno.
Falcão fica na laje de plantão no sereno.
Drogas, armas, sem futuro.
Moleque cheio de ódio invisível no escuro, puro.
É fácil vir aqui me mandar matar, difícil é dar uma chance a vida.
Não vai ser a solução mandar blindar.
O menino foi pra vida bandida.

  Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro, Brasil. 25 de novembro de 2010. “É fácil vir aqui me mandar matar, difícil é dar uma chance a vida”.
  O Traficante.
  Como se forma um marginal?
  A receita é fácil e o governo brasileiro é especialista em fazer esse prato. Os ingredientes são simples, pois, utiliza-se apenas de carne barata.
   Modo de preparo: Pegue um menino e de a ele através da televisão milhares de sonhos, mostre pela novela família bem estruturadas e café da manhã com a mesa farta, durante o comercial ofereça tênis e lindas roupas de grife, mostre que sem aquela determinada marca ele será rejeitado pelas garotas.
  No momento em que ele estiver em meio a um mundo de fantasia que é uma mistura de Gabriel García Márquez e Michael Ende, tire todas as suas esperanças por meio da realidade que o cerca. Deixe que vá a escola e seja hostilizado por usar roupas ganhadas na campanha do agasalho, que sua única refeição é aquela feita na escola e que tenha mesmo em idade escolar trabalhar, ou mesmo pedir esmolas para ajudar sua família.
  Deixe-o crescer em uma sociedade onde o ter é mais importante que o ser. Onde o Ter um carro é mais importante que Ser honesto.
  Apresente a realidade como imutável e irreversível e mostre como exemplo claro seu pai ou sua mãe, que apesar de sempre trabalhar e andar de acordo com a lei mora em um barraco a beira de um precipício. Deixando bem claro a esse garoto que o trabalho e a melhoria de vida não estão ligados, e que até mesmo são antagônicos.
  Misture tudo isso a um Estado ausente e a uma polícia repressora dos mais pobres.
Enquanto vaga pelas vielas de seu bairro apresente a esse jovem o tráfico de drogas, apresente a ele o poder intimidador de um fuzil e todo o dinheiro fácil, dê a ele as roupas que sempre sonhou, deixe-o andar com a moto que sempre viu na TV. Diga a ele que é a única maneira de ter uma vida melhor, nem que seja por alguns dias, está na marginalidade.
  E agora que a receita está pronta é só matar...Sirva com Ibope de 60 pontos no Jornal Nacional. A receita dá para milhões de espectadores brasileiros e é bastante apreciada com carnificina.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Odisseia de Homero

Homero foi o primeiro grande poeta grego.Teria vivido no séc. VIII a.C, período coincidente com o ressurgimento da escrita na Grécia. Consagrou o gênero épico com as obras Ilíada  e Odisséia. 
Por Marcelo José Ferreira
Introdução.
A mitologia grega reflete dentre outras emoções, sentimentos, afetividades, força, honradez, beleza, fala sobre guerras, poder, vida, morte, bem e mal. Enfim, usa essas narrativas para contar sobre a origem das coisas. Sem esquecer que essas coisas são incontestáveis e inquestionáveis. E essa história em particular onde Ulisses é o protagonista de um vasto ciclo de lendas, com tantas viagens e aventuras que arrebatam qualquer leitor.
 Resumo do Livro
.Ulisses fazia dois anos de casado com a bela Penélope, quando estourou a guerra de Tróia. Tudo fez para não ir mais foi obrigado a partir.Durante a guerra mostrou sua prudência e o valor de seus estratagemas. Quando a guerra acabou, Ulisses rumou para Ítaca, porém a sorte lhe foi adversa durante dez anos.
.Atirado por um furacão sobre as costas de Cicônia, seus marujos ao comerem um fruto chamado loto, se esqueceram de ter cuidados e responsabilidades. Mal tinham se recobrado da aventura quando enfrentou o Ciclope de Polifemo filho de Poseidon. Os ciclopes eram uma raça de gigantes de um olho só, que ocupavam uma fértil região atraindo Ulisses, esse se dirigiu para a caverna de ciclope e ele quando chegou lá com seu rebanho de ovelhas já os encontrou. Fez algumas perguntas sobre quem eram, de onde vinham e sem mais perguntas pegou dois marujos espatifou-os no chão e os comeu. Os fez de refém e foi dormir, no dia seguinte comeu mais dois e saiu para pastorear suas ovelhas. Ulisses passou a arquitetar um plano para sair dali. Achou um grande pedaço de madeira fez uma lança amolou bem a ponta e esperou o retorno de Ciclope, esse ao retornar aceitou vários potes de um vinho muito forte que Ulisses ofereceu e esse conversando e contando suas façanhas ia distraindo Ciclope, que perguntou o seu nome e Ulisses respondeu “outis” que em grego é ninguém.Ciclope disse a ele que iria ser o ultimo a ser comido, e dormiu embriagado de tanto vinho. Ulisses aproveitou e cravou sua lança em seu olho, Ciclope começou a urrar de dor, o que chamou a atenção de outros ciclopes que moravam por perto, como sua caverna ficava fechada por uma grande pedra eles gritaram lá de fora: Tem alguém te atacando e Ciclope respondia “outis” ou seja, ninguém e eles se foram sem maiores preocupações. No dia seguinte Ciclope sem enxergar abriu sua caverna para deixar suas ovelhas passarem e junto a elas amarrados em suas barrigas todos os marujos e Ulisses. E foi assim que ele deixou a ilha de ciclope.
