Mais de 70 anos após sua primeira publicação, o livro Formação do Brasil Contemporâneo é de uma atualidade, de certa forma, constrangedora. |
(P.19) Segundo Caio
Prado Júnior, todo povo tem um “sentido”, uma linha mestra que parte de um
ponto e segue rigorosamente rumo um objetivo. O sentido da evolução de um povo
pode variar, diversas conjunturas podem desviar o caminha de um povo, para
outras vias até então ignoradas.
Um exemplo é Portugal. Até fins
do século XIV este país lutava para se firmar como uma nação europeia. No
século XV a história portuguesa muda de rumo e ela se lança ao mar,
transformando-se em um país de “sentido” marítimo.
(P.20) E é este
sentido que devemos encontrar para o Brasil. Para isso precisamos entender como
teve inicio e formou-se esses três séculos de atividades colonizadoras
empreendidas pelos países europeus a partir do século XV. Processo esse que
colocaria mais um continente sob à órbita da Europa.
(P.21)
A
expansão marítima dos países da Europa se inicia no século XIV com as empresas
comerciais feitas pelos navegadores desses países. Ela é derivada do
desenvolvimento do comércio continental europeu do século XIV, restrito até
então as rotas comerciais terrestres e a navegação costeira.
Aos poucos a rota terrestre que
rasgava o continente europeu, partindo da Itália rumo ao interior do continente
por via terrestre foi sendo substituído por uma rota de navegação costeira, que
também partia da Itália, cruzando estreito de Gibraltar e circundando o litoral
europeu.
Isso deslocou aos poucos, quase
de maneira imperceptível, os centros comerciais do interior para a costa. Em
especial para Holanda, Inglaterra, Normândia, Bretanha e Península Ibérica. O
primeiro passo estava dado. A Europa estava deixando seu isolamento e
voltando-se para o oceano.
(P.22)
Os
pioneiros são os portugueses, melhor situados geograficamente. Buscaram a não
concorrência com rotas existentes e se lançaram ao mar, conquistando diversas
áreas da África Ocidental (Cabo Verde, Madeira, Açores). Aos poucos um novo
objetivo surgiu: chegar ao oriente contornando a África.
Os espanhóis escolheram outra
rota pelo ocidente ao invés do oriente, e acabaram por chegar na América.
A era das grandes navegações
estava aberta e só ficaram para trás países mal localizados geograficamente, ou
que ainda mantinham estreitos laços com as antigas rotas terrestres, em
especial Itália e Alemanha.
(P.23)
Os
portugueses continuaram com seu comércio no oriente, apesar de conseguir seu
espaço no novo continente. Os espanhóis no entanto, virão a América como um empecilho
à sua empreitada rumo a Índia e tentaram de toda maneira encontrar uma rota
para o Pacífico. No entanto, quando Magalhães encontrou a passagem, percebeu-se
sua inviabilidade e ela foi desprezada.
(P.24)
A
ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum país. O que realmente
interessa é o comércio. O povoamento ocorre apenas pelo surgimento de novas circunstâncias.
Aliás nenhum país europeu, naquele momento, poderia se dar ao luxo de se
desfazer de parte de sua população, pois, a Europa ainda não havia se
recuperado demograficamente da peste.
Inicialmente foram estabelecidas
feitorias comerciais como existiam em outras colônias. Contudo, na América por
seu território primitivo e sua rala população indígena incapaz de fornecer algo
aproveitável pelo colonizador, tornou a feitoria algo inviável, sendo necessário
a indesejada colonização.
Portugal foi pioneiro em suas
ilhas do Atlântico. Onde era preciso povoar e organizar a produção.
(P.25)
São
variados os problemas de colonização de um novo território quase deserto e primitivo.
A primeira envolve os gêneros aproveitáveis de cada território.
Iniciou-se com materiais
extrativos, em especial as madeiras de construção e tintura (Pau-Brasil), as
peles de animais e a pesca (em especial no extremo norte).
Os espanhóis toparam logo de
inicio com o ouro e a prata em seus domínios, riquezas que apesar de muitas,
estavam aquém do que desejavam encontrar.
