sábado, 31 de março de 2018

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 15º Capítulo


Vida Material
Cap. 15: Organização social.
(P.269) O que caracteriza a sociedade brasileira no século XIX é a escravidão. Ea permeia todos os aspectos da vida social brasileira.
A escravidão americana não se assemelha com nenhum outro tipo de escravidão anterior. Ela deriva de uma nova ordem que se inaugura no século XV e os descobrimentos ultramarinos. A escravidão que foi largamente usada na Antiguidade, quase se extinguiu na Idade Média ocidental e renasceu fortalecida na Idade Moderna e o descobrimento da América.
(P.270) A escravidão do mundo antigo é resultado de um processo evolutivo natural, de tal forma que ela se entrosa perfeitamente na estrutura material e moral da sociedade antiga. Seria algo como o assalariado em nossos dias e apesar de muito discutida por intelectuais da época, a grande maioria via a escravidão como uma fatalidade, um mal necessário.
(P.271) A escravidão moderna não se liga a um passado ou a uma tradição. Sendo apenas um recurso utilizado pelos países da Europa afim de explorar as riquezas do Novo Mundo. E para isso os povos da Europa puseram de lado todos os princípios e normas que fundavam sua civilização e sua cultura.
Outro elemento que caracteriza a escravidão Moderna é que enquanto na antiguidade os povos dominadores e dominados estavam em um mesmo patamar cultural e civilizacional, na América os povos dominados estavam tecnologicamente muito abaixo da civilização europeia.
(P.272) Um exemplo é que Roma tornou-se grandiosa graças a cultura trazida por seus escravos. Na América, pelo contrário, assistimos a um recrutamento de bárbaros para o trabalho bruto, eram apenas um “instrumento vivo de trabalho”.
(P.273) Em paralelo a esta subserviência ao trabalho, deveria ocorrer a subserviência sexual das escravas para satisfazer o colono branco privado de mulheres.
Um último diferencial da escravidão americana é a diferença profunda entre raças, criando obstáculos intransponíveis a aproximação das classes e mantendo a rígida estrutura social baseado no preconceito racial. Diferente da escravidão da antiguidade, a marca da escravidão moderna estava na pele. Os indivíduos eram rotulados pelos tons de sua pele entre escravos (pretos) e mestiços (livres de pele mais clara).
(P.275) Ou seja, a cor tinha papel fundamental na discriminação das classes. Havendo uma enorme repugnância contra a escravidão de gente de cor mais clara, devendo os escravos possuírem uma cor escura.
(P.276) Enquanto que com o indígena, mesmo que seu final tenha sido trágico, foi tentado incorporá-lo à colônia. Para tal fim criaram-se missões jesuítas, estatutos e debates sobre sua escravidão. O africano não foi defendido por ninguém e sua escravidão era sempre justificada e incentivada.
As raças escravizadas incluídas na sociedade colonial, mal preparadas e adaptadas, vão formar nela um corpo estranho e incômodo, o qual seu processo de absorção se prolonga até hoje.
(P.277) O tráfico africano despejou milhões de pessoas semibárbaras no Brasil de extremo baixo nível, o que deixará profundas marcas no país, tanto nos relaxamentos dos costumes, quanto na ineficiência da produção levada a cabo por pretos boçais e índios apáticos. O ritmo retardado de nossa economia tem como principal causa a escravidão.
Contudo, segundo Caio Prado Jr o escravo brasileiro foi muito melhor tratado do que os cativos das colônias inglesas e francesas, isso se dá pelo caráter português e a moleza dos costumes nos trópicos. Além do regime patriarcal que dá ao senhor um tom paternal de protetor de seus servos.
(P.278) Todo trabalho na colônia é servil e pode ser dividido em produtivo e doméstico. O primeiro foi predominante, contudo a influência do segundo não pode ser descartada, uma vez que eram eles que possuíam contato direto com seus senhores e com a sociedade branca.
