quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Junior. 2º Capítulo.

Cap 2: Povoamento.
(P.35) As estatísticas demográficas da colônia são extremamente escassas. Não havia coleta regular de dados e elas (quando eram feitas) se faziam para apenas dois fins: um eclesiástico e outro militar. Ambos sujeitos a falhas e sonegações.
Soma-se isso ao desleixo da administração pública, tanto civil quanto eclesiástico e militar. Ao que parece, apenas no século XVIII a metrópole cogitou a organização de um levantamento estatístico.
(P.36) Caio Prado Júnior avalia a população brasileira, ao dobrar do século XVIII, em cerca de 3 milhões de pessoas, distribuídas irregularmente pela colônia.
Existiam alguns núcleos densamente povoados, mas separados uns dos outros por largos vácuos de povoamento ralo. Sendo evidente a semelhança existente entre o povoamento desta época e do atual (1942), salvo a densidade demográfica.
Quando em 1750 se fez o Tratado de Madri, fez-se seguindo fronteiras grosseiramente parecidas com as de hoje. O critério utilizado foi que: cada parte ficaria com quem as possuísse no momento.
(P.37) Ou seja, a linha que envolve o território Brasileiro, saiu do princípio de posse útil, e permaneceu praticamente a mesma até nossos dias.
Isto já nos mostra, como de fato a colonização portuguesa ocupará toda está área imensa que constituirá nosso país.
Os fatores que determinaram esta dispersão do povoamento são múltiplos: o primeiro é a extensão da costa que coube a Portugal no Tratado de Tordesilhas. O que forçou a colonização simultânea de vários pontos ao mesmo tempo. E apesar do fracasso das Capitanias, elas acabaram por garantir a posse portuguesa do longo litoral.
O segundo foi à expansão rumo ao interior feita pelos bandeirantes que buscavam índios, metais e pedras preciosas. O bandeirante explorou a terra e repeliu eventuais avanços espanhóis.
Mais tarde ocorreram explorações das minas descobertas sucessivamente a partir dos últimos anos do século XVII, o que acabou por levar uma massa humana para o coração do continente, em especial as regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Na bacia amazônica, há outro fator fixador de núcleos humanos: as missões jesuíticas católicas catequizadoras. Sendo a mais atuante a famosa Companhia de Jesus.
O nordeste é ocupado em geral por vaqueiros e seus rebanhos.
(P.38) Esta ocupação portuguesa rumo ao interior do continente, foi possível graças a inércia dos espanhóis, que se fixaram nos altiplanos andinos, fonte de metais preciosos, e de lá não saíram. O português pelo contrário, não encontrou logo de imediato esses elementos e foi praticamente obrigado a se lançar rumo ao interior.
Prado Júnior ainda destaca que geograficamente o interior do continente sul americano se abre para o Atlântico e não para o Pacífico, graças ao relevo dos Andes.
(P.39) No século XVIII cerca de 60% da população vivia próxima ao litoral. Cerca de 2 milhões de pessoas. Este desequilíbrio entre o litoral e o interior exprime muito bem o caráter da colonização: agrícola, dando preferências as zonas férteis e úmidas próximas ao mar. O povoamento do interior só começa no segundo século, mesmo assim ainda de forma muito tímida.
Os bandeirantes andaram por toda a parte, mas como exploradores e não povoadores. A dispersão ocorre de forma efetiva quando o ouro é encontrado em Minas Gerais (fins do século XVII), Cuiabá (1719) e Goiás 6 anos depois.
Afluem então para o interior, levas e levas de povoadores. Estes provenientes diretamente da Europa, também escravos africanos, mas principalmente colonos que viviam da agricultura no litoral. Esse êxodo encerra o primeiro ciclo de prosperidade, que até o momento vinha tão brilhante e promissor.
(P.40) A febre do ouro dura pouco. Em alguns casos esse migração se inverte e os homens se voltam para o litoral e a agricultura, aos poucos, se recupera.
Essa busca pelo ouro ainda não havia sido suficiente para de fato colonizar o interior do país.
