quinta-feira, 18 de junho de 2020

APRENDENDO HISTÓRIA - Conceitos básicos para iniciantes.

Quiz de História: Você consegue acertar quantas questões? | MagiCash
Tudo o que alguém que iniciou seus estudos sobre história recentemente precisa entender para começar sua imersão nesta disciplina está contido neste fichamento. Boa leitura.

(P.11) Parte I. O que é história.
1.1. Os Significados da História.
A palavra História vem do grego “testemunho” e sua origem etnográfica está muito ligada ao ato de ver (histor = “aquele que vê”).
Para entendermos o conceito de História e diferenciá-lo cientificamente do conjunto de eventos vividos por um indivíduo (afinal, todos nós temos uma história), devemos entender o que é a História (como ciência) e qual o papel do historiador.
(P.12) A palavra história possuí três significados fundamentais:
Ø  História como ciência que estuda o passado. (Letra maiúscula).
Ø  A história (passado) como matéria-prima da ciência História.
Ø  A história como uma narrativa, verdadeira ou falsa. Ato de narrar um acontecimento.
(P.13) A História como ciência agrega os dois outros significados (passado e narrativa) dentro de si. O grande diferencial está no fato da História possuir metodologias e técnicas próprias que lhe delegam o posto de ciência. Ou como disse Marc Bloch, “Ciência do Homem no tempo”.
(P.16) 1.2. As funções da História: a mestra da vida.
Nas sociedades arcaicas, o mito exercia função primordial para a explicação de eventos e fenômenos da natureza. Os mitos eram explicações fantasiosas que recorriam ao sobrenatural para dar inteligibilidade a acontecimentos que estas civilizações não compreendiam.
Foi na Grécia antiga que se iniciou um movimento de diferenciação entre mito e História. A primeira diferenciação foi levada a cabo por Heródoto, o pai da “História”, que elaborou sua escrita baseando-se em fatos, não em imaginação.
(P.17) Em seu livro “Histórias” uma narrativa sobre as Guerras Médicas, Heródoto partia de acontecimentos reais e possuía uma localização espacial e temporal (diferente do mito). O autor realizou uma longa pesquisa, selecionou fontes, localizou fatos e explicou eventos a sua maneira.
Heródoto foi seguido por Tucídides que escreveu sobre a Guerra do Peloponeso. Uma característica desses historiadores gregos era a escrita sobre um passado recente (Tucídides participou da guerra). E a grande preocupação desses historiadores era registrar esses acontecimentos para que no futuro eles servissem de exemplo as próximas gerações. Essa noção de História como exemplo, perdurou até fins do séc. XVIII.
Na Idade Média somou-se a está visão de história como exemplo, o ideal cristão moralizador. Santos e reis antigos eram modelos de comportamento para os homens do presente.
(P.18) No iluminismo o passado ainda permaneceu como um exemplo aos homens do presente, mas acrescentou-se a ele uma ênfase na racionalidade imbuída de um extremo otimismo no futuro, na civilização e no progresso.
(P.20) Segundo Reinhart Koselleck, durante mais de dois mil anos, a História conservou-se com um caráter puramente pedagógico de prevenção de erros do passado. Uma História pautada na máxima de Cícero como a mestre da vida.
(P.22) 1.3. O século XIX e as mudanças no conceito de História.
A Revolução Francesa (1789) foi a responsável por alterar o modo de escrita da História. A ruptura causada pela revolução atacou a “ordem” natural das coisas e mudou de uma vez por todas a maneira de se entender o passado. Com a Revolução Industrial, as cidades cresceram e o ritmo de vida acelerou, logo instituições milenares foram questionadas e o mundo mudava numa velocidade nunca antes vista.
(P.23) Logo surgiram duas correntes historiográficas que desejavam entender novo mundo que emergia destas revoluções:
1.      Revolucionário e emancipadora, liderada por iluministas franceses e alemães que exaltavam o ato revolucionário francês e as transformações decorrentes dela.
2.      Conservadora e tradicionalista, que via a revolução como um erro que deveria ser superado e esquecido.
O embate entre essas vertentes logo deixou claro que o passado não era apenas um repertório de exemplos, mas um campo acirrado de disputas sobre o passado e sua memória.
