quinta-feira, 21 de julho de 2011

Padrões de Manipulação na Grande Imprensa por Perseu Abramo

(Texto escrito em 1988).
(Pag.23) Significado político da manipulação na grande imprensa.
A manipulação.
Uma das principais características do jornalismo brasileiro é a manipulação da informação.
Os órgãos de informação não refletem a realidade, somente fazem uma referência indireta a realidade, distorcendo-a. (Pag.24) É uma realidade artificial, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar da realidade real.(...)
Assim, o público é cotidianamente bombardeado por uma realidade artificial que muitas vezes se sobrepõe a realidade que ele vive e conhece. Ele só percebe a contradição quando se trata de uma parcela da qual ele é protagonista, testemunha ou agente direto.
Daí cada leitor/espectador tem diante de si uma realidade que não é real, movendo-se em um mundo que não existe, artificialmente criado.
A manipulação das informações se transforma, assim, em manipulação da realidade.
Os padrões de manipulação.
(Pag.25) Não é todo material que toda a imprensa manipula sempre. Se fosse assim esse fenômeno seria autodesmistificador e se autodestruiria. Também não é um fenômeno que ocorre raramente, pois se fosse assim seus efeitos seriam insignificantes.
A gravidade do fenômeno decorre do fato dele ser a essência da produção cotidiana da imprensa.
Essa é uma característica geral dos padrões de manipulação da produção jornalística.
É possível distinguir quatro padrões de manipulação para a imprensa e mais um específico para o telejornalismo.
1° Padrão de ocultação: Se refere à ausência e à presença dos fatos na produção. É a escolha do que vai ou não ser publicado. (Pag.26) É um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade.
A ocultação do real está ligada ao chamado fato jornalístico. A concepção é a de que existem fatos jornalísticos e fatos não-jornalísticos.
 Ora, o mundo real não se divide assim. Pelo fato de que as características jornalísticas não residem no objeto da observação, e sim no sujeito observador e na relação do segundo com o primeiro. O jornalístico é a relação que o jornalista, ou o órgão de jornalismo, decide estabelecer com a realidade. Nesse sentido, todos os fatos, toda a realidade pode ser jornalística, mas um fato somente se torna jornalístico quando é interessante para a visão de mundo de um órgão da imprensa.
(Pag.27) Tomada à decisão de que um fato “não é jornalístico”, não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência por meio da imprensa. O fato real foi eliminado da realidade, ele não existe. O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário.
2° Padrão de fragmentação: Eliminados os fatos definidos como não jornalísticos, o “resto” da realidade é apresentada pela imprensa todo fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, desligados de seus antecedentes e de seus consequentes ou reconectados de forma arbitrária.
O padrão de fragmentação implica duas operações básicas: a seleção de aspectos do fato e a descontextualização.
(Pag.28) Seleção de aspectos do fato: após o fato ter sido escolhido para entrar na pauta ele é dividido em particularidades (aspectos), e a imprensa seleciona o que apresentará ou não ao público.
Descontextualização: como o próprio nome já diz, é tirar o fato de seu contexto real. Isolado, fora do ambiente em que foi gerado, o fato perde todo o significado original e real.
3° Padrão da inversão: fragmentado o fato em aspectos particulares, todos eles descontextualizados, intervém o padrão da inversão, que opera reordenando as partes. Destruindo a realidade original e criando a artificial. Isso ocorre geralmente na edição.
(Pag.29) Existem várias formas de inversão: muitas delas usadas a mesma matéria.
3.1. Inversão da relevância dos aspectos: o secundário é apresentado como principal e vice-versa. O extraordinário como cotidiano, etc.
3.2. Inversão da forma pelo conteúdo: O texto passa a ser mais importante que o fato que ele reproduz. A palavra, a frase, no lugar da informação, o ficcional espetaculoso sobre realidade;
3.3. Inversão da versão pelo fato: não é o fato em si que importa, mas a versão da imprensa seja ela criada pela imprensa ou adotada por alguém. O órgão da imprensa renuncia a expor os fatos e em seu lugar apresenta declarações suas ou alheias. Muitas vezes, prefere apresentar explicações opiniáticas complicadas a render-se as evidências dos fatos. Parecendo que a imprensa tem por máxima a frase: “se algo não corresponde à minha versão, deve haver algo errado com o fato”.
(Pag.30) 3.3.1. Um dos extremos desse padrão de inversão é o frasismo, o abuso da utilização das frases ou de pedaços de frases sobre a realidade para substituir a própria realidade. Uma frase é apresentada como realidade original.
3.3.2. O outro extremo da inversão do fato pela versão é o oficialismo, que tem como base a fonte “oficial” ou “mais oficial”. No lugar dos fatos temos uma versão oficial onde a melhor fonte oficial é a da autoridade e a melhor autoridade é a própria imprensa.
