Étienne (Estevão) de la Boétie nasceu em Sarlat-la-Canéda
na França no ano de 1530 e faleceu em 1563 com apenas 32 anos de idade. Foi
contemporâneo de Michel de Montaigne com quem desenvolveu uma estreita amizade
que perdurou por toda sua curta vida. Montaigne foi o responsável por preservar
os escritos de Étienne e ainda escreveu “Ensaio sobre a amizade” em sua
homenagem.
Nesta obra, La Boétie afirma ser possível resistir a
opressão sem recorrer à violência. Segundo ele, a tirania se destrói sozinha
quando os indivíduos se recusam a consentir com sua própria escravidão. Sua
obra é uma espécie de gérmen da resistência pacífica e da desobediência civil.
A originalidade da obra está na ideia de servidão voluntária. Para
Etienne, o servo possuí sua parcela de culpa em sua própria servidão. Desta
forma, a servidão não é forçada, mas sim voluntária.
(P.08) Como
imaginar que um ou um pequeno grupo de indivíduos seja capaz de subjugar
muitos? Só a força não responde esta questão, é necessário entender a
obediência consentida.
Essa ideia inspirou anarquistas a desenvolverem
movimentos de desobediência civil, pois já que o poder se constrói sobre a obediência,
basta parar de obedecer para que o sistema todo entre em colapso.
O século de La Boétie.
o século XVI foi o século da política: surgimento e
amadurecimento de jovens Estados Nacionais. Diversos autores escrevendo sobre
política: Erasmo de Roterdã, Maquiavel, Thomas More, Jacques Lefévre d’Etaples,
entre outros.
(P.09) Uma família de magistrados.
Étienne de La Boétie nasceu em 1 de novembro de 1530
em Sarlat, sudoeste da França, em uma família rica e culta de magistrados.
Seu pensamento é marcadamente influenciado pelo
renascimento, pelos conceitos republicanos e pela antiguidade clássica.
Cursou direito em um momento em que a França
descobria e tentava aperfeiçoar as leis do jovem Estado.
(P.10) Um espírito novo.
La Boétie formou-se com honras e assumiu o cargo de
conselheiro do Parlamento de Bordéus.
Foi neste período que se casou com a cunhada de Michel de Montaigne.
Uma amizade famosa.
Estabeleceu-se uma grande amizade entre os dois.
(P.11) Uma missão especial.
Etienne foi incumbido de diversas missões
diplomáticas entre católicos e protestantes franceses.
(P.13) Doença e morte.
Morreu de desinteria em 18 de agosto de 1563.
(P.15) Uma História curiosa (Casemiro
Linarth).
O livro de Étienne foi utilizado, dez anos após sua
morte, pelos huguenotes (protestantes) para denunciar o massacre de São
Bartolomeu. Partes de seu livro eram impressas e distribuídas para fomentar
rebeliões. As guerras religiosas europeias se arrastaram por muitos anos.
(P.16) As obras de La Boétie.
Foram recolhidas, organizadas e publicadas
postumamente por Montaigne.
Um texto militantes.
Trechos do livro Discurso da Servidão Voluntária
circulavam clandestinamente pela França e Montaigne achou melhor não o publicar
naquele momento. Assim, o Discurso assumia um tom militante, incitando revoltas
contra a monarquia. Contudo, La Boétie defendia a resistência pacífica.
(P.17) Um exemplar raríssimo.
Durante séculos, a obra de La Boétie ficou em termos
“escondida”, “esquecida”.
(P.21) O DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA.
(P.23) La Boétie
inicia seu livro analisando uma frase de Odisseu (Ulisses) disse em A Ilíada,
“não é bom ter vários senhores. Um só seja o senhor, um só seja o rei”. Para
Étienne bom mesmo é não ter senhor. Seja um ou muitos, eles sempre causam
infelicidade.
(P.24) O
objetivo deste livro é entender como tantos homens, tantas cidades, tantas
nações suportam a opressão e o despotismo de um só tirano. Ver um milhão de
pessoas dobrar a cabeça a um único homem, não que eles sejam obrigados – um
homem não é mais forte que um milhão – mas que o fazem por fascinação e
encanto.
(P.25) Os deveres recíprocos da amizade
absorvem boa parte de nossas vidas.
A natureza humana nos obriga a sermos recíprocos com
quem nos faz o bem e a quem amamos. Não é incomum reduzirmos nosso bem-estar
para aumentar a honra, o progresso e o conforto de quem amamos. Quando um país
encontra um homem bom que pode protegê-lo e governá-lo, com o tempo habituamo-nos
a obedecê-lo e a confiar nele ao ponto de ceder algumas vantagens a este líder.
