Parte
I – Abordagens
O
QUE E COMO ENSINAR. Por uma História prazerosa e consequente.
Jaime
Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky
(P.17)
O Problema.
As grandes mudanças políticas e
econômicas ocorridas no final do século XX causaram muita perplexidade entre
professores e estudantes de História em geral, criando um certo ceticismo em
relação ao próprio conhecimento histórico, o valor do ensino de História nas
escolas e seu potencial transformador..
Somado a isso está a difusão das novas
tecnologias globais que questiona a eficácia dos livros, da utilidade dos
professores e das propostas curriculares ligadas as necessidades nacionais e
locais.
Procurando acompanhar essas mudanças os
professores acabaram comprando a ideia de que o que não é veloz é chato. Na
sala de aula, o pensamento analítico é substituído por “achismos”, alunos
trocam as investigações bibliográficas por informações superficiais dos sites e
vídeos que são utilizados para substituir e não complementar os livros. E o
passado é sempre visto como algo passado e portanto superado.
(P.19)
O grande desafio neste novo milênio é adequar o nosso olhar às grandes
exigências do mundo real sem sermos sugados pela onda neoliberal que parece
estar empolgando corações e mentes. É preciso desenvolver uma prática de ensino
de História adequada aos novos tempos (e alunos): rica de conteúdo, socialmente
responsável e sem ingenuidade ou nostalgia.
A
proposta: a favor do conhecimento humanista.
Ao mesmo tempo que condeno, no discurso,
o pragmatismo e o materialismo dos novos tempos, as escolas parecem ter
esquecido de sua parcela de responsabilidade na formação humanística do aluno.
Onde está o humanismo quando a escola transforma o aluno em uma máquina de
responder vestibular?
Queiram ou não a história na escola é de
extrema importância, pois história é referência e deve ser bem ensinada.
(P.20)
Neste
momento em que a sociedade brasileira começa a dar extrema importância a
História (livros, filmes e novelas com esse tema se tornam sucesso) parece que
muitas escolas caminham na contramão, cortando a disciplina de sua grade, ou
mutilando-a. E mais grave, desistindo de, ao menos, nos aproximar do patrimônio
cultural da humanidade. E qual é o papel do professor senão estabelecer uma
articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do
aluno?
(P.21)
Cada
estudante precisa se perceber de fato, como sujeito histórico, e isso só se
consegue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fizeram
para chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos.
(P.22)
O papel do professor de história.
O ensino de História deve ser
revalorizado e os professores dessa disciplina devem ter consciência de sua
responsabilidade social perante os alunos, preocupando-se em ajudá-los a
compreender e melhorar o mundo em que vivem. Para isso é bom não confundirmos
informação com educação. Para informação temos jornais, televisão e internet.
Essa informação só é transformada em conhecimento quando é organizada.
O professor deve ter conteúdo, ou
melhor, cultura e erudição. Sem estudar e saber a matéria não pode haver
ensino. É inadmissível um professor
que não lê. Se o tempo é curto, o salário é baixo e se o Estado não cumpre com
seus deveres, discute-se isso nas esferas competentes. Mas o professor deve
estar atualizado.
(P.23)
Afinal,
se o professor é o elemento que estabelece a intermediação entre o patrimônio
cultural da humanidade e a cultura do educando é necessário que ele conheça
tanto um quanto o outro. O professor precisa conhecer a base de nossa cultura e
o universo sócio cultural do educando, sua maneira de falar, seus valores e
aspirações. É a partir do conhecimento desses dois universos que ele realiza
seu trabalho.
Pela
volta do conteúdo nas aulas de história.
O passado deve ser interrogado a partir
de questões que nos inquietam no presente (caso contrário, estuda-lo fica sem
sentido). Portanto, as aulas de História serão muito melhores se conseguirem
estabelecer um duplo compromisso: com o passado e o presente.
Compromisso com o presente significa
tomar como referência questões sociais, assim como problemáticas humanas que
fazem parte da nossa vida, temas como desigualdades sociais, raciais, sexuais,
diferenças culturais, etc.
