sábado, 26 de maio de 2012

Do mito a razão o nascimento da filosofia.


Como se deu a passagem o mito a razão como forma de se entender o mundo? Foi um "milagre grego" ou uma transição apoiada no próprio mito?
(Pag.79) Introdução.
Costuma-se dizer que os primeiros filósofos foram gregos. Isto significa que embora reconheçamos a importância de sábios como Confúcio, Lao Tsé e Zaratustra, essas doutrinas ainda estavam vinculadas à religião...
Neste capítulo veremos o processo pelo qual se dá a passagem da consciência mítica para a consciência filosófica grega.
1.        Homero e Hesíodo.
Os mitos gregos surgem quando ainda não havia escrita e, portanto, eram preservados pela tradição e transmitidos oralmente, sem preocupação com a autoria.
(Pag.80) Homero (séc. IX ou VIII a.C.) foi o autor de Ilíada e Odisseia. Alguns autores acreditam que essas obras foram elaboradas por diversos autores. As ações heroicas relatadas nas epopeias mostram a constante intervenção dos deuses.
No período da civilização micênica, o indivíduo é presa do destino (Moira) que é fixo, imutável, e não pode ser alterado. O herói vive, portanto, na dependência dos deuses e do destino, faltando a ele a noção de vontade pessoal, de liberdade. Mas isso não diminui a virtude do herói que se manifesta em sua coragem.
Hesíodo (VIII-VII a.C) produz uma obra que tende superar a poesia impessoal e coletiva das epopeias. Ele valoriza o trabalho e a justiça, destacando a importância das regras que balizam o comportamento humano. Sua obra Teogonia (teo=Deus, gonia=origem) reflete ainda o interesse pela crença nos mitos.
2.        Uma Nova ordem humana.
No período arcaico (VIII-VI a.C) surgem os primeiros filósofos gregos. Alguns autores chamam de “milagre grego” a passagem repentina da mentalidade mítica para o pensamento crítico filosófico.
Outros estudiosos realçam o fato de que essa passagem resultou de um processo lento, preparado pelo passado mítico. Ou seja, a filosofia grega não é fruto de um “milagre”, mas a culminação de um processo gestado através dos tempos.
(Pag.81) Algumas novidades do período arcaico ajudaram a transformar a visão que o mito oferecia: a escrita, a moeda, o nascimento da pólis e a ei escrita.
A escrita.
A consciência mítica predomina em culturas de tradição oral (mythos significa palavra). A palavra antes da escrita estava ligada a um suporte vivo que a pronunciava. É bem verdade que, de início, a primeira escrita era mágica e reservada aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis. Entretanto, num segundo momento, a escrita assume função diferente, porque se desligou de preocupação esotéricas e religiosas.
Os escritos deixam de ser reservados apenas aos que detêm o poder e passam a ser divulgados em praça pública, sujeitos a discussão e a crítica. Isso não significa que a escrita tenha se tornado acessível a todos (a maioria da população era analfabeta). O que está em destaque aqui é a dessacralização da escrita.
A moeda.
Entre os séculos VIII e VI a.C dá se o desenvolvimento do comércio marítimo, decorrente da expansão do mundo grego. O enriquecimento dos comerciantes provoca a substituição de valores aristocráticos por valores da nova classe em ascensão. Na época da aristocracia rural a economia é pré-monetária. Os objetos usados para a troca vêm carregados de simbologia sagrada. A moeda, inventada na Lídia, aparece na Grécia por volta do século VII a.C, o que facilita os negócios e impulsiona o comércio.
Os produtos que antes se restringiam ao seu valor de uso passam a ter valor de troca, isto é, transformaram-se em mercadorias. Daí a exigência de algo que funcionasse como valor equivalente universal das mercadorias. Muito mais do que um metal precioso que se troca por qualquer mercadoria, a moeda é artificio racional, convenção humana, noção abstrata de valor que estabelece a medida comum entre valores diferentes.
A lei escrita e o cidadão da pólis.
(Pag.82) Para Jean-Pierre Vernant, pensador francês o nascimento da pólis (VIII-VII a.C) marca a verdadeira invenção, por provocar grandes alterações na vida social e nas relações humanas.
A transformação da pólis se deve aos legisladores Dracón, Solón e Clístenes, pois, a justiça, que até então, dependia da interpretação da vontade divina ou da arbitrariedade dos reis passa a ser codificada numa legislação escrita, comum a todos sujeita a discussão e modificação.
Essas modificações expressam o ideal igualitário que prepara a democracia nascente, já que se abole a hierarquia fundada no poder aristocrático das famílias.
A originalidade da cidade grega é a ágora (praça pública), espaço onde se debatem os problemas de interesse comum. Separando-se o domínio público do privado. Sendo elaborado o novo ideal de justiça, pelo qual todo cidadão tem direito de poder. A noção de justiça assume caráter político e não apenas moral, ou seja, não diz respeito apenas ao indivíduo, mas a sua atuação na comunidade.
A pólis se faz pela autonomia da palavra, o saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. A expressão da individualidade por meio do debate faz nascer à política, que liberta o indivíduo dos desígnios divinos.
(Pag.83) Por fim, é bom lembrar que quando falamos em democracia grega ou ateniense, devemos ter em mente que a maioria da população se achava excluída do processo político.
3.        Os primeiros filósofos.
Os primeiros filósofos gregos viviam nas colônias gregas da Jônia e da Magna Grécia e recebem o nome de pré-socráticos. Entre os mais importantes estão: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Pitágoras, Xenofanes, Parmênides, Zenão, Leucipo, Demócrito, Anaxágoras e Empédocles. Em geral escreviam em prosa, abandonando a forma poética das epopeias.
Os primeiros centram sua atenção na natureza elaborando diversas concepções de cosmologia, procurando a racionalidade constitutiva do universo. Ao perguntarem como seria possível o cosmo emergir do caos, eles chegaram ao princípio (a arché) de todas as coisas, tentando explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas. As respostas as essas perguntas são as mais variadas.
4.        Mito e filosofia continuidade e ruptura.
(Pag.84) A diferença básica entre pensamento mítico e a filosofia nascente: os filósofos divergem entre si e a filosofia se distingue da tradição mítica oferecendo uma pluralidade de explicações possíveis. Além disso, a física jônica é a expressão do pensamento racional e abstrato, ao recorrer a argumentos e não a explicações sobrenaturais.
No entanto, para o inglês Cornford, apesar das diferenças, o pensamento filosófico nascente ainda apresenta vinculações com o mito. Examinando os textos filosóficos jônicos, Cornford descobre neles a mesma estrutura de pensamento existente no relato mítico.
Portanto, na passagem do mito à razão, há continuidade no uso de certas estruturas de explicação.  Na concepção de Cornford não existe “uma imaculada concepção da razão”, pois o aparecimento da filosofia é um fato histórico enraizado no passado.
Conclusão.
Embora existam aspectos de continuidade entre mito e filosofia, o pensamento filosófico é algo muito diferente do mito. Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza, convida a discussão. No mito a inteligibilidade é dada, na filosofia é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência do divino na explicação dos fenômenos.
Na nova abordagem do real caracterizada pelo pensamento filosófico, podemos ainda notar a vinculação entre filosofia e ciência, que só se separam no séc. XVII.
*Infelizmente esse fichamento foi realizado a partir de uma cópia. O que impossibilitou sua identificação bibliográfica.


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