sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A sociedade e a criação de ovelhas.


Qualquer semelhança é a mera realidade.

Por William Cirilo Teixeira Rodrigues.
Entendo a sociedade como uma fazenda de criação de ovelhas. Dentro desse tipo de fazenda existem: O dono, os cães pastores e claro as ovelhas.
O fazendeiro assemelha-se aos políticos, os cães pastores a polícia e qualquer outro órgão repressor do Estado e as ovelhas ao povo.  (...)
O fazendeiro com a desculpa de administrar a fazenda, manda e desmanda fazendo todo tipo de peripécia para manter-se como o dono perpétuo desta propriedade. Seu maior medo é de que as ovelhas revoltadas escapem do pasto pré-estabelecido e fujam, arrebentando a cerca para outros lugares com um pasto mais verde. Outro grande medo do fazendeiro é a revolta das ovelhas, algo muito raro, mas que já aconteceu.
Os cães pastores são seres sanguinários por natureza. Seu trabalho é manter o rebanho sempre em ordem, caso alguma ovelha saia da linha é prontamente atacada para retornar ao seu trajeto normal. Mas em muitos casos, com todo esse poder, os cães pastores, acabam matando um grande numero de ovelhas, pois, assim como o dono da fazenda, eles também temem as ovelhas e seu poder caso elas se unam.
Basicamente os cães pastores servem para manter as ovelhas sob um regime de terror constante, onde quem desvia das funções preestabelecidas pelo fazendeiro corre o risco de ser devorado.
E por fim as ovelhas, grupo que diferentemente do que parece a primeira vista, não é nada homogêneo. Dentro do rebanho existem dois tipos de ovelha as de exposição e as de trabalho.
A de exposição é muito querida pelo dono da fazenda. Rica, tem os melhores pastos e nunca é incomodada pelos cães pastores, na verdade é até protegido por eles. Não trabalha, apenas desfila por outras fazendas mostrando como a vida dentro de sua fazenda é muito boa. É bonita, limpa e sempre tosquiada de forma artística. Não têm vermes e seus filhotes são sempre branquinhos e limpinhos.
Já as ovelhas de trabalho são feias, sujas, de várias cores, perigosas, cheias de enfermidades, tem o pior pasto e ficam amontoadas aos montes em pequenos lotes de terra. Dão à lã, a carne e o sangue que sustenta a fazenda. Temem muito os cães pastores por serem dissimulados, fingem trazer a segurança mas na verdade oprimem e matam muitas das ovelhas de trabalho. O dono da fazenda os odeia, e se pudesse exterminaria todas de sua fazenda, ficando apenas com as ovelhas de exposição. Mas quem iria trabalhar enquanto o dono da fazenda desfila por outras propriedades com suas ovelhas de exposição?
De vez em quando, algumas ovelhas de trabalho do rebanho se revoltam contra a sua condição (especialmente os filhotes que não querem envelhecer como seus pais), mas sozinhas apenas conseguem roubar um pouco de pasto das ovelhas de exposição. Quando isso acontece essas ovelhas tornam-se marginais da pior espécie e são caçados por toda a fazenda pelos temíveis cães pastores. Se a encontrarem seu destino com certeza será a morte, afinal as ovelhas nada mais são do que “carne barata”.
Assim entendo a sociedade e assim entendo o mundo em que vivo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O que é um tucano? de Emir Sader.

Por Emir Sader.