(P.24)
Compromisso
com o passado não significa estudar o passado pelo passado, apaixonar-se pelo
objeto de pesquisa por ser a nossa pesquisa, sem pensar no que a humanidade
pode ser beneficiada com isso. Compromisso com o passado é pesquisar com
seriedade, basear-se nos fatos históricos, não distorcer o acontecido como se
fosse uma massa amorfa a disposição da fantasia de seu manipulador. Sem esse
respeito ao acontecido a História vira ficção. Interpretar não é inventar.
Afirmações baseadas em filiações
ideológicas são desprezíveis, perigosas, não verdadeiras, e podem acabar se
transformando em veículos de preconceito e segregação.
Além dessas questões estruturais, há
alguns vícios que afetam a qualidade das aulas de história.
Um deles é a critica sem base. Antes de entender um texto, uma questão, uma
conjuntura, professores e alunos já lançam críticas. “Tal autor? Esta
superado”, dizem alunos e professores que nunca se deram ao luxo de lê-lo, mas
que se permitem julgamentos definitivos.
(P.25)
Outra
é a supervalorização do
desconstrutivismo. Não que ele não tenha sido um avanço importante, porém
como proposta de ensino ele deve ser utilizado com cautela, pois mesmo que o
professor tenha total domínio, só a desconstrução não basta, pois deixa um
gostinho de vazio no ar. É preciso que o aluno tenha acesso a algum conteúdo
histórico que o contextualize.
Um modo mais construtivo seria abordar a
História a partir de questões temas e conceitos. Quais as questões relevantes
que podem ser feitas ao presente e, por extensão ao passado? Qual a relevância
dos recortes temáticos tradicionais e novos feitos pela historiografia? Quais
conceitos importantes a serem discutidos com os alunos? Com isso o professor
poderá:
- Despertar o interesse dos alunos
demonstrando a atualidade de coisas tão cronologicamente distantes;
- Capacitar os estudantes no sentido de
perceberem a historicidade de um conceito como democracia, cidadania, beleza
(porque e como mudaram através do tempo?);
(P.26)
–
Práticas como manifestações de religiosidade, afetividade e sexualidade, ideias
como a inferioridade racial, cultural e moral;
- Fazer com que os alunos reconheçam
preconceitos, seu desenvolvimento e mecanismos de atuação, para assim
criticá-los com argumentos sólidos.
- Demonstrar com clareza os usos e
abusos da História, perpetrados por grupos políticos, nações e facções;
- Possibilitar a crítica a dogmatismos e
“verdades” absolutas.
(P.27)
Uma questão de abordagem.
Não há incompatibilidade entre História Social
e a História das mentalidades e do Cotidiano. Pois na visão do autor, em sala
de aula elas se complementam. A abordagem da corrente da História Social busca
a percepção das relações sociais, do papel histórico dos indivíduos e dos
limites e possibilidades de cada contexto e processo histórico. A das
mentalidades privilegia cortes temáticos. Bem utilizados, ambos são
procedimentos recomendáveis.
O
potencial transformador do ensino de História.
Este é um assunto que causa muita
polêmica e que quase sempre possui uma enorme dificuldade para o professor
situar racionalmente.
A frase de Marx que dizia que não era
mais hora de apenas entender o mundo, mas mudá-lo, tem justificado diversas
propagandas politicas sobre esse ou aquele candidato em sala de aula. Sob o
pretexto de saber qual a mudança que o mundo deve merecer o professor corre o
risco de se tornar um cabo eleitoral privilegiado, perdendo sua dignidade.
(P.28)
Privilegiado
pois suas palavras podem ter grande aceitação sobre sua turma de alunos.
Não se trata aqui de despolitizar o
discurso do professor, uma vez que não há discurso apolítico, mas dotá-lo de equilíbrio
e ponderação. O conhecimento histórico, por si só, já carrega um profundo
potencial transformador.