A colonização do litoral, contudo não era contínua graças a sua própria geografia e condições naturais. As zonas habitadas eram distantes umas das outras por longos territórios desertos. Nesta época existiam apenas 3 regiões que reunissem todas as condições necessárias para um denso povoamento humano: uma área que vai do Rio Grande do Norte a Maceió, o Recôncavo Baiano e o Rio de Janeiro.
(P.42) Fora estes 3 grandes polos demográficos, existiam pela costa uma série de pequenos e médios povoados, sem grande importância econômica.
No restante do capitulo, o autor analisa desde o Oiapoque ao Chuí (não é força de expressão, ele realmente desce por toda a costa brasileira, tendo este dois pontos como referência) mostrando o porquê destas áreas terem disso tão debilmente povoadas.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 35-54.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Junior. 1º Capítulo.

Mais de 70 anos após sua primeira publicação, o
livro Formação do Brasil Contemporâneo é de
uma atualidade, de certa forma, constrangedora.
Cap 1: Sentido da Colonização.
(P.19) Segundo Caio Prado Júnior, todo povo tem um “sentido”, uma linha mestra que parte de um ponto e segue rigorosamente rumo um objetivo. O sentido da evolução de um povo pode variar, diversas conjunturas podem desviar o caminha de um povo, para outras vias até então ignoradas.
Um exemplo é Portugal. Até fins do século XIV este país lutava para se firmar como uma nação europeia. No século XV a história portuguesa muda de rumo e ela se lança ao mar, transformando-se em um país de “sentido” marítimo.
(P.20) E é este sentido que devemos encontrar para o Brasil. Para isso precisamos entender como teve inicio e formou-se esses três séculos de atividades colonizadoras empreendidas pelos países europeus a partir do século XV. Processo esse que colocaria mais um continente sob à órbita da Europa.
(P.21) A expansão marítima dos países da Europa se inicia no século XIV com as empresas comerciais feitas pelos navegadores desses países. Ela é derivada do desenvolvimento do comércio continental europeu do século XIV, restrito até então as rotas comerciais terrestres e a navegação costeira.
Aos poucos a rota terrestre que rasgava o continente europeu, partindo da Itália rumo ao interior do continente por via terrestre foi sendo substituído por uma rota de navegação costeira, que também partia da Itália, cruzando estreito de Gibraltar e circundando o litoral europeu.
Isso deslocou aos poucos, quase de maneira imperceptível, os centros comerciais do interior para a costa. Em especial para Holanda, Inglaterra, Normândia, Bretanha e Península Ibérica. O primeiro passo estava dado. A Europa estava deixando seu isolamento e voltando-se para o oceano.
(P.22) Os pioneiros são os portugueses, melhor situados geograficamente. Buscaram a não concorrência com rotas existentes e se lançaram ao mar, conquistando diversas áreas da África Ocidental (Cabo Verde, Madeira, Açores). Aos poucos um novo objetivo surgiu: chegar ao oriente contornando a África.
Os espanhóis escolheram outra rota pelo ocidente ao invés do oriente, e acabaram por chegar na América.
A era das grandes navegações estava aberta e só ficaram para trás países mal localizados geograficamente, ou que ainda mantinham estreitos laços com as antigas rotas terrestres, em especial Itália e Alemanha.
(P.23) Os portugueses continuaram com seu comércio no oriente, apesar de conseguir seu espaço no novo continente. Os espanhóis no entanto, virão a América como um empecilho à sua empreitada rumo a Índia e tentaram de toda maneira encontrar uma rota para o Pacífico. No entanto, quando Magalhães encontrou a passagem, percebeu-se sua inviabilidade e ela foi desprezada.
(P.24) A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum país. O que realmente interessa é o comércio. O povoamento ocorre apenas pelo surgimento de novas circunstâncias. Aliás nenhum país europeu, naquele momento, poderia se dar ao luxo de se desfazer de parte de sua população, pois, a Europa ainda não havia se recuperado demograficamente da peste.
Inicialmente foram estabelecidas feitorias comerciais como existiam em outras colônias. Contudo, na América por seu território primitivo e sua rala população indígena incapaz de fornecer algo aproveitável pelo colonizador, tornou a feitoria algo inviável, sendo necessário a indesejada colonização.