.Ulisses velejou até Eólia, cujo rei, Eólo, tinha recebido dos deuses o poder sobre os ventos.Foram recebidos com hospitalidade e quando foram embora Ulisses ganhou de presente do rei uma bolsa de couro com ventos tempestuosos aprisionados. Eólo Mandou uma boa brisa os acompanhar até Ítaca e por 10 dias foi o que aconteceu.Ulisses ficava no leme o tempo todo, mas dormiu e nesse momento seus marujos com curiosidade e inveja abriram sua bolsa de couro libertando os ventos, esse provocou uma grande tempestade que os arremessou as praias dos povos antropófagos chamados Lestrigões, logrando escapar, foi Ulisses dar á ilha de Ea, onde morava a maga Circe que transformava humanos em animais. Ele a enfrentou, e a cativou, salvou seus marujos e permaneceu com ela por um ano, de vez enquanto lembrava-se de Ítaca. Circe sugeriu que antes de seu retorno a sua terra natal deveria visitar o mundo inferior ou reino dos mortos para consultar o profeta Tebano Tirésias e esse lhe dar instruções para esse retorno.
.Assim Ulisses navegou e atracou perto do bosque de Perséfone. Lá na margem ele cavou uma vala e colocou oferendas como mel, água, leite, vinho e sobre tudo isso sangue de uma ovelha negra. Atraídos pelo cheiro de sangue as almas dos mortos surgiram para beber, o primeiro a aparecer foi Elpenor um de seus marujos que morreram na ilha de Circe e não teve enterro, Ulisses prometeu que assim que pudesse resolveria isto. Quando Tirésias apareceu bebeu o sangue e disse que Ulisses tinha boa possibilidade de seu retorno a salvo para casa, mas deveria se certificar de não pilhar o rebanho do sol da ilha de Trinácia, também o alertou sobre a situação que encontraria em Ìtaca, onde pretendentes astutos estavam cercando sua esposa fiel Penélope. Ulisses deixou outras almas se aproximarem o que lhe possibilitou falar com elas. A outra alma que surgiu foi de sua mãe que lhe contou como tinha sido sua morte, o estado lamentável de seu pai e os bravos esforços de sua esposa em repelir seus pretendentes. Penélope confeccionava uma colcha e dizia que quando acabasse escolheria um de seus pretendentes, só que à noite ela desfazia todo trabalho que fizera durante o dia e assim ela postergava uma decisão.Ulisses pode ver muitos heróis que estavam por ali. Mas em determinado momento tantas foram as almas que apareceram, que Ulisses teve que ir embora correndo e muito assustado para seu navio e retornou ao mundo dos vivos.
.Ulisses retornou a ilha de Circe para sepultar Elpenor e Circe deu mantimentos e instruções para sua jornada.
.O navio velejou primeiro pela ilha das sereias, terríveis criaturas com cabeças e vozes de mulher mais corpo de pássaros que existiam com o propósito de atrair marinheiros para o fundo do mar com suas canções. Quando o barco se aproximou uma calmaria enorme se abateu sobre o oceano e a tripulação usou remos de acordo com as instruções de Circe e tampos de cera nos ouvidos para não ouvir seu canto e Ulisses foi amarrado ao mastro para que pudesse sair a salvo pelo perigo e ainda ouvir a canção. “Venha para perto Ulisses” cantavam as sereias. Ulisses gritou que o soltassem, mas esses não podiam ouvi-lo e remaram até que o perigo passou.
.Sai-se bem dos perigos de “sila” e “caribde” respectivamente um mostro de um rodamoinho terrível.
