domingo, 21 de junho de 2020

RESENHA: Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire



Parte I: Contexto Histórico e biográfico.
Biografia.
Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997).
Nasceu em Recife – PE.
Mundialmente conhecido como educador e filósofo brasileiro.
Integrou o movimento denominado de “Pedagogia Crítica”.
1943: Ingressou na faculdade de Direito de Recife. Nunca advogou.
1944: casou-se com a professora primária Elza Maria Costa de Oliveira, com quem teve cinco filhos. Elza foi a inspiração de freire na alfabetização de trabalhadores pobres, principalmente rurais.
Desenvolveu a ideia de uma alfabetização conscientizadora com a finalidade de possibilitar a libertação do oprimido.
1959: defendeu sua tese de doutorado, onde expôs ideias pedagógicas sobre escola democrática, definida como a que centra o processo de ensino-aprendizagem no educando e utiliza uma abordagem política no ato de alfabetizar.
1963: realizou a experiência de alfabetização de adultos na cidade de Angico-RN, alfabetizando 300 trabalhadores rurais em 45 dias.
Características da Obra “Pedagogia do Oprimido”.
Paulo Freire sempre se preocupou com a educação popular. Buscando não apenas ensinar a ler e escrever, mas formar cidadãos com consciência política. Seus livros deixam claro seu posicionamento em favor dos oprimidos.
No livro Pedagogia do Oprimido conheceremos o processo de alfabetização de adultos criado por ele.
Sua pedagogia se desenvolve por meio do diálogo e da postura democrática. Desconstruindo a postura de professor ensina e aluno aprende. Para Freire na relação professor/aluno ambos se educam.
Neste livro, Freire ataca a educação tradicional (que ele chama de bancária) vista como tecnicista e alienante.
Para Paulo Freire, a alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador. Dessa maneira, o trabalhador deveria conhecer sua realidade, inserir-se nela criticamente e buscar transformá-la. A alfabetização era antes de tudo, uma alfabetização política.
Contexto histórico.
Mundial:
·        Crise de 1929;
·        Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria;
·        Bipolarização e ideologia mundial;
·        Revolução Cubana e Chinesa.
Brasil:
·        Estado Novo;
·        Golpe Militar – perseguições políticas;
·        Crises econômicas da década de 1980;
·        Redemocratização.

Parte II: Justificativa da Pedagogia do Oprimido.
Introdução.
Livro mais conhecido de Paulo Freire. Propõe uma nova pedagogia centrada no relacionamento entre professor, aluno e sociedade.
O livro Pedagogia do Oprimido apresenta o método de alfabetização criado por Paulo Freire. Os participantes eram camponeses analfabetos que Freire não denominada como alunos, mas como participantes. Esta é uma pedagogia construída com eles, a partir da vida deles.
Pedagogia do oprimido é uma obra universal, pois ultrapassou as fronteiras culturais, linguísticas e temporais. Contribuiu para o questionamento e a problematização dos processos educativos em todo o mundo.
As principais questões levantadas pelo livro são:
·        a possibilidade de emancipação dos homens;
·        características da educação libertadora;
·        papel dialógico;
·        Construção da personalidade democrática.
Neste livro o autor faz duras críticas a ordem social geradora e mantenedora da opressão e a miséria.
A justificativa da Pedagogia do Oprimido.
O livro é endereçado aos miseráveis sofredores do mundo e a todos aqueles que desejam lutar ao lado dos oprimidos do mundo por sua liberdade.
O livro prega uma mudança radical no modo de pensar e conduzir a educação, na relação professor/aluno e na vida dos educandos. Para Paulo Freire não cabe ensinar algo alienado, desconectado da realidade, nem de tratar de conteúdos, mas de problematizar temas que tenham relação com a vida dos sujeitos, com seus problemas, angustias e necessidades.
 Por ser uma pedagogia do oprimido, ela não pode ser realizada pelo opressor. É o próprio oprimido que terá que realizar o grande esforço de sua libertação, percebendo e retirando de si o hospedeiro (opressor) que lhe oprime e impede de enxergar com clareza a realidade e a situação de opressão.
É necessário que o oprimido tome consciência de sua opressão e liberte-se
Contudo, há no processo de libertação dos oprimidos uma contradição. Muitas vezes no momento em que tomam consciência de sua própria opressão, os oprimidos desejam se tornar novos opressores. É neste ponto que há a necessidade de uma educação libertadora que supere essa contradição e restaure a humanidade. Contudo, libertar-se a si mesmo e aos outros é tarefa difícil. Ao expulsar o opressor que reside em nós, devemos preencher o espaço com autonomia e responsabilidade.
Freire criticava o imobilismo subjetivista que fazia com que o oprimido esperasse pacientemente sua liberdade, como se ela fosse uma doação e não uma conquista.
A situação concreta de opressão e os opressores.
Do ponto de vista dos opressores, tudo o que retire o seu direito de oprimir significa opressão a eles. Sentir-se-ão como os novos oprimidos. Para os opressores, mais importantes do que ser é ter, e eles querem ter cada vez mais, mesmo que isto custe a miséria de muitos. O dinheiro é a medida de tudo e o lucro o objetivo maior.
A situação concreta de opressão e os oprimidos.
O oprimido é ao mesmo tempo hospedeiro do opressor, replicante de sus discursos e de suas práticas. É necessário conhecer o oprimido para localizar e arrancar o opressor que habita nele.
Há um fatalismo no modo de pensar do oprimido que vê nele mesmo, na natureza, em sua preguiça, sua incapacidade ou no desejo de Deus os motivos de sua miséria. Quando na realidade sua miséria é causada por uma ordem econômica injusta que o oprime.
Para Freire, é necessário que o oprimido perceba exemplos de vulnerabilidade no opressor, desconstruindo assim o mito de sua intransponibilidade.
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.
Paulo Freire argumenta sobre a necessidade do constante diálogo crítico com os oprimidos. O processo de libertação em comunhão se dá pelo fato de que, sozinho não é possível ao homem alcançar s níveis mais elevados de percepção da realidade. É no diálogo que os homens aprendem mais.

