quarta-feira, 12 de maio de 2010

Introdução à História Contemporânea de Geoffrey Barraclough.



Nesse capitulo BARRACLOUGH trata de como ascensão das massas influenciou os rumos da política Europeia no séc. XIX.
V: DO INDIVIDUALISMO À DEMOCRACIA DAS MASSAS.
Organização Política na Sociedade Tecnológica.
(P.119) Em 1930, o filósofo espanhol Ortega y Gasset proclamou que “o fato mais importante” da época contemporânea foi a ascensão das massas. Basta olharmos em redor para ver quão radicalmente o advento da sociedade das massas alterou não só o contexto de nossa vida individual como também o sistema político em que nossa sociedade está organizada.  (...)
Os anos entre 1870 e 1914, situam-se com divisor entre o final de um período histórico e o início de outro. Quando foram introduzidos novos processos industriais requerendo a concentração das populações nas cidades.
(P.120) Condições semelhantes já tinham existido, mas tinham sido casos excepcionais. Agora, o excepcional tornava-se normal, gerando imediatamente uma série de problemas fundamentais que a existente aparelhagem de governo era incapaz de enfrentar. As questões de sanidade e saúde pública tornaram-se subitamente urgentes. O resultado foi o nascimento de uma nova filosofia de intervenção do Estado.
1.
(P.121) O estado deixará de ser encarado como um vigia noturno, uma vez que lhe eram facultadas funções positivas e ativas, em lugar de simplesmente supervisoras e repressivas; uma vez que o âmbito político era ampliado até abranger, em princípio, pelo menos, toda a existência humana, era apenas uma questão de tempo para que o mecanismo por meio do qual os governos eram eleitos, controlados e investidos de poder, se adaptasse ás novas circunstâncias.
Até 1859, a representação baseara-se na “propriedade e inteligência”. Por volta da segunda reforma, o eleitorado não excedia muito mais de um terço do Reino Unido como um todo. Isso significava não só que cinco em cada seis adultos masculinos, a maior parte trabalhadora, estavam privados de voto, mas que também era fácil - particularmente antes da introdução do voto secreto, em 1872 – manipular as eleições pelo jogo de influências, suborno e intimidação.
(P.122) Segundo a lei eleitoral em vigor na França de 1831 e 1848, o eleitor limitava-se a perto de duzentos mil cidadãos, numa população de 30 milhões. A democracia liberal do século XIX se edificara na base de um direito de voto limitado ao detentor de propriedade; à semelhança da democracia ateniense, na qual “a classe dominante de cidadãos repartia os direitos e os cargos do controle político. A situação foi radicalmente alterada pela expansão do direito de voto.
(P.123) O efeito dessas mudanças, foi tornar impraticável o velho sistema de democracia parlamentar que se desenvolvera na Europa, a partir do fim da Idade Média e princípio dos tempos modernos, e inaugurar uma série de inovações estruturais que resultam no desalojamento do sistema representativo liberal e individualista, substituindo-o por uma nova forma de democracia: o estado dos partidos.
Certos números de fatores combinaram-se para ocultar a natureza revolucionária dessa transformação. O primeiro desses fatores foi terminológico. Na Inglaterra o termo partido remonta ao século XVII, em aparente continuidade, foi bastante para criar a ilusão de que nada mais ocorrera senão um processo de adaptação. Em segundo lugar, os correntes conflitos ideológicos obscureceram a questão. Nos Estados Unidos e na Europa ocidental, as pessoas estavam de tal modo preocupadas em demonstrar que a prática democrática era a única salvaguarda idônea para os direitos e liberdades individuais, em comparação com o sistema de partido único que prevalecia nos países fascistas e comunistas.
(P.124) A vulgar distinção popular entre democracia liberal e totalitária de modo algum é satisfatória, visto que não leva em conta o fato de que o comunismo, o fascismo e o moderado sistema multipartidário ocidental são todos respostas diferentes ao colapso da democracia liberal do século XIX, sob a pressão da sociedade das massas.
2.
(P.125) Os partidos políticos nasceram quando a massa da população começou a exercer um papel ativo na vida política. Não devemos permitir-nos sermos confundidos com nomenclaturas. É certo que encontramos a palavra partido antes dessa época. Mas na realidade, os partidos políticos, tal como os conhecemos, tem menos de um século de idade.
(P.126) Com efeito depois de terminar a Segunda Guerra Mundial é que os partidos políticos foram explicitamente admitidos no mecanismo constitucional. Essa legalização ou constitucionalização do sistema partidário foi o reconhecimento formal de uma situação que há muito já existia.
(P.127) Sabemos que o impacto dos partidos organizados transformou não somente a infraestrutura, mas também a substância do sistema parlamentar e que a função por eles desempenhada não é certamente menor do que a dos órgãos mais antigos do governo, como a monarquia ou o ministério.