A colonização viria mesmo com a instituição
de uma base econômica mais estável: a agricultura.
Neste ponto Caio Prado Jr
apresenta a sua teoria de colonizações diferentes entre as zonas temperadas e
as tropicais e subtropicais do continente.
Inicialmente, as zonas temperadas
nos dois polos da América não ofereceu nada de interessante e permaneceu muito
tempo no ostracismo.
(P.26)
Só
se colonizou estas áreas por circunstâncias muito especiais, referente à situação
interna da Europa, em especial a Inglaterra, que vivia um período político-religioso
conturbado. Muitos protestantes ingleses então, se viram obrigados a buscar refúgio
no novo continente, concentrando-se majoritariamente nas zonas temperadas, que possuíam
um clima mais parecido com o europeu.
Além das perseguições religiosas,
as transformações econômicas ocorridas na Inglaterra no século XVI modificou
profundamente o equilíbrio do país. O cercamento dos campos, que de áreas
cultivadas se transformaram em pasto para carneiros, cuja lã serviria para
abastecer a nascente indústria têxtil inglesa, criou um grande êxodo rural. Inchando
as cidades inglesas.
Essa massa pobre vê na América um
recomeço e parte rumo ao novo mundo, e sua enorme maioria migra para as zonas
temperadas do continente.
Esse tipo de colonização é diferente
e não possui nenhuma relação com ambições de traficantes ou aventureiros.
(P.27)
O
que os colonos desta categoria têm em vista é construir um novo mundo. Criando
neste povoamento uma sociedade muito próxima e parecida com a europeia.
Muito diferente é o caso da
colonização da áreas tropicais e subtropicais da América. Inicialmente o clima
afasta o colono que vem como simples povoador.
(P.28)
Os
trópicos brutos e indevassados é de natureza hostil e cheia de obstáculos. Para
se estabelecer aí, o colono europeu tinha de encontrar estímulos diferentes e
mais fortes.
Os produtos tropicais eram
escassos e supervalorizados, como o açúcar, a pimenta, o tabaco, o anil, etc.
Sendo necessário apenas a iniciativa de trabalho do homem para conseguir esses
produtos.
(P.29)
Contudo,
não seria o colono europeu, quem gastaria sua energia no trabalho braçal. Ele
queria vir como dirigente de produção, empresário, etc. e só a contragosto
viria como trabalhador.
A América temperada, utilizou mão-de-obra
branca europeia até o século XVII quando a escravidão foi definitivamente
adotada.
(P.30)
Já
na colônias tropicais não se chegou nem a ensaiar o trabalho do europeu branco.
Isso por que nem a Espanha, nem Portugal, tinham mão-de-obra disponível. Faltavam
braços por toda parte, e Portugal a tempos vinha utilizando mão-de-obra
escrava, primeiros dos mouros remanescentes da Reconquista e depois dos negros
africanos.
(P.31)
Ou
seja, enquanto nas zonas temperadas formaram-se colônias de povoamento, escoadouros demográficos da Europa, que
constroem no novo mundo uma sociedade semelhante a europeia, nos trópicos surge
uma tipo de sociedade inteiramente original.
Não uma simples feitoria
comercial, irrealizável na América, mas conservará um acentuado caráter
mercantil. Será uma empresa do colono branco, que produz gêneros de grande
valor comercial, utilizando-se do trabalho recrutado entre as raças que ele
domina: indígenas e negros importados.
A colonização dos trópicos visa
explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio
europeu. É este o verdadeiro sentido da
colonização tropical. E isso explica os elementos fundamentais, tanto no econômico
como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos.
Se vamos à essência da nossa
formação, veremos que na realidade nós contribuímos para fornecer açúcar,
tabaco, alguns outros gêneros, mais tarde ouro e diamantes, depois algodão e em
seguida café para o comércio europeu.
(P.32)
É
visando o exterior que se organizou a sociedade e a economia brasileira. Este é
o sentido da evolução brasileira.
Fonte: PRADO JÚNIOR,
Caio: Formação do Brasil Contemporâneo.
São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 19-32.
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