.Depois seu navio aproximou-se da ilha de Trinácia, um local de pastos fartos onde Apolo mantinha seu rebanho de gado.Ulisses tinha sido alertado tanto por Circe e por Tirésias que se esperava chegar a Ítaca vivo, deveria evitar o local. .Explicou isso aos seus homens mais esses cansados e deprimidos insistiram em lançar ancora para passar a noite na praia, deparando com um motim Ulisses não teve o que fazer a não ser fazê-los prometer em não tocar no gado, naquela noite fez-se uma tempestade e por todo o mês o vento soprou sendo impossível zarpar.Enquanto possuíam previsões que Circe tinha lhes dado os homens mantiveram sua promessa, mas movidos pela fome aproveitaram uma oportunidade em que Ulisses tinha se ausentado e abateram alguns gados e resolveram sacrificar um para abrandar a ira dos deuses. Ao retornar Ulisses sentiu o cheiro de carne assada, a repreensão seria inútil, pois o mal já tinha sido feito e os deuses estavam determinados à vingança. Quando o vento amainou zarparam, mas nem bem se afastaram umas terríveis tempestades surgiu e um raio caiu sobre o barco que toda tripulação se perdeu. Ulisses foi o único a se salvar. Permaneceu no mar por dez dias agarrado o destroço até que foi jogado nas areias de Pgigia onde morava a ninfa Calipso, filha do oceano, ela se tornou sua amante e ficaram por sete anos juntos, pois Ulisses também não tinha como escapar. A deusa Atena acabou enviando Hermes para explicar a ninfa que o visitante tinha que ir embora, Calipso apesar de relutante sabia que devia obedecer e assim forneceu material para fazer uma jangada, deu-lhe comida, bebida e invocou um vento suave para levá-lo na ultima etapa da viagem. Sem incidentes aproximou-se da terra dos Feácios, grandes marinheiros que estavam destinados a levá-lo na ultima etapa de sua viagem. Mas Poseidon intervém, detestava Ulisses pelo que tinha causado em seu filho Ciclope Polifemo e agora irado por vê-lo tão próximo de terminar sua jornada, enviou uma tempestade que partiu seu mastro e a deixou a deriva dos ventos. Ulisses foi salvo da morte pela ninfa Ino que lhe deu um véu, instruindo que se amarra ao redor da cintura abandonasse o barco e nadasse até a praia.Quando uma onda grande despedaçou sua jangada Ulisses fez o que tinha sido lhe dito e por dois dias nadou em frente e no terceiro alcançou as praias de feácia e acabou conseguindo chegar à costa de onde atirou de volta ao mar o véu de Ino, e descansou.
.Chegou à ilha de Ítaca disfarçado de mendigo. Revelou sua identidade a seu filho Telêmaco e depois de matar os pretendentes de sua esposa, recuperou o reino.Movimento esse que conclui sua odisséia.
 Conclusão
.Ulisses foi um exemplo de força, grandiosidade, astúcia e bom senso, valentia e prudência, um modelo de marinheiro e comerciante.Um estrategista fantástico. Um sedutor irresistível que deixava as mulheres a sua mercê. Uma fonte inesgotável de inspiração do homem em superar adversidades.
Sua esposa Penélope perpetuou como símbolo um modelo de fidelidade e honradez.
A mitologia grega é uma forma de educar e direcionar o cidadão grego e com esses exemplos de história a figura do herói é de extrema importância.È imprescindível para formação de sua cultura.
O Homem que graças a sua sagacidade consegue sobreviver pode demorar, mas colhe sem duvidas as riquezas de sua escolha acertada (a razão o rege). O homem que não desiste, que tem o senso de medida é o mais inteligente (ele era prudente).Homem viril consegue o que quer porque além de permitido ele prova sua masculinidade (ele conquistava todas as mulheres).E as mulheres devem ser fiéis a seus homens desde aquela época, mas até hoje a sociedade continua machista (vide Penélope, que esperou por Ulisses até o fim).Ele deve ter Kairós, ou seja, o momento oportuno para resolver as coisas.
.Torna-se um respeitado rei e herói aquele que passa por tantas adversidades em que prova e comprova sua importância e competência. Esse é o princípio que deve permear o cidadão grego.

Bibliografia:

.A Odisséia de Homero

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Adam Smith e as Instituições Históricas na Segundo Metade do Século XVIII.


Adam Smith e as Instituições Históricas na Segundo Metade do Século XVIII.
Por: João Pedro L. Cassiano

“Acontece que muitas vezes as leis conservam sua vigência ainda muito depois de cessarem de existir as circunstâncias que lhes deram origem, circunstâncias essas que constituíam a única justificativa razoável de tais leis”.
         Adam Smith

O objetivo desse trabalho é analisar o livro terceiro de Adam Smith, intitulado “A diversidade do progresso da riqueza nas diferentes nações”. Trata-se de um esforço para compreender a noção de história presente nesse livro. Essa noção ficará mais clara quando estudarmos a história de duas instituições, a saber: a lei da primogenitura e o morgadio e o papel desempenhado pelas mesmas ao longo da história.