Contudo no século XVIII a História era uma disciplina incipiente e sua escrita era feita por amadores que se utilizavam dos métodos que mais lhes convinham. Foi apenas no século XIX que a História se emancipou das outras Ciências Humanas, alcançando sua profissionalização.
(P.27) 1.4. A Construção do campo disciplinar.
O século XIX foi marcado pela profissionalização das disciplinas e institucionalização do conhecimento histórico nas universidades. Logo houve um enorme empenho em separar a História de outros gêneros, como a literatura. A crença na contribuição da História para o conhecimento humano foi percebida nesta época, através de esforços dos Estados em organizarem arquivos nacionais.
Progressivamente, a História foi se revestindo de um caráter científico, apesar de em alguns lugares, como na França, ela ainda ser tutelada pela literatura, filosofia e interesses políticos.
(P.28) Com a III República Francesa (1870) e a preocupação dos republicanos com a utilização da História por grupos conservadores, as novas elites republicanas estabeleceram métodos próprios para a decifração de documentos e afastar amadores da disciplina.
Charles Seignobos e Charles Langlois publicaram em 1898 “Introdução aos Estudos Históricos”, manual que define regras da escrita histórica. Definindo- a como uma ciência que tinha como objetivo descrever por meio de documentos as sociedades do passado e suas transformações. O foco era o uso dos documentos e o distanciamento do presente. Quanto mais distante do contemporâneo, melhor.
(P.31) 1.5. O ofício do historiador.
De seu surgimento como um gênero na Grécia, até sua profissionalização no século XIX, o ofício do historiador mudou muito. De um simples cronista dedicado a recolher exemplos do passado, traçar linha genealógicas e descrever batalhas, o historiador passou a ser o especialista responsável por utilizar métodos criteriosos de pesquisa e escrita deste campo das Ciências Humanas.

Parte II – Vertentes historiográficas.
2.1. O que é historiografia?
Historiografia é a responsável por estudar a escrita da História, analisando o conjunto de escritos de historiadores acerca de um tema ou período específico, ou seja, analisando sua produção historiográfica. A História é constantemente reescrita, pois as interpretações sobre o passado e o vivido mudam com o tempo e com a pessoa que a interpreta. Estudar a historiografia é rever e analisar as diferentes narrativas, interpretações, visões de mundo, fontes, entre outras, que foram utilizadas para produzir narrativas sobre o passado.
(P.36) Os vestígios do passado não fornecem uma única possibilidade de compreensão. Na verdade, fornecessem indícios possíveis às perguntas feitas pelo historiador em sua análise. Por exemplo, é fato em 1789 estourou uma Revolução na França, mas casa historiador irá interpretar à sua maneira a importância, suas motivações e influências.
(P.37) Estudar a “História da História” ajuda a entender como o discurso historiográfico não é neutro, e sim sustentado por verdades provisórias, sempre sujeitas a reavaliações. Mostrando de maneira inegável que o passado não é um assunto morto.
(P.40) 2.2. A Escola Metódica.
A Escola Metódica surgiu em torno no positivismo do século XIX, movimento que pretendia transformar todas as áreas do conhecimento o em ciência. Criticando especulações filosóficas e buscando o máximo de exatidão com as fontes. Organizando inventários e documentos, esses historiadores metódicos foram os primeiros a organizar a profissão na Europa.
Com a escolarização em massa e a escrita da História nas mãos de profissionais, a História transformou-se no século XX em uma disciplina de grande importância para a formação das massas.
Uma das principais influências da corrente metódica foi o historiador alemão Leopold Von Ranke (1795-1886). Ele criticava o predomínio da Filosofia na História e seus excessos especulativos, subjetivos e moralizantes. Ranke inaugurou a moderna forma de conceber a escrita da História seguindo os procedimentos de uma ciência. (P.41) A História deixaria de ser um braço da teologia e do Direito nas universidades alemãs, para ter identidade própria.
