(Texto escrito em 1988).
(Pag.23) Significado político da
manipulação na grande imprensa.
A manipulação.
Uma das principais características do jornalismo brasileiro é a
manipulação da informação.
Os órgãos de informação não refletem a realidade, somente fazem
uma referência indireta a realidade, distorcendo-a. (Pag.24) É
uma realidade artificial, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no
lugar da realidade real.(...)
Assim, o público é cotidianamente bombardeado por uma realidade
artificial que muitas vezes se sobrepõe a realidade que ele vive e conhece. Ele
só percebe a contradição quando se trata de uma parcela da qual ele é
protagonista, testemunha ou agente direto.
Daí cada leitor/espectador tem diante de si uma realidade que não
é real, movendo-se em um mundo que não existe, artificialmente criado.
A manipulação das informações se transforma, assim, em manipulação
da realidade.
Os padrões de manipulação.
(Pag.25) Não é todo material
que toda a imprensa manipula sempre. Se fosse
assim esse fenômeno seria autodesmistificador e se autodestruiria. Também não é
um fenômeno que ocorre raramente, pois se fosse assim seus efeitos seriam
insignificantes.
A gravidade do fenômeno decorre do fato dele ser a essência da
produção cotidiana da imprensa.
Essa é uma característica geral dos padrões de manipulação da
produção jornalística.
É possível distinguir quatro padrões de manipulação para a
imprensa e mais um específico para o telejornalismo.
1° Padrão de ocultação: Se refere à ausência e à presença dos
fatos na produção. É a escolha do que vai ou não ser publicado. (Pag.26) É
um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade.
A ocultação do real está ligada ao chamado fato jornalístico. A
concepção é a de que existem fatos jornalísticos e fatos não-jornalísticos.
Ora, o mundo real não se divide assim. Pelo fato de que as
características jornalísticas não residem no objeto da observação, e sim no
sujeito observador e na relação do segundo com o primeiro. O jornalístico é a
relação que o jornalista, ou o órgão de jornalismo, decide estabelecer com a
realidade. Nesse sentido, todos os fatos, toda a realidade pode ser
jornalística, mas um fato somente se torna jornalístico quando é interessante
para a visão de mundo de um órgão da imprensa.
(Pag.27) Tomada à decisão de que um fato “não é
jornalístico”, não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua
existência por meio da imprensa. O fato real foi eliminado da realidade, ele
não existe. O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em
imaginário.
2° Padrão de fragmentação: Eliminados os fatos definidos como não
jornalísticos, o “resto” da realidade é apresentada pela imprensa todo
fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, desligados de seus
antecedentes e de seus consequentes ou reconectados de forma arbitrária.
O padrão de fragmentação implica duas operações básicas: a seleção de aspectos
do fato e a descontextualização.
(Pag.28) Seleção de aspectos do
fato: após o fato
ter sido escolhido para entrar na pauta ele é dividido em particularidades
(aspectos), e a imprensa seleciona o que apresentará ou não ao público.
Descontextualização: como o próprio nome já diz, é tirar o
fato de seu contexto real. Isolado, fora do ambiente em que foi gerado, o fato
perde todo o significado original e real.
3° Padrão da inversão: fragmentado o fato em aspectos
particulares, todos eles descontextualizados, intervém o padrão da inversão,
que opera reordenando as partes. Destruindo a realidade original e criando a artificial.
Isso ocorre geralmente na edição.
(Pag.29) Existem várias formas de inversão: muitas
delas usadas a mesma matéria.
3.1. Inversão da relevância dos aspectos: o secundário é apresentado como
principal e vice-versa. O extraordinário como cotidiano, etc.
3.2. Inversão da forma pelo conteúdo: O texto passa a ser mais importante que
o fato que ele reproduz. A palavra, a frase, no lugar da informação, o
ficcional espetaculoso sobre realidade;
3.3. Inversão da versão pelo fato: não é o fato em si que importa, mas a
versão da imprensa seja ela criada pela imprensa ou adotada por alguém. O órgão
da imprensa renuncia a expor os fatos e em seu lugar apresenta declarações suas
ou alheias. Muitas vezes, prefere apresentar explicações opiniáticas
complicadas a render-se as evidências dos fatos. Parecendo que a imprensa tem
por máxima a frase: “se algo não corresponde à minha versão, deve haver algo
errado com o fato”.
(Pag.30) 3.3.1. Um dos extremos desse padrão de inversão é
o frasismo,
o abuso da utilização das frases ou de pedaços de frases sobre a realidade para
substituir a própria realidade. Uma frase é apresentada como realidade
original.
3.3.2. O outro extremo da inversão do fato pela versão é o oficialismo, que
tem como base a fonte “oficial” ou “mais oficial”. No lugar dos fatos temos uma
versão oficial onde a melhor fonte oficial é a da autoridade e a melhor
autoridade é a própria imprensa.
