sábado, 16 de outubro de 2010

1º e 2º Capítulos do livro Apologia da História ou o Oficio do Historiador de Marc Bloch

Cap. 01- A história, os homens e o tempo.
1. A escolha do historiador.
(P. 51)  A palavra história é antiquíssima desde que surgiu a dois milênios mudou muito de conteúdo.
(P. 52)  Face a imensa e confusa realidade, o historiador é necessariamente levado a nele recortar o ponto de aplicação particular de suas ferramentas; em consequência a nela fazer uma escolha será um autêntico problema de ação. E nos acompanhará ao longo de todo nosso estudo.
2. A história e os homens.
Para Marc Bloch dizer: “a história é a ciência do passado” é um grande erro. Pois a própria ideia de que o passado possa ser objeto de ciência é absurda. Como, sem uma decantação prévia, poderíamos fazer de fenômenos que não tem outra característica comum a não ser terem sido contemporâneas, matéria de um conhecimento racional?
(P. 53)  Na origem da historiografia, os velhos analistas não se constrangiam nem um pouco com tais escrúpulos. Narravam, desordenadamente acontecimentos produzidos mais ou menos no mesmo período: como eclipses, chuvas de granizo, batalhas, erupções, mortes de heróis e reis, etc.. após esse momento inicial, pouco a pouco operou-se a classificação necessária. Dividindo por exemplo em astronomia, geologia etc.
(P. 54)  Mas apesar disso na nova historiografia a aliança de duas ou mais disciplinas revela-se indispensável a certas tentativas a certas tentativas de explicação. Michelet e Fustel de Colanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza o homem. Digamos melhor, os homens, pois são os homens que a história quer capturar.
(P. 55)  3. O tempo Histórico.
“Ciência dos homens” dissemos. É ainda vago demais. É preciso acrescentar: “dos homens no tempo”. O historiador não pensa apenas o “humano”. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente é a categoria da duração. Esse tempo verdadeiro é por natureza, um continuum. É também perpétua mudança. Da antítese desses dois atributos provêm os grandes problemas da pesquisa histórica. (P. 56)  Em que medida devemos considerar o conhecimento do mais antigo como necessário ou supérfluo para a compreensão do mais recente?
4. O ídolo das origens.
Naturalmente a homens que fazem do passado seu principal tema de estudos da pesquisa, a explicação do mais próximo pelo mais distante dominou nossos estudos até a hipnose. Sob sua forma característica, esse ídolo da tribo dos historiadores tem um nome: é a obsessão das origens.
A palavra origem é preocupante, pois é equivoca. Significa simplesmente começo? Entretanto para a maioria das realidades históricas, a própria noção desse ponto inicial permanece singularmente fugaz. Ou origens se entende por causas? Então não haveria mais outras dificuldades a não ser aquelas que são por natureza inerentes às investigações causais.
(P. 57)  Entre os dois sentidos frequentemente se constitui uma contaminação tão temível que não é em geral muito claramente sentida. Para o vocabulário corrente, as origens são um começo que explica. Pior ainda: que basta para explicar. Ai mora a ambiguidade; ai mora o perigo.
(P. 58)  O passado só foi empregado tão ativamente para explicar o presente no desígnio do melhor justificar ou condenar. De modo que em muitos casos o demônio das origens foi talvez apenas um avatar desse outro satânico inimigo da verdade histórica: A mania do julgamento.
A qualquer atividade humana que seu estudo se associe, o mesmo erro sempre espreita o intérprete: confundir uma filiação com uma explicação.
(P. 60)  Sempre restará o problema de saber porque a transmissão se operou na data indicada: nem mais cedo, nem mais tarde. Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora de estudo do seu momento.
5. Passado e presente.
Montesquieu fala sobre uma “cadeia infinita das causas que se multiplicam e combinam de século para século”.