Em 1898, os historiadores franceses Charles – Victor Langlois Charles Seignobos publicaram “Introdução aos estudos históricos”, livro referencial da escola metódica, pois traça as diretrizes do ofício do historiador de maneira a atingir a objetividade histórica.
Muitas vezes chamamos erroneamente a Escola Metódica de Positivista. Na verdade, a Escola Metódica tem a pretensão de encontrar uma História positiva (não positivista), no sentido de ser verificável por meio de documentos.
Vulgarmente se diz que Langlois e Seignobos tinham a pretensão de criar uma verdade absoluta de História. Contudo, em seu livro eles deixam bem claro que o conhecimento histórico é sempre indireto (fontes), o que impossibilitava conhecer o passado tal qual ele aconteceu.
Esta escola metódica viu-se confrontada por desafios de ordem prática. Como por exemplo, a formulação de histórias nacionais criadoras de um passado comum a fim de fortalecer os Estados Nacionais que emergiam.
(P.42) A escola metódica portanto é marcada por duas visões contraditórias:
1.      criar e definir um conjunto de regras e normas de uma nova disciplina científica.
2.      Engajamento republicano e formação de sentimento nacionalista.
Leopold von Ranke via a História como uma mistura entre ciência e arte. Ciência ao coletar, arte ao dar forma ao colhido.
(P.43) Seignobos e Langlois definiram as regras para a escrita da História, seu objetivo era ser um manual que ensinasse o jeito certo de descrever, por meio de documentos, as sociedades passadas e suas transformações. O documento e a crítica separavam a “história científica” da “história literária” dos ensaístas.
(P.45) 2.3. Os annales.
O reinado da escola metódica durou por todo século XIX. O século XX marcou a fundação na França da revista Annales (1929) por Marc Bloch e Lucien Febvre e da École Pratique des Hautes Études (1948), cuja Febvre era presidente e deu início a um profundo movimento de transformação da História.
Buscando uma História total essa geração de historiadores conhecidos como École des Annales, começou a questionar a hegemonia da História política. Defendendo uma concepção privilegiada da História econômica e social com novos objetos e fontes.
Essa nova História sustentava que as estruturas duráveis são mais reais e determinante do que os acidentes de conjuntura, ou seja, para a compreensão da história os fenômenos d longa duração são mais significativos do que os de pequena duração. Ainda segundo os annales os comportamentos coletivos têm mais importância sobre o curso da história do que as iniciativas individuais.
A realidade do trabalho e da produção, e não mais os regimes políticos e os eventos, deveriam ser o objeto de estudo das estruturas, não mais o manifesto, mas o que está por trás.
(P.46) “Era chegada a hora de passar de uma história dos tronos e das dominações (História política), para aquelas dos povos e das sociedades”.
Na década de 1950, sob o comando de Fernand Braudel a École Pratique de Hautes Études tornou-se École des hautes Étues en Scenses Sociales, não deixando espaço para a História política, uma vez que seu presidente dizia que o essencial na história era explicado pelas grandes pulsações econômicas.
Esta forma de entender a história, baseada na longa duração, criou um problema para o estudo da história recente, relegando-a ao jornalismo ou as ciências sociais.
(P.47) Os annales não questionavam o absolutismo das fontes escritas. Pelo contrário, a reafirmou ao valorizar a longa duração e desqualificar o papel do indivíduo, dos relatos pessoais e das biografias. A voz coletiva se sobrepôs a individual.
(P.50) 2.4 A Nova História.
Influenciado pelos acontecimentos dos anos 1960 (e o pós-modernismo), a História passou por uma nova onda de renovação metodológica dando voz as mulheres, crianças, negros e homossexuais era a vez da “História vista por baixo”.
Este movimento procurava mostrar que tudo tem história. Diversificação de análise e o aumento dos tipos de fontes. Tudo agora pode ter história e tudo pode ser fonte.
Este movimento emergido de dentro dos annales ficou conhecido como Nouvelle Histoire (História Nova). Seus principais autores franceses foram Jacques le Goff, Pierre Nora, Marc Ferro, Emmanuel Le Roy, Roger Chartier, entre outros.