Que desgraça de vício é esse? De que os homens se
submetem as vontades de um único homem? Não as vontades de um poderoso
Hércules, mas ao mais covarde e afeminado ser da nação.
(P.26) Seria
isso covardia? Quando quatro homens não se defender de um, chamamos de
covardia, mas quando cem países, mil cidades e um milhão de homens não o fazem
recebe outro nome.
Quais irão com mais coragem ao combate?
Coloquem frente a frente dois exércitos, um lutando
por sua liberdade e outro para subjugar e escravizar o povo inimigo. Qual
apresentará mais coragem?
(P.27) Basta
observar a História para perceber a motivação que a liberdade cria. Basta
observar os gregos e persas, como a defesa da liberdade animou um exército
menor a vencer um maior.
Então, como é possível que cem mil homens que lutam
por sua liberdade possam ser reprimidos por apenas um, que lhes priva de sua
liberdade?
(P.28) Não é preciso
combater este tirano para que ele caia, basta que o país deixe de consentir com
sua servidão. É o próprio povo que consente com seu maltrato e privação da
liberdade, é o povo que renuncia a sua liberdade e aceita o jugo, ele consente
e procura seu sofrimento.
Mais arruínam e destroem quanto mais é
dado a eles.
(P.29) Quanto
mais lenha um fogo recebe, mais ele queima. Para apaga-lo não é preciso jogar
água, basta parar de alimentá-lo. Do mesmo modo, os governantes que mais pilham
são os que mais exigem e segundo La Boétie não é necessário enfrenta-los, basta
não os obedecer e não lhes dar mais nada.
Viveis de tal maneira que não podeis
gabar-vos de que algo vos pertence.
Povos inteiros vivem na miséria e tem seus bens
roubados por apenas um inimigo, que só é grande pelo poder que os próprios
miseráveis deram a ele.
(P.30) O homem
que o oprime, possui o corpo de qualquer homem comum. As mil mãos que golpeiam,
os mil olhos que espionam são cedidos pelos próprios oprimidos. Somos cumplices
de nosso assassino, receptores do ladrão que nos pilha e traidores de nós
mesmos.
Sendo que não é necessário enfrenta-lo, mas, como o
fogo, basta parar de alimentá-lo, basta não mais servir e sereis livre.
(P.31) Somos todos companheiros, ou
melhor, todos irmãos.
Se seguíssemos os preceitos da natureza seriamos
obedientes apenas aos pais, sujeitos a razão e não seriamos escravos de
ninguém. Deus nos criou diferentes em dons; uns mais espertos e outros mais
fortes, não para que estes oprimissem o resto, mas para que como companheiros e
irmãos uns ajudassem aos outros.
(P.32) Boétie
considera a liberdade um dom natural. Basta olhar os animais que morrem quando
são capturados.
(P.33) O cavalo
deve ser preparado desde o nascimento para receber cela e se acostumar a
servir.
(P.34) Sugam como o leite a natureza do
tirano.
Há três tipos de tiranos: uns adquirem o poder pela
eleição do povo, outros pela força das armas, e o último por sucessão
hereditária.
Os que chegam ao poder pelas armas, comportam-se
como se estivessem em um país conquistado.
Os que herdam, veem o povo como súditos e servos, os
ignoram e os veem como inferiores.
Teoricamente os eleitos deveriam ser melhores, mas
logo encantam-se com o poder e logo criam mecanismo para perpetuarem-se.
Estes três, embora cheguem ao poder por meios
diferentes, governam todos da mesma maneira.
(P.36) Não só perdeu a liberdade, mas
ganhou a servidão.
É incrível ver como um povo, quando é submetido,
esquece rapidamente de sua liberdade, não conseguindo despertar para
reconquistá-la. Serve tão bem que não só perdeu a liberdade, como ganhou a
servidão.
É verdade que no início os vencidos servem pela
força, mas as gerações seguintes servem sem relutância e voluntariamente.
(P.39) Experimentaste o favor do rei, mas
não sabe o gosto delicioso da liberdade.
(P.41) Sobre as
gerações que nascem sob o jugo da servidão. Elas não resistem, pois, nunca se
lamenta o que nunca se teve. O homem é naturalmente livre e quer sê-lo, mas sua
natureza é tal que ele se amolda facilmente a educação que recebe. Assim, a
primeira razão para a servidão é o hábito.
(P.42) O tirano os priva de toda
liberdade, não só de falar e de agir, mas até de pensar.
Os tiranos percebem que os livros e a instrução dão
aos homens o bom senso e o entendimento para odiarem a tirania. Assim, em geral
os tiranos atacam a educação e aos sábios.