 Para Adam Smith, em toda sociedade política, existia uma forma de organização da sociedade que era baseada na “ordem natural das coisas”.  Essa ordem prevaleceu por um longo tempo, até que ela foi invertida e, em seu lugar, surgiu outra. Na ordem antiga, a riqueza só aumentaria se houvesse um aumento da produtividade na agricultura, que era a grande fonte de riqueza, isto é, a principal atividade geradora da riqueza. Na nova ordem, chamada de antinatural, o comércio passou a desempenhar o papel que era da agricultura. Assim, pela ação destruidora do comércio, a ordem das coisas mudou radicalmente.
Assim, o comércio, ao aumentar seu raio de ação para vários cantos do mundo, levando novos hábitos, gerou a necessidade de mais produtos para abastecer essas regiões. As manufaturas, por sua vez, cresceram e passaram a comprar mais produtos brutos do campo. O resultado disso foi a alteração da cadeia produtiva.
Embora essa situação estivesse presente na sociedade, isto é, fosse praticada pelos comerciantes, ainda existia uma série de obstáculos para o progresso dessa sociedade. Trata-se de algumas instituições feudais que, em outros tempos, foram primordiais para a sociedade e agora tinham se tornado obsoletas.
 Portanto, para a riqueza continuar crescendo era fundamental a destruição dessas instituições, no caso a primogenitura e o morgadio, que pertenciam à antiga ordem e ainda tinham um grande peso na sociedade. Elas estavam atravancando o desenvolvimento da riqueza. Eram instituições feudais que garantiam a permanência de grandes propriedades improdutivas. Para Smith, o problema era porque essas propriedades não estimulavam a produção. Os valores da nobreza proprietária de terra, não permitiam que eles utilizassem à terra de forma produtiva, visando à busca do excedente. Em parte isso ocorria devido à primogenitura e o morgadio, instituições que não permitiam a venda ou divisão da grande propriedade.
Para entendemos a crítica que Smith fez a essas instituições, podemos dividir a ação delas em dois momentos distintos. No primeiro momento, quando o objetivo dos homens não era a riqueza, elas desempenharam um papel fundamental para a sociedade. No segundo, quando a riqueza se transformou na mola da sociedade, elas passaram a ser um entrave para os homens. Daí, a razão da crítica de Smith.
A seguir, veremos como Adam Smith investigou a história com o objetivo de apontar soluções para os problemas do seu tempo.
O comércio realizado entre o campo e a cidade beneficia a todos. O campo, com o excedente produzido, abastece a cidade; esta, em contrapartida, abastece o campo com produtos manufaturados e artigos de luxo. Acontece que muitas vezes as cidades necessitam dos produtos de outros países porque os produtos produzidos no próprio país não são suficientes para a manutenção da cidade; daí a necessidade do comércio com outros países. Segundo Adam Smith, essa seria a chamada “ordem natural das coisas”. Assim, por essa ordem, os homens, em qualquer época e país se dedicariam, em primeiro lugar, à agricultura, em seguida, à manufatura, e, em terceiro, ao comércio a longa distância.
Essa ordem seria a responsável pelo “equilíbrio” entre a produção do campo e a produção da cidade - isso dentro de um país. Assim, o campo só teria condição de adquirir mais produtos da cidade se aumentasse a área cultivada ou a produtividade por algum melhoramento. Assim, o desenvolvimento, aumento da riqueza, estava subordinado à agricultura, ou seja, a riqueza só aumentaria com melhorias na agricultura. Segundo Adam Smith: “... se as instituições humanas não tivessem interferido no curso natural das coisas, a riqueza progressiva e o crescimento das cidades seriam, em toda sociedade política, consequência da melhoria e do cultivo da região ou do país, sendo também proporcional a essa melhoria e a esse cultivo”. (SMITH, 1996 p.375).
Portanto, pela “ordem natural”, o capital era investido, em primeiro lugar, na agricultura, em segundo, na manufatura, e, em terceiro lugar, no comércio exterior. Contudo essa ordem foi invertida nos modernos países da Europa, onde o comércio externo foi o fator que desencadeou o crescimento da riqueza nesses países em um ritmo muito maior do que a ordem natural. Através do comércio externo, algumas cidades desenvolveram suas manufaturas, que, por sua vez, provocou melhoramentos na agricultura. A partir desse momento, a ordem natural estava invertida: o comércio externo passou ocupar o lugar que era da agricultura.