Essa mudança resultou do aparecimento de uma massa eleitoral que não podia ser alcançada pelas antigas formas de organização política. Ocorreu essa mudança, muito naturalmente, em diferentes países, com um andamento variável, e seu progresso foi afetado, em cada país, pelas condições preexistentes. Os Estados Unidos, cujas condições eram mais fluídas e o progresso menos obstruído por privilégios e precedentes, seguiam a frente da Europa, o sufrágio universal para homens brancos já estava generalizado por volta de 1825.
(P.129) A transição do circunspecto liberalismo, com seu respeito pelo nascimento, propriedade e influência, para a democracia das massas, que era um fato consumado nos Estados Unidos, em 1850, constituía um processo muito mais hesitante na margem europeia do Atlântico. Aqui só o impacto da industrialização no período depois de 1870, foi bastante forte para vencer a resistência conservadora e consumar mudanças.
Na Alemanha, como no resto da Europa, foi a esquerda socialista que liderou a marcha no desenvolvimento de novas formas de organização política; com mais de um milhão de filiados e um orçamento superior a dois milhões de marcos por ano, o Partido Social-Democrático alemão constituía em 1914, algo não muito distante de um Estado dentro de outro Estado. Os partidos burgueses nada mais podiam fazer do que segui-lo.
(P.130) Como escreveu Maurice Deslandres num amplamente divulgado artigo de 1910. “trabalhada pelo novo fermento democrático, a massa da nação está-se erguendo e estabelecendo associações, ligas, uniões, federações, comitês, grupos de militantes, cujo propósito é ativar as instituições políticas e colocá-las, tanto quanto possível, sob sua tutela”.
(P.131) Ainda que a formação de eficientes organizações partidárias, capazes de disciplinarem os eleitores e controlarem os deputados, estivesse longe de completa, a mudança fora considerável.
3.
(P.132) Quais eram as mudanças necessárias para satisfazer às condições da democracia das massas e como concretiza-las? Na Europa continental, o processo de renovação foi levado a cabo muito menos energicamente do que na Inglaterra, mas também aí a necessidade de apoiar os partidos pela ampliação de suas bases populares não podia deixar de ser reconhecida. Na Alemanha, os conservadores, que até então haviam dispensado o apoio popular, visto poderem contar com a proteção do governo converteram-se, a partir de 1893, em órgão da Liga Agrária, procurando uma base entre os artesãos. Enquanto o Centro Católico se consolidava como partido das massas, através da habilidosa manipulação de uma variedade de associações católicas.
(P.133) Somente com a formação do SFIO é que na França algo foi criado com as características de um partido das massas. Contudo era um partido das massas sem as massas, em 1914 registrava apenas noventa mil filiados. O primeiro partido realmente das massas, na França, com uma filiação total orçada em um milhão de membros, foi o Partido Comunista, seu êxito fenomenal devia-se mais ao “admirável sistema” de organização do que aos atrativos da doutrina marxista.
Quatro fatores principais distinguiam as novas formas de organização política. O primeiro foi uma ampla base popular, ou uma filiação em massa. O segundo, sua permanência ou continuidade. O terceiro, a imposição da disciplina partidária. O quarto a organização de baixo para cima, em vez de cima para baixo, O controle da orientação política pelos membros do partido e seus delegados, em vez de um pequeno grupo influente no governo.
Todos os quatro pontos assinalaram uma ruptura radical com o passado. As organizações anteriores tinham sido quase todas intermitentes; existiram para propagar um determinado objetivo e sumiram logo que o mesmo foi alcançado; ou eram convocadas para lutar em determinada eleição, dispersando-se no dia seguinte à votação.
(P.134) Nenhuma dessas organizações extraconstitucionais alimentava desígnios de se constituir em corpo permanente. Com a ampliação e redistribuição do direito de voto, tudo isso mudou, e o principal instrumento de mudança foi o dispositivo conhecido pelo nome de caucos.
O caucos era um mecanismo partidário de caráter permanente, construído de células em cada bairro e cada rua, cujos delegados formavam o comitê executivo e geral para toda a cidade, ao passo que as organizações das várias cidades estavam ligadas entre si pela Federação Liberal Nacional. Assim, foi criada uma máquina que existindo e funcionando continuamente estava habilitada a exercer pressão e mesmo controlar membros do parlamento e por vezes, ditar até uma orientação política.
(P.135) Em princípio, o aparecimento do caucos marcou uma ruptura radical com o passado. Na prática não foi bem assim. A lentidão e relutância com que os partidos burgueses se adaptaram às condições da democracia das massas foram notáveis.
Embora a tendência para o desenvolvimento de partidos das massas fosse grande, em toda parte, só depois do aparecimento em cena dos partidos socialistas é que os últimos obstáculos foram superados. No fundo, só o temor de revolução e o progresso do comunismo convenceram as classes médias de que suas formas tradicionais de organização eram inadequadas.
(P.136) Em comparação com os partidos burgueses, a força dos partidos socialistas assentava em sua firme infraestrutura social. A indústria e urbanização em grande escala provocaram alterações profundas na sociedade capitalista, e o surto dos partidos socialistas assinalou a adaptação da política a esse fato.
