(P.97) Cap. V: O material e as fontes
dos sonhos.
(P.98) Freud trabalhou
em seu primeiro capítulo com as três características da memória nos sonhos:
1) Os sonhos mostram,
preferencialmente, impressões dos dois dias anteriores;
2) Fazem sua escolha com base em
diferentes princípios de nossa memória de vigília, já que não relembram o que é
essencial e importante, mas o que é acessório e despercebido;
3) Têm a sua disposição as
impressões mais primitivas da nossa infância e até fazem surgir detalhes desse
período de nossa vida que, parecem triviais no estado de vigília e que
acreditávamos ter caído no esquecimento à muito tempo.
A) Material recente e irrelevante nos
sonhos.
Em
todo sonho é possível encontrar um ponto de contato com as experiências do dia
anterior. Sendo assim, é possível começar a interpretar um sonho procurando um acontecimento
da véspera que o ocasionou.
(P.99) Os
acontecimentos da véspera podem funcionar como instigadores e puxar lembranças
de um passado longínquo para o sonho. Ou seja, um acontecimento recente pode
funcionar como um gatilho para que o inconsciente selecione seu material em
qualquer parte da vida do sonhador, contanto que haja uma linha de pensamento
ligando a experiência do dia do sonho (as impressões recentes) com as mais
antigas.
(P.106)
Outro ponto interessante é que não é um fato recente vivido que estimula o
sonho. Mas uma lembrança trazida à tona por um devaneio, por exemplo, pode se
tornar um instigador de sonho. O sonho pode, portanto, ser instigado por um
processo interno que se tornou recente graças ao pensamento do dia anterior.
Freud
então enumera as diferentes fontes de sonhos possíveis.
a)
Uma experiência recente e psiquicamente significativa, que é diretamente representada
no sonho;
b)
Várias experiências recentes e significativas, combinadas numa única unidade
pelo sonho;
c)
Uma ou mais experiências recentes e significativas, representadas no conteúdo
do sonho pela menção a uma experiência contemporânea, mas irrelevante;
d)
Uma experiência significativa interna (por exemplo, uma lembrança ou um fluxo de
ideias) que é, nesse caso, invariavelmente representada no sonho por uma menção
a uma impressão recente, irrelevante.
Na
interpretação dos sonhos, uma condição é sempre atendida: um componente do
conteúdo do sonho é a repetição de uma impressão recente do dia anterior. Essa
impressão representada no sonho pode pertencer, ela própria ao círculo de
representações que cercam o verdadeiro instigador do sonho (como parte
essencial ou insignificante) ou pode provir do campo de uma impressão
irrelevante vinculada às ideias que cercam o instigador do sonho por elos mais
ou menos numerosos. A aparente multiplicidade das condições dominantes é, na
verdade, apenas dependente das alternativas entre um deslocamento ter ou não
ocorrido.
(P.107) Convém lembrar
que o valor da impressão recebido durante o estado de vigília pode perder sua
capacidade de influenciar os sonhos logo ela fique alguns dias mais velha.
Mas,
então, como é possível que impressões do cotidiano que não se tornaram sonho
surjam depois de muitos anos nos nossos sonhos? Esses elementos, que eram
originalmente irrelevantes – tanto nos sonhos, quanto nos pensamentos – já não
o são agora, a partir do momento em que assumiram (por meio do deslocamento) um
valor materialmente significativo.
(P.111) B) O material infantil como
fonte dos sonhos.
Segundo
Freud o sonho inclui impressões que remontam da primeira infância e que não nos
parecem acessíveis à memória no estado de vigília.
(P.116) Quanto mais
alguém se aprofunda na análise de um sonho, com mais frequência chega ao rastro
das experiências infantis que desempenharam seu papel entre as fontes do
conteúdo desse sonho.
(P.128) As fontes somáticas[1]
dos sonhos.
Já
vimos nos capítulos anteriores que existem três espécies diferentes de fontes
somáticas de estimulação dos sonhos: os estímulos sensoriais objetivos
provenientes de objetos externos, os estados internos de excitação dos órgãos
sensoriais com base apenas subjetiva, e os estímulos somáticos provenientes do
interior do corpo.
E
muitos pensadores, erroneamente, acreditam ser estas à única fonte dos sonhos.
