(P.23) Cap. 01: A Aurora da Filosofia
Ocidental.
“Tudo
flui”. Heráclito.
(P.25) Os Pré-Socráticos.
Quando
a espécie humana desenvolveu um intelecto superior e começou a processar o
mundo ao seu redor foi tomada por um espanto diante desse universo regulado e
inexplicável. Desse espanto surgiu a filosofia.
Mas
antes veio o mito que respondia as perguntas existenciais dos seres humanos com
grandiosos relatos cósmicos. As forças obscuras da natureza eram personificadas
em deuses. Assim, os enigmas do mundo ganhavam sentido por meio da imaginação.
(P.26) Em determinado momento a
explicação mitológica deixou de satisfazer as mentes mais inquisitivas e uma
sucessão de pensadores buscou suas próprias respostas baseando-se em duas
ferramentas: a observação do mundo e o pensamento racional.
Esta
transição ocorreu entre os séculos VII e V a.C, e os pensadores desta época são
considerados os fundadores do pensamento ocidental e conhecidos como pré-socráticos.
Pré-socráticos.
Suas
reflexões podem ser vistas como uma negação das explicações mitologicas.
O caldeirão grego.
A
história da filosofia grega não começa no que hoje chamamos Grécia, mas do
outro lado do mar Egeu, na atual Turquia (antes conhecida como Ásia menor).
(P.27) Até 1200 a.C
florescia na Grécia continental e nos arquipélagos do mar Egeu a civilização
micênica ou aqueana. Quando foi invadida pelos dórios, estes fugiram para a
Ásia Menor e lá fundaram uma série de colônias entre elas Éfeso e Mileto. Esta
civilização ficou conhecida como Jônia.
A
Jônia ficava a meio caminho entre à Grécia e o Oriente médio o que propiciou o
intercâmbio cultural.
Por
volta do Século X a.C os gregos adaptaram o sistema de escrita dos fenícios
baseados no sistema alfabético de fonemas. (P.29)
Com o novo sistema de escrita surgem obras como a Odisseia e a Ilíada e
pela primeira vez o conhecimento acumulado poderia ser transmitido de uma
geração à outra. Gradualmente a filosofia foi se separando da poesia e do mito.
A Escola de Mileto: século 7 a 6 a.C.
Tudo
indica que Tales de Mileto foi um próspero empreendedor Jônio, que embora de
origem nobre, enriquecera com a ciência (que nessa época se misturava com a
filosofia).
(P.30) Segundo
Aristóteles em seu livro A Política,
Tales havia enriquecido mediante uma jogada astronômica prevendo colheitas.
Tales
foi o primeiro pensador a examinar a questão da physis, que segundo o dicionário pode ser descrito como “fonte
original” ou “matéria-prima” do que uma coisa é feita.
(P.31) Ex: em uma
árvore a physis é a seiva e a madeira, numa montanha são as rochas, a terra e
os minérios, no corpo humano carne e sangue. Então Tales se pergunta: qual a
physis do universo? Do que ele é feito?
Assim
é possível considerar todas as coisas como uma realidade única, que se
manifesta em diferentes formas. E buscando essa physis, Tales chega a conclusão
de que o princípio de todas as coisas era a água, pois, água é uma espécie de
plasma que circula entre os três estados da matéria e assume as mais diferentes
formas.
(P.32) Seu discípulo,
Anaximando dizia ser a água apenas um dos elementos que formam o mundo e,
portanto não poderia ser o princípio originário das coisas. Para ele a physis
do universo era um elemento invisível, que os nossos sentidos não poderiam
compreender. Essa misteriosa matéria-prima recebeu o nome de ápeiron.
O
indefinido ápeiron seria a unidade original de todas as coisas. E a matéria
surge de um processo de equilíbrio e desequilíbrio entre forças opostas. O
quente e o frio, o seco e o molhado, o líquido e o sólido – tudo existiria
dentro do ápeiron, em iguais medidas, mas cada força ou elemento tentaria
constantemente dominar os outros. Quando um se sobressai surge o elemento vencedor.
Ex: úmido + frio=surge a água. Quente + Seco = fogo. E assim por diante.
Esse
jogo seria equilibrado por uma espécie de lei impessoal que regula todo o
universo. (P.33) E quando o
desequilíbrio dentro da ápeiron volta a equilibrar-se com o tempo: assim as
coisas surgem e desaparecem.
Como
o ápeiron é infinito, esse processo de “injustiça” (desequilíbrio) e
“reparação”, dá origem ao surgimento de mundos igualmente infinitos: e o nosso
seria apenas um deles.
(P.34) Anaxímenes
defendia que o princípio de todas as coisas era o ar. Os diferentes seres
surgem ou desaparecem segundo um eterno processo de condensação e rarefação.
(P.35) Pitagóricos e pitagóricas.
Após
a destruição de Mileto pelos persas, floresceram na Itália diversas colônias
gregas, era a chamada Magna Grécia. Os filósofos daqui tinham um acento místico
mais bem pronunciado que seus colegas da Ásia Menor.