O que é o presente? No infinito da duração um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce morre. Mal falei, mal agi e minhas palavras naufragam no reino da memória. Que segundo o jovem Goethe não existe presente, apenas o devir. Condenada a uma eterna transfiguração, uma pretensa ciência do presente se metamorfosearia, a cada momento de seu ser, em ciência do passado.
Na linguagem corrente, “presente” quer dizer passado recente. Aceitamos portanto esse emprego um pouco frouxo da palavra.
(P. 61)  March Bloch escreve sobre como seu professor o ensinou que escrever sobre o contemporâneo o presente era matéria da políticasociologia e do jornalismo. E que o historiador deveria se afastar para analisar apenas a sangre frio.
(P. 62)  Outros cientistas, ao contrário, acham com razão o presente humano perfeitamente suscetível de conhecimento. Mas reservando seu estudo a disciplinas bem distintas daquela que tem o passado como objeto. Eles analisam limitando-se a apenas algumas décadas como que seu momento fosse separado do restante da história.
(P. 63)  A ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão do presente; mas compromete, no presente, a própria ação.
(P. 64)  Para analisar homens de outrora o historiador, ocupado em compreender e fazer compreender, terá como primeiro dever recolocar em seu meio, banhado pela atmosfera mental de seu tempo, face a problemas de consciência que já não são exatamente nossos.
(P. 66)  É um erro grave acreditar que a ordem adotada pelos historiadores em suas investigações deva necessariamente modelar-se por aquela dos acontecimentos. (P. 67)  Livres para em seguida restituir à história em seu movimento verdadeiro, lês frequentemente tem proveito em começar por lê-la a partir do mais recente para chegar ao mais remoto. (Ocorre de, em uma linha de estudos, o conhecimento do presente ser diretamente ainda mais importante para a compreensão do passado).
Cap. 02- A observação histórica.
(P. 69)  1. Características gerais da observação histórica.
As características mais visíveis da informação histórica foram muitas vezes descritas. O historiador, por definição, está na impossibilidade de ele próprio constatar os fatos que estuda. (nenhum egiptólogo viu Ramsés, nenhum especialista em guerras Napoleônicas ouviu o canhão de Austerlitz). Das eras que no procedem, só poderíamos portanto falar segundo os testemunhos. Em suma, em contraste com o conhecimento presente, o do passado seria necessariamente “indireto”.  
(P. 71)  Onde muitas vezes não existe a necessidade de uma transmissão humana(como relatos escritos etc) (P. 72)  De vez em quando não existe nada entre a coisa e nós.
(P. 73)  Como primeira característica, o conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte do presente, deve ser um conhecimento através de vestígios. Quer se trate de ossadas emparelhadas nas muralhas das Síria, de uma palavra cuja forma ou emprego revela um costume, de um relato escrito, etc. O que entendemos efetivamente por documentos senão um “vestígio”, quer dizer a marca, perceptível aos sentidos, deixada por um fenômeno.
  (P. 75)  O passado é por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e se aperfeiçoa.
Os exploradores do passado não são homens livres. O passado é seu tirano. Proíbe-lhes conhecer de si qualquer coisa a não ser o que ele mesmo lhe fornece. Por exemplo: Jamais estabeleceremos uma estatística dos preços na época Merovíngia, pois nenhum documento registrou esses preços em número suficiente.
(P. 76)  Em virtude dessa lacuna, toda uma parte de nossa história necessariamente incide sobre o aspecto, um pouco esvaído, de um mundo sem indivíduos. Muitas vezes algumas questões são impossíveis de responder como o exemplo acima. Nesses momentos a melhor coisa a dizer é “não sei, não posso saber”.
2.Os testemunhos.
“Heródoto de Túrio expõe aqui suas pesquisas, afim de que as coisas feitas pelos homens não sejam esquecidas com o tempo e que grandes e maravilhosas ações realizadas tanto pelos gregos como pelos bárbaros, nada percam de seu brilho”.