(Pag.31) 3.4. Inversão da opinião pela informação: a utilização sistemática e abusiva desses padrões de manipulação leva quase inevitavelmente a outro padrão: o de substituir, inteira ou parcialmente, a informação pela opinião. E com o agravante de fazer passar a opinião pela informação. O juízo de valor é utilizado como se fosse um juízo de realidade.
(Pag.32) (Resumindo) O fato é apresentado ao leitor arbitrariamente escolhido dentro da realidade, fragmentado no seu interior, com seus aspectos correspondentes selecionados e descontextualizados, reordenados invertidamente quanto a sua relevância, seu papel e seu significado e, ainda mais, tendo suas partes reais substituídas por versões opiniáticas dessa mesma realidade. O jornalismo, assim, não reflete nem a realidade nem a opinião pública. Ao leitor/espectador não é dada qualquer oportunidade que não a de consumir como critério de ação a opinião que lhe é imposta, sem que lhe sejam igualmente dados os meios de distinguir ou verificar a distinção entre informação e opinião. A informação, quando existe, serve apenas de mera ilustração exemplificadora da opinião.
(Pag.33) 4º.Padrão de indução: o que torna a manipulação um fato característico da imprensa brasileira hoje é a hábil combinação dos casos, dos momentos, das formas e dos graus de distorção da realidade em seu conjunto, a população à condição de excluída da possiblidade de ver e compreender a realidade real e a induza a consumir outra realidade, artificialmente inventada.
Submetido constantemente aos padrões de manipulação, o leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim com querem que ele o veja.
(Pag.34) A indução a enxergar a outra realidade é fruto da manipulação do conjunto dos meios de comunicação. A indução se manifesta pelo reordenamento ou pela recontextualização dos fragmentos da realidade, pelo subtexto (aquilo que é dito sem ser falado).
(Pag.35) Depois de distorcida, retorcida e recriada ficcionalmente, a realidade é ainda assim dividida pela imprensa entre o bem e o mal.
5º. Padrão global ou o padrão específico do jornalismo de televisão e rádio: O jornalismo de radiodifusão (Tv e rádio) passa por todos os quatro tipos gerais de manipulação, mas ainda apresenta um específico.
O padrão global se divide em três momentos básicos, como se fossem três atos.
(Pag.36) 1º Ato. Exposição do fato: Submetido a todos os padrões de manipulação, o fato é apresentado sempre de forma sensacionalista. As imagens e os sons mostram o incêndio, a tempestade, a enchente, a greve, o assalto, o crime, etc. apenas para amparar os textos lidos.
2º Ato. A sociedade fala: As imagens e os sons mostram detalhes do envolvidos. Eles apresentam seus testemunhos, dores, alegrias, críticas, etc.
3º Ato. A autoridade resolve: Quando se trata de um fato natural (enchente, tempestade, incêndio), a autoridade (do papa ao presidente) anuncia as providências. Quando se trata de um fato social (greve, passeatas, homicídios, assaltos) a autoridade reprime o mal e enaltece o bem, além de anunciar as soluções já tomadas. Nos dois casos a autoridade tranquiliza o povo, desestimulando qualquer ação popular, mantém a autoridade e a ordem submetendo o povo sob sua autoridade.
E frequentemente, ao fim do terceiro ato segue o epílogo, em que a própria emissora, através de seu apresentador ou comentarista reforça, contesta ou substitui a mensagem da autoridade.
(Pag.37) A transformação está completa. A realidade real foi substituída por outra realidade, artificial e irreal.
Objetividade e subjetividade.
A manipulação é marca característica de todo jornalismo? É possível fazer jornalismo não manipulador?
  A resposta a essa questão passa pela discussão do tema da objetividade e da subjetividade no jornalismo.
Em primeiro lugar, é necessário distinguir o conceito de objetividade do de neutralidade, imparcialidade, isenção e honestidade.
(Pag.38) Há diferenças fundamentais entre objetividade e os demais conceitos, pois estes dizem respeito aos critérios do fazer, do agir, do ser, ou seja, são comportamentos morais. Os próprios conceitos têm caráter moralista e quando conjugados seus antônimos, formam pares do tipo bom/mau, certo/errado, etc.
Com exceção do par honestidade/desonestidade, os demais requerem uma postura mais crítica quando se trata de jornalismo.
Vejamos: é desejável, para um jornalista, para um órgão de imprensa, uma postura de neutralidade, imparcialidade ou isenção, no lugar de seu contrário, isto é, a tomada de posição?
O que significa realmente ser neutro, imparcial ou isento? “Neutro” a favor de quem?
Ao contrário do que se acredita o jornalismo deveria ser não-neutro, não-imparcial e não isento diante dos fatos da realidade. E em que momento o jornalismo deve tomar posição? Na orientação para a ação. O órgão de comunicação deve orientar seus leitores/espectadores na formação da opinião e na ação concreta como cidadãos.
(Pag.39) O conceito de objetividade, porém, situa-se em outro campo, que não o da ação: o campo do conhecimento. A objetividade tem a ver com a relação que se estabelece entre o sujeito observador e o objeto observável, do diálogo entre eles.
(Pag.41) Voltando a questão inicial: é possível sim fazer jornalismo com o máximo de objetividade.
O reino da objetividade é a informação, a notícia, a reportagem, assim como o reino da tomada de posição era a opinião, o comentário, o editorial. É fundamental separar e distinguir informação de opinião.
O significado político da manipulação.
(Pag.42) Se é possível fazer jornalismo com objetividade, por que o jornalismo manipula a informação e distorce a realidade? A distorção da realidade é deliberada, tem um significado e um propósito.
A imensa maioria dos órgãos de comunicação brasileiros são propriedades privadas e seus proprietários –não sozinhos- são os responsáveis pela manipulação. Mas por que esses empresários manipulam?
Existem duas explicações economicistas para o fenômeno: a primeira coloca a responsabilidade no anunciante, onde este por imposição direta ou indireta obriga a imprensa a distorcer a manipular. (Pag.43) A segunda diz que a ambição pelo lucro do próprio empresário da comunicação é a responsável pela manipulação.
Essas duas explicações não são suficientes para explicar todo o fenômeno. O peso de cada anunciante é muito ponderável na pequena imprensa. Mas onde a manipulação impera é na grande e nessa o peso do anunciante é praticamente nulo.
E a ambição do lucro não explica a manipulação, primeiro porque o empresário teria mais chances de obter lucros investindo em outras coisas, segundo porque o outro tipo de jornalismo (não manipulador) também poderia dar grande audiência.
É evidente que os órgãos de comunicação, e a indústria cultural estão submetidos à lógica econômica do capitalismo. Mas o capitalismo opera também com outra lógica – a lógica da política, a lógica do poder- e é aí, provavelmente, que vamos encontrar a explicação da manipulação jornalística.
(Pag.44) Os órgãos de comunicação se transformaram em órgãos e poder, em órgãos políticos partidários, e é por isso que eles precisam recriar a realidade onde exercem esse poder, e para recriar a realidade precisam manipular as informações. A manipulação tornou-se uma necessidade, mas como a empresa não foi criada nem organizada para exercer diretamente o poder, ela procurou transformar-se em partido político.
(Pag.46) Se os órgãos não são partidos políticos na acepção rigorosa do termo, são pelo menos, agentes partidários. Deixam de ser instituições da sociedade civil para se tornar instituições da sociedade política. Procuram representar segmentos da sociedade e tentam fazer a intermediação entre a sociedade civil e o Estado. (Pag.47) Além de disputar o poder sobre a sociedade em benefício dos seus próprios interesses e valores políticos.
Recriando a realidade à sua maneira e de acordo com os seus interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam os seus leitores nesse círculo de ferro da realidade irreal.
O jornal Nacional faz plim-plim e milhões de brasileiros salivam no ato. A Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, o Jornal Brasil, a Veja dizem alguma coisa e centenas de milhares de brasileiros abanam o rabo em sinal de assentimento e obediência.
Circunstância ou tendência?
(Pag.48) Até que ponto as características atuais da imprensa brasileira constituem apenas uma situação transitória? Em até que ponto representam uma excessiva reação à época da ditadura e da censura? Até que ponto representam o estado confuso e ambíguo da conjuntura política brasileira?
(Pag.49) Como é a burguesia que controla os meios de comunicações, caberá as classes dominadas o papel de transformar jornalismo. E isso ocorrerá em três planos:
1º. As classes dominadas tenderão, cada vez mais a desmistificar o jornalismo. Não acreditarão ou confiarão na imprensa e passarão a ter uma postura mais crítica sobre ela.
2º. As classes dominadas passarão ao contra-ataque, tratando a imprensa como elas se apresentam, isto é, como entes político-partidários que não estão acima do bem e do mal.
(Pag.50) 3º. As classes dominadas lutarão pela transformação dos meios de comunicação.
Já que os órgãos de comunicação passaram de instituições da sociedade civil para instituições da sociedade política, se deixaram de ser órgãos de comunicação para se transformar em entes político-partidários, não haverá mais razão para aceitá-los como institutos de direito privado e deverão se transformar em institutos de direito público.
Em outras palavras, a parte dominada da sociedade passará a questionar o regime de propriedade privada dos órgãos de comunicação.
A comunicação e a informação poderão passar para o controle irrestrito do Estado o que é tão indesejável quanto a sua propriedade privada. As classes dominadas, portanto, deverão lutar pela transformação dos atuais órgãos privados e estatais em órgãos públicos.
(Pag.51) E só assim o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a imprensa tal como ela é hoje.

Bibliografia:
ABRAMO; Perseu: “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa” ed.Perseu Abramo. 1988. Pág23-51.

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