(P.36) O principal
expoente da filosofia sul-italiana foi Pitágoras que ali chegou fugindo das
perseguições políticas. Em Crotona, ele fundou uma espécie de confraria
místico-filosófica e dedicou muito tempo sobre questões místicas e divinas. (P.37) Criando uma espécie de seita que
se difundiu por quase toda Grécia.
(P.38) Apesar de toda
essa dedicação ao sobrenatural, não devemos deixar isso ofuscar seu lado
filosófico. Pitágoras era um místico, mas seu misticismo tinha um temperamento
intelectual.
Para
Pitágoras a physis, o princípio de todas as coisas eram os números. Para ele,
os números não eram meros símbolos, exprimindo o valor das grandezas; eram
entidades reais, cuja combinação formava a alma das coisas. Todas as criaturas
existentes seriam imitações (mímesis) das estruturas numéricas alicerçam a
realidade.
Como
Anaximandro, Pitágoras acreditava que o universo fosse um ápeiron ilimitado;
mas eram os números que criavam formas a partir dessa massa sem fronteiras. A
matemática impunha delimitações ao ilimitado, assim como a harmonia das notas
extraí música da confusão de sons. Da unidade primitiva, indiferenciada, surgia
a pluralidade, num ciclo interminável.
(P.39) Outra
contribuição de Pitágoras é a definição de ideal
contemplativo. Para ele o universo humano era como as olimpíadas: havia
três tipos de pessoas, os comerciantes, os atletas e os espectadores. Para ele
a terceira categoria era superior as outras duas : pois, a mais admirável
ocupação humana é contemplar o mundo de forma ao mesmo tempo passional e
desinteressada, sem tentar vencer uma competição ou adquirir ganhos materiais.
Ou seja, o estágio superior do ser humano é o conhecimento pelo conhecimento, a
beleza pela beleza, a arte pela arte. Somente assim a alma pode perceber a
harmonia subjacente às coisas e integrar-se a ela.
O
ideal contemplativo foi muito criticado a partir do século XIX pelos pensadores
utilitaristas e instrumentalistas (segundo eles, toda reflexão humana deve
buscar ter um impacto na sociedade). No fim das contas o argumento pitagórico é
mais convincente, pois não temos de antemão como saber quais conhecimentos
serão uteis no futuro: o inventor da primeira ferramenta talvez estivesse
apenas lascando pedras num final de tarde, contemplativo, quando fez sua
descoberta.
Muitas
vezes na história, o sujeito contemplativo foi mais útil à espécie do que seu
colega pragmático.
(P.40) Outro lado de
Pitágoras foi a participação feminina em sua vida. Dizem que sua mestre foi uma
sacerdotisa de Delfos. “Mais vale um cavalo louco em disparada do que uma
mulher que não reflete”, dizia Pitágoras.
Heráclito (539-475 a.C)
(P.41) A brutal
devastação de Mileto não decretou o fim da filosofia jônica. Enquanto Pitágoras
pregava no sul da Itália, outros filósofos levantavam as questões milesianas na
cidade Éfeso – cidade grega da Ásia menor que foi poupada pelos persas por não
participar da Rebelião Jônia de 499 a.C.
Foi
em Éfeso que surgiu o mais famoso filósofo pré-socrático: Heráclito, cujas
ideias são ao mesmo tempo uma mistura e uma refutação dos filósofos anteriores.
Podemos
dizer que Heráclito foi o primeiro grande misantropo[1] da
filosofia. Ele era um grande rabugento. Tanto foi, que ao final de vida, para
evitar o contato humano, foi viver sozinho nas montanhas.
(P.42) Dizia-se
autodidata e não poupava críticas à ninguém.
Tales,
Anaximandro e Anaxímenes tentaram definir a substância original de todas as
coisas. Pitágoras afirmou que tudo o que existia era baseado em estruturas
numéricas. Para Heráclito o que realmente importava não era a substância do
universo, mas o processo pelo qual as coisas existem e se transformam.
Ao
invés de decifrar qual elemento presidia a physis, ele buscou entender que o
princípio intelectual que regia o mundo – princípio que ele chamou de logos, razão universal que comanda a
existência. E para ele, essa razão é a mudança. A eterna mudança.
(P.43) O universo se
transforma a todo o momento, de forma incessante e nossos sentimentos, por
serem limitados, percebem apenas as coisas como fixas em si mesmas, mas na
verdade tudo está em constante mutação. Assim se explicam os dois aforismos
mais célebres de Heráclito. “Tudo fluí” – Panta Rhei[2] –
e “Ninguém pode se banhar duas vezes em um mesmo rio” – porque as águas correm
incessantemente, o rio que nos banhamos pela manhã não é o mesmo em que
mergulhamos à noite. E nós também não somos os mesmo, pois nos transformamos a
todo momento.