(P.129) Porém, por mais
atraente que seja essa teoria, ela possuí um ponto fraco. Todo estímulo
somático onírico que exija que o aparelho mental adormecido o interprete por
meio da construção de uma ilusão pode dar origem a um número ilimitado de tais
tentativas de interpretação – isto é, pode se representado no conteúdo do sonho
de uma imensa variedade de representações.
(P.130) Quando se adota
apenas essa teoria percebemos que ela é incapaz de apresentar qualquer motivo
que reaja a relação entre o estímulo externo e a representação onírica
escolhida para sua representação.
E
por que a mente deforma o estímulo externo durante o sonho se é sabido que a
mente é capaz – mesmo adormecida – de interpretar corretamente as impressões
sensoriais externas. Um exemplo é o fato de a pessoa acordar mais facilmente
quando é chamada pelo nome.
A
influência externa (estimulação somática dos sonhos) é uma teoria incompleta,
uma vez que nem todos os estímulos externos se transformam em sonhos. Quando
sou estimulado externamente durante o sonho posso ignorá-lo, acorda, me livrar
dele e só em último lugar sonhar com ele.
(P.133) Para Freud a
natureza essencial do sonho não é alterada pelo fato de se acrescentar material
somático a suas fontes psíquicas: o sonho continua a ser a realização de um
desejo, não importa de que maneira a expressão dessa realização de desejo seja
determinada pelo material correntemente ativo.
Os
estímulos externos, dependendo do sonhador, pode despertá-lo ou se interligar
ao sonho, mas nunca ser a causa do sonho, pois todo sonho é sempre a realização
de um desejo.
(P.134) Existem muitos
casos de estímulos externos que são integrados ao sonho e não deixam o sonhador
acordar. Assim, todos os sonhos são, num certo sentido, sonhos de conveniência;
servem à finalidade de prolongar o sono, em vez de acordar. Os sonhos são como
guardiões do sono, e não perturbadores dele.
(P.137) Quando os
estímulos nervosos eternos e os estímulos somáticos internos são
suficientemente intensos para forçar a atenção psíquica para eles, então –
desde que seu resultado seja sonhar e não acordar – eles servem como um ponto
fixo para a formação de um sonho, um núcleo em seu material; busca-se então uma
realização de desejo que corresponda a esse núcleo, tal como se buscam
representações intermediárias entre dois estímulos psíquicos do sonho. Nesta medida,
em diversos casos, o conteúdo onírico é ditado pelo elemento somático. Neste
caso é possível que um desejo que não esteja de fato corretamente ativo seja
invocado para a construção de um sonho. O sonho, porém, não tem outra
alternativa senão representar um desejo na situação de ter sido realizado; ele
enfrenta o problema de procurar um desejo que possa representar-se como
realizado pela sensação corretamente ativa. Quando esse material imediato é de
natureza dolorosa ou aflitiva, isso não significa necessariamente que não possa
ser utilizado para a construção de um sonho. A mente tem a seu dispor desejos
cuja realização produz desprazer. Isso parece autocontraditório, mas torna-se inteligível
quando levamos em conta a presença de duas instâncias e uma censura entre elas.
Como
vimos, há na mente desejos “recalcados” que pertencem ao primeiro sistema e a
cuja realização se opõe o segundo sistema. Quando os desejos recalcados rompem
a censura do segundo sistema podemos ter sonhos desprazerosos e perturbadores.
(P.138) Assim, para
Freud, as fontes somáticas de estimulação durante o sono, a menos que sejam de
intensidade incomum, desempenham na formação dos sonhos um papel semelhante ao
desempenhado pelas impressões recentes, mas irrelevantes, deixadas no dia
anterior.
Ou
seja, são introduzidos para ajudar na formação de um sonho caso se ajustem apropriadamente
ao conteúdo de representação derivado das fontes psíquicas do sonho, mas não de
outra forma.
(P.140) D) Sonhos Típicos.
Em
geral é impossível interpretar um sonho de outra pessoa, a menos que ela se
disponha de nos comunicar os pensamentos inconscientes que estão por trás do
conteúdo do sonho.
Em
regra geral, cada pessoa tem a liberdade de construir seu mundo onírico segundo
suas peculiaridades individuais, tornando o sonho ininteligível para as outras
pessoas.
Mas
em contraste com isso, há um certo número de sonhos que quase todo mundo tem e
que talvez tenham o mesmo sentido para todos.
(α) Sonhos embaraçosos de estar despido.
