Pressionados pela Inglaterra e por Napoleão, a família real portuguesa não encontrou outra alternativa a não ser fugir para a sua mais rentável colônia. |
William Cirilo Teixeira Rodrigues
Antes da chegada da família real, os brasileiros ainda comiam com as mãos, não tinham médicos, imprensa nem universidades.
No começo do século 19, o pedaço mais lucrativo do império português era também um local tosco, desprovido de saneamento básico, educação superior, hospitais e até de moeda circulante – vivia-se do escambo. A fuga do príncipe regente dom João e de todo o aparato estatal português para o Brasil, entre o fim de 1807 e o começo de 1808, deus os primeiros passos contra o marasmo. Tudo graças a um certo Napoleão Bonaparte. Enquanto expandia seus domínios pela Europa, o imperador francês enfrentava uma guerra prolongada com os britânicos e queria expulsá-los dos portos da Europa. Como Portugal era um dos países ainda abertos à Marinha Inglesa, Napoleão pressionava dom João a abandonar seus velhos aliados – e, diante da resistência, estava decidido a ocupar o pequeno país ibérico. (...)
O indeciso príncipe regente adotou por meses sua tática favorita: enrolar. Mas a pressão britânica foi mais forte que a francesa, em especial porque a Inglaterra ameaçava ocupar o Brasil caso o monarca não concordasse com o plano de fugir para a colônia. Quando dom João finalmente aprovou a retirada estratégica, a situação logo virou um Deus nos acuda. Os 40 navios carregavam cerca de 11.500 pessoas. A frota, escoltada pelos britânicos, deixou Lisboa em 29 de novembro de 1807, quando o Exército francês já estava entrando na capital.
A comitiva aportou em Salvador em 22 de janeiro de 1808. Antes de rumar para o Rio de Janeiro, dom João ficou pouco mais de um mês na Bahia. Foi apenas o tempo estritamente necessário para se recuperar da travessia e emitir a famosa ordem de abertura dos portos brasileiros às “nações amigas” – leia se Inglaterra -, acabando com o monopólio naval português por aqui. Era a primeira prestação devida aos britânicos por seu papel de cães de guarda do império lusitano. E a primeira transformação relevante a afetar a colônia que estava, sob muitos aspectos, parada no tempo.
Estima-se que o Brasil da época tivesse 3 milhões de habitantes – incluindo 1 milhão de escravos e 800 mil índios. Cerca de 60 mil pessoas viviam no Rio de Janeiro, contra 46 mil em Salvador e 20 mil em São Paulo. A vida urbana era caótica. Estreitas e mal iluminadas, as ruas centrais permaneciam lotadas de vendedores ambulantes – cuja gritaria não deixava ninguém em paz -, os bichos (principalmente porcos e galinhas), e lixo. Sem falar nos urubus, que se esbaldavam com tanta fartura. Segundo cálculos dos viajante inglês John Luccock, cada residência carioca espremia, em média, 15 pessoas.
Em vários aspectos do cotidiano, até mesmo os brasileiros mais ricos levavam uma vida quase medieval em 1808 – com exceção do costume aprendido com os índios de tomar banhos regulares, impensável para os portugueses. Quem vivia aqui em geral não sabia o que era usar talheres à mesa. O mais comum era mergulhar as mãos na papa da comida – um menu não muito variado, que em geral incluía carne-seca, toucinho, feijão-preto, farinha de milho e, para beber, água.
Sem nenhuma faculdade por aqui, qualquer estudante mais ambicioso precisava ir para uma instituição européia, como Coimbra, em Portugal, que formou 527 brasileiros entre 1772 e 1800. O ensino mais básico dependia das ordens religiosas, de seminários ou, bem mais raramente, de professores leigos isolados nas cidades e vilas pagos pela Coroa. Dom João deus os primeiros passos para mudar isso já em 1808, ao fundar uma escola de Medicina em Salvador e outra no Rio de Janeiro. Somavam-se à falta de educação formal o controle rígido da circulação de obras escritas estrangeiras e a proibição de imprimir jornais, revistas ou livros por aqui. O primeiro jornal dedicado à comunidade brasileira, o Correio Braziliense, começou a ser impresso...em Londres, pelo jornalista gaúcho Hipólito José da Costa, em 1808.
Matéria retirada da revista curso preparatório Enem 2011 ed abril. Aventuras na História,1/2008, adaptado. Por Reinaldo José Lopes.
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