Para
Heráclito, a verdade não está no Ser,
mas no Devir. O Ser na filosofia grega,
era tudo o que há de imutável nas coisas que existem; já o Devir é o
impermanente, o que não é estável. Para ele essa ausência de estabilidade era a
essência do cosmos.
Para
Heráclito, o caminho da sabedoria era compreender e aceitar o Devir. O logos,
além de ser o princípio universal, também se manifesta em nossa mente: é a
razão humana, que, corretamente utilizada, pode capturar o eterno fluxo da
mudança. E nisso está a imortalidade da alma: ao perceber-se como parte de um
processo infinito, o sábio compreende que sua morte é tão ilusória quanto sua
existência.
Heráclito
concorda com Anaximandro em um ponto: para ele tudo o que existe é gerado pelo
conflito entre forças opostas. Mas Anaximandro chama esse conflito de injustiça
e desequilíbrio; já Heráclito acreditava que equilíbrio e conflito eram a mesma
coisa. A existência é como uma chama, o conjunto de todas as coisas só existem
enquanto se transformam constantemente.
(P.44) A Escola de Eleia.
Heráclito
contrariou todos os seus antecessores, mas o seu contraponto foi seu
contemporâneo Parmênides (530-460 a.C.). Nascido em Eleia, sul da Itália, como
Pitágoras divulgou na Magna Grécia a filosofia jônica, seguindo à risca a ideia
inaugurada por Tales de que toda a realidade é regida por um princípio
fundamental e único (monismo).
(P.45) Parmênides foi
aluno de Amínias (discípulo de Pitágoras) e Xenófanes, mas superou seus mestres
levando o pensamento monista ao extremo.
Heráclito
dizia que toda estabilidade é ilusão, Parmênides afirmava o contrário: ilusão é
a mudança.
Nossos
sentidos são imperfeitos, vemos mudança e temos a impressão de que o universo é
um fluxo incessante de fenômenos. Mas isso é apenas ilusão (aparência), criada
por nossas próprias limitações. Se pudéssemos enxergar, ouvir e sentir o
universo inteiro de forma imediata e instantânea, perceberíamos que o Devir é
uma miragem, pois por trás do véu das mudanças, existe o Ser, que é o único
imutável e indivisível.
Parmênides
também critica a divisão pitagórica entre corpo e alma: ambos seriam uma coisa
só.
Refutou
ainda a ideia de que o Universo seria regido por um conflito entre forças
opostas: para ele nada se opõe a coisa alguma, pois tudo existe em um
equilíbrio perfeito, que não pode ser perturbado.
Ele
negava até mesmo o movimento. As coisas apenas parecem mover-se ao nosso redor,
porque as observamos em momentos sucessivos: se considerarmos o presente
absoluto como única realidade, chegaremos à conclusão de que uma coisa só pode estar
em um determinado lugar, em um determinado instante.
O
universo não foi criado e não será destruído: sempre existiu, idêntico a si
mesmo. Para explicar essa ideia ele argumenta que o que existe – Ser – e o que
não existe – o Não Ser. Uma coisa não pode ter saído da outra; o Nada não pode
ter gerado tudo, logo o que existe sempre existiu.
(P.48) O Homem é a medida de todas as
coisas.
No
início do século V a.C, a Escola de Eleia levou ao extremo a busca por uma
unidade oculta atrás das aparências do mundo (monista).
Empedocles,
Anaxágoras e Demócrito negavam a existência de uma realidade única e
descreveram o universo como um baile de partículas infinitas e em eterno
movimento (atomistas).
Já
os filósofos sofistas foram ainda mais longe e mudaram o próprio foco da
filosofia: em vez de explicar o cosmos captando a physis, preocuparam-se
exclusivamente com as realidades práticas humanas.
Os
sofistas surgiram em Atenas em meio ao esplendor da democracia. A primeira
democracia era restritiva e direta, ou seja nem todos participavam mas quem
tinha direito à exercia de forma direta. Todos os considerados cidadãos
poderiam ir à Ágora votar e defender um ponto de vista. Neste contexto possuir
uma boa oratória era fundamental.
(P.49) É ai que surgem
os sofistas. Eles surgem no século V a.C e não são exatamente uma escola
filosófica, mas uma profissão. Eles vagavam pela Grécia ensinando a arte de
raciocinar com clareza e falar de forma convincente, mesmo que com argumentos
nem sempre honestos. O fundamental era convencer através do debate. Agiam, mais
ou menos como os advogados de hoje.
(P.50) A busca pela
unidade cósmica foi colocada de lado, a democracia grega estava mais
interessante no mundo dos seres humanos e na melhor forma de viver,
influenciá-los ou governá-los. Esta tendência ao antropocentrismo está expressa
na mais famosa frase de Protágoras “O homem é a medida de todas as coisas”.
(P.51) Os sofistas eram
duramente criticados por desprezarem a contemplação, trabalhar por dinheiro e
não estarem interessados na verdade, mas no convencimento. Contudo, são eles
que abrem o caminho para a era de ouro da filosofia grega.
Referência:
BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.23-52
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