Em primeiro lugar, o aparecimento da fábrica ou usina, com milhares de operários em suas folhas de pagamento, alterou a estrutura do próprio capitalismo; provocou a substituição do capitalismo industrial, pelo capitalismo financeiro. Em segundo lugar, significou que os trabalhadores, como classe tendiam cada vez mais a ficarem reduzidos à posição de “mão-de-obra” anônima, desconhecidos dos patrões a quem jamais viam. Isso passou a representar um elemento básico na sociedade. Ao invés dos partidos burgueses, que professavam ser partidos “nacionais”, representando todas as classes, os partidos socialistas não tinham hesitado em aceitar essa divisão básica; eram partidos de uma classe, representando um interesse homogêneo de classe.
(P.138) Os partidos socialistas eram organizações unitárias, constituídas segundo o princípio do “centralismo democrático” e ramificadas em “seções” que funcionavam como subdivisões do conjunto, esse tipo de organização propiciava maior coesão e maior dose de disciplina. Enquanto nos partidos burgueses era norma que o partido fosse dominado pelo grupo parlamentar, todos os partidos socialistas adotaram medidas de garantir a subordinação dos deputados ao partido.
4.
Devemos sublinhar que a revolução nas práticas políticas, é ainda em sua maior parte, uma revolução incompleta.
(P.139) Teoricamente, por exemplo, os partidos políticos socialistas são controlados por um congresso do partido, democraticamente eleito, assim constituído para impedir o domínio dos líderes parlamentares; mas é fato notório que, na pratica, o desenvolvimento de rígidas oligarquias partidárias reduziu o controle dos filiados comuns a proporções nominais. Neste aspecto as diferenças estruturais entre partidos proletários e burgueses são menores do que, à primeira vista, podem parecer.
Esses fatos, e outros semelhantes, tornaram fácil manter uma confortável doutrina de continuidade constitucional, apesar das aparências, as mudanças que ocorreram durante o século passado não afetaram e estrutura fundamental do governo.
(P.141) Se tentarmos resumir as mudanças, tal como hoje as vemos, sem referência ao fundo histórico os pontos históricos que prevalecerão serão os seguintes. Primeiro a posição do deputado foi alterada em muitos aspectos fundamentais. Embora se preste ainda a atenção meramente superficial à teoria de que o deputado é o representante da nação inteira.
Na realidade os membros do parlamento estão sujeitos a uma disciplina que os transforma em simples maquinas de votar, acionados pelos diretórios do partido. Não podem votar contra o partido a que pertencem, não podem absterem-se, não tem o direito de formular um juízo independente, em questões de substância, e sabem que, se não obedecerem às diretrizes do partido, não poderão esperar a reeleição. A única qualidade indispensável é a lealdade partidária.
(P.142) O resultado das mudanças operadas nos últimos cinquenta anos foi uma firme e, em alguns casos, desastrosa decadência no prestígio e reputação do parlamento. Com o desaparecimento do sólido núcleo de membros independentes – o papel do parlamento como um freio do executivo tornara-se mera ficção.
Se, anteriormente, as principais questões políticas dependiam do equilíbrio e o destino dos governos podia ser resolvido pelo resultado que para aquelas se obtivesse, atualmente os discursos parlamentares já não tem como finalidade abalar o critério dos membros, mas são dirigidos ao eleitor com o objetivo de impressioná-lo e corroborar sua fé no partido a que pertence.
(P.143) O resultado foi a transferência de ênfase do parlamento para os partidos e para o governo. Assim, as eleições parlamentares tendem a aproximar-se, cada vez mais, de atos plebicitários, os eleitores não votam a favor a favor ou contra um candidato, mas a favor ou contra um programa partidário e os líderes escolhidos pelo partido para executarem o mandato.
As eleições estão se convertendo em concursos de popularidade e só os muito ingênuos ficariam surpresos se as maquinas partidárias procurarem promover seus líderes escolhidos como “personalidades da TV”. Os partidos existem para conquistar o poder: seria uma imbecilidade esperar deles excessivos escrúpulos quanto aos meios de o conseguirem.
5.
(P.144) Tudo o que procurei fazer foi indicar a natureza das mudanças que ocorreram em consequência do impacto da democracia nas massas. O próprio fato de que foram mudanças generalizadas, não confinadas a qualquer país determinado, indica que faziam parte integrante de um processo histórico geral.
O governo partidário, como todos os outros sistemas políticos, está exposto a abusos. O remédio, porém, não consiste em denegrir o sistema e tentar retroceder, mas em melhorar seu funcionamento, sobretudo, por medidas que reforcem o controle democrático e neutralizem a tendência, inerente a todos os partidos para desenvolverem um rígido e pesado mecanismo oligárquico.
(P.145) Se, em todo o mundo contemporâneo encontramos partidos altamente organizados, ocupando um lugar central na estrutura política, é porque, nas condições de sociedade de massas que surgiram desde o fim do século XIX, o partido constituiu o único meio acessível de articular as imensas massas populares para fins políticos.
Fonte: 
BARRACLOUGH; G:“INTRODUÇÃO A HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”. ed Zahar Editores, Rio de janeiro. Pág 119-145.




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