Depois da queda do Império romano houve um período de desordem. Nesse período surgiram duas instituições que tiveram o papel de reorganizar a sociedade, a lei primogenitura e o morgadio. Essas duas instituições tinham a função de garantir a segurança da sociedade. Pela lei da primogenitura, com a morte do proprietário, a terra seria entregue ao filho mais velho, para evitar que ela fosse dividida entre os filhos. O morgadio, por sua vez, impedia que a terra herdada pelo filho mais velho fosse dividida, vendida ou alienada. Já que naquele período, qual seja, depois da queda do Império Romano, a divisão da terra significaria a ruína de todos, pois ninguém tinha condição de garantir sua própria segurança. Não existia um Estado que garantisse a segurança de todos. O nobre era o grande guerreiro dessa sociedade. Sua função era zelar pelos moradores que estavam sob sua jurisdição. Assim havia um compromisso mútuo entre os camponeses e os senhores de terra. Os camponeses trabalhavam para todos, e, em troca, recebiam segurança dada pelo senhor feudal. Em resumo, a função dessas instituições era garantir a manutenção da grande propriedade, que era uma condição necessária para a vida dos homens.
Contudo, no momento que Smith escrevia, isto é, na Europa da segunda metade do século XVIII, os principais países já estavam constituídos, e, por isso, já existia uma série de leis que protegiam a propriedade, fosse ela pequena ou grande; assim, a lei da primogenitura e do morgadio perderam sua razão de ser. Elas se tornaram um empecilho para o “progresso” da sociedade. O morgadio se transformou em um privilégio da nobreza para manter a propriedade da terra. Em consequência, a agricultura não recebia melhorias, devido à grande extensão da propriedade, principalmente devido à mentalidade da nobreza, que não visava o lucro. Essas propriedades deviam passar para mãos de pessoas ligadas a atividades produtivas.
O objetivo da sociedade que surgiu depois da queda do império romano não era o lucro. Este, não era uma necessidade para sociedade feudal. Com isso não havia interesse em fazer melhorias na terra. Os trabalhadores também não tinham interesse em fazer melhorias na terra. A maioria dos trabalhadores era formada por escravos ou servos, que estavam presos a terra. Toda melhoria que eles eventualmente fizessem pertencia ao patrão, ao dono da terra, por isso não tinham o menor interesse em aumentar a produtividade. Na época de Smith, a servidão estava abolida em várias partes da Europa, mas continuava em outras, como, por exemplo, na Rússia. Além disso, existiam outros obstáculos para a produção, como o dízimo e a propriedade cultivada por meeiros. Estes tinham que dividir tudo que produzisse ao meio, com o proprietário da terra.
Depois da queda do império romano, apenas negociantes e artífices moravam nas cidades. Os habitantes da cidade obtiveram a liberdade mais cedo do que os habitantes do campo, por assim dizer, estavam livres da servidão. No burgo, eles gozavam de certa liberdade e podiam organizar a administração da cidade conforme seus interesses. Para isso, pagavam um imposto anual ao rei.
Assim, enquanto os trabalhadores no campo trabalhavam pela subsistência, na cidade, devido à boa administração, à liberdade e à segurança “... Os cidadãos têm segurança de gozar dos frutos do trabalho, empenham-se naturalmente em melhorar sua condição e em adquirir não somente o necessário, mas também os confortos e o luxo que a vida pode proporcionar”. (SMITH, 1996, p. 394).
O progresso das cidades aumentou bastante quando estas passaram a negociar com regiões distantes. As cidades que têm mais facilidades para realizarem esse comércio de longa distância são aquelas localizadas na costa marítima ou próxima de rios. Essas cidades conseguiam sua subsistência de várias regiões, sua fonte de subsistência e comércio era diversificada, isso gerou um progresso muito rápido dessas cidades. Por isso “... Foi possível uma metrópole crescer e atingir alto grau de riqueza e de esplendor, enquanto que não somente o país próximo, bem como todos os países com os quais essa rica cidade comerciava, permaneceram na maior pobreza e miséria”. (SMITH, 1996, p. 394).
 A cidade contribuiu de três formas para o progresso da agricultura: primeiro, estimulou a produção da agricultura por causa do aumento da procura por produtos do campo. Segundo os habitantes da cidade, quando ficavam ricos com o comércio, investiam seu dinheiro na compra de terra. Contudo, o dinheiro que o comerciante investia na terra era com o objetivo de obter o lucro. Para isso, ele fazia melhorias que aumentava a produção da terra. O aristocrata, ao contrário, não tinha o hábito para os negócios e, por isso, não visava o lucro em suas propriedades.