Assim começa o mais antigo livro de história que, no mundo ocidental, chegou até nós sem ser no estado de fragmentos. Ao lado dele, coloquemos, por exemplo. Um desses guias de viajem que os egípcios introduziam nos túmulos. Temos cara a cara, os próprios tipos de duas grandes classes entre as quais se divide a massa, imensamente variada, dos documentos colocados pelo passado à disposição dos historiadores. Os testemunhos do primeiro grupo são voluntários. Os outros não.
(P. 77)  Os relatos deliberadamente destinados à informação dos leitores (testemunho voluntário) não cessaram de prestar um precioso socorro ao pesquisador. Sua maior vantagem é a de fornecer um enquadramento cronológico razoável a ser seguido.
Entretanto é na 2º categoria dos testemunhos que a investigação histórica, ao longo de seus progressos, foi levada a depositar cada vez mais sua confiança. Não é que os documentos desse gênero sejam, isentos de erro ou de mentira. A diferença aqui é que ela não foi concebida especialmente em intenção da posteridade.
(P. 78)  Até nos testemunhos mais resolutamente voluntários, o que os textos nos dizem expressamente deixou hoje de ser o objeto predileto de nossa atenção. Apegamo-nos geralmente com muito mais ardor ao que ele nos deixa entender, sem haver pretendido dizê-lo. A partir do momento que o texto revela mesmo a contra gosto seu conteúdo secreto, o historiador deve impor-lhe um questionário.
(P. 79)  Entretanto mesmo os textos mais claros e complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los. Nunca a observação passiva gerou algo de fecundo.
Naturalmente, é necessário que essa escolha ponderada de perguntas seja extremamente flexível, suscetível de agregar, no caminho, uma multiplicidade de novos tópicos, e abertas a todas as surpresas. De tal modo que possa desde o início servir de imã às limalhas do documento. O explorador sabe muito bem, previamente, que o itinerário que ele estabelece, no começo, não será seguido ponto a ponto. Não ter um, no entanto, implicaria o risco de errar eternamente ao acaso.
A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita, tudo o que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele.
(P. 80)  Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde um tipo único de documentos, específicos para tal emprego. Já que muitas vezes o testemunho involuntário é mais importante para a pesquisa e muitas vezes a única.
(P. 82)  3. A transmissão dos testemunhos.
Reunir os documentos que estima necessários é uma tarefa das mais difíceis para o historiador. De fato ele não conseguirá realiza-la sem a ajuda de guias diversos: Inventários de arquivos ou de bibliotecas, catálogos de museus, repertórios bibliográficos de toda sorte.
(P. 83)   Entretanto, por mais bem feitos, por mais abundantes que possam ser, esses marcos indicadores seriam somente de pouca serventia para um trabalhador que não tivesse, previamente, alguma ideia do terreno e explorar.
Ao contrário do que pensam os iniciantes, os documentos não surgem, aqui ou ali. Sua presença em tal arquivo ou biblioteca deriva de ações humanas. Pois como tal documento encontra-se em tal lugar? Como ele chegou a tal lugar através do tempo?etc. Isso quando o documento consegue sobreviver até nossos dias!
(P. 85)   Os grandes desastres da humanidade estão longe de sempre terem servido à história. Com os manuscritos literários e historiográficos amontoados, os inestimáveis dossiês da burocracia imperial romana perderam-se na confusão das invasões.
No entanto, a pacífica continuidade de uma vida social sem rasgos de febre mostram-se menos favorável do que as vezes se acredita à transmissão da memória. São as revoluções que forçam as portas dos armários de ferro e obrigam os ministros à fuga antes que tenham achado tempo para queimar sua notas secretas.
Será assim pelo menos até que as sociedades consintam enfim a organizar racionalmente, com sua memória.
Só conseguirão isso lutando contra os dois princípios responsáveis pelo esquecimento e ignorância: A negligência, que extravia documentos. E a paixão pelo sigilo- Sigilo diplomático, sigilo dos negócios, sigilo das famílias que os esconde e destrói.
Referências.
BLOCH; Marc Leopold Benjamnin: “Apologia da história ou o oficio do historiador” R.J ed Jorge Zahar 2001.
  

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