Segundo Arno J. Mayer a Primeira e a Segunda nada mais são do que apenas um único conflito. A Guerra dos Trinta anos.
Sendo uns dos principais motivos dessa guerra,a resistência que o antigo regime empreendeu para perpetuar-se no pensamento coletivo europeu.
INTRODUÇÃO.
(P.13) Este livro parte da premissa de que
a Guerra Mundial de 1938-1945 estava umbilicalmente ligada a Grande Guerra de
1914-1918, e que esses dois conflitos constituíram nada menos que a Guerra dos
Trinta Anos da crise geral do século XX. (...)
(P.14) A segunda premissa é a de que a
Grande Guerra de 1914, foi uma consequência da remobilização contemporânea
dos anciens regimes (antigo regime) da Europa. Embora perdendo
terreno para as forças do capitalismo industrial, as forças da antiga ordem
ainda estavam suficientemente dispostas e poderosas para resistir e retardar o
curso da história, se necessário recorrendo à violência. A Grande Guerra foi
antes a expressão da decadência e queda da antiga ordem, lutando para prolongar
sua vida, do explosivo crescimento do capitalismo industrial, resolvido a impor
sua primazia.
A terceira e principal premissa deste
livro é a de que a antiga ordem europeia foi totalmente pré-industrial e
pré-burguesa. Durante muito tempo, os historiadores estiveram muito mais
preocupados com essas forças inovadoras e a formação da nova sociedade do que
com as forças de inércia e resistência que retardaram o declínio da antiga
ordem.
Houve uma tendência marcante a
negligenciar, subestimar e desvalorizar a resistência de velhas forças e ideias
e o seu astucioso talento para assimilar, retardar, neutralizar e subjugar a
modernização capitalista, incluindo a industrialização.
Para obter uma perspectiva mais
equilibrada, os historiadores terão de considerar o grande drama da
transformação progressiva, a implacável tragédia da permanência histórica e a
interação dialética entre ambas.
(P.15) Mas este livro se concentrará sobre
a persistência da antiga ordem. O critério convencional ainda é o de que a
Europa irrompeu de seu ancien regime e aproximou-se ou cruzou
o limiar da modernidade muito antes de 1914.
Para reconstruir a matriz histórica de onde se originaram a crise geral e a
Guerra dos Trinta Anos do séc. XX, talvez seja necessário reconsiderar esse
retrato de um mundo moderno com domínio pleno sobre uma antiga ordem recessiva
e em
esfacelamento. De qualquer forma, a
tese deste livro é a de que os elementos “pré-modernos” não eram os
remanescentes frágeis e decadentes de um passado quase desaparecido, mas a
própria essência das sociedades civis e políticas situadas na Europa.
Significa sustentar que até 1914 as forças
de inércia e resistência contiveram e refrearam essa nova sociedade dinâmica e
expansiva no interior do antigo regime que dominavam o cenário histórico
europeu.
(P.16) Os velhos regimes da Europa eram
sociedades civis e políticas com poderes, tradições, costumes e convenções
diferentes. Precisamente por constituírem sistemas sociais, econômicos e
culturais coerentes e integrais, dispunham de excepcional elasticidade. Mesmo
na França, onde o antigo regime foi declarado legalmente morto entre 1789 e
1793, ele continuou a ressurgir de forma violenta e a sobreviver sob várias
formas por mais de um século.
A sociedade civil da ordem antiga
consistia, sobretudo, em uma economia camponesa e uma sociedade rural dominadas
por nobrezas hereditárias e privilegiadas. Por toda a Europa, as nobrezas
fundiárias ocupavam o primeiro plano em termos econômicos, sociais, culturais e
políticos.
A sociedade política era o sustentáculo
dessa sociedade agrária de ordens. Em todas as partes, ela assumiu a forma de
sistemas absolutistas de autoridade com grau diversos de esclarecimento,
encabeçados por monarcas hereditários.
(P.17) A igreja era outro componente e
pilar do antigo regime. Intimamente ligada tanto à coroa como à nobreza,
estava, como elas, arraigada à terra, que constituía sua principal fonte de
renda.
Todo regime estava impregnado pela herança
do feudalismo que, se pressupunha, havia expirado com a Idade Média e fora
afinal declarado “totalmente abolido” na França em agosto de 1789.
(P.18) O duradouro sistema senhorial
deixou uma profunda marca no antigo regime, ao perpetuar os nobres
privilegiados que exaltavam e se arrogavam o espírito da lealdade pessoal, a
prática das virtudes marciais e o dever do serviço público.
Como não se viram privados de sua posição
quanto à propriedade da terra até 1914, os nobres mantiveram sua riqueza
e status, embora os monarcas absolutos despojassem os nobres e
senhores de sua autoridade política e militar soberana, assimilavam-nos em seu
aparelho de Estado. A nobreza também se beneficiou de íntimas ligações com a
igreja, cujos membros mais elevados provinham de altas estirpes, e cuja
riqueza, como a dos nobres, continuava a ser esmagadoramente fundiária.
Assim, o feudalismo nitidamente dotou a
antiga ordem europeia com muito mais que um mero revestimento de tradições,
costumes e mentalidades de classe superior. Ele penetrou nos anciens
régimens através de nobiliarquias posicionadas de modo a monopolizar
postos econômicos, militares, burocráticos e culturais estratégicos.
(P.19) Apesar desse crescimento do
capitalismo no campo, a nobreza continuou a impregnar as altas esferas da
sociedade, da cultura e da política com seu espírito feudal. A terra continuou
a ser a principal forma de riqueza e renda das classes dirigentes e governantes
até 1914.
Esse capitalismo empresarial gerou uma
burguesia que, no máximo, era protonacional. Como classe, essa burguesia
partilhava interesses econômicos, mas contava apenas com uma restrita coesão
social e política.
