Por: William C. T. Rodrigues
Em 1831 os aristocratas Alexis de Tocqueville e
Gustave de Beaumont foram aos Estados Unidos, sob o pretexto de estudar o
sistema prisional norte americano. Inspirados pelos boatos de que neste país as
instituições “garantiam a felicidade” do homem comum partiram rumo ao pedaço
anglo saxão da continente americano. Onde ambos ficaram por cerca de nove meses
e anotaram tudo o que puderam sobre esta nova sociedade, sua economia e seu
sistema político único no mundo.
A política americana exerceu fascínio imediato sobre
Tocqueville, em especial a participação das pessoas comuns no processo
político. De volta à França e com base em seus escritos, lança em 1835 o volume
um do livro Da Democracia na América. Livro que visa abordar os EUA dos anos 30 do
século XIX, suas virtudes e seus defeitos. Utilizando-a como exemplo para a
recém-formada II República Francesa.
Tocqueville foi um pensador extremamente precoce.
Oriundo de uma família da antiguíssima nobreza normanda, nasceu em Paris em
1805 e com apenas 26 anos empreendeu a viagem que foi o marco intelectual de
sua teoria política.
No primeiro volume de A Democracia na América, o autor trata das leis e costumes. E deixa
claro que para ele não cabe à República Francesa copiar a República
norte-americana, pelo contrário, “a República Francesa deve ser diferente, mas
os princípios de ordem, de ponderação dos poderes, da liberdade verdadeira, de
respeito sincero e profundo ao direito são indispensáveis a todas as
Repúblicas”. Ou seja, a França deveria aprender com os Estados Unidos, mas
construir sua própria democracia.
Logo no prefácio de seu livro, Tocqueville deixa claro
o que lhe deixou mais encantado sobre a sociedade norte-americana: a igualdade
de condições. Diferente da França pré-revolucionária, onde os homens eram
determinados a viver conforme a origem de seu nascimento, os EUA apresentavam
um estímulo ao desenvolvimento pessoal e consequentemente a própria democracia.
Segundo ele, esta igualdade de condições e esta
democracia – única no mundo - podem ser explicadas através da origem dos
anglo-americanos. Pois, os imigrantes que fundaram este novo país, apesar de
diferentes entre si, possuíam diversos aspectos em comun. Tocqueville aponta
três fatores determinantes para o surgimento destas novas instituições em solo
americano. 1) os pais fundadores desta nova nação eram provenientes de uma
Inglaterra marcada por lutas políticas e religiosas, e assim aprenderam a amar
a liberdade. 2) são contemporâneos da ideia de governo comunal, o germe das
instituições livres, com as ideias de soberania do povo. 3) ao chegar a América
perceberam a impossibilidade de implantação de uma aristocracia territorial no
novo mundo, pelo fato, de uma inicial impossibilidade de administrar imensos
pedaços de terra.
A combinação destes princípios, com a educação
possuída por estes pioneiros foi determinante para o desenvolvimento das
instituições democráticas estadunidense. Pois, diferente das outras colônias
americanas, povoadas por desterrados incultos, católicos e miseráveis, os EUA
foram povoados pela classe média puritana Inglesa.
Chegando a América, estes gozaram de extrema liberdade
e independência política. Nomeavam magistrados, estabeleceram regulamentos de
polícia e promulgavam leis com base em seus textos sagrados para si mesmos.
Junto a isto, as leis políticas eram extremamente democráticas e abertas à
participação popular real e ativa. Fato que leva Tocqueville a compará-la com
Atenas.
A religiosidade é algo muito presente nas instituições
da Nova Inglaterra, pois para os puritanos “satanás tende a manter os homens na
ignorância das escrituras”, e para evitar tal fato a educação é obrigatória a
todas as crianças. Tocqueville percebe então, que “na América, é a religião que
conduz ao saber; é a observância das leis divinas que conduz o homem à
liberdade”.
É interessante o fato, de como a sociedade
anglo-americana consegue combinar dois elementos tão contraditórios, quanto
religião e espírito de liberdade de forma tão plena, que ambos parecem
reforçarem-se. “A religião como salvaguarda dos costumes; os costumes, como a
garantia das leis e penhor da sua preservação”.
