segunda-feira, 25 de julho de 2011

Negros e Brancos em São Paulo por George R. Andrews


Neste capítulo Andrews trata da democracia racial em São Paulo, a organização e fundação de clubes negros.
Negros e brancos em São Paulo (1888-1988).
(Pág. 197) Cap. 5: Vivendo em uma Democracia racial, 1900-1940.
Os dois capítulos anteriores concentram-se nas consequências mais visíveis do desenvolvimento econômico de São Paulo. No campo foi a transformação da força de trabalho escrava em livre e, nas cidades, a criação de um proletariado industrial. Mas ao mesmo tempo em que brasileiros e europeus estavam indo trabalhar nas fazendas e fábricas de São Paulo, muitos estavam lutando pela ascensão social para a nascente classe média. Chance proporcionada pelo crescimento econômico da época. (...)
 (Pág. 198) Essa pequena, porém crescente classe média da década de 1920 estava cada vez mais se afirmando na política da República. Em São Paulo a classe média era composta majoritariamente de indivíduos brancos. Durante o séc. XIX, pardos e negros compuseram uma proporção substancial de artesãos, operários especializados e proprietários de pequenos negócios. Alguns ascenderam até mesmo a burocracia governamental, empregos do colarinho branco e profissões liberais. Entretanto, tais oportunidades para os negros sempre foram mais restritas em São Paulo do que no Rio de Janeiro ou no Nordeste. 
Os afro-brasileiros estavam situados bem atrás da população branca em todas as áreas, não tinham acesso à educação e já eram marginalizados em empregos braçais, com isso ficavam atrás na disputa pela ascensão social.
(Pág. 199) Proporcionalmente, os negros eram minoria em todos os setores ligados à classe média como profissões liberais e proprietários de empresas agrícolas, industriais, comerciais ou de serviços. O censo de 1940 sugere que a única área de emprego da classe média em que os afro-brasileiros se aproximavam com alguma paridade era o setor público. Mas esses empregos estavam longe de ter um status de classe média, pois incluíam varredores de rua, trabalhadores da construção e serviços de escritórios como mensageiros e serventes.
(Pág. 200) E as barreiras vistas no setor privado podiam ser vistas no setor público, como no caso relatado no jornal O Combate de 1915, onde um professor altamente qualificado foi impedido de assumir o cargo em uma escola pública de Itapetininga por causa de sua raça.
Apesar disso, quando comparado com as oportunidades de emprego no setor privado de São Paulo, o setor público constituía a rota mais propícia para os afro-brasileiros desejosos em escapar do trabalho braçal e ascender a cargos de colarinho branco.
(Pág. 201) Para se qualificar alguém como membro da classe média negra “não precisava ser doutor. Bastava ser funcionário público ou ter um emprego de caráter fixo”.
(Pág. 203) Democracia racial.
O conceito de democracia racial estabelece que o Brasil é uma terra livre de impedimentos legais e institucionais para a igualdade racial, isento de preconceito e discriminação. A nação oferece a todos os seus cidadãos, seja a cor, uma igualdade de oportunidades em todas as áreas da vida pública: educação, moradia, política, empregos. Então os afro-brasileiros desfrutam das mesmas oportunidades e liberdades, para competir com seus concidadãos na luta por bens públicos e privados.
No decorrer do séc. XIX, as restrições raciais datadas do domínio colonial português eram explicitamente declaradas ilegais ou simplesmente caíam em desuso, permitindo que uma proporção considerável de pretos e pardos experimentassem a mobilidade social. Os observadores estrangeiros ficavam impressionados com a aparente liberdade dos negros para ascendem até o ponto onde seus talentos os levassem.
(Pág. 204) Essas observações podem ter exagerado as oportunidades de progresso realmente disponíveis aos negros no Brasil do séc. XIX. Mas sugerem que, durante o Impérios, o Brasil era uma sociedade com mais igualdade racial do que os EUA.
Entretanto, nas décadas de 1870 e 1880, o Brasil era a única nação independente nas Américas que ainda mantinha a escravidão. Os senhores brasileiros se justificavam declarando que seus escravos eram muito bem tratados, e que a escravidão em seu país era relativamente branda e leve. (Pág. 205) Declarações rejeitadas por abolicionistas e observadores estrangeiros.
 Apesar da óbvia contradição da realidade, o mito da escravidão brasileira benevolente foi amplamente aceita na época, e mostrou-se bastante persistente nos anos subsequentes. A questão é: porque ela persistiu após a escravidão ser abolida? Parte da razão era simples inércia ideológica: a tendência de um mito social estabelecido para permanecer vigente, e como não foi contestada após a abolição acabou se reforçando.