(P.20) Embora a economia inglesa fosse
dominada pelo capitalismo manufatureiro e mercantil, a aristocracia continuava
a ter supremacia. Isso porque a terra continuava a ser a principal fonte de
riqueza e renda. A Inglaterra nunca se converteu numa “ordem burguesa” dirigida
por uma burguesia “conquistadora” ou “triunfante”. Não houve nenhum movimento
para remover a coroa, a corte real, a Câmara dos Lordes e a nobreza do serviço
público.
Nas grandes potências continentais (com
exceção da França) as elites agrárias estavam intactas, a agricultura se
mantinha como uma atividade social fundamental, e as fronteiras inseguras
justificavam a presunção militar de reis e nobres.
Apenas a França entre as grandes potências
se converteu numa república em 1875. Mas manteve-se em sintonia com o restante
do continente, com sua economia dominada pela agricultura e pela manufatura
tradicional. Ironicamente, um excesso de democracia agrária e política impediu
a industrialização francesa depois do início da segunda Revolução Industrial no
final do século XIX.
(P.21) Nem a Inglaterra nem a França
haviam se tornado sociedades civis e políticas industrial-capitalista e
burguesas em 1914. Todas eram igualmente anciens régimens fundados
na predominância duradoura das elites agrárias, da agricultura, ou de ambas.
Como Joseph Schumpeter viu, os reis
continuavam a ser por ordem divina, as “peças centrais” dos sistemas de
autoridade da Europa. “O material humano da sociedade feudal” continuava a
ocupar os cargos do Estado, comandar o exército e elaborar as políticas. O
elemento feudal se mantinha como uma classe dirigente que se conduzia segundo
moldes pré-capitalistas.
Ao controlar o que Schumpeter chamou de a
“estrutura de aço” ou a “máquina política” do ancien régime, os elementos
feudais ficaram em posição de estabelecer os termos para a implantação do
capitalismo manufatureiro e industrial forçando a indústria a se ajustar dentro
de estruturas sociais, classistas e ideológicas preexistentes. O capitalismo
industrial distorceu e pressionou essas estruturas ao longo do processo, mas
não ao ponto de ruptura ou desfiguração total.
(P.22) A velha classe governante tinha o
apoio das nobrezas e dos interesses agrários, e consideravam a estrutura de aço
do ancien régime como a armadura que protegeria suas posições privilegiadas,
mas expostas. Além disso, os condutores do Estado obtiveram a lealdade da
burguesia ao favorecer ou salvaguardar seus interesses econômicos.
Se os elementos feudais nas sociedades
civil e política perpetuaram seu predomínio de modo tão eficiente, isso se
deveu em grande parte ao fato de saberem como adaptar e renovar a si mesmos. Os
recém-chegados ao serviço público tinham de passar por escolas de elite,
ingerir o espírito corporativo e demonstrar fidelidade à antiga ordem como
pré-requisitos para seu avanço.
Os magnatas fundiários não foram menos
eficientes ao seu ajustarem aos tempos em transformação, absorveram e puseram
em prática os princípios do capitalismo e da política de interesses sem,
contudo, abdicar de sua concepção de mundo, postura e relações aristocrática.
Essa adaptação é tida como evidencia do
desenobrecimento e desaristocratização da antiga ordem, ou aburguesamento
inevitável, ainda que gradual, das classes dirigentes e governantes da Europa.
(P.23) Mas há outro modo de encarar essa
adaptação. As velhas elites primaram por ingerir, adaptar e assimilar, de
maneira seletiva, novas ideias e práticas, sem ameaçar seriamente seu status,
temperamento e perspectivas tradicionais. Qualquer que tenha sido a diluição e
depreciação da nobreza, ela foi gradual e benigna.
Essa adaptação prudente e circunscrita foi
facilitada pela avidez da burguesia em relação à cooptação e ao enobrecimento.
Enquanto a nobreza era hábil na adaptação, a burguesia primava pela emulação.
Ao longo do século XIX e início do XX, os grands bourgeois negaram
a si mesmos, ao imitarem e se apropriarem dos modos da nobreza, esperança de
ascender a ela. Se esforçavam para penetrar nos círculos aristocráticos e se
casar dentro da nobreza titulada, solicitavam condecorações e cartas de
patentes de nobreza. Os burgueses visavam à ascensão social por razões de
proveito material, status social e gratificação psíquica.
Como parte de seu empenho em escalar a
pirâmide social e demonstrar sua lealdade política, os burgueses abraçaram a
alta cultura historicista e patrocinaram as instituições hegemônicas que eram
dominadas pelas antigas elites.
O resultado foi o fortalecimento das linguagens,
convenções e símbolos clássicos e acadêmicos nas artes e letras, em vez de
estímulo aos impulsos modernistas. Os burgueses se permitiram ser envolvidos
por um sistema cultural e educacional que defendia e reproduzia o ancien
régime. Nesse processo minaram seu próprio potencial.
(P.24) As mentalidades das elites europeias
se transformaram muito lentamente e foi talvez o mais revelador de seu
enraizamento contínuo a aliança com o antigo regime. Sua concepção de mundo era
consoante com uma sociedade autoritária e hierárquica em vez de liberal e
democrática.
Nos anos 1780, uma reação aristocrática em
defesa de privilégios fiscais e burocráticos se tornara uma importante causa
subjacente da Revolução Francesa.
(P.25) De forma semelhante, entre 1905 e
1914 as antigas elites passaram a reafirmar e reforçar sua influência política,
a fim de defender seu predomínio material, social e cultural. Nesse
processo, intensificaram as tensões nacionais e internacionais que produziram a
Grande Guerra.
Ato final da dissolução do antigo regime
na Europa.
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