Terceiro, a ordem e a boa administração foram introduzidas no campo por causa do comércio. Os habitantes do campo conheceram a liberdade e segurança para se dedicarem à agricultura. A ausência do comércio exterior acarreta desperdício dos produtos da agricultura. A maior parte dos produtos excedentes era consumida em banquetes pelos nobres. Não havia o hábito de vendê-los ou trocar por produtos manufaturados. O comércio externo veio demolir esse hábito e introduzir o gosto pelo lucro. Nas palavras de Smith:
Entretanto, o que toda a violência das instituições feudais jamais poderia ter conseguido, o foi gradualmente pela operação silenciosa e insensível do comércio exterior e das manufaturas. Com o decorrer do tempo, o comércio exterior e das manufaturas foram fornecendo aos grandes proprietários rurais alguma coisa graça à qual podiam trocar todo o excedente da produção de suas terras, produtos esses que podiam eles mesmos consumirem, sem terem que partilhá-los com seus rendeiros ou clientes (SMITH, 1996, p. 402).
Para Smith, o comércio externo foi a maior revolução desse momento. Ele foi aos poucos destruindo instituições seculares da sociedade. Mudando os hábitos dos homens. Para encerrar citaremos mais uma passagem que julgo significativa, porque revela a forma como Smith enxergava o funcionamento da sociedade. Para ele, na busca do seu interesse, o homem, sem querer, sem ter consciência desse processo, contribuiria para o bem da sociedade.
Dessa maneira, uma revolução da maior importância para o bem-estar público foi levada a efeito por duas categorias de pessoas, que não tinham a menor intenção de servir ao público. A única motivação dos grandes proprietários era atender a mais infantil das vaidades. Por outra parte, os comerciantes e os artífices, embora muito menos ridículos, agiram puramente a serviço de seus próprios interesses, fiéis ao princípio do mascate, de com um pêni ganhar outro. Nem os proprietários nem os comerciantes e artífices conheceram ou previram a grande revolução que a insensatez dos primeiros e a operosidade dos segundos estavam gradualmente fermentando (SMITH, 1996, p. 406).  
Ao longo do texto procurei mostrar como Adam Smith entendia o funcionamento da sociedade e as transformações sofridas por essa ao longo da história. Entendo que ao fazer a crítica da lei de primogenitura e do morgadio, ele estava condenando a sociedade feudal, ou o que ainda restava desta. Por assim dizer, a base se sustentação dessa sociedade foi demolida. Contudo, na Inglaterra, essa sociedade já tinha perdido sua função há muito tempo. Restando apenas alguns resquícios em algumas regiões.
           
Referência Bibliográfica:

SMITH, Adam. A Diversidade do Progresso da Riqueza nas Diferentes Nações. In: A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultura, 1996.


sábado, 16 de outubro de 2010

1º e 2º Capítulos do livro Apologia da História ou o Oficio do Historiador de Marc Bloch

Cap. 01- A história, os homens e o tempo.
1. A escolha do historiador.
(P. 51)  A palavra história é antiquíssima desde que surgiu a dois milênios mudou muito de conteúdo.
(P. 52)  Face a imensa e confusa realidade, o historiador é necessariamente levado a nele recortar o ponto de aplicação particular de suas ferramentas; em consequência a nela fazer uma escolha será um autêntico problema de ação. E nos acompanhará ao longo de todo nosso estudo.
2. A história e os homens.
Para Marc Bloch dizer: “a história é a ciência do passado” é um grande erro. Pois a própria ideia de que o passado possa ser objeto de ciência é absurda. Como, sem uma decantação prévia, poderíamos fazer de fenômenos que não tem outra característica comum a não ser terem sido contemporâneas, matéria de um conhecimento racional?
(P. 53)  Na origem da historiografia, os velhos analistas não se constrangiam nem um pouco com tais escrúpulos. Narravam, desordenadamente acontecimentos produzidos mais ou menos no mesmo período: como eclipses, chuvas de granizo, batalhas, erupções, mortes de heróis e reis, etc.. após esse momento inicial, pouco a pouco operou-se a classificação necessária. Dividindo por exemplo em astronomia, geologia etc.
(P. 54)  Mas apesar disso na nova historiografia a aliança de duas ou mais disciplinas revela-se indispensável a certas tentativas a certas tentativas de explicação. Michelet e Fustel de Colanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza o homem. Digamos melhor, os homens, pois são os homens que a história quer capturar.
(P. 55)  3. O tempo Histórico.
“Ciência dos homens” dissemos. É ainda vago demais. É preciso acrescentar: “dos homens no tempo”. O historiador não pensa apenas o “humano”. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente é a categoria da duração. Esse tempo verdadeiro é por natureza, um continuum. É também perpétua mudança. Da antítese desses dois atributos provêm os grandes problemas da pesquisa histórica. (P. 56)  Em que medida devemos considerar o conhecimento do mais antigo como necessário ou supérfluo para a compreensão do mais recente?
4. O ídolo das origens.
Naturalmente a homens que fazem do passado seu principal tema de estudos da pesquisa, a explicação do mais próximo pelo mais distante dominou nossos estudos até a hipnose. Sob sua forma característica, esse ídolo da tribo dos historiadores tem um nome: é a obsessão das origens.
