Vida
Material
Cap.
15: Organização social.
(P.269)
O
que caracteriza a sociedade brasileira no século XIX é a escravidão. Ea permeia
todos os aspectos da vida social brasileira.
A escravidão americana não se
assemelha com nenhum outro tipo de escravidão anterior. Ela deriva de uma nova
ordem que se inaugura no século XV e os descobrimentos ultramarinos. A
escravidão que foi largamente usada na Antiguidade, quase se extinguiu na Idade
Média ocidental e renasceu fortalecida na Idade Moderna e o descobrimento da
América.
(P.270)
A
escravidão do mundo antigo é resultado de um processo evolutivo natural, de tal
forma que ela se entrosa perfeitamente na estrutura material e moral da
sociedade antiga. Seria algo como o assalariado em nossos dias e apesar de
muito discutida por intelectuais da época, a grande maioria via a escravidão
como uma fatalidade, um mal necessário.
(P.271)
A
escravidão moderna não se liga a um passado ou a uma tradição. Sendo apenas um
recurso utilizado pelos países da Europa afim de explorar as riquezas do Novo
Mundo. E para isso os povos da Europa puseram de lado todos os princípios e
normas que fundavam sua civilização e sua cultura.
Outro elemento que caracteriza a
escravidão Moderna é que enquanto na antiguidade os povos dominadores e
dominados estavam em um mesmo patamar cultural e civilizacional, na América os
povos dominados estavam tecnologicamente muito abaixo da civilização europeia.
(P.272)
Um
exemplo é que Roma tornou-se grandiosa graças a cultura trazida por seus
escravos. Na América, pelo contrário, assistimos a um recrutamento de bárbaros
para o trabalho bruto, eram apenas um “instrumento vivo de trabalho”.
(P.273)
Em
paralelo a esta subserviência ao trabalho, deveria ocorrer a subserviência
sexual das escravas para satisfazer o colono branco privado de mulheres.
Um último diferencial da escravidão
americana é a diferença profunda entre raças, criando obstáculos
intransponíveis a aproximação das classes e mantendo a rígida estrutura social
baseado no preconceito racial. Diferente da escravidão da antiguidade, a marca
da escravidão moderna estava na pele. Os indivíduos eram rotulados pelos tons
de sua pele entre escravos (pretos) e mestiços (livres de pele mais clara).
(P.275)
Ou
seja, a cor tinha papel fundamental na discriminação das classes. Havendo uma
enorme repugnância contra a escravidão de gente de cor mais clara, devendo os
escravos possuírem uma cor escura.
(P.276)
Enquanto
que com o indígena, mesmo que seu final tenha sido trágico, foi tentado
incorporá-lo à colônia. Para tal fim criaram-se missões jesuítas, estatutos e
debates sobre sua escravidão. O africano não foi defendido por ninguém e sua
escravidão era sempre justificada e incentivada.
As raças escravizadas incluídas na
sociedade colonial, mal preparadas e adaptadas, vão formar nela um corpo
estranho e incômodo, o qual seu processo de absorção se prolonga até hoje.
(P.277)
O
tráfico africano despejou milhões de pessoas semibárbaras no Brasil de extremo
baixo nível, o que deixará profundas marcas no país, tanto nos relaxamentos dos
costumes, quanto na ineficiência da produção levada a cabo por pretos boçais e índios
apáticos. O ritmo retardado de nossa economia tem como principal causa a
escravidão.
Contudo, segundo Caio Prado Jr o
escravo brasileiro foi muito melhor tratado do que os cativos das colônias inglesas
e francesas, isso se dá pelo caráter português e a moleza dos costumes nos trópicos.
Além do regime patriarcal que dá ao senhor um tom paternal de protetor de seus
servos.
(P.278)
Todo
trabalho na colônia é servil e pode ser dividido em produtivo e doméstico. O
primeiro foi predominante, contudo a influência do segundo não pode ser descartada,
uma vez que eram eles que possuíam contato direto com seus senhores e com a
sociedade branca.
(P.280)
No
campo ou na cidade o trabalho escravo é onipresente, tornando restrito o
terreno reservado ao trabalho livre. Isso teve profunda influência sobre nossa
visão do trabalho, tido como indigno. Daí a aversão dos brasileiros ao trabalho
braçal, preferindo ser senhores, funcionários públicos, profissionais liberais,
ou até mesmo entrar para o clero.