(Pág. 206) Os ex-senhores de escravos e os brancos brasileiros em geral, tinham de sustentar que os danos e as injustiças da escravidão embora objetáveis, não eram tão ruins quanto poderiam ter sido.
(Pág. 207) Era mais seguro se concentrar n futuro do que no passado das relações entre negros e brancos no Brasil; e se fosse para olhar para o passado era melhor se concentrar não na experiência da escravidão, mas sim na relativa abertura da sociedade do séc. XIX aos pardos e pretos livres. Os expoentes da democracia racial declaravam que, agora que os afro-brasileiros se libertaram da escravidão eles podem desfrutar de todo progresso do séc. XX, assim como seus ancestrais libertos desfrutaram no séc. XIX.
Foi assim que o Brasil -o último país cristão do mundo a abolir a escravidão- tornou-se o primeiro a se proclamar uma democracia racial: virtualmente acabando com todas as tensões raciais. Desde seu início a democracia racial esteve intimamente associada ao ideal da democracia política e supostamente fazia parte da ordem política liberal e progressista.
(Pág. 208) Quando o liberalismo foi importado para o Brasil, ele foi apropriado pelas elites rurais - o análogo brasileiro à nobreza europeia- que utilizaram suas denúncias de privilégio e monopólio para justificar a remoção do controle colonial português sobre a política em economia brasileira. (Pág. 209) Os aspectos libertários civis do liberalismo não despertaram interesse na elite que considerava a grande maioria da população brasileira incapaz de se expressar dentro do Estado recém-independente. Incapazes de se livrar dos componentes libertários do liberalismo, as elites buscaram formulas ideológicas que permitissem a exclusão da população na política e na economia ao mesmo tempo em que formalmente conservassem os princípios da cidadania e da justiça.
Esta tentativa de acomodação do liberalismo no Brasil produziu um legado de equívocos, em que a hierarquia e o privilégio eram defendidos em nome da democracia e da igualdade. O conceito de democracia racial é parte integral desses equívocos.
(Pág. 210) Estava claro para todos que os negros continuavam a ocupar uma posição rebaixada e subordinada na sociedade brasileira. A doutrina da democracia racial isentava a política do Estado ou o racismo informal de qualquer responsabilidade pela situação da população negra, até mesmo responsabilizando-os diretamente por sua condição. Se os negros fracassassem em sua ascensão social a culpa era totalmente deles. A pobreza e a marginalização dos negros era a confirmação, não do fracasso da democracia racial, mas sim a preguiça, ignorância e incapacidade dos negros.
Durante essa época esse fenômeno era explicado por diversas teorias como o darwinismo social e o racismo científico. Assim, qualquer afro-brasileiro que questionasse a noção de democracia racial, corria o risco de ser confrontado com análises de sua deficiência intelectual embasada no grupo racial ao qual pertence.
(Pág. 211) Se os afro-brasileiros aceitavam o Brasil como uma terra de igualdade, então o seu fracasso nessa terra devia ser atribuído apenas às suas próprias deficiências. E embora essas deficiências fossem prontamente explicáveis pela escravidão, sempre haveria a suspeita de que o fracasso é mais genético do que histórico. 
(Pág. 212) A única saída para os negros afligidos por esse medo era abraçar a tese do branqueamento. Os racistas científicos doutrinários consideravam a mistura racial como um processo regressivo, em que o ancestral racial europeu era enfraquecido. Alguns intelectuais criticavam a miscigenação por esse motivo, outros a apoiavam por acreditar que o sangue branco era mais forte e que com o tempo eliminaria as características africanas, produzindo um branqueamento final no Brasil.
(Pág. 213) Aspirando se unir à sociedade brasileira e considerando o branqueamento a melhor maneira de se atingir esse objetivo, alguns membros da classe média afrodescendente endossaram a tese do branqueamento e substituição da herança racial africana pela europeia.
Entretanto, nem todos os observadores negros estavam convencidos de que o branqueamento e a democracia racial brasileira era dispositivos vantajosos para as pessoas de cor.
(Pág. 214) A brutalidade nas relações raciais nos EUA, gerou a necessidade dos afro-americanos se defenderem das perseguições dos norte-americanos brancos gerando um tipo de consciência afro-americana invejada pelos afro-brasileiros. Que chegaram até a especular que o “preconceito descarado seja um estímulo para o preparo do negro”.
