Questão social*
Durante a Primeira Guerra Mundial, a
indústria brasileira registrou alto índice de expansão, fruto do declínio do
comércio internacional e da conseqüente necessidade de substituição das
importações. Com o aumento das atividades industriais, aumentou o contingente
de trabalhadores organizados, o que fortaleceu o movimento operário. Entre 1917
e 1920, inúmeras greves foram decretadas nos principais centros urbanos do
país. Em decorrência, o debate sobre a questão social e sobre as medidas necessárias
para enfrentá-la ganhou considerável espaço no cenário político nacional. O
mesmo acontecia no plano internacional, tanto que o Brasil participou da
Conferência do Trabalho de Washington em 1919. Esse foi um ano de eleições
presidenciais aqui, e o tema foi bastante explorado pelo candidato de oposição
Rui Barbosa. Mesmo sem apoio de uma máquina eleitoral, Rui conseguiu cerca de
um terço dos votos e saiu vitorioso no Rio de Janeiro, então capital da
República.
O objetivo central da classe operária
era melhorar as condições de vida, de trabalho e salário. Já o empresariado
considerava a possibilidade de fazer algumas concessões ao operariado para
garantir o processo de produção e de acumulação de capital e, simultaneamente,
fazer frente às críticas anti-industrialistas que acusavam o setor de ser o
causador da alta do custo de vida além de estimulador de graves problemas
sociais com sua intransigência.
Enquanto a classe trabalhadora
negociava com os empresários através dos seus sindicatos legalmente organizados,
o patronato também se reunia em associações. Entre as principais figurava o
Centro Industrial do Brasil – CIB –, que funcionou como um órgão de negociação.
Jorge Street, industrial, presidente do CIB, representava a corrente mais
favorável à concessão de certos direitos para a classe trabalhadora como
condição para a reprodução do capital e da força de trabalho. Além disso,
aceitava a intervenção estatal na regulamentação do mercado de trabalho, até
então relativamente ausente, desde que fosse respeitada a iniciativa individual
dos empresários.
O Poder Legislativo deu início a um
debate com vistas a encaminhar a aprovação de um Código de Trabalho, o que não
chegou a acontecer. Dois deputados destacaram-se na defesa das demandas da
classe trabalhadora: Maurício de Lacerda e Nicanor Nascimento. É bem verdade
que, para a maioria dos políticos da época, a questão social não era percebida
como sendo de natureza econômica ou mesmo social, mas sim como um problema de
moral e higiene. Daí, portanto, a tendência a tratá-la em conjunto com os temas
de educação e saúde. Com o tempo, entretanto, a questão educacional e a questão
sanitária ganharam sua área própria, e abriram-se novas discussões, sobre as
reformas educacionais e o movimento sanitarista.
Aos poucos, começaram a ser tomadas
algumas iniciativas para a criação de normas jurídicas de regulação e controle
dos contratos de trabalho. Dava-se início à formação de uma legislação social
no país. A primeira dessas leis foi a relativa a acidentes de trabalho, de
1919. Para se precaver, o patronato criou companhias seguradoras, responsáveis
pelo pagamento dos benefícios, mas igualmente fontes de acumulação de capital.
Em 1920, foi criada a Comissão Especial de Legislação Social da Câmara dos
Deputados, com a função de analisar toda e qualquer iniciativa legislativa na
área trabalhista. A lei de criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões, de
1923, é considerada a primeira lei de previdência social. Também conhecida como
Lei Elói Chaves, nome do autor do projeto, ela concedia aos trabalhadores
associados às Caixas ajuda médica, aposentadoria, pensões para dependentes e
auxílio funerário. A Lei Elói Chaves beneficiou de início apenas os
trabalhadores ferroviários. Só três anos mais tarde, seus benefícios foram
estendidos aos trabalhadores das empresas portuárias e marítimas.
Em 1922, inaugurou-se o governo de
Artur Bernardes, que seria marcado por uma grande instabilidade política devido
ao movimento tenentista, e por uma forte repressão ao movimento operário. Uma
das principais correntes deste último movimento, a dos anarquistas, além de
enfrentar a polícia, passou a sofrer a concorrência dos comunistas, que
fundaram, em 1922, o Partido Comunista do Brasil. O enfraquecimento do poder de
pressão da classe trabalhadora, juntamente com a desaceleração do ritmo da
produção e o aumento das importações, fez com que setores do empresariado
retrocedessem em seu relativo apoio as demandas sociais e trabalhistas. Além
disso, o patronato sentia-se, dia a dia, mais lesado em seus direitos e
liberdades com o crescente intervencionismo do Estado no campo trabalhista.
Ainda assim, duas leis importantes
foram introduzidas na segunda metade dos anos 20: a Lei de Férias – 1925 – e a
Lei de Regulamentação do Trabalho de Menores – 1926-27. A primeira visava a
obrigar os empresários a concederem 15 dias de férias a seus empregados, sem
prejuízo do ordenado, mas foi sistematicamente desrespeitada. Já o Código do
Menor estipulava a maioridade a partir dos 18 anos e propunha uma jornada de
trabalho de seis horas. Ao contrário da Lei de Férias, enfrentou uma reação
apenas parcial, com relação aos limites de idade – de 14 anos – e ao horário de
trabalho estipulados.
O cumprimento da legislação social,
entretanto, deixava muito a desejar devido à ausência de fiscalização adequada.
Apenas os trabalhadores mais organizados e de maior peso político conseguiram,
assim mesmo com muita luta, garantir sua aplicação. Isso também se restringia
aos grandes centros do país, São Paulo e Distrito Federal, não tendo, portanto,
um caráter nacional. Mesmo a criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923,
concebido como um órgão específico para tratar de questões dessa natureza, não
resolveu o problema. O Conselho teve uma atuação de caráter meramente
consultivo, não chegando a operar como planejador de uma legislação social. Só
a partir de 1928, o órgão adquiriu poderes para atuar como árbitro de conflitos
trabalhistas.
Até a inauguração da
Era Vargas, o direito social brasileiro só abrangia alguns poucos aspectos da
questão trabalhista e menos ainda da questão previdenciária. Seja como for, a
implantação de uma legislação social como um todo após a Revolução de 1930 tem
suas raízes nessas iniciativas pioneiras e na luta dos trabalhadores desse período.
*Reprodução Integral.
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Fonte
QUESTÃO social. In: NAVEGANDO na
história: Era Vargas: anos 20 a 1945 [on-line]. Rio de Janeiro: CPDOC, 2004.
Disponível em:
.
Acesso em: 25 nov. 2004.
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