(Pag.31) 3.4. Inversão da opinião pela
informação: a
utilização sistemática e abusiva desses padrões de manipulação leva quase
inevitavelmente a outro padrão: o de substituir, inteira ou parcialmente, a
informação pela opinião. E com o agravante de fazer passar a opinião pela
informação. O juízo de valor é utilizado como se fosse um juízo de realidade.
(Pag.32) (Resumindo) O fato é apresentado ao leitor
arbitrariamente escolhido dentro da realidade, fragmentado no seu interior, com
seus aspectos correspondentes selecionados e descontextualizados, reordenados
invertidamente quanto a sua relevância, seu papel e seu significado e, ainda
mais, tendo suas partes reais substituídas por versões opiniáticas dessa mesma
realidade. O jornalismo, assim, não reflete nem a realidade nem a opinião
pública. Ao leitor/espectador não é dada qualquer oportunidade que não a de
consumir como critério de ação a opinião que lhe é imposta, sem que lhe sejam
igualmente dados os meios de distinguir ou verificar a distinção entre
informação e opinião. A informação, quando existe, serve apenas de mera
ilustração exemplificadora da opinião.
(Pag.33) 4º.Padrão de indução: o que torna a manipulação um fato
característico da imprensa brasileira hoje é a hábil combinação dos casos, dos
momentos, das formas e dos graus de distorção da realidade em seu conjunto, a
população à condição de excluída da possiblidade de ver e compreender a
realidade real e a induza a consumir outra realidade, artificialmente
inventada.
Submetido constantemente aos padrões de manipulação, o leitor é
induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim com querem que ele o veja.
(Pag.34) A indução a enxergar a outra realidade é
fruto da manipulação do conjunto dos meios de comunicação. A indução se
manifesta pelo reordenamento ou pela recontextualização dos fragmentos da
realidade, pelo subtexto (aquilo que é dito sem ser falado).
(Pag.35) Depois de distorcida, retorcida e recriada
ficcionalmente, a realidade é ainda assim dividida pela imprensa entre o bem e
o mal.
5º. Padrão global ou o padrão específico
do jornalismo de televisão e rádio: O jornalismo de radiodifusão (Tv e rádio) passa por todos
os quatro tipos gerais de manipulação, mas ainda apresenta um específico.
O padrão global se divide em três momentos básicos, como se fossem
três atos.
(Pag.36) 1º Ato. Exposição do fato: Submetido a todos os padrões de
manipulação, o fato é apresentado sempre de forma sensacionalista. As imagens e
os sons mostram o incêndio, a tempestade, a enchente, a greve, o assalto, o crime,
etc. apenas para amparar os textos lidos.
2º Ato. A sociedade fala: As imagens e os sons mostram
detalhes do envolvidos. Eles apresentam seus testemunhos, dores, alegrias, críticas,
etc.
3º Ato. A autoridade resolve: Quando se trata de um fato natural
(enchente, tempestade, incêndio), a autoridade (do papa ao presidente) anuncia
as providências. Quando se trata de um fato social (greve, passeatas,
homicídios, assaltos) a autoridade reprime o mal e enaltece o bem, além de
anunciar as soluções já tomadas. Nos dois casos a autoridade tranquiliza o
povo, desestimulando qualquer ação popular, mantém a autoridade e a ordem
submetendo o povo sob sua autoridade.
E frequentemente, ao fim do terceiro ato segue o epílogo, em que a
própria emissora, através de seu apresentador ou comentarista reforça, contesta
ou substitui a mensagem da autoridade.
(Pag.37) A transformação está completa. A realidade
real foi substituída por outra realidade, artificial e irreal.
Objetividade e subjetividade.
A manipulação é marca característica de todo jornalismo? É
possível fazer jornalismo não manipulador?
A resposta a essa questão passa pela discussão do tema da
objetividade e da subjetividade no jornalismo.
Em primeiro lugar, é necessário distinguir o conceito de
objetividade do de neutralidade, imparcialidade, isenção e honestidade.
(Pag.38) Há diferenças fundamentais entre
objetividade e os demais conceitos, pois estes dizem respeito aos critérios do
fazer, do agir, do ser, ou seja, são comportamentos morais. Os próprios
conceitos têm caráter moralista e quando conjugados seus antônimos, formam
pares do tipo bom/mau, certo/errado, etc.
Com exceção do par honestidade/desonestidade, os demais requerem
uma postura mais crítica quando se trata de jornalismo.
Vejamos: é desejável, para um jornalista, para um órgão de
imprensa, uma postura de neutralidade, imparcialidade ou isenção, no lugar de
seu contrário, isto é, a tomada de posição?
O que significa realmente ser neutro, imparcial ou isento? “Neutro”
a favor de quem?
Ao contrário do que se acredita o jornalismo deveria ser
não-neutro, não-imparcial e não isento diante dos fatos da realidade. E em que
momento o jornalismo deve tomar posição? Na orientação para a ação. O órgão de
comunicação deve orientar seus leitores/espectadores na formação da opinião e
na ação concreta como cidadãos.
