sábado, 20 de junho de 2020

FICHAMENTO: Discurso da Servidão Voluntária de Etienne de la Boétie.



 (P.07) Um grito de liberdade (Casemiro Linarth).
Étienne (Estevão) de la Boétie nasceu em Sarlat-la-Canéda na França no ano de 1530 e faleceu em 1563 com apenas 32 anos de idade. Foi contemporâneo de Michel de Montaigne com quem desenvolveu uma estreita amizade que perdurou por toda sua curta vida. Montaigne foi o responsável por preservar os escritos de Étienne e ainda escreveu “Ensaio sobre a amizade” em sua homenagem.
Nesta obra, La Boétie afirma ser possível resistir a opressão sem recorrer à violência. Segundo ele, a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se recusam a consentir com sua própria escravidão. Sua obra é uma espécie de gérmen da resistência pacífica e da desobediência civil.
A originalidade da obra está na ideia de servidão voluntária. Para Etienne, o servo possuí sua parcela de culpa em sua própria servidão. Desta forma, a servidão não é forçada, mas sim voluntária.
(P.08) Como imaginar que um ou um pequeno grupo de indivíduos seja capaz de subjugar muitos? Só a força não responde esta questão, é necessário entender a obediência consentida.
Essa ideia inspirou anarquistas a desenvolverem movimentos de desobediência civil, pois já que o poder se constrói sobre a obediência, basta parar de obedecer para que o sistema todo entre em colapso.
O século de La Boétie.
o século XVI foi o século da política: surgimento e amadurecimento de jovens Estados Nacionais. Diversos autores escrevendo sobre política: Erasmo de Roterdã, Maquiavel, Thomas More, Jacques Lefévre d’Etaples, entre outros.
(P.09) Uma família de magistrados.
