O diagnóstico sobre a
situação atual da escola é sombrio. O problema da escola pode ser sintetizado
em três facetas: a escola na configuração histórica que conhecemos (baseada num
saber cumulativo e revelado), é obsoleta, padece de um déficit de sentido para
os que nela trabalham (professores e alunos) e é marcada, ainda, por déficit de
legitimidade social, na medida em que faz o contrário do que diz (reproduz e
acentua desigualdade, fabrica exclusão relativa). (...)
Não é possível
adivinhar, nem prever, o futuro da escola, mas é possível problematizá-lo. Ou
seja, é desejável agir estrategicamente, no presente, para que o futuro possa
ser o resultado de uma escolha, e não a consequência de um destino. É nessa
perspectiva que pode ser fecundo, e pertinente, imaginar uma “outra” escola a
partir de uma crítica ao que existe.
Assim, a construção
da escola do futuro deverá orientar-se por três finalidades fundamentais:
- A de construir uma
escola onde se aprenda pelo trabalho e não para o trabalho, contrariando a
subordinação funcional da educação escolar à racionalidade econômica vigente. É
na medida em que o aluno passa à condição de produtor que nos afastamos de uma
concepção molecular e transmissiva da aprendizagem, evoluindo da repetição de
informação para a produção de saber;
-A de
fazer da escola um sítio onde se desenvolva e estimule o gosto pelo ato
intelectual de aprender, cuja importância decorrerá do seu valor de uso para
“ler” e intervir no mundo e não dos benefícios materiais ou simbólicos que
promete no futuro;
-E de transformar a
escola num sítio em que se ganha gosto pela política, isto é, onde se vive a
democracia, onde se aprende a ser intolerante com as injustiças e a exercer o
direito à palavra, usando-a para pensar o mundo e nele intervir.
A transformação da
escola atual implica do meu ponto de vista em três planos distintos.
Por um lado, é
necessário pensar a escola a partir do não escolar. A experiência mostra que a
escola é muito dificilmente modificável, a partir de sua própria lógica. A
maior parte das aprendizagens significativas realizam-se fora da escola, de
modo informal, e será fecundo que a escola possa ser contaminada por essas
práticas educativas que, hoje, nos aparecem como portadoras de futuro.
Por outro lado, é
preciso caminhar no sentido de desalienar o trabalho escolar, favorecendo o seu
exercício como uma “expressão de si”, quer dizer, como uma obra, o que
permitirá passar do enfado ao prazer.
Finalmente, é
imperioso pensar a escola a partir de um projeto de sociedade, com base numa ideia
do que queremos que sejam a vida e o devir coletivos. Não será possível uma
escola que promova a realização da pessoa humana, livre de tiranias e de
exploração, numa sociedade baseada em valores e pressupostos que sejam seu
oposto.
Os professores e os
alunos, no seu conjunto, prisioneiros dos problemas e constrangimentos que
decorrem do déficit de sentido das situações escolares. A construção de uma
outra relação com o saber, por parte dos alunos, e de uma outra forma de viver
a profissão, por parte dos professores, tem de ser feitas a par. A escola
erigiu, historicamente, como requisito prévio da aprendizagem, a transformação
das crianças e dos jovens em alunos. Construir a escola do futuro supõe a
adoção do procedimento inverso: transformar os alunos em pessoas. Só nessas
condições a escola poderá assumir-se, para todos, como um lugar de
hospitalidade.
[1] O português Rui Canário, 55, é doutor em ciências da educação pela
Universidade de Lisboa e professor desde 1991, dessa universidade. Como
pesquisador, atua sobretudo nas áreas de formação de professores e de
sociologia da escola. É autor de “Escola e Exclusão Social” (Educa, 2001),
entre outros. No Brasil, publicou artigos em revistas especializadas.
Matéria retirada do
jornal Folha de São Paulo (Sinapse) de 29 de junho de 2003
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