(Pag.39) O conceito de objetividade, porém,
situa-se em outro campo, que não o da ação: o campo do conhecimento. A
objetividade tem a ver com a relação que se estabelece entre o sujeito
observador e o objeto observável, do diálogo entre eles.
(Pag.41) Voltando a questão inicial: é possível sim
fazer jornalismo com o máximo de objetividade.
O reino da objetividade é a informação, a notícia, a reportagem,
assim como o reino da tomada de posição era a opinião, o comentário, o
editorial. É fundamental separar e distinguir informação de opinião.
O significado político da manipulação.
(Pag.42) Se é possível fazer jornalismo com
objetividade, por que o jornalismo manipula a informação e distorce a
realidade? A distorção da realidade é deliberada, tem um significado e um
propósito.
A imensa maioria dos órgãos de comunicação brasileiros são
propriedades privadas e seus proprietários –não sozinhos- são os responsáveis
pela manipulação. Mas por que esses empresários manipulam?
Existem duas explicações economicistas para o fenômeno: a primeira
coloca a responsabilidade no anunciante, onde este por imposição direta ou
indireta obriga a imprensa a distorcer a manipular. (Pag.43) A
segunda diz que a ambição pelo lucro do próprio empresário da comunicação é a
responsável pela manipulação.
Essas duas explicações não são suficientes para explicar todo o
fenômeno. O peso de cada anunciante é muito ponderável na pequena imprensa. Mas
onde a manipulação impera é na grande e nessa o peso do anunciante é
praticamente nulo.
E a ambição do lucro não explica a manipulação, primeiro porque o
empresário teria mais chances de obter lucros investindo em outras coisas,
segundo porque o outro tipo de jornalismo (não manipulador) também poderia dar
grande audiência.
É evidente que os órgãos de comunicação, e a indústria cultural
estão submetidos à lógica econômica do capitalismo. Mas o capitalismo opera
também com outra lógica – a lógica da política, a lógica do poder- e é aí,
provavelmente, que vamos encontrar a explicação da manipulação jornalística.
(Pag.44) Os órgãos de comunicação se transformaram
em órgãos e poder, em órgãos políticos partidários, e é por isso que eles
precisam recriar a realidade onde exercem esse poder, e para recriar a
realidade precisam manipular as informações. A manipulação tornou-se uma
necessidade, mas como a empresa não foi criada nem organizada para
exercer diretamente o poder, ela procurou transformar-se
em partido político.
(Pag.46) Se os órgãos não são partidos políticos na
acepção rigorosa do termo, são pelo menos, agentes partidários. Deixam de ser
instituições da sociedade civil para se tornar instituições da sociedade
política. Procuram representar segmentos da sociedade e tentam fazer a
intermediação entre a sociedade civil e o Estado. (Pag.47) Além
de disputar o poder sobre a sociedade em benefício dos seus próprios interesses
e valores políticos.
Recriando a realidade à sua maneira e de acordo com os seus
interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam os seus
leitores nesse círculo de ferro da realidade irreal.
O jornal Nacional faz plim-plim e milhões de brasileiros salivam
no ato. A Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, o Jornal Brasil, a Veja
dizem alguma coisa e centenas de milhares de brasileiros abanam o rabo em sinal
de assentimento e obediência.
Circunstância ou tendência?
(Pag.48) Até que ponto as características atuais da
imprensa brasileira constituem apenas uma situação transitória? Em até que
ponto representam uma excessiva reação à época da ditadura e da censura? Até
que ponto representam o estado confuso e ambíguo da conjuntura política
brasileira?
(Pag.49) Como é a burguesia que controla os meios
de comunicações, caberá as classes dominadas o papel de transformar jornalismo.
E isso ocorrerá em três planos:
1º. As classes dominadas tenderão, cada vez mais a desmistificar
o jornalismo. Não acreditarão ou confiarão na imprensa e passarão a ter uma
postura mais crítica sobre ela.
2º. As classes dominadas passarão ao contra-ataque, tratando a
imprensa como elas se apresentam, isto é, como entes político-partidários que
não estão acima do bem e do mal.
(Pag.50) 3º. As classes dominadas lutarão pela
transformação dos meios de comunicação.
Já que os órgãos de comunicação passaram de instituições da
sociedade civil para instituições da sociedade política, se deixaram de ser
órgãos de comunicação para se transformar em entes político-partidários, não
haverá mais razão para aceitá-los como institutos de direito privado e deverão
se transformar em institutos de direito público.
Em outras palavras, a parte dominada da sociedade passará a questionar
o regime de propriedade privada dos órgãos de comunicação.
A comunicação e a informação poderão passar para o controle
irrestrito do Estado o que é tão indesejável quanto a sua
propriedade privada. As classes dominadas, portanto, deverão lutar pela transformação
dos atuais órgãos privados e estatais em órgãos públicos.
(Pag.51) E só assim o jornalismo poderá se libertar
do seu pior inimigo: a imprensa tal como ela é hoje.
Bibliografia:
ABRAMO; Perseu: “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa” ed.Perseu
Abramo. 1988. Pág23-51.
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