(P.51) Um bom exemplo é o livro de Ladurie “Montaillou Povoado Occitanico” (1975) que se utilizou das mais diversas fontes para desvendar o cotidiano deste povoado francês. Não só a política e economia, mas o cotidiano, a religiosidade, a sexualidade, etc.
Outra novidade é a crítica a ideia de história das mentalidades. Para eles, a ideia de uma mentalidade única de uma época era generalizante e retirava o indivíduo da história. A noção antropológica de cultura assumiu o lugar do conceito de mentalidade.
Na historiografia anglo-saxônica, influenciadamente marxista, houve uma grande transformação na década de 1960 com Eric Hobsbawm, Christopher Hill e Edward Palmer Thompson redimensionam as análises históricas para além das estruturas que determinavam as ações sociais, com organizações populares, lutas cotidianas, descontinuidades, negociações, com uma grande margem de ação para atores históricos.
Na Itália Carlos Ginzburg, por meio de um recorte temporal e espacial encabeça a micro história.
(P.53) 2.5 A Micro História.
É um movimento de renovação historiográfica de origem italiana da década de 1960.
Tanto na história francesa quanto na inglesa há um processo de valorização das pessoas comuns nos processos históricos, sendo uma reposta a história econômica generalizante. A ascensão de novos atores sociais (negros, pobres, mulheres, crianças e homossexuais) antes silenciados derrubaram a visão de uma sociedade como um organismo estável e fiel as normas sociais e econômicas.
A revista italiana Quadrei Torci (1966) é um marco da produção micro histórica, aproximando os métodos antropológicos à escrita da História.
(P.54) A micro história propõe a redução da escola da análise, recorte temporal, espacial e do objeto. As temáticas contemplam o cotidiano de comunidades e indivíduos que passariam despercebidos na multidão.
(P.58) 2.6 Novos caminhos da historiografia.
Nos anos 1980 houve um impulso à História Cultural e um renascimento do estudo da política. Renovada pelo contato com a Antropologia, a História cultural ampliou o conceito de cultura, agora entendida como um conjunto de costumes, valores e modos de vida que dão sentido à experiência histórica dos indivíduos rompendo com a visão de cultura erudita e popular.
No caso da história política há um distanciamento da perspectiva de que a política era determinada pela estrutura econômica. Os anos 1980 entenderam que a política possuí uma consistência própria e autônoma.
(P.59) O resgate da política como um lugar de articulação social trouxe uma revalorização do papel do indivíduo na história. Contra as noções de mentalidade e de longa duração que diluíam em grandes períodos e multidões anônimas, a historiografia passou a realizar um novo tipo de abordagem mais individual.
O presente que sempre foi algo proibido ao historiador, uma vez que seu trabalho exige distanciamento, passou a representar um novo nicho que é o da história do tempo presente.
O aumento do número de mídias e a valorização do papel do indivíduo levaram os depoimentos orais à um papel de destaque.
Outra via de renovação historiográfica do século XX é a história das representações do imaginário social e dos usos políticos do passado pelo presente através do debate entre história e memória.

Parte III – Problemas e Métodos.
3.1 As fontes e a crítica do historiador.
O trabalho do historiador se faz com fontes, que são basicamente os vestígios deixados pelo homem ao longo de sua existência. Sem fontes não há história.
Todo trabalho de História pressupõe inicialmente uma delimitação temática (qual o assunto), temporal (qual o período) e espacial (qual a região do objeto a ser estudado). A partir dessas definições, o historiador seleciona as fontes com as quais deseja trabalhar.
De modo geral todos os vestígios humanos podem ser usados como fontes para o historiador, mas nem todas possuem a mesma qualidade para as perguntas que o historiador faz.
(P.64) É a partir das fontes que o historiador extrai os fatos que utilizarão para a escrita da história. Os fatos nunca são coisas dadas, mas o resultado de um diálogo entre os documentos e o historiador que o lê.
O trabalho do historiador deve ser passível de confrontação e ele deve indicar as obras que leu e os documentos que consultou. Somente a crítica rigorosa das fontes garante legitimidade ao trabalho do historiador. O que não garante a verdade absoluta, algo impossível para qualquer ciência humana.
