Postagem em apoio aos estudantes espancados e presos em Foz do Iguaçu. |
Repúdio
Manifestamos primeiramente e com
veemência nosso repúdio ao abuso policial praticado na noite de domingo, 3 de
junho, na moradia "Quebrada do Guevara", onde encontram-se vivendo
cerca de sessenta estudantes da Unila, dos quais cerca de vinte e cinco encontravam-se
reunidos na área comum da moradia na hora da invasão.
Sob alegação de flagrante ao
descumprimento da lei do silêncio, policiais militares invadiram a moradia
estudantil. Tal alegação foi imediatamente desmentida pelos vizinhos que
disseram nunca ter ouvido um ruído na moradia e que apenas perceberam o
ocorrido devido aos disparos efetuados pelos policiais. Essa informação se
confirma quando verificado o equipamento de som usado na ocasião do encontro
dos estudantes. Tratava-se de duas caixas de som de computador, ligadas num
celular, cujo som tocara no interior da moradia.
Diante da resistência de que
apenas um representante tivesse que acompanhar um grupo de militares em duas
viaturas, os policiais disseram que dariam voz de prisão a quem eles
escolhessem. A reação pacífica dos estudantes se deu mediante a exigência de
que todos fossem à delegacia para a segurança individual e coletiva do grupo.
Dessa forma estabeleceu-se um
impasse e os policiais iniciaram uma agressão indiscriminada. Os estudantes
foram espancados. A ausência de policial feminina não impediu que mulheres
fossem abordadas, e se não bastasse tal violação, a mesma se deu com excessiva
violência. Indefesas, meninas foram arrastadas e golpeadas de cassetete. Num
ato de delinqüência de um dos policiais, uma jovem foi chutada várias vezes
quando se encontrava deitada cercada por estilhaços de vidro da porta que havia
sido estourada. Três disparos foram efetuados, causando pânico entre os
estudantes. Muitos ficaram feridos. Oito foram detidos, dentre eles, três
brasileiros e cinco estrangeiros.
Relatos
Não bastasse a violência no
interior da moradia, os estudantes detidos e feridos, foram ameaçados e
intimidados em razão de serem supostamente de esquerda. Um deles foi
questionado por estar com uma camiseta do Che Guevara, que na opinião do
policial o qualificava de baderneiro.
Outro estudante foi alvo de piada
de um policial, que perguntou: e agora, seu namorado vai te tirar daqui? -
questionando a opção sexual do estudante. Em ambos os casos eram estrangeiros.
Outro, ao se declarar venezuelano sofreu insultos ao ser chamado de ditador. Um
equatoriano, ao se declarar estudante de sociologia foi insultado aos gritos
pelo policial que berrava: Marxista! Marxista!
Aos estrangeiros, os policiais
diziam que seriam enviados embora para seus países e em tom ameaçador diziam
que a partir de agora eles estavam conhecendo com quem eles estavam lidando.
Seguindo as ameaças, os policiais diziam que se encontrariam a sós com cada um
deles.
Uma uruguaia, única mulher detida
entre os oito, mesmo já machucada também não foi poupada da violência dentro da
delegacia. Tratada à base de empurrões e sendo ameaçada através de gestos que
simulavam golpes de socos, ela foi reprimida e em nenhum momento foi abordada
por uma policial feminina.
Sobre a violência em Foz
Foz do Iguaçu se destaca como a
cidade onde se concentra o maior índice de mortes entre jovens. Em 2009, o
índice de morte por homicídio na adolescência era de 9,7 para cada grupo de mil,
quase cinco vezes superior ao índice nacional, quando era de 2,03 p/ mil.
Em 2010, o Laboratório de Análise
da Violência da UERJ, no Rio, a pedido do governo federal, divulgou lista das
cidades com maior número de homicídios envolvendo jovens no Brasil. Novamente,
Foz do Iguaçu liderou a lista, com 526 mortes de adolescentes, 11,8 para cada
grupo de mil. Esse índice equivale a mais de 3 jovens mortos em relação a
segunda colocada, a cidade de Cariacica, no ES, com 8,2 jovens mortos para cada
mil.
Embora não haja dados precisos,
sabe-se que um percentual significativo dessas mortes atribui-se à disparos de
armas de fogo cometidos por policiais militares
O Conselho de Direitos Humanos da
ONU sugeriu este mês de maio que a Polícia Militar seja abolida no Brasil. A
sugestão faz parte de uma sabatina com 170 recomendações da comunidade
internacional acerca da situação dos direitos humanos no país. A idéia foi
apresentada pela Dinamarca que acusou a Polícia Militar brasileira de cometer
execuções sumárias e violações.
Entre os dias, 20 e 22 de maio
deste ano, Foz do Iguaçu sediou o Seminário Estadual da campanha contra a
violência e extermínio de jovens. Isso demonstra o esforço da sociedade civil
em lidar com este problema, e mais do que isso, revela a vocação de Foz do
Iguaçu para o enfrentamento generoso dessa questão que aflige nossa sociedade e
especialmente nossos jovens.
Queremos justiça
Diante da violência empreendida
na invasão a uma moradia estudantil pertencente à uma instituição federal por
policiais militares; dos sucessivos insultos e ameaças em razão de etnia, opção
sexual e preferência ideológica; diante da violação dos direitos à proteção da
mulher e do direito à defesa por parte de todos os envolvidos; diante da
mentira alegada de que houve flagrante de perturbação à ordem pública, pois não
havia equipamentos sonoros que ultrapassassem o limite tolerável de decibéis;
diante da ausência de delegado, escrivão e advogado de defesa no procedimento
na delegacia, cujos depoimentos foram dados sob tortura psicológica e violência
física e diante das graves conseqüências geradas em razão de processo jurídico
que sofrerão os estudantes envolvidos no caso, exigimos a punição dos policiais
envolvidos na invasão e a anulação de todos os atos que constituem este
processo que incriminam nossos companheiros.
Declaramos que nossa luta não se
encerra com a anulação desses atos. Embora recém chegados, estamos inseridos
neste contexto e dispostos a partilhar nossos sonhos com a comunidade de Foz do
Iguaçu. A convivência pacífica e generosa entre os povos é a tradição simbólica
que qualifica esta cidade como a principal desta fronteira, que unida pela
ponte da Amizade e banhada pela beleza das cataratas constitui uma das regiões
mais belas e pacíficas do mundo. Estamos aqui porque fazemos parte de um
projeto que visa fortalecer os laços que unem estes povos. Somos os primeiros
filhos dessas jovens democracias que começam a florescer na América Latina.
Nossos pais nasceram antes dessas democracias e nos ensinaram a abominar a
ditadura.
O que aconteceu com os estudantes
da "Quebrada do Guevara" foi a reedição de cenas vividas nessas
ditaduras, e tendo os policiais agido com os mesmos métodos e os mesmos
insultos de décadas atrás, reiteramos nosso repúdio à essa ação criminosa
praticada por delinqüentes fardados contra estudantes indefesos.
*Assinam esta carta
representantes dos residentes da moradia estudantil "Quebrada do
Guevara"
Fonte:
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