Resumo:
O uso de documentos em sala de aula é bastante valioso. O documento permite aproximar o aluno de vários conteúdos, seja ilustrando um contexto e colorindo-o com os afetos envolvidos na sua produção, seja humanizando os eventos distantes, seja convidando o aluno a procurar os vestígios escondidos nele para enxergar como era determinada época. Entretanto, como utilizá-lo? O aluno deve ser transformado pelo professor em um mini-historiador? Estas e outras questões serão debatidas pela grande historiadora Circe Bittencourt.
Boa Leitura.
(P.
327) Cap. 02: Uso didático dos documentos.
Alguns historiadores acreditam que o uso de
documentos nas aulas de História é importante por favorecer a introdução do
aluno no pensamento histórico e nos métodos de trabalho do historiador. Essa
pretensão acarreta uma série de dificuldades ao ensino e contraria os objetivos
da disciplina, cujo objetivo é desenvolver a autonomia intelectual.
(P.
328) Daí a necessidade de se deter em alguns aspectos do
uso de documentos ou de fontes históricas nas aulas de História. Começando pela
identificação das especialidades desse uso.
1.
Análises de documentos.
1.1.
Historiadores e professores: diferentes usos das fontes históricas.
É um erro tentar transformar o aluno em um “pequeno
historiador” uma vez que os documentos para os historiadores tem outra
finalidade. Para eles, os documentos são a fonte principal de seu ofício, a
matéria-prima por intermédio do qual escrevem história.
(P.
329) Para Henri Moniot, o historiador, ao selecionar suas
fontes de pesquisa, já possui um conhecimento histórico sobre o período e tem
domínio de conceitos e categorias fundamentais para uma análise histórica. Ao
usar um documento transformado em fonte de pesquisa, o historiador parte,
portanto, de referenciais e de objetivos muito diferentes aos de uma sala de
aula. As fontes históricas em sala de aula serão utilizadas diferentemente,
pois os jovens estão “aprendendo história” e não dominam o contexto histórico
em que o documento foi produzido.
(P.
330) Um documento pode ser utilizado como um reforço de
uma ideia, como fonte de informação, ou introduzir uma situação problema. O
maior desafio para o professor é a seleção desse recurso de acordo com a
capacidade intelectual de seu aluno. Deve-se ter em mente que textos com
vocabulário muito complexo, longos e inadequados a idade do aluno produzem mais
dificuldades que interesse e curiosidade.
(P.
331) O objetivo é favorecer sua exploração pelos alunos,
com textos claros, compreensíveis e curtos. O contrário disto pode causar uma
rejeição pelo tema.
Para que o documento se transforme em material didático
significativo é importante haver sensibilidade ao sentido que lhe conferimos
enquanto registro do passado. Nessa condição, convém aos alunos
perceberem que tais registros e marcas do passado são os mais diversos e se
encontram em toda parte; livros, revistas, quadros, músicas, filmes,
fotografias, etc.
1.2.
Métodos de Análise de Documentos.
No artigo “Reflexões sobre o procedimento Histórico”
o historiador Adalberto Marson mostra a importância do uso de documentos em sua
investigação, para e seguida se apropriar do procedimento de análise.
(P.
332) É importante, para a compreensão do documento, que
se faça uma análise dele como sujeito
de uma ação e também como objeto,
formulando três níveis de indagação:
1)
Sobre a existência em si do documento: o que vem a ser documento?
O que é capaz de dizer? Como podemos recuperar o sentido do seu dizer? Por que
tal documento existe? Quem o fez, em que circunstância e para qual finalidade?
2)
Sobre o significado do documento como objeto: o que significa
como simples objeto (isto é fruto do trabalho humano)? Como e por quem foi
produzido? Para que e para quem se fez esta produção? Qual é a relação do
documento (como objeto particular) no universo da produção? Qual a finalidade e
o caráter necessário que comanda sua existência?
3)
Sobre o significado do documento como sujeito: por
quem fala tal documento? De que história particular participou? Que ação e que
pensamento estão contidos em seu significado? O que o fez perdurar como depósito
da memória? Em que consiste seu ato de poder?
(P.
333) Para Elias Saliba, vale a pena refletir sobre a
distinção entre documento (produzido voluntária ou involuntariamente pela
sociedade segundo determinadas relações de força), e o monumento (voluntariamente
produzido pelo poder, ou seja, por que detém o poder de sua perpetuação). O que
transforma o documento em monumento é a sua utilização pelo poder. Entenda-se:
o poder da produção, difusão, edição, manipulação, conservação, reciclagem ou
descarte.
O uso de documentos nas aulas de história
justifica-se pelas contribuições que pode oferecer para o desenvolvimento do
pensamento histórico. Uma delas é facilitar a compreensão do processo de produção
do conhecimento histórico pelo entendimento de que os vestígios do passado se
encontram em diferentes lugares, fazem parte da memória social e precisam ser
preservados.