O trabalho com fontes não se limita a comprovar sua veracidade, mas a um massivo trabalho de interpretação: de onde vem esse documento? Quem o produziu? Quando foi feito? Como foi conservado? Haveria razões, conscientes ou inconscientes, para que o autor deformasse as informações?
Não há documento neutro, nem fonte que traga a verdade embutida, por isso as fontes devem ser submetidas à análise crítica.
(P.68) 3.2 Os limites da Crítica.
A crítica do historiador às fontes históricas é uma tarefa extremamente complexa que necessita tempo e exercício constante. Não é algo dado, mas algo trabalhado por toda a vida.
Todo historiador deve entender que não existem documentos que sejam “verdadeiros” por definição, não importando se é oficial, pessoal, escrito, oral, etc. todos devem ser objeto de questionamento.
O exercício da crítica passa pela análise de outras fontes semelhantes, leituras de trabalhos sobre o assunto e capacidade de ler o universo. Isso diferencia profissionais de amadores. A escrita profissional exige o controle da bibliografia e conhecimento das fontes. Todo o percurso da investigação deve ser claramente indicado, dos arquivos pesquisados à bibliografia consultada.
(P.69) A história não é simplesmente um conhecimento do passado, mas um conhecimento do passado feito através de vestígios, assim conhecer o passado e revela-lo tal qual as coisas aconteceram é algo impossível.
A produção do conhecimento histórico está diretamente ligada ao olhar que o historiador lança sobre os acontecimentos, sendo assim, eles existem conforme a leitura que o pesquisador faz dos seus documentos. É o historiador, através da crítica, que julga o valor e relevância dos fatos para assim elaborar sua narrativa. Segundo Seignobos “os fatos históricos só existem por sua posição em relação a um observador. Sem a curiosidade do historiador, o documento não existe”.
É necessário compreender que qualquer leitura é formulada por homens situados em um dado tempo e sociedade. A crítica dos documentos está ligada ao tempo em que é feita. Não existe História fora do tempo, portanto, cada época lê os vestígios do passado de uma forma diferente. “Toda História diz muito do momento em que foi feita”. Não há conhecimento definitivo do passado. A crítica limita-se a fornecer interpretações possíveis.
(P.72) 3.3 História e temporalidade.
O que é o tempo? Essa pergunta milenar inquietou pensadores de diversas áreas.
O tempo é uma invenção que procura situar a atuação humana dentro de uma sucessão diferenciada de acontecimentos. Se todos os dias fossem iguais não haveria sentido pensar no tempo. Ele existe apenas porque cada dia é diferente do outro. Essa é a noção que dá sentido à História, porque é o tempo que dá sentido a localizar eventos numa perspectiva de presente, passado e futuro.
A natureza possui um tempo exterior, imortal e homogêneo. O seu tempo é a contagem de movimentos naturais: assim, não há passado, nem presente, nem futuro. O tempo da lua é a repetição eterna de seus movimentos naturais.
O tempo humano é diferente. O dia de hoje não se repetirá jamais. O ser humano conta seu tempo, consciente de sua morte e do fim de sua duração.
Os calendários são criações humanas que usam o tempo natural (ciclo lunar ou solar) para localizar ações ao longo de sua existência, seja de pessoas, gerações, culturas ou sociedades.
(P.73) O tempo é fundamental para a História. É impossível analisar um acontecimento histórico sem levarmos em consideração a época em que o fato aconteceu. Quando isso ocorre, há o que os historiadores chamam de anacronismo. cada fato deve ser entendido dentro do período (tempo) em que ocorreu.
Os calendários são importantes como referência, pois estabelecem pontos fixos de referência e linearidade. Cabe lembrar que o calendário cristão não é universal e que cada cultural possuí o seu.
(P.78) 3.4. História e Verdade.
Os críticos do conhecimento histórico sempre apontam a dificuldade de alcançar a verdade, como o principal entrave ao conhecimento do passado. Para eles, a História seria um joguete nas mãos dos governantes e dos poderosos.