Avis rara, animal político com grave risco de extinção, o tucano se diferencia dos outros animais. Identifiquemos suas características, antes que seja tarde demais:
O tucano tem certeza que tem razão em tudo o que diz e faz.
O tucano lê a Folha de São Paulo cedinho e acredita em tudo o que lê.
O tucano nunca foi à América Latina, considera o continente uma área pré-capitalista e, portanto, pré-civilizatória.
O tucano considera a Bolívia uma espécie de aldeia de xavantes e a Venezuela uma Albânia.
O tucano nunca foi a Cuba, mas achou horrível.
O tucano foi a Buenos Aires (fazer compras com a patroa), mas considera a Argentina uma província européia.
O tucano considera FHC merecedor de Prêmios Nobel – da Paz, de Literatura, de física, de química, quaisquer.
O tucano considera o povo muito ingrato, ao não reconhecer o bem que os tucanos – com FHC à cabeça - fizeram e fazem pelo país.
A cada derrota acachapante, o tucano volta à carga da mesma maneira: ele tinha razão, o povo é que não o entendeu.
O tucano acha o povo malcheiroso.
O tucano considera que São Paulo (em particular os Jardins paulistanos) o auge da civilização, de onde deve se estender para as mais remotas regiões do país, para que o Brasil possa um dia ser considerado livre da barbárie.
O tucano mora nos Jardins ou ambiciona um dia morar lá.
O tucano é branco ou se considera branco.
O tucano compra Veja, mas não lê. (Ele já leu a Folha).
O tucano tem esperança de retomar o movimento Cansei!
O tucano tem saudades de 1932.
O tucano venera Washington Luis e odeia Getúlio Vargas.
O tucano só vai a cinema de shopping.
O tucano só vai a shopping.
O tucano freqüenta a Daslu, mesmo que seja por solidariedade às injustiças sofridas em função da ação da Justiça petista.
O tucano nem pronuncia o nome do Lula: fala Ele.
O tucano conhece o Nordeste pelas novelas da Globo.
O tucano dorme assistindo o programa do Jô.
O tucano acorda assistindo o Bom dia Brasil.
O tucano acha o Galvão Bueno a cara e a voz do Brasil.
O tucano recorta todos os artigos da página 2 da Folha para ler depois.
O tucano acha o Serra o melhor administrador do mundo.
O tucano acha Alckmin encantador.
O tucano tem ódio de Lula porque tem ódio do Brasil.
O tucano sempre acha que mereceria ter triunfado.
O tucano é mal humorado, nunca sorri e quando sorri – como diz The Economist sobre o candidato tucano - é assustador.
O tucano não tem espírito de humor. Também não tem motivos para achar graças das coisas. É um amargurado com o mundo e com as pessoas pelo que queria que o mundo fosse e não é.
O tucano considera a Barão de Limeira sua Meca.
O tucano acha o povo brasileiro preguiçoso. Acha que há milhões de “inimpregáveis” no Brasil.
O tucano acha a globalização “o novo Renascimento da humanidade”.
O tucano se acha.
O tucano pertence a uma minoria que acha que pode falar em nome da maioria.
O tucano é um corvo disfarçado de tucano.

Texto retirado do site:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=525

sábado, 14 de agosto de 2010

A noção de bruxaria como explicação de infortúnios de Edward Evan Evans-Pritchard.

“Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para a terra zande, mas os Azande tinham, de forma que tive de me deixar guiar por eles”.