A situação social dos cidadãos dos EUA é marcada por
seu caráter democrático e igualitário. Um exemplo é que diferentemente da
Europa, onde não existe a partilha da terra entre os filhos – cabendo somente
ao primogênito à posse da terra – o que cria um vínculo familiar com a terra
favorecendo a manutenção da aristocracia, nos EUA a terra é dividida
igualitariamente entre todos os descendentes, destruindo a relação familiar com
a terra e garantindo a rotatividade da mesma. A própria inteligência dos
anglo-americanos é igualitária (não existindo nem eruditos, nem completo
estúpidos), estabelecendo-se ali um nível mediano. A educação primária para
todos garante o mínimo de conhecimento necessário para a participação política
dos cidadãos. Em nenhum outro país os homens são tão iguais em fortuna e em
inteligência como nos EUA.
Na política isso significa a garantia da manutenção da
soberania popular da igualdade e da liberdade. Sendo esta soberania popular um
eco dos costumes garantido pelas leis políticas. As leis que surgem nos EUA,
não são externas a sociedade, mas debatidas e compostas pelo próprio povo
através dos agentes do poder executivo, ou seja, a representatividade nos EUA é
algo que garante o poder popular.
Outro sistema politico norte-americano que chamou a
atenção de Tocqueville foi o sistema de federação que dá nome ao próprio país.
Na época eram 24 estados quase independentes, que juntos davam corpo a União.
Dentro dos estados, o poder político era descentralizado em comuna, condado e poder
estadual a fim de garantir uma melhor abrangência e participação política. A
comuna representa o poder local, é lugar onde se desenvolve a participação
direta dos cidadãos, o condado representa o poder judiciário com sua corte de
justiça, seu xerife executor das leis e um prisão para os criminosos. Por fim,
o estado representa o poder legislativo dividido entre senadores e representes.
Ao governo federal cabe a paz, a guerra, o comércio internacional, regular o
dinheiro, os correios, etc.
Tocqueville se debruça sobre quase todas as
instituições políticas norte-americanas. Como sua constituição altamente
mutável, as atribuições dos poderes, atc.
Esta sociedade lhe apresenta regras, modelos, hábitos,
que o levaram a considerar a democracia americana como um sistema político
singular. Sendo este o único regime político capaz de proporcionar liberdade de
expressão, de crença, de mobilidade social, de liberdade (livre arbítrio) e
igualdade de condições para participar do jogo democrático.
O sistema político americano é, portanto, um regime
democrático por excelência, uma vez que os membros dos três poderes são
escolhidos através do sufrágio universal realizado frequentemente. Frequência esta,
que garante a limitação e a rotatividade do poder. A vontade da maioria
constitui a verdadeira força de um Estado Democrático, no entanto, o autor alerta
para o fato de que, deve se tomar cuidado para que em um determinado momento a
vontade da maioria não se torne ditadura para a minoria.
Por fim, Tocqueville apresenta as três principais
causas de sustentabilidade da república americana: 1) condições geográficas
(território americano); 2) a existência de boas leis; 3) hábitos, costumes e
crenças (estes vão se repetindo durante os anos, caso sejam viáveis e aprovados
pela maioria são conservados). Entretanto, estes três sustentáculos da
sociedade americana, apenas obtém estabilidade graças ao sufrágio universal e a
crença no princípio de igualdade política.
Tocqueville
demonstra de que forma o Estado norte-americano é resultante da vontade de
participação, de autonomia dos seus cidadãos desde os primeiros momentos do
processo de colonização. E que os EUA de hoje não é obra do acaso, mas o
resultado de um povo que desde seus primórdios tomou-se a si mesmo como objeto,
e procurou compreender sua condição e afirmou sua vocação é a liberdade. (Deluca,
Bazzanella, 2012)
Podemos dizer, que Tocqueville escreveu para uma
burguesia francesa recém-chegada ao poder, ansiosa por estabelecer um sistema
político que seguisse o rumo de seus interesses, e a democracia norte-americana
com sua mobilidade social, igualdade de oportunidades e sufrágio universal é
exatamente o que ela buscava em sua luta contra o Antigo-regime. Ou seja,
pode-se dizer, que “a democracia é a
forma mais adequada para responder aos interesses da emergente burguesia”
(Deluca, Bazzanella, 2012)
Bibliografia:
DELUCA, D. BAZZANELLA, S: A Democracia na América Revista Brasileira de Educação e Cultura –
ISSN 2237-3098. Centro de Ensino Superior de São Gotardo. Número V Jan-jun
2012.
TOCQUEVILLE, Alexis: A Democracia na América. ed Martins Fontes, São Paulo-SP, 2º ed. 2005.
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