(P.281)
Em
suma a sociedade colonial brasileira é dividida em dois extremos: no topo uma
minoria de senhores brancos e abaixo separada por um enorme abismo uma maioria
negra e mestiça de escravos. Entre estes dois polos estão uma massa de
indivíduos de ocupações mais ou menos incertas, os homens livres (em geral
mestiços), indígenas, brancos pobres e escravos fugidos. Além dos agregados
(cidadãos que viviam sob a guarda de um senhor) e os vadios e bandoleiros que
infestavam o interior e as grandes cidades do país, praticando o roubo e a
violência.
(P.284)
Esta
subcategoria da população colonial era muito barulhenta e se fazia sentir,
mantendo o país num estado pré-anárquico permanente.
(P.285)
Caio
Prado vê nessa massa desgarrada o elemento da instabilidade política, das
rebeliões e lutas entre facções que agitaram o Brasil do século XIX, já que esta
massa vive a margem da ordem social, com carência de ocupação formal e estável
que a absorva para fixar uma base segura; já que o trabalho é feito por
escravos.
(P.286)
Visto
isto, em paralelo possuímos o “clã patriarcal”, que em essência domina o
cenário da vida social da colônia. Ela é formada por um conjunto de indivíduos
que vão desde o Senhor até o último dos escravos.
(P.287)
Sua
origem vem do patriarcalismo português, mas o meio brasileiro moldou este
patriarcalismo a sua própria maneira, sendo o clã patriarcal algo próprio de nossas
organizações.
A autoridade pública é fraca e não
chega ao interior do Brasil de forma efetiva, assim quem realmente possuí
autoridade e prestígio é o senhor rural. A administração colonial, se que ser
fazer ouvida, é obrigada a reconhece-lo como um elemento de poder.
(P.288)
Constituída
sob uma sólida base econômica e centralizando a vida social da colônia, a
grande propriedade passará de simples unidade produtiva para uma célula orgânica
da sociedade colônia. Berço do clã patriarcal brasileiro.
No Brasil coexistiram ao mesmo
tempo vários estágios desse fato. No Nordeste é mais profunda do que nas
regiões recém-colonizadas. As sucessivas gerações moldam o caráter dessa realidade.
Criando-se um organismo assentado em bases tão sólidas que os laços que unem
senhores, agregados e escravos parece indissolúvel. Os laços afetivos ligam
estas categorias.
(P.289)
Os
senhores se aristocratizarão e serão respeitados pela posição que ocupam.
Ganham as características de outras aristocracias: o orgulho pela tradição (de família),
e do sengue que lhes correm na veia. O próprio escravo verá o senhor como um
pai, um benfeitor.
(P.290)
Este
sistema se alastrará em maior ou menor grau por todo o Brasil. Com exceção de
algumas regiões como o sul de Minas (onde o proprietário trabalha ao lado do
escravo) e Santa Catarina (de colonização açoriana).
(P.292)
Como
vimos anteriormente as cidades eram como apêndices do campo e como tal, este
patriarcalismo rural também é transportado para a cidade. Em geral as cidades ficam
abandonadas durante a semana e todos, do comerciante ao padre, ocupam-se dos afazeres
de suas lavouras. Já nos fins de semana, dia de missa, a cidade se enche.
(P.293)
Com
o passar do tempo as cidades ganham importância, chegam magistrados, juízes,
advogados, comerciantes, clero e estes ombreiam lado a lado com os senhores de
terras (que aos poucos deixam suas propriedades e vão viver nas cidades).
(P.296)
Aos
poucos o comércio ganha destaque e nas cidades e na política os comerciantes passam
a fazer frente aos proprietários. Uma espécie de réplica da luta entre
burguesia e aristocracia que enche a história da Europa. Forma-se ai uma
dicotomia entre brasileiros (proprietários) e portugueses ou reinóis que vão descambar muitas vezes em
violência (Revolta de Beckmann e Guerra dos Mascates.
Fonte: PRADO JÚNIOR,
Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª
reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 269-296.
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