(Pág. 217) Na década de 1920, um número crescente de afro-brasileiros não estava disposto a aceitar a patente discrepância entre a imagem e o fato. Os direitos civis e a legalidade eram rotineiramente violados. Em 1918, surgiu O Alfinete, primeiro jornal negro a dizer que a democracia racial não passa de ficção. Durante a década seguinte a maioria dos jornais negros abraçou essa opinião.
Para a elite negra a democracia racial estava morta. (Pág. 218) Ou melhor, o mito da democracia racial estava morto. O desejo da democracia racial estava muito vivo: a esperança de que, através da ação política, o Brasil pudesse ser realmente um país igual para todos. No decorrer da década de 1920, os afro-brasileiros começaram a trabalhar para transformar esse sonho em realidade.
Conseguindo se organizar.
A história da vida associativa dos negros no Brasil é extremamente rica e remonta ao período colonial. Mesmo quando escravos, os africanos e os afro-brasileiros encontraram maneiras de se reunir em associações. Todas tinham como objetivo satisfazer as necessidades culturais, religiosas, econômicas e humanas de um povo que vivia e trabalhava sob condições de exploração extrema. A abolição não resolveu nenhuma dessas necessidades e criou novas.
(Pág. 219) Estas organizações variavam em seu caráter e organização, dependendo da origem de classe e das aspirações sociais de seus membros. Algumas eram agregações informais de negros pobres da classe operária que se reuniam regularmente para tocar música, dançar e conversar. Desses encontros originaram-se os grupos de carnaval.
(Pág. 220) Os afro-brasileiros que aspiravam a classe média achavam que não seriam bem vistos se pertencessem a essas organizações populares. E os afro-brasileiros que desejavam se manter à parte do povo negro criaram seus próprios clubes sociais. Como o Kosmos, o Elite Club, o Smart Club etc. Os próprios nomes de suas organizações indicam como eles se enxergavam, ou desejavam se enxergar. Mas ao mesmo tempo era um grupo excluído da sociedade, rejeitando seus inferiores sociais e sendo rejeitados por seus pares brancos.
(Pág. 222) Os clubes atléticos dos brancos excluíam os pretos e os pardos. E estes por sua vez responderam criando seus próprios clubes, vários conseguiram considerável renome pela qualidade de seu futebol.
Com exceção das irmandades religiosas, todas as organizações foram criadas no intuito de trazer lazer e diversão. Embora tenham surgido como uma reação a segregação racial eles não tinham propósito de combater essa discriminação.
(Pág. 223) Em todo o Brasil, a década de 1920 testemunhou uma profunda sensação de alienação pública da República. À medida que as classes média e operária urbanas cresceram e se expandiram no Sul e no sudeste, o descontentamento com a República também cresceu.
(Pág. 224) Os primeiros anos das República testemunharam vários levantes violentos por parte dos brasileiros pobres e membros da classe operária que se opunham às políticas do Estado dominado por fazendeiros.
(Pág. 225) Aos poucos a insatisfação chegou às classes médias e altas, que criaram em 1926 o Partido Democrático, primeira oposição eleitoral ao PRP (Partido Republicano Paulista) desde que este chegou ao poder em 1890.
Os negros faziam parte desta agitação política, afinal a República os havia tratado muito mal.
(Pág. 226) Quando a resistência à República ganhou força em 1920, correntes similares também começaram a se movimentar na comunidade negra. Mas foi aplicado o mesmo padrão dos clubes. Os homens negros eram proibidos de ingressar no corpo de oficiais, e por isso não puderam participar do tenentismo. O movimento operário de São Paulo permaneceu dominado por líderes imigrantes, e s membros da classe média da elite de ambos os partidos - Republicano e Democrático- não tinham nenhum interesse em ver os afro-brasileiros participando ativamente nos partidos políticos.
(Pág. 227) Em vista disso, quando os negros procuraram maneiras de se associar à crescente oposição à República, começaram a pensar em termos de formar sua própria organização política afro-brasileira.
(Pág. 228) A frente negra brasileira.
A república foi derrubada; o domínio dos fazendeiros estava terminado. Mas o que iria substituí-lo? Uma agitação de interesses políticos e econômicos conflitantes lutou acirradamente para definir a nova ordem política, recorrendo em mais de uma ocasião à violência armada. No decorrer da década, estas lutas tornaram-se suficientemente intensas para que em 1937, o presidente Vargas os usasse como justificativa para fechar o processo político, abolindo os partidos políticos e impondo a ditadura do Estado Novo de inspiração fascista.