O professor deve fazer o aluno entender
que ele é fruto de seu tempo, região, classe social, etc. Ou seja, o aluno deve
entender que ele não poderá se tornar um guerreiro medieval ou um faraó egípcio
pois ele é um homem de seu tempo e essa é uma determinação histórica. Porém,
dentro de seu tempo, dentro de suas limitações, ele possui a liberdade de
optar. Sua vida é feita de escolhas e ele, com maior ou menor grau de liberdade
pode tornar-se o sujeito principal de sua história, o senhor do seu destino.
Quanto mais o aluno sentir a História
como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela. O verdadeiro
potencial transformador da história é a oportunidade que ela oferece de “inclusão
histórica”.
O
que ensinar (do abstrato para exemplos concretos).
(P.29)
Vemos
muitos professores frustrados por não conseguirem dar toda a matéria. Há estudantes que durante todo o período escolar só
viram um tema, um recorte histórico.
Com o numero reduzido de aulas e o vasto
conteúdo o professor se vê incutido de desestimular as discussões que atrasariam
a matéria. O resultado são passagens de um tema para outro muito rapidamente, o
que transforma a disciplina numa maçaroca de informações desconectadas e
articuladas à força, mas sempre desinteressante e inútil.
A primeira coisa que um professor deve fazer
ao montar um curso é selecionar conteúdos. Caso o professor não encontre
conteúdos o suficiente, ele não deve ter pena em abandonar um determinado assunto.
Outras vezes vale a pana dedicar um tempo maior à leitura cuidadosa de
determinado documento histórico, tanto por seu significado, quanto pela validade
de se ler uma fonte primária.
(P.30)
A
matéria escolar pode estar relacionada a vários recortes da História. Entre
outros, citamos:
1) Um acontecimento ou evento histórico
(ex.Revolução Francesa, II Guerra, Proclamação da República no Brasil).
2) Uma instituição social (ex.a
escravidão no Brasil, o imperialismo, a globalização).
3) Um processo de longa duração (ex.o
desenvolvimento das primeiras civilizações).
4) Uma interação cultural (ex.o encontro
entre europeus e indígenas).
5) Um tema manográfico (ex.a mulher na
idade média).
O primeiro pode ser estudado sob a ótica
da continuidade e da ruptura histórica (A história é um processo que sofre
rupturas. Há fatos que mudaram a ordem mundial). Os desenvolvimentos políticos,
sociais e culturais de países inseridos no contexto mundial. (P.31) Exemplos de revoltas contra a
ordem estabelecida e da tentativa de reconstrução social, assim como dos
problemas que impediram que os objetivos fossem alcançados.
O segundo tema pode ser trabalhado tendo
em vista a ordem e o contexto histórico desse período que permitiram e permitem
que determinada instituição exerça poder sobre determinada sociedade.
O terceiro tema deve levar o aluno a
entender, que mais do que grandes acontecimentos a história deve ser entendida
como um largo período em que as mudanças também ocorrem, mas de forma menos perceptíveis.
Ex, surgimento do homem até as primeiras civilizações.
(P.32)
O
quarto tema visa abordar a problemática da pluralidade cultural e do choque que
ocorre no entre elas.
(P.34)
No
último, um tema monográfico significa escolher um elemento (muitas vezes desconsiderado
na História) e estuda-lo. Um exemplo são os estudos sobre a mulher no Brasil colônia.
A partir da escolha pode-se discorrer sobre o imaginário social, as
representações, as mentalidade que moldaram atitudes e comportamentos.
(P.35)
Conclusão.
Como se vê, diferentes recortes da
História permitem que o aluno abra enormes horizontes que podem acolher,
inicialmente, sua curiosidade, depois, sua análise e, finalmente, sua
identificação com essa “gente como a gente” que construiu o processo histórico
do qual ele faz parte.
O problema do processo de ensino-aprendizagem
é o abandono da ideia de processo. Muitos profissionais misturam Espartaco e
Zumbi em um mesmo tema transversal e colocam eles para dialogar como se fossem
contemporâneos.
Por sim o autor convoca todos alunos e
professores para voltarem aos livros, pois só com eles a pesquisa virtual, os vídeos
e os jogos eletrônicos fazem sentido.
Fonte: KARNAL, Leandro (org): História na sala de aula. Conceitos propostas e prática. 6.ed. São Paulo: Contexto 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário