sexta-feira, 1 de julho de 2011

O CIDADÃO NORTE-AMERICANO (Texto de Ralph Linton)

Texto ótimo, que mostra bem as relações entre os mais diversos povos. Caindo por terra a ideia de cultura pura .
O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo um padrão originário do Oriente Próximo, mas que foi modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América.
Sai debaixo de cobertas feitas de algodão, cuja planta tornou-se doméstica na índia, de linho ou de lã de carneiro, ambos domesticados no Oriente Próximo, ou ainda de seda, cujo emprego foi descoberto na China, sendo que todos esses materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo.
Ao levantar da cama faz uso de “mocassins” que foram inventados pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos e entra num quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes.
Tira o pijama, que é vestiário inventado na índia e lava-se com sabão, produto criado pelos antigos gauleses, e faz a barba, que é um rito masoquista que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário tem a forma das vestes de pele originais dos nômades das espécies asiáticas, sendo que seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão provenientes das civilizações clássicas do Mediterrâneo, e a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados nos ombros pelos croatas do século XVII, enquanto seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas.
No caminho para o breakfast, para para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga.
No restaurante, toda série de elementos tomados de empréstimo o espera: o prato que é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China, a faca de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do sul, o garfo que foi inventado na Itália medieval e a colher, que vem de um original romano.
Começa o seu breakfast alimentando-se com uma laranja, fruta vinda do mediterrâneo oriental, um melão, originário da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, que é uma planta abissínia, com nata e açúcar, sendo que a domesticação do gado bovino e a ideia de aproveitar o seu leite são originários do Oriente próximo e o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, planta que se tornou doméstica na Ásia menor, regados com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez escolhe ovos de uma ave domesticada na Indochina e delgadas fatias de carne, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa, de um animal domesticado na Ásia oriental.
Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consomem uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México, podendo optar, se for fumante valente, por um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha.
Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressos em caracteres inventados pelos antigos semitas, em um material inventado na China, através de um processo inventado na Alemanha.
Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-europeia, o fato de ser cem por cento norte-americano. 

Texto adaptado de LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico, RJ Zahar, 2001.


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