Outra exigência para se uso é o cuidado para com as
diferentes linguagens. São muito variadas quanto à origem e precisam ser
analisados de acordo com suas características de linguagem e especificidades de
comunicação. Como recursos didáticos, distinguem-se três tipos: escritos,
materiais (objetos de arte ou do cotidiano, construções...) e
visuais/audiovisuais (imagens fixas ou em movimento, gráficas ou musicais).
De modo geral ao analisar um documento devem-se
articular os métodos do historiador com os pedagógicos. Uma boa proposta seria
o esquema a seguir:
Fazer análise e comentário de um documento
corresponde a:
(P.
335) 2. Documentos escritos: jornais e literatura.
São aos mais comumente utilizados em sala de aula,
podem ser textos legislativos, artigos de jornal e revistas de diferentes épocas,
trechos literários, poemas e letras de música.
2.1.
Imprensa Escrita nas aulas de história.
A imprensa escrita como fonte e objeto de estudo
histórico foi abordado por vários historiadores. Maria Capelato, em Imprensa e História do Brasil, ressalta
que há vários tipos de imprensa, assim como vários modos de estuda-la.
As possiblidades de utilizar jornais como fonte histórica
são múltiplas: análise dos conteúdos das notícias (politica, economia,
cultura), da forma como as notícias são apresentadas, as propagandas, os anúncios,
as fotografias e de como estão distribuídas.
(P.
336) Neste contexto o jornalista é um agente
significativo na criação de fatos históricos. Entretanto, não podemos nos
esquecer que o Jornal além de ser um objeto de cultura é também uma mercadoria
fruto de uma empresa capitalista. Por sua influência, o jornal vem sendo
analisado como um formador de opinião pública ligado a interesses variados
fazendo parte do jogo politico e do poder. Nesse contexto, tem sido analisado
tendo como contraponto jornais de sindicato por exemplo.
Outro tema comumente abordado no Brasil refere-se a
censura, em especial no período entre 1964- 1985. Na história escolar, os
documentos têm servido como material de aprendizagem em livros, provas e
vestibulares. Em especial em temas de história contemporânea.
(P.
337) O importante no uso de textos jornalísticos é
considerar a notícia como um discurso que jamais é neutro ou imparcial. Isso é
necessário para que se possa realizar uma crítica referente aos limites do
texto e aos interesses de poder implícitos nele.
(P.
338) 2.2. Literatura como documento interdisciplinar.
Romances, poemas, contos são textos que contribuem,
pela sua própria natureza, para trabalhos interdisciplinares.
(P.
340) Os estudos de textos literários têm assim como
objetivo não apenas desenvolver “o gosto pela leitura”, mas também fornecer
condições de analises mais profundas para o estabelecimento de relações entre
conteúdo e forma.
(P.
342) Para a história, esse referencial torna-se possível
analisar textos literários como documentos de época, cujos autores pertencem a
determinado contexto histórico e são portadores de uma cultura exposta em suas
criações, seguidores de determinada corrente artística e representantes de seu
tempo.
3.
Os documentos escritos canônicos.
3.1.
Documentos oficiais e cidadania.
Entre os documentos escritos, os produzidos pelo
poder institucional são bastante usuais na pesquisa historiográfica,
notadamente naquela afinada com a tradição de uma história politica que se
preocupa com o poder institucional e privilegia o papel do Estado nas
transformações históricas. Entretanto, em livros didáticos não é comum encontrarmos
documentos legislativos. Contudo existem algumas exceções como a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
(P.
343) Tem sido comum a temática em torno da constituição
da cidadania, noções de direito, ética e poder que se manifesta no cotidiano
das pessoas, fazendo-se assim análises nos documentos pessoas dos alunos.
3.2.
Proposta de trabalho com dossiês temáticos.
Umas das demandas dos professores de história é a
constituição de coletâneas de documentos sobre determinados temas. A proposta
aqui apresentada é a constituição de um dossiê de documentos sobre um tema de
estudo. Buscando vários elementos sobre um mesmo tema a fim de confrontá-los e
compará-los.
(P.
348) Os documentos devem ser cuidadosamente escolhidos
para uso pedagógico, não sendo aconselháveis textos longos ou com vocabulário difícil
para o aluno. Um trabalho com documentos pressupõe, além dos procedimentos
metodológicos de análise interna e externa, atividades que favoreçam o debate e
a escrita, as quais podem obedecer às seguinte etapas:
-Iniciar
com uma leitura integral para a apreensão do problema ou tema central;
- Decompor as informações para que o aluno
estabeleça relações entre as informações e as que já possui;
- Identificar a forma pela qual as informações e
conceitos são apresentados;
-Estabelecer uma hierarquia pela qual as informações
com destaque às mais importantes e relevantes;
- Finalmente, retomar o texto em sua integralidade
para uma última leitura, Comparando a leitura inicial com a final.
Leia também:
Bibliografia:
BITTENCOURT; Circe Maria F: Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo. Ed Cortez, 2004. Pág 325-350.
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