  O primeiro capítulo de Social Anthropology and Other Essays. E. E. Evans¬Pritchard. Free Press. New York. 1966.
  Natural de Sussex, Inglaterra, E.E. Evans-Pritchard nasceu no dia 21 de setembro de 1902, iniciou seus estudos em Oxford e obteve seu doutorado na London School of Economics and Political Sciences (LSE). Seu primeiro trabalho de campo foi justamente entre os Azande, povo localizado no centro norte da África, com quem conviveu em diferentes períodos entre 1926 e 1932. Os resultados dessa pesquisa foram, sua tese de doutorado e a publicação e a publicação de Bruxaria, Oráculos, e Magia entre os Azande, além de inúmeras obras publicadas ao longo de sua carreira. Entre 1935 e 1938 dedicou-se novamente a estudar os povos africanos, desta vez realizando a pesquisa de campo entre os Nuer. Desta nova experiência surgiram diversas obras, com destaque para Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições políticas de um povo nilota. Feito cavaleiro em 1971, Evans-Pritchard faleceu na cidade de Oxfordshire na Inglaterra em 11 de setembro de 1973, então com 70 anos.    (...)
  E.E Evans-Pritchard foi sem dúvida um dos grandes responsáveis pela difusão e desenvolvimento da chamada antropologia social britânica. Suas contribuições são ainda hoje de fundamental importância nas discussões acerca da etnografia e da teoria antropológica.
A obra.
  Em sua obra A noção de Bruxaria como explicação de infortúnios, E. E Evans-Pritchard discorre sobre a forma singular como a tribo Zande reage frente à bruxaria. Diferentemente de um ocidental que a vê como algo terrível, espetacular, mágico etc. os azandes tem o conceito de que a bruxaria é algo rotineiro, onipresente e que regula todas as funções de sua vida. Sendo algo tão comum que o sistema de valores sociais dessa tribo é inteiramente regulado pensando na possibilidade (e certeza) de que a bruxaria irá ocorrer em algum momento do dia ou da noite.
  A maioria dos infortúnios que um azande sofrer durante a vida, podem (e serão) atribuído a atos de bruxaria. A atuação de forças sobrenaturais, nada tem de milagroso, quando um azande sai para caçar, por exemplo, já tem total conhecimento da possibilidade de ser prejudicado por bruxos. Quando a bruxaria se realiza, ou nesse caso o caçador não consegue a caça, ao invés de sentir-se apavorado frente às “forças sobrenaturais” que rondaram a sua caçada, o azande fica, nas palavras de Evans-Pritchard, é extremamente aborrecido. Pois sabe que a bruxaria é sempre realizada por alguém próximo que deseja seu mal.
  Engana-se quem pensa que os azande descartam as causas naturais dos acontecimentos, eles têm total consciência de que os infortúnios foram causados por elementos físicos como, fogo, animais, tocos de árvores, cupins, lanças inimigas etc. e não por presenças mágicas. Entretanto, como explicar o vácuo, que no ocidente é preenchido com a chamada coincidência. Simples, para os azande esse vazio é preenchido com a bruxaria.
  Evans-Pritchard usa como exemplo, um jovem azande que enquanto caminhava pela savana bateu com o pé em um toco de árvore, onde o ferimento resultante desse acidente infeccionou. O jovem atribuiu seu acidente a bruxaria, não que a bruxaria tenha colocado aquele toco de árvore em seu caminho para que ele se machucasse, mas “o que ele atribuiu a bruxaria, foi que, nesta ocasião particular, quando agiu com sua cautela costumeira, bateu com o pé num toco de árvore, enquanto que, em cem outras ocasiões não a fez...” . Ou seja, aquela frase: lugar errado na hora errada, entre os azande pode ser entendida como efeito de bruxaria.
  Essa tribo acredita que a bruxaria não causa a morte de forma sobrenatural, segundo os azandes ela funciona como a segunda lança. O animal que mata um caçador é a primeira lança enquanto a bruxaria funcionária como a segunda lança, dando o golpe de misericórdia no infeliz enfeitiçado.
  Mas, a bruxaria não pode ser usada como desculpa por um Zande inescrupuloso, que utilizando-se da desculpa de estar enfeitiçado, cometa crimes dentro da tribo. A doutrina azande é clara nesse aspecto quando diz que a bruxaria não faz ninguém mentir. Se um homem assassina outro dentro da tribo, não há necessidade de procurar um culpado bruxo, pois, ao homicida já é direcionado a vingança.
  O uso da bruxaria só pode ser aplicado como explicação dos infortúnios, caso a pessoa já seja experiente no desempenho da função que, acredita, tenha sido prejudicada. Casos de preguiça, incompetência e ignorância profissional não são bruxaria, mas somente despreparo. Como exemplo o autor utiliza-se de um artesão, que experiente na arte de seus antepassados, produz vasos com o mais meticuloso cuidado, caso os vasos venham a rachar no forno ele pode atribuir esse fato a bruxaria, uma vez que usou de todas as técnicas possíveis existentes para sua fabricação. Entretanto, um jovem artesão que está aprendendo o ofício não pode responsabilizar a bruxaria caso isso venha a acontecer, mas somente responsabilizar a si mesmo e sua inexperiência. Isso ocorre em todas as instancias da vida azande.
  Comparações.
  Essa ideia de que a inveja pode ser causadora de diversos males é presente em várias culturas mundo afora. Temos o chamado “olho gordo”, “mau olhado”, “agouro”, “energias negativas” etc. Não é difícil encontrar pelo interior do Brasil diversas, carrancas, crânios de bois, amuletos que visam barrar essas más energias que, acreditam, são causadoras de diversos infortúnios.
  Sendo essa crença não apenas uma relíquia de tempos imemoriais, ou de povos isolados. Basta uma rápida pesquisa na internet que vemos surgir diversos sites com rezas, simpatias, amuletos, benzeduras, contra esse mau que é o olho gordo.
  A noção do olho gordo assemelha-se em muitos aspectos a noção de bruxaria dos azande. Tem como ponto partida a inveja de pessoas próximas, que traz com isso diversos malefícios ao tal enfeitiçado.
  Por fim, o texto de Evans-Pritchard é um clássico da Antropologia, e como tal deve ser lido sempre no contexto em que foi produzido. Contexto esse profundamente marcado pelo rompimento com as concepções sobre a “cientificidade da disciplina” e a “racionalidade dos nativos”.
Sites pesquisados
http://www.sociologia.com.br/res/res27_1.htm
http://etnografianovirtual.wordpress.com/category/evans-pritchard/
Bibliografia.
EVANS-PRITCHARD, E. E. “A noção de bruxaria como explicação de infortúnios”. Cadernos de Antropologia. Brasília: UnB, 1973.