(P.44) Mas a
principal razão pela qual os homens servem voluntariamente é por que nascem
servos e são educados como tais. Desse fato ocorre outros: sob a tirania os
homens tornam-se covardes e afeminados.
(P.45) Os homens
livres são guerreiros, os submissos covardes.
Os tiranos, prejudicando a todos, são
obrigados a temer todo mundo.
A punição dos tiranos segundo Xenofonte é a falta de
paz e ter que temer a todos. Por isso, muitos reis armam mercenários para a
guerra, por não confiarem em armas na mão de seu povo.
(P.47) Os meios que os tiranos empregam
para entorpecer seus súditos sob o jugo.
O teatro, os jogos, as farsas, os espetáculos, os
gladiadores, os animais ferozes, as medalhas e outras drogas semelhantes eram
para os povos antigos a isca para a servidão, o preço de sua liberdade. O meio
de embrutecimento do povo utilizado pelo tirano.
“Nero foi um tirano, mas suas festas eram
maravilhosas” lamentavam os romanos.
(P.49) Alguns belos discursos sobre o bem
público e o interesse geral.
Os imperadores romanos ainda assumiam para si o
título de Tribuno do Povo, ofício considerado santo e sagrado pela população. Encobrindo
seus verdadeiros ideais em belos discursos sobre o bem público e interesse
geral.
Os reis da Assíria, apareciam raramente em público,
criando entre o povo (de imaginação fértil) que estes reis possuiriam
qualidades sobre-humanas, tornando-o uma divindade.
Essas mentiras e contos sobre habilidades
sobrenaturais dos reis representaram muitas vozes na História: Egito, Roma,
Idade Média, etc.
(P.53) La
Bopetie se pergunta: não está claro que os tiranos, para se manter no poder,
esforçam-se para acostumar o povo, não só a obediência, mas ainda a sua
devoção?
Contudo, os métodos explicitados até aqui servem
apenas para habituar à servidão os homens miúdos e grosseiros.
(P.54) A mola
mestra da dominação, o apoio fundamental da tirania, não são os miseráveis, nem
os guardas do palácio, mas na verdade 4 ou 5 pessoas. São apenas 4 ou 5 pessoas
que mantém o tirano e conservam um país inteiro na servidão.
Cúmplices de suas crueldades, companheiros
de seus prazeres, favorecedores de sua libidinagem e beneficiários de suas
rapinas.
Um tirano conserva 5 ou 6 homens de sua confiança
que servem a ele. Esses seis homens mandam em outros 600, estes 600 comandam
mais 6 mil. A tirania se mantém, segundo Leandro Karnal (em uma palestra sobre
Etienne de La Boétie), graças a uma cascata de tiranias, que vem do topo da
pirâmide até sua base.
(P.55) Assim,
milhões estão ligados a um tirano por uma espécie de corda invisível, onde os
beneficiados pela tirania mantêm sob seu jugo, aqueles que são oprimidos.
Surgem pequenos tiranos sob o grande tirano.
É assim que o tirano subjuga os súditos,
uns por meio dos outros.
Aqui ele apresenta os bajuladores e aduladores do
tirano.
(P.58) Essas pessoas de bem não poderiam
manter-se junto ao tirano.
Pessoas realmente boas, jamais aceitariam viver como
vivem os bajuladores do tirano. Mesmo que esteja disfrutando da graça e da
riqueza do tirano.
(P.60) Os
tiranos não possuem amigos. Os tiranos traem e são traídos por pessoas que lhe
são queridas.
(P.61) O tirano nunca ama e nunca é amado.
O tirano nunca ama e nunca é amado. A amizade é um
sentimento sagrado que só existe entre pessoas de bem. Ela nasce da estima
mútua e nunca da bajulação.
Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma
sociedade. Não se amam, se temem. Não são amigos, mas cumplices.
(P.62) Mostrar sempre um rosto sorridente
quando o coração está apreensivo.
Os gananciosos que cercam o rei, o fazem ao ver o
brilhar de seus tesouros (a esperança de enriquecer), mal sabem que estão
cavando suas próprias covas. E mesmo que se salvem com a queda do tirano que
servem, poderão eles se salvarem do rei que vem depois?
(P.63) Que vida
é essa onde a traição espreita a toda parte, sorrir e desconfiar de todos.
Ao final, Boétie joga uma praga aos tiranos e seus
servos: “espero que exista um cantinho especial no inferno esperando para
eles”.
BOÉTIE, Etienne de la. Discurso da Servidão Voluntária. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2017.
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