Em fins do século XIX, havia uma diferenciação entre as Ciências da Natureza (que explicavam a matéria) e as Ciências do Espírito (buscava compreender os homens e suas ações). Desta forma, a História seria uma espécie de ciência compreensiva.
(P.79) A História foi definida como uma Ciência Compreensiva porque as ações humanas não são regidas por leis, mas cada indivíduo detém em si um universo amplo de escolhas, cabendo ao historiador tentar entender os seus motivos. Desta forma, o exercício do historiador é compreender melhor, e não atingir a verdade absoluta.
O historiador escreve a partir de regras que dizem respeito ao seu ofício, mas não busca atingir a verdade absoluta, porque a compreensão do universo humano é sempre parcial e fragmentada.
O conhecimento produzido pelo historiador não é palpável. O acontecido é irrecuperável e único, o passado não pode ser refeito em laboratório. Uma situação histórica jamais se repetirá e por isso o conhecimento histórico é sempre indireto, sendo necessário fontes que servem para a elaboração de uma narrativa. Lembrando que as fontes jamais fornecem a verdade absoluta, cabendo ao historiador o papel crítico.
Caso vinte pessoas escrevessem sobre uma mesma experiência, haveriam vinte relatos diferentes. Cada pessoa destacaria um aspecto e silenciaria os outros. A escrita do historiador é semelhante, o conhecimento histórico é subjetivo e está diretamente ligado ao historiador, com a diferença que há uma análise crítica. O papel do historiador é acessar o passado com base em critérios específicos.
(P.80) Se por um lado não podemos dizer que a história produz um conhecimento objetivo, tampouco podemos afirmar que se trata de um conhecimento inválido. Cabendo aqui a seguinte pergunta: afinal o que seria a verdade? Pois, assim como a história, todo conhecimento humano é social e histórico.
(P.82) 3.5. Fazer a História.
Há uma distância entre a História produzida nas universidades e a história vivida por cada um de nós. São palavras homônimas que se referem ao passado, mas possuem aplicações e objetivos diferentes.
(P.83) O fato de todos “terem” história no sentido de serem agentes históricos, não significa que todos “fazem história” no sentido de produzirem conhecimento.
O historiador possui certezas: 1500 Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil, as elites do governo imperial possuíam trabalho escravo, 1937 foi o ano do golpe do Estado Novo, etc. Mas a compreensão do passado não se limita a esse tipo de informação. Cabe ao historiador o entendimento dos porquês, das causas, motivações e contexto, e isso só vem com fontes, interpretação e crítica.
(P.84) Quando alguém narra um acontecimento pelo qual passou, está elaborando uma narrativa baseada em sua memória, sem nenhum rigor científico ou compromisso com a verdade. Não atendendo as exigências do rigor necessário ao discurso histórico. A história longe de ser simples opinião, é um ramo das Ciências Sociais. O historiador não possui a verdade, mas oferece um conhecimento dotado de embasamento teórico e crivo científico.
(P.86) 3.6 Identidade e Memória.
A contemporaneidade vem mostrando muito interesse nas questões relativas as memórias e as identidades. Identidade é a palavra chave do mundo pós-moderno.
Com a diluição das fronteiras, fragilização das tradições dos laços interpessoais, as pessoas tenderam a se reagrupar em identidades (religiosas, étnicas, territoriais, nacionais, empresariais, de gênero, etc.). Identidade é o processo pelo qual a pessoa se reconhece e constrói traços e afinidades, tendo por base um conjunto de atributos que o distingue dos outros. A identidade pode ser individual e coletiva, sendo ao mesmo tempo um elemento distintivo e unificador.
Neste processo, a memória é um elemento constitutivo do sentimento de identidade, uma vez que lhe dá continuidade e coerência.
(P.87) A memória não é apenas um depósito de dados sobre o passado, ela é um instrumento de poder sobre o presente. A memória não é neutra e é recuperada sempre em função das demandas do presente.
As cerimônias de comemoração pública fazem exatamente isso. O resgate de uma memória nacional que deve ser resgatada para fortalecer a identidade nacional.
(P.91) 3.7. História Oral.