Os
sonhos de estar nu diante de estranhos pode vir acompanhado ou não do
sentimento de vergonha.
Freud
só se preocupa aqui com os sonhos acompanhados de vergonha em que se tenta
fugir ou esconder-se, sendo-se então tomado por uma inibição que impede a fuga.
Somente com este acompanhamento o sonho se torna típico.
(P.141) Em geral os
espectadores da nudez são indiferentes e não possuem expressões faciais
definidas.
(P.142) Para Freud esse
tipo de sonho baseia-se em lembranças da mais tenra infância, quando somos
vistos em trajes inadequados tanto por membros da família, quanto por
estranhos. Este é a única época em que não sentimos vergonha de nossa nudez.
As
impressões da primeira infância lutam para alcançar sua reprodução nos sonhos.
Portanto, os sonhos de estar despido são sonhos de exibição.
(P.144) (β) Sonhos sobre a morte de
pessoas queridas.
Quando
se sonha com a morte de um ente querido pode haver dois caminhos (tipos): um
onde o sonhador não fica abalado, triste com a morte e aquele em que o sonhador
fica profundamente abalado e pode chorar amargamente durante o sono e o sonho.
O
primeiro tipo de sonho não será analisado.
Mas
o segundo, onde a pessoa fica desconsolada, é um desejo de que a pessoa em
questão venha a morrer.
(P.145) Já sabemos que
os desejos realizados nos sonhos nem sempre são desejos atuais. E o desejo de
morte geralmente ocorreu em alguma ocasião durante a infância do sonhador.
Ninguém
nasce moral, a moralidade vem com o amadurecimento e as lembranças de ódio das
crianças são suprimidas. Portanto, muitas pessoas que hoje amam seus parentes e
se sentiriam desolados se eles morressem, abrigam desejos maléficos contra eles
em seu inconsciente (sobre os quais não possuem controle), datando de épocas
anteriores. E estes desejos são passíveis de se realizarem nos sonhos.
(P.146) Os sentimentos
hostis entres irmãos e irmãs causados pela disputa pela atenção dos pais, por
exemplo, devem ser muito mais frequentes na infância do que é capaz de perceber
o olhar distraído do observador adulto.
(P.147) Lembrando que a
ideia de morte para uma criança, em nada se assemelha a ideia de morte para um
adulto. A morte para a criança é simplesmente “ir embora”, “deixar de incomodar
os viventes”.
(P.148) O motivo
causador dos sonhos de morte dos pais são diferentes do dos irmãos.
(P.149) O primeiro amor
da menina é seu pai, e do menino sua mãe. E os mimos de pais e mães respondem à
isso. Os pais mimam as meninas e as mães aos meninos. Mas esse amor não pode
ser demonstrado em sua plenitude, sendo o pai no caso dos meninos e a mãe no
caso das meninas, o rival que impede a concretização desse amor. É aqui que
desejamos a morte de nossos pais.
(P.151) Aqui Freud
finalmente apresenta o complexo de Édipo.
(P.152) Contudo, nós
conseguimos na medida em que não nos tenhamos tornados psiconeuróticos, desprender
nossos impulsos sexuais de nossas mães e esquecer o ciúme de nosso pai.
(P.154) Se muitos sonhos
são totalmente reconfigurados por uma censura interna, como é possível que um
sonho tão macabro quanto a morte de um parente passe despercebido pelo crivo da
censura?
Segundo
Freud isso acontece porque, primeiro é algo tão perturbador que a censura do sonho
não está preparada para conter esse impulso. Segundo, o sonho surge de uma
preocupação com a pessoa no dia anterior ao sonho.
(P.155) Agora que já
sabemos que as crianças são extremamente egoístas, podemos ligar isso aos
sonhos. Os sonhos são a realização de um desejo e esses desejos são sempre
egoístas. Mesmo que disfarçado, o ego amado aparece em todos os sonhos.
(P.157) (γ) Outros sonhos típicos.
Freud
não consegue encontrar uma explicação razoável para os sonhos de voar, flutuar
ou cair.
(P.158) (δ) Sonhos com exames.
Nada
de interessante.
Referências:
FREUD, Sigmund. Interpretação dos Sonhos. 1. Ed. São Paulo. Folha de S. Paulo,
2010. P.97-159.
[1] Somático:
condições que se referem ao corpo. Emprega-se esta expressão em oposição ao que
é psíquico e concerne ao espírito.
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