Portugal foi pioneiro em suas ilhas do Atlântico. Onde era preciso povoar e organizar a produção.
(P.25) São variados os problemas de colonização de um novo território quase deserto e primitivo. A primeira envolve os gêneros aproveitáveis de cada território.
Iniciou-se com materiais extrativos, em especial as madeiras de construção e tintura (Pau-Brasil), as peles de animais e a pesca (em especial no extremo norte).
Os espanhóis toparam logo de inicio com o ouro e a prata em seus domínios, riquezas que apesar de muitas, estavam aquém do que desejavam encontrar.
A colonização viria mesmo com a instituição de uma base econômica mais estável: a agricultura.
Neste ponto Caio Prado Jr apresenta a sua teoria de colonizações diferentes entre as zonas temperadas e as tropicais e subtropicais do continente.
Inicialmente, as zonas temperadas nos dois polos da América não ofereceu nada de interessante e permaneceu muito tempo no ostracismo.
(P.26) Só se colonizou estas áreas por circunstâncias muito especiais, referente à situação interna da Europa, em especial a Inglaterra, que vivia um período político-religioso conturbado. Muitos protestantes ingleses então, se viram obrigados a buscar refúgio no novo continente, concentrando-se majoritariamente nas zonas temperadas, que possuíam um clima mais parecido com o europeu.
Além das perseguições religiosas, as transformações econômicas ocorridas na Inglaterra no século XVI modificou profundamente o equilíbrio do país. O cercamento dos campos, que de áreas cultivadas se transformaram em pasto para carneiros, cuja lã serviria para abastecer a nascente indústria têxtil inglesa, criou um grande êxodo rural. Inchando as cidades inglesas.
Essa massa pobre vê na América um recomeço e parte rumo ao novo mundo, e sua enorme maioria migra para as zonas temperadas do continente.
Esse tipo de colonização é diferente e não possui nenhuma relação com ambições de traficantes ou aventureiros.
(P.27) O que os colonos desta categoria têm em vista é construir um novo mundo. Criando neste povoamento uma sociedade muito próxima e parecida com a europeia.
Muito diferente é o caso da colonização da áreas tropicais e subtropicais da América. Inicialmente o clima afasta o colono que vem como simples povoador.
(P.28) Os trópicos brutos e indevassados é de natureza hostil e cheia de obstáculos. Para se estabelecer aí, o colono europeu tinha de encontrar estímulos diferentes e mais fortes.
Os produtos tropicais eram escassos e supervalorizados, como o açúcar, a pimenta, o tabaco, o anil, etc. Sendo necessário apenas a iniciativa de trabalho do homem para conseguir esses produtos.
(P.29) Contudo, não seria o colono europeu, quem gastaria sua energia no trabalho braçal. Ele queria vir como dirigente de produção, empresário, etc. e só a contragosto viria como trabalhador.
A América temperada, utilizou mão-de-obra branca europeia até o século XVII quando a escravidão foi definitivamente adotada.
(P.30) Já na colônias tropicais não se chegou nem a ensaiar o trabalho do europeu branco. Isso por que nem a Espanha, nem Portugal, tinham mão-de-obra disponível. Faltavam braços por toda parte, e Portugal a tempos vinha utilizando mão-de-obra escrava, primeiros dos mouros remanescentes da Reconquista e depois dos negros africanos.
(P.31) Ou seja, enquanto nas zonas temperadas formaram-se colônias de povoamento, escoadouros demográficos da Europa, que constroem no novo mundo uma sociedade semelhante a europeia, nos trópicos surge uma tipo de sociedade inteiramente original.
Não uma simples feitoria comercial, irrealizável na América, mas conservará um acentuado caráter mercantil. Será uma empresa do colono branco, que produz gêneros de grande valor comercial, utilizando-se do trabalho recrutado entre as raças que ele domina: indígenas e negros importados.
A colonização dos trópicos visa explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical. E isso explica os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos.
Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nós contribuímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros, mais tarde ouro e diamantes, depois algodão e em seguida café para o comércio europeu.
(P.32) É visando o exterior que se organizou a sociedade e a economia brasileira. Este é o sentido da evolução brasileira.
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 19-32.