Durante muito tempo os historiadores foram resistentes em incorporar a oralidade ao universo de pesquisa.
O século XX possibilitou a coleta de depoimentos pessoais mediante a utilização de um gravador.
(P.92) A distorção e a falta de veracidade atribuídas a oralidade deixaram de ser um problema quando passaram a ser encaradas de uma nova maneira. Não como fontes de verdade, mas como interpretações.
A História oral possuí três linhas de atuação:
1.      Usa os depoimentos orais como forma de preencher lacunas deixadas pelas fontes escritas;
2.      Utilizadas para buscar uma representação mais refinada do uso político do passado. Nesse sentido as deformações nos relatos não são vistos como prejudiciais à pesquisa, pois busca a memória de um dado grupo sobre um evento específico;
3.      História Oral como um instrumento de intervenção social, voltada para a recuperação de testemunhos de grupos marginalizados e impactados por genocídios e massacres.
(P.96) 3.8. Métodos quantitativos e qualitativos.
Para a escrita da história, o pesquisador por utilizar diversos tipos de fontes (escritas, orais, iconográficas...). Dependendo do recorte, o historiador pode encontrar diversos documentos ou não. E caberá a ele selecionar e escolher a forma de analisar estas fontes.
Existem dois métodos de se abordar as fontes históricas:
·        Método quantitativo: indica a quantidade de dados contidos nos documentos. Por meio da coleta sistemática de informações, o historiador valorizará aspectos que se repetem de forma a convertê-los em números que possibilitem verificar a ocorrência, ou não, de um fenômeno e permitir a formulação de hipóteses.
·        (P.97) Método qualitativo: não tem por base a utilização de estatísticas. A pesquisa quantitativa trabalha predominantemente com informações coletadas e transformadas em números, excluindo o papel do indivíduo na história. Já as fontes qualitativas incluem documentos escritos, pinturas, fotos, desenhos, filmes, vídeos e músicas. O objetivo é oferecer fontes de qualidade à pesquisa, individualizando as generalizações.
Os métodos são complementares e em um determinado trabalho histórico, o historiador pode se utilizar dos dois.

(P.102) Parte IV - Em sala de aula.
4.1 A História na escola.
Ensinar história não é tarefa fácil. História não é apenas o ofício do historiador, mas também o seu ensino. Como explicar métodos tão diferentes, questões tão complexas e interpretações contraditórias a alunos do ensino fundamental e médio?
A simples repetição de conteúdos e datas afasta o ensino da história do seu processo de elaboração de conhecimento. Produzindo discursos unilaterais comprometidos com o poder.
(P.103) O ensino escolar se sairia melhor se tivesse enfoque nas múltiplas interpretações possíveis sobre um fato.
Por isso, o conhecimento histórico em sala de aula pressupõe dinamismo, diversidade e consciência por parte de professores e alunos, de que a História relaciona-se com construções, provisórias, relativas e superáveis.
A história pode contribuir para diversas discussões sem ter obrigatoriamente uma função preestabelecida, seja ela a de formar cidadãos, civilizar, valorizar a pátria, etc. (P.104) O único papel da disciplina História é o de ensinar a refletir e a ler o mundo a partir de uma orientação histórica. Desenvolvendo nos alunos a noção de tempo, permanência, mudanças, contextos e crítica das informações.
(P.109) 4.2 O Brasil é um país sem memória?
O trabalho com a memória permite tomar diferentes caminhos: podemos focalizar nossos museus, monumentos, imagens e personalidades do passado. Além de escolher fontes diversas como documentos escritos, livros, relatos orais, etc.
O resgate de uma memória busca trazer, recordar, comemorar ou expressar um elemento do passado para comandar o presente. Todo resgate de um passado tem ligação direta com a imagem que quer se construir no presente.
(P.110) Um exemplo é a figura de Vargas, muito resgata o imaginário brasileiro. Em 2004 por exemplo, durante o governo Lula houve a comemoração dos 50 anos da morte de Vargas e o resgate predominante de seu mandato entre 1950-54 e de seu projeto industrial nacionalista. Já na década de 1990 com o advento do neoliberalismo, o resgate veio através do contraponto que dizia ser “o fim da era Vargas” com privatizações e revisão da CLT. Na década de 1980 o resgate foi feito buscando a unidade necessária para o processo de redemocratização.