A palavra origem é preocupante, pois é equivoca. Significa simplesmente começo? Entretanto para a maioria das realidades históricas, a própria noção desse ponto inicial permanece singularmente fugaz. Ou origens se entende por causas? Então não haveria mais outras dificuldades a não ser aquelas que são por natureza inerentes às investigações causais.
(P. 57)  Entre os dois sentidos frequentemente se constitui uma contaminação tão temível que não é em geral muito claramente sentida. Para o vocabulário corrente, as origens são um começo que explica. Pior ainda: que basta para explicar. Ai mora a ambiguidade; ai mora o perigo.
(P. 58)  O passado só foi empregado tão ativamente para explicar o presente no desígnio do melhor justificar ou condenar. De modo que em muitos casos o demônio das origens foi talvez apenas um avatar desse outro satânico inimigo da verdade histórica: A mania do julgamento.
A qualquer atividade humana que seu estudo se associe, o mesmo erro sempre espreita o intérprete: confundir uma filiação com uma explicação.
(P. 60)  Sempre restará o problema de saber porque a transmissão se operou na data indicada: nem mais cedo, nem mais tarde. Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora de estudo do seu momento.
5. Passado e presente.
Montesquieu fala sobre uma “cadeia infinita das causas que se multiplicam e combinam de século para século”.
O que é o presente? No infinito da duração um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce morre. Mal falei, mal agi e minhas palavras naufragam no reino da memória. Que segundo o jovem Goethe não existe presente, apenas o devir. Condenada a uma eterna transfiguração, uma pretensa ciência do presente se metamorfosearia, a cada momento de seu ser, em ciência do passado.
Na linguagem corrente, “presente” quer dizer passado recente. Aceitamos portanto esse emprego um pouco frouxo da palavra.
(P. 61)  March Bloch escreve sobre como seu professor o ensinou que escrever sobre o contemporâneo o presente era matéria da políticasociologia e do jornalismo. E que o historiador deveria se afastar para analisar apenas a sangre frio.
(P. 62)  Outros cientistas, ao contrário, acham com razão o presente humano perfeitamente suscetível de conhecimento. Mas reservando seu estudo a disciplinas bem distintas daquela que tem o passado como objeto. Eles analisam limitando-se a apenas algumas décadas como que seu momento fosse separado do restante da história.
(P. 63)  A ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão do presente; mas compromete, no presente, a própria ação.
(P. 64)  Para analisar homens de outrora o historiador, ocupado em compreender e fazer compreender, terá como primeiro dever recolocar em seu meio, banhado pela atmosfera mental de seu tempo, face a problemas de consciência que já não são exatamente nossos.
(P. 66)  É um erro grave acreditar que a ordem adotada pelos historiadores em suas investigações deva necessariamente modelar-se por aquela dos acontecimentos. (P. 67)  Livres para em seguida restituir à história em seu movimento verdadeiro, lês frequentemente tem proveito em começar por lê-la a partir do mais recente para chegar ao mais remoto. (Ocorre de, em uma linha de estudos, o conhecimento do presente ser diretamente ainda mais importante para a compreensão do passado).
Cap. 02- A observação histórica.
(P. 69)  1. Características gerais da observação histórica.
As características mais visíveis da informação histórica foram muitas vezes descritas. O historiador, por definição, está na impossibilidade de ele próprio constatar os fatos que estuda. (nenhum egiptólogo viu Ramsés, nenhum especialista em guerras Napoleônicas ouviu o canhão de Austerlitz). Das eras que no procedem, só poderíamos portanto falar segundo os testemunhos. Em suma, em contraste com o conhecimento presente, o do passado seria necessariamente “indireto”.  
(P. 71)  Onde muitas vezes não existe a necessidade de uma transmissão humana(como relatos escritos etc) (P. 72)  De vez em quando não existe nada entre a coisa e nós.
(P. 73)  Como primeira característica, o conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte do presente, deve ser um conhecimento através de vestígios. Quer se trate de ossadas emparelhadas nas muralhas das Síria, de uma palavra cuja forma ou emprego revela um costume, de um relato escrito, etc. O que entendemos efetivamente por documentos senão um “vestígio”, quer dizer a marca, perceptível aos sentidos, deixada por um fenômeno.
  (P. 75)  O passado é por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e se aperfeiçoa.
Os exploradores do passado não são homens livres. O passado é seu tirano. Proíbe-lhes conhecer de si qualquer coisa a não ser o que ele mesmo lhe fornece. Por exemplo: Jamais estabeleceremos uma estatística dos preços na época Merovíngia, pois nenhum documento registrou esses preços em número suficiente.