(P.280) No campo ou na cidade o trabalho escravo é onipresente, tornando restrito o terreno reservado ao trabalho livre. Isso teve profunda influência sobre nossa visão do trabalho, tido como indigno. Daí a aversão dos brasileiros ao trabalho braçal, preferindo ser senhores, funcionários públicos, profissionais liberais, ou até mesmo entrar para o clero.
(P.281) Em suma a sociedade colonial brasileira é dividida em dois extremos: no topo uma minoria de senhores brancos e abaixo separada por um enorme abismo uma maioria negra e mestiça de escravos. Entre estes dois polos estão uma massa de indivíduos de ocupações mais ou menos incertas, os homens livres (em geral mestiços), indígenas, brancos pobres e escravos fugidos. Além dos agregados (cidadãos que viviam sob a guarda de um senhor) e os vadios e bandoleiros que infestavam o interior e as grandes cidades do país, praticando o roubo e a violência.
(P.284) Esta subcategoria da população colonial era muito barulhenta e se fazia sentir, mantendo o país num estado pré-anárquico permanente.
(P.285) Caio Prado vê nessa massa desgarrada o elemento da instabilidade política, das rebeliões e lutas entre facções que agitaram o Brasil do século XIX, já que esta massa vive a margem da ordem social, com carência de ocupação formal e estável que a absorva para fixar uma base segura; já que o trabalho é feito por escravos.
(P.286) Visto isto, em paralelo possuímos o “clã patriarcal”, que em essência domina o cenário da vida social da colônia. Ela é formada por um conjunto de indivíduos que vão desde o Senhor até o último dos escravos.
(P.287) Sua origem vem do patriarcalismo português, mas o meio brasileiro moldou este patriarcalismo a sua própria maneira, sendo o clã patriarcal algo próprio de nossas organizações.
A autoridade pública é fraca e não chega ao interior do Brasil de forma efetiva, assim quem realmente possuí autoridade e prestígio é o senhor rural. A administração colonial, se que ser fazer ouvida, é obrigada a reconhece-lo como um elemento de poder.
(P.288) Constituída sob uma sólida base econômica e centralizando a vida social da colônia, a grande propriedade passará de simples unidade produtiva para uma célula orgânica da sociedade colônia. Berço do clã patriarcal brasileiro.
No Brasil coexistiram ao mesmo tempo vários estágios desse fato. No Nordeste é mais profunda do que nas regiões recém-colonizadas. As sucessivas gerações moldam o caráter dessa realidade. Criando-se um organismo assentado em bases tão sólidas que os laços que unem senhores, agregados e escravos parece indissolúvel. Os laços afetivos ligam estas categorias.
(P.289) Os senhores se aristocratizarão e serão respeitados pela posição que ocupam. Ganham as características de outras aristocracias: o orgulho pela tradição (de família), e do sengue que lhes correm na veia. O próprio escravo verá o senhor como um pai, um benfeitor.
(P.290) Este sistema se alastrará em maior ou menor grau por todo o Brasil. Com exceção de algumas regiões como o sul de Minas (onde o proprietário trabalha ao lado do escravo) e Santa Catarina (de colonização açoriana).
(P.292) Como vimos anteriormente as cidades eram como apêndices do campo e como tal, este patriarcalismo rural também é transportado para a cidade. Em geral as cidades ficam abandonadas durante a semana e todos, do comerciante ao padre, ocupam-se dos afazeres de suas lavouras. Já nos fins de semana, dia de missa, a cidade se enche.
(P.293) Com o passar do tempo as cidades ganham importância, chegam magistrados, juízes, advogados, comerciantes, clero e estes ombreiam lado a lado com os senhores de terras (que aos poucos deixam suas propriedades e vão viver nas cidades).
(P.296) Aos poucos o comércio ganha destaque e nas cidades e na política os comerciantes passam a fazer frente aos proprietários. Uma espécie de réplica da luta entre burguesia e aristocracia que enche a história da Europa. Forma-se ai uma dicotomia entre brasileiros (proprietários) e portugueses ou reinóis que vão descambar muitas vezes em violência (Revolta de Beckmann e Guerra dos Mascates.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 269-296.

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