(Pág. 229) Mas em 1930 tudo isso ainda estava por acontecer, e aqueles que estavam sendo mal servidos pela República e por sua falsa democracia nada tinham a fazer senão aplaudir a “revolução”. Muitos afro-brasileiros achavam ter uma razão particular para apoiá-la. Vargas não desapontou seus partidários negros, ao criar o Ministério do Trabalho restringiu o trabalho estrangeiro o que soou como música aos ouvidos da população negra de São Paulo.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOPcWC7SG1EXDL_Eg-HiO0JG63DwPr3O507dKZtLODjkeFItF_3Vua1Z0jME_Mw5d-aNlMG69pGv6a5ZEyPmV35ibMCb6KVfTYp9YzXaKDUO8OQ8mtBRFNZEZJHQ_c_vBF2ry8258j9tw/s1600/Brasileira_Frente_Negra.jpg(Pág. 230) Um dos mais ativos destaques da vida cívica negra em São Paulo durante a década de 1920, foi Arlindo Veiga dos Santos, migrante da Bahia que trabalhava meio período como secretário na Faculdade de Direito e jornalista em tempo parcial. Em setembro de 1931, Santos convocou uma série de encontros para discutir a criação de uma organização negra. E em 12 de outubro a Frente Negra Brasileira foi oficialmente inaugurada.
(Pág. 231) A reação do público ao estabelecimento da Frente superou qualquer expectativa de seus organizadores. A organização se expandiu rapidamente por todo o Estado, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e no Rio Grande do Sul.
(Pág. 232) A frente subvencionou cursos de alfabetização e vocacionais para adultos, e montou uma escolar elementar. Criou uma clínica médica e odontológica de baixo custo, além de oferecer advogados. Faziam empréstimos para comprar casa e tirar os negros dos porões da cidade.
(Pág. 233) Estes programas atraíram uma quantidade substancial de membros, mas fosse qual fosse o seu número, os membros da frente eram muito poucos para exercer algum impacto sobre a política eleitoral do Estado. Não elegendo nenhum candidato em seus sete anos de existência.
(Pág. 234) Apesar de suas derrotas eleitorais a Frente obteve algum sucesso na pressão em questões envolvendo a discriminação racial.
 (Pág. 235) Aos poucos a classe média percebeu nos imigrantes uma ameaça. Uma orientação xenofóbica, anti-imigrantes com práticas emprestadas do fascismo.
(Pág. 236) Se as elites e a classe média branca sucumbiram aos sentimentos anti-imigrantes, não surpreende nada encontrar afro-brasileiros fazendo o mesmo. Mais que qualquer outro grupo em São Paulo, foram eles que suportaram a violência da imigração e que foram repudiados enquanto o Estado era “europeizado”.
(Pág. 238) Devido a essa raiva cada vez maior contra os imigrantes, a Frente Negra que em seu estatuto previa ser uma organização rigorosamente brasileira, apoiou o fechamento do Brasil a qualquer interferência externa.
Os paralelos entre a orientação anti-imigrante da Frente e as do movimento integralista são impressionantes: ambos menosprezavam a democracia liberal e a filosofia estrangeira, além de admirar o fascismo europeu. Em um editorial de 1933 Arlindo Veiga Santos parabeniza Adolf Hitler por ter livrado a Alemanha dos judeus.
(Pág. 239) A Frente chegou a adotar como o lema integralista “pela família, pelo país e por Deus” modificando um pouco e acrescentando pela “raça”.
No decorrer da década de 1930 a Frente progressivamente retirou o apoio aos moderados e à esquerda da comunidade Negra, o que levou a criação de um grupo de dissidentes na capital a criar o rival Club Negro de Cultura Social e uma pequena Frente Negra Socialista. Santos chamou esses dissidentes de Judas da raça e mandou sua milícia destruir o escritório deles.
(Pág. 240) Em dezembro de 1937, Getúlio Vargas deu à Frente o seu golpe de misericórdia, proibindo todos os partidos políticos. A Frente ainda tentou barganhar oferecendo apoio a ditadura. As organizações pequenas demais para ameaçar o governo tinham permissão para morrer de morte natural e foi o que aconteceu com a Frente Negra Brasileira em maio de 1938.
É fácil culpar a Frente por sua derrota: seu autoritarismo, seu chauvinismo de extrema-direita, seu fracasso em organizar seus adeptos e se tornar uma força política real.
(Pág. 241) Mas o fato é de que a frente foi vítima dos mesmos conflitos que conturbaram o sistema político mais amplo. Os negros e brancos da classe média de São Paulo mostraram-se igualmente vulneráveis à sedução do nacionalismo e do autoritarismo político. 
Bibliografia:
ANDREWS; George: “Negros e brancos em São Paulo”. Tradução Magda Lope, Bauru, SP: EDUSC, 1998. Pág 197-241.



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