(P.111) Podemos perceber que o resgate da figura de Vargas se faz de diferentes maneiras, de acordo com as demandas do presente.
(P.114) 4.3 Trabalhando com História oral.
O termo “História Oral” é amplo e gera muitas confusões e abusos. Alguns acreditam ser possível aplicá-lo a todo depoimento oral, produzido por qualquer indivíduo em qualquer circunstância, sem nenhuma preparação prévia. A história oral possuí métodos de pesquisa própria que são diferentes do registro de simples informações sonoras. O método e o fim diferenciam a história Oral de uma entrevista jornalística.
Um dos maiores desafios do método de pesquisa de História Oral está em seu arquivamento e em sua preservação de fontes. Para contornar está dificuldade, muitos arquivos e bibliotecas tem criado acervos de depoimentos orais.
(P.115) A História Oral produz uma fonte especial, possibilitando a preservação da memória coletiva e das identidades de grupos ou indivíduos dentro de uma sociedade.
(P.120) 4.4 História e imagens.
No século XIX com a elevação da História ao status de disciplina científica, os documentos escritos adquiriram grandes destaque em detrimento das fontes visuais e orais.
Os últimos anos assistiram a uma valorização da investigação da importância do uso das imagens para a construção de projetos de nação, identidade nacional e imaginário coletivo. Pinturas, fotografias e esculturas constituem um caminho fundamental para ler e compreender a História de uma país.
No entanto, para compreender essas fontes é necessário entender que elas não são neutras. Pintores, fotógrafos e escultores selecionam, enquadram, omitem e destacam elementos de acordo com seu ponto de vista.
(P.121) As imagens são construídas para passar uma dada representação social, política e ideológica. Para compreender a imagem é necessário compreender o contexto de sua produção: por quem e por que foram produzidas. Partindo dessa perspectiva, as imagens podem ser entendidas, não como uma representação fiel do real, do acontecimento, mas como uma narrativa que busca moldar ou influenciar opiniões em uma dada sociedade. Quando entendemos isso, podemos perceber que as imagens não constituem uma mera ilustração.
(P.127) 4.5 História e filme.
A História do cinema surgiu com a invenção do cinematógrafo (1895). Um aparelho capaz de gravar e projetar imagens em movimento. Mudos até 1920, rapidamente esse novo tipo de mídia conquistou o mundo.
Chegou-se ao ponto de em 1898 o câmera polonês Boleslas Matuszewski anunciar as “fotografias animadas” como o testemunho verdadeiro e inquestionável da História.
Essa crença de que o filme, seja ele de reconstrução histórica, ficção ou documentário, é a representação do vivido é altamente questionada pelos historiadores. Pois, um filme independente de seu gênero, é um produto direto do tempo em que foi feito. E isso é fundamental para quaisquer análises históricas.
(P.128) Nos “filmes históricos” há o problema de que eles podem misturar livremente realidade e ficção. Por ser uma expressão artística ele pode se valer de sua imaginação para produzir “sua” própria história e tudo sem comprovação.
Um “filme histórico” é sempre um misto de história e do momento em que foi feito. Um filme pode passar a ideia de uma representação fiel da realidade histórica e do passado, nada mais enganador.
(P.132) 4.6 História e internet.
O computador e a internet causaram um grande impacto no mundo contemporâneo. Uma nova forma de leitura e distribuição de informações popularizou-se rapidamente implicando novas maneiras de lidar com o conhecimento.
A internet tornou-se uma ferramenta útil ao historiador, ajudando na pesquisa quantitativa, em gráficos, na conservação de acervos e na rapidez da troca de informações. Por outro lado, a rede também é responsável pela divulgação de notícias sem compromisso metodológico e na vulgarização da história.

Fonte:


FERREIRA, Marieta de Moraes. Aprendendo História: Reflexões e ensino. São Paulo. Ed do Brasil. 2009. 

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