(P. 76)  Em virtude dessa lacuna, toda uma parte de nossa história necessariamente incide sobre o aspecto, um pouco esvaído, de um mundo sem indivíduos. Muitas vezes algumas questões são impossíveis de responder como o exemplo acima. Nesses momentos a melhor coisa a dizer é “não sei, não posso saber”.
2.Os testemunhos.
“Heródoto de Túrio expõe aqui suas pesquisas, afim de que as coisas feitas pelos homens não sejam esquecidas com o tempo e que grandes e maravilhosas ações realizadas tanto pelos gregos como pelos bárbaros, nada percam de seu brilho”.
Assim começa o mais antigo livro de história que, no mundo ocidental, chegou até nós sem ser no estado de fragmentos. Ao lado dele, coloquemos, por exemplo. Um desses guias de viajem que os egípcios introduziam nos túmulos. Temos cara a cara, os próprios tipos de duas grandes classes entre as quais se divide a massa, imensamente variada, dos documentos colocados pelo passado à disposição dos historiadores. Os testemunhos do primeiro grupo são voluntários. Os outros não.
(P. 77)  Os relatos deliberadamente destinados à informação dos leitores (testemunho voluntário) não cessaram de prestar um precioso socorro ao pesquisador. Sua maior vantagem é a de fornecer um enquadramento cronológico razoável a ser seguido.
Entretanto é na 2º categoria dos testemunhos que a investigação histórica, ao longo de seus progressos, foi levada a depositar cada vez mais sua confiança. Não é que os documentos desse gênero sejam, isentos de erro ou de mentira. A diferença aqui é que ela não foi concebida especialmente em intenção da posteridade.
(P. 78)  Até nos testemunhos mais resolutamente voluntários, o que os textos nos dizem expressamente deixou hoje de ser o objeto predileto de nossa atenção. Apegamo-nos geralmente com muito mais ardor ao que ele nos deixa entender, sem haver pretendido dizê-lo. A partir do momento que o texto revela mesmo a contra gosto seu conteúdo secreto, o historiador deve impor-lhe um questionário.
(P. 79)  Entretanto mesmo os textos mais claros e complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los. Nunca a observação passiva gerou algo de fecundo.
Naturalmente, é necessário que essa escolha ponderada de perguntas seja extremamente flexível, suscetível de agregar, no caminho, uma multiplicidade de novos tópicos, e abertas a todas as surpresas. De tal modo que possa desde o início servir de imã às limalhas do documento. O explorador sabe muito bem, previamente, que o itinerário que ele estabelece, no começo, não será seguido ponto a ponto. Não ter um, no entanto, implicaria o risco de errar eternamente ao acaso.
A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita, tudo o que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele.
(P. 80)  Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde um tipo único de documentos, específicos para tal emprego. Já que muitas vezes o testemunho involuntário é mais importante para a pesquisa e muitas vezes a única.
(P. 82)  3. A transmissão dos testemunhos.
Reunir os documentos que estima necessários é uma tarefa das mais difíceis para o historiador. De fato ele não conseguirá realiza-la sem a ajuda de guias diversos: Inventários de arquivos ou de bibliotecas, catálogos de museus, repertórios bibliográficos de toda sorte.
(P. 83)   Entretanto, por mais bem feitos, por mais abundantes que possam ser, esses marcos indicadores seriam somente de pouca serventia para um trabalhador que não tivesse, previamente, alguma ideia do terreno e explorar.
Ao contrário do que pensam os iniciantes, os documentos não surgem, aqui ou ali. Sua presença em tal arquivo ou biblioteca deriva de ações humanas. Pois como tal documento encontra-se em tal lugar? Como ele chegou a tal lugar através do tempo?etc. Isso quando o documento consegue sobreviver até nossos dias!
(P. 85)   Os grandes desastres da humanidade estão longe de sempre terem servido à história. Com os manuscritos literários e historiográficos amontoados, os inestimáveis dossiês da burocracia imperial romana perderam-se na confusão das invasões.
No entanto, a pacífica continuidade de uma vida social sem rasgos de febre mostram-se menos favorável do que as vezes se acredita à transmissão da memória. São as revoluções que forçam as portas dos armários de ferro e obrigam os ministros à fuga antes que tenham achado tempo para queimar sua notas secretas.
Será assim pelo menos até que as sociedades consintam enfim a organizar racionalmente, com sua memória.
Só conseguirão isso lutando contra os dois princípios responsáveis pelo esquecimento e ignorância: A negligência, que extravia documentos. E a paixão pelo sigilo- Sigilo diplomático, sigilo dos negócios, sigilo das famílias que os esconde e destrói.
Referências.
BLOCH; Marc Leopold Benjamnin: “Apologia da história ou o oficio do historiador” R.J ed Jorge Zahar 2001.