Parte III: A concepção bancária da educação.
A concepção “bancária” da educação como instrumento da opressão: seus pressupostos, suas críticas.
Educação bancária.
Conceito criado por Paulo Freire. Usado para se referir ao processo de educação como ato de depositar, de transferir, de transmitir calores e conhecimentos por meio da narração de conteúdos.
Na educação bancária, há uma separação entre o sujeito que narra e os ouvintes, onde o educador conduz os educandos à memorização mecânica dos conteúdos narrados.
Os conteúdos são desconectados da realidade e da totalidade em que surgem, não ganham significação e transformam os educandos em receptáculos de conhecimentos fragmentados, sem espaço para a criatividade e para a transformação.
O objetivo da educação bancária é adaptar os educandos aos valores do mundo, garantindo o status quo. Transformando apenas a mentalidade do oprimido e não a situação que o oprime.
A educação bancária não favorece a mobilidade social e nem o questionamento. Esse tipo de educação não leva ao saber, pois, só existe saber na invenção e reinvenção, na busca inquieta, paciente, permanente que os homens fazem do mundo, com o mundo e com os outros.
Educação problematizadora.
Proposta por Freire em contraposição à concepção bancária.
Longe da pura e simples transmissão de conhecimento, a educação problematizadora assume o caráter de problema, desafio, invenção e construção de conhecimento. Com uma prática que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo!
Dialogicidade.
Ao contrário da educação bancária e sua “transmissão” de conhecimentos, Paulo Freire propõe na Educação Problematizadora a dialogicidade.
Ao invés da narrativa (professor) e da escuta (aluno), há um diálogo franco entre as duas partes.
O papel do professor (educador problematizador) é proporcionar as condições, para que durante o diálogo, ocorra a superação do conhecimento no nível do senso comum do aluno (doxa) pelo verdadeiro conhecimento no nível da reflexão científica (logos).
Paulo Freire chama o conhecimento prévio do aluno de percepção ingênua da realidade. E é ela quem deve ser superada através da dialogicidade e da educação problematizadora.

Parte IV. A dialogicidade: essência da educação como prática da liberdade.
A dialogicidade.
Dialogicidade > Diálogo > Palavra.
A palavra para Freire possui duas dimensões extremamente importantes: ação e reflexão. A perda da interação entre essas duas dimensões leva o dialogo por diferentes resultados:
·        Sem ação a palavra se transforma em blá, blá, blá.
·        Sem reflexão a palavra se transforma em ativismo.
A Dialogicidade, o diálogo e a palavra (contendo ação e reflexão), pronunciam o mundo e, ao pronunciá-lo, o problematizam e ao problematizarem, o transformam.
O diálogo, base desta educação, só acontece quando a palavra é dita com o outro e mediatizado pelo mundo.
O diálogo é o ato de criação e de recriação, é um ato de libertação do homem.
Educação Dialógica e Diálogo.
Uma educação dialógica, fundada no diálogo ocorre numa relação de humildade e pedagogicamente horizontal.
O papel do diálogo começa na busca pelo conteúdo a ser trabalhado. O conteúdo deve ser buscado a partir do ponto de vista, anseios, dúvidas e esperanças do aluno. Eles são temas significativos para a problematização.
O conteúdo não deve ser uma imposição, ou um conjunto de informes a ser depositado nos educandos.
O conteúdo para ser libertador deve ser organizado a partir da situação presente e concreta dos educandos. Refletindo um contexto específico.
O educador auxilia o indivíduo a problematizar essas questões e a desenvolver um pensamento crítico sobre elas, propondo uma reflexão sobre sua condição. O papel do educador é instigar respostas tanto no nível intelectual, quanto no nível da ação, uma vez que a educação é um ato político.
O autor adverte que o educador não deve dissertar sobre as questões a serem trabalhadas. Seu papel não é de falar sobre sua visão de mundo, mas sim dialogar sobre as visões de mundo do povo.
Os temas geradores são sempre relativos à época e a sociedade em que se vive. Por isso são sempre diferentes em cada comunidade. Há contudo, problemas que atingem todas comunidades oprimidas e a humanidade. Esses temas são legítimos de serem dialogados, se forem trazidos pelos próprios sujeitos.
É a partir de temas geradores locais, que podemos partir para temas regionais, nacionais, continentais e universais.
Para buscar temas geradores, o educador deve conhecer a realidade do educando, seu trabalho, lazer, bairro, costumes... Tornando-se uma espécie de investigador de campo, reunindo a maior quantidade de material possível. O relatório final deve ser discutido em assembleia com os educandos, um psicólogo e um sociólogo. A reunião decidirá o que será trabalhado.
Na educação como prática de liberdade, como problematizadora e dialógica, jamais o conteúdo será depositado nos indivíduos, pois este se organizará a partir de sua visão de mundo.
Após a metodologia dos temas geradores, bem a metodologia da ação sobre os temas refletidos. É hora de transformar seus supostos determinantes históricos.

Parte V: Teoria da ação antidialógica.
Ação antidialógica.
A teoria antidialógica é oposta a Dialogicidade.
Dialogicidade: o diálogo real com as massas oprimidas e luta contra o status quo.
Antidialogicidade: o diálogo não ocorre e a intenção é manter o estado de opressão. Utilizada para mantes os opressores no poder.
Para Freire o homem é um ser de práxis (ação e reflexão) incidindo sobre as estruturas a serem transformadas. Não havendo revolução apenas com verbalismo ou ativismo, mas com práxis.
As lideranças dos oprimidos não podem negar a práxis. Eles devem agir em conjunto com as massas, pois caso contrário isso levaria à manipulação.
O autor chama de idealista aqueles que pensam que basta uma simples reflexão sobre a realidade opressora, para que os oprimidos se percebam como sujeitos.
O autor também deixa claro a diferença entre ativismo e ação revolucionária:
·        Ativismo: uma massa é liderada por um líder.
·        Ação revolucionária: os sujeitos são responsáveis por sua ação libertadora.
A liderança revolucionária popular é aquela que através do diálogo e da comunicação leva as massas ao conhecimento, a ação e a libertação.
Segundo Freire, os líderes que pensam que a revolução se faz primeiramente chegando ao poder, para depois educar as massas estão enganados, pois dessa forma, não é feita uma revolução com as massas, mas uma revolução de um grupo que supostamente está representando as massas. Isso pode levar a uma estratificação e uma burocratização, que é quando os líderes veem a revolução apenas como um meio de dominação, e se tornam, eles mesmos, a própria elite dominante.
Teoria da ação antidialógica.
Freire divide a ação antidialógica em quatro tópicos: conquistar, dividir para manter a opressão, manipulação e invasão cultural.
1. Conquista.
Primeiro aspecto antidialógico é a conquista. A elite opressora necessita elementos para sustentar sua dominação.
O dominador é antidialógico, mas precisa conquistar o dominado e isso ocorre de diversas maneiras, as vezes sutis como o paternalismo, e as vezes agressiva como a dominação.
O resultado da conquista é um ser/sujeito objeto, alienado que vê o mundo como dado e ao qual os homens devem se ajustar e não problematizar.
2. Dividir para manter a opressão.
Dividir a classe oprimida e mantê-la dividida é condição indispensável à continuidade do poder da classe opressora. Estes veem na união, organização e luta do oprimido um perigo a sua hegemonia. A divisão feita pelos opressores, visa enfraquecer os oprimidos, ilhando-os e criando cisões entre eles.
3. Manipulação.
Usado pelas classes opressoras para que as massas se conformem com a opressão.
As massas mais imaturas politicamente são as mais facilmente manipuladas por meio de comunicados e promessas enganosas.
4. Invasão cultural.
É a penetração cultural da classe dominante sobre o contexto cultural dos dominados. Impõe-se sua visão de mundo e impede a criatividade e a originalidade das classes oprimidas.
O propósito da invasão cultural é a alienação, a dominação cultural, a desvalorização de padrões de vida da massa, sempre visando moldar novos padrões e modos de vida nos oprimidos. Uma vez invadido culturalmente, é difícil para o oprimido ter força para romper com essa aderência.
Revolução Cultural.
Para sair dessa situação de invasão cultural, Freire defende uma “Revolução Cultural”. Feita a partir da ação cultural dialógica, que toma em consideração a importância da reconstrução da sociedade em sua totalidade, por meio do poder revolucionário de todos, e não apenas de alguns líderes.
Teoria da ação dialógica e suas características.
Colaboração.
Os sujeitos se unem para transformar o mundo em “co-laboração”(trabalhar juntos). Não há sujeito que domina e objeto dominado, mas sujeitos que em comunhão mudam o mundo.
O diálogo é a base da co-laboração, pois o diálogo não maneja e não domestica.
Unir para a libertação.
Comunhão entre os oprimidos.
Organização.
Organização e justaposição de oprimidos para a luta.
Síntese cultural.
O que a ação cultural dialógica propõe é a superação das contradições que dificultam a libertação do homem.
A síntese cultural pretende a integração dos homens do povo e sua ação no mundo, e se apresenta como instrumento de superação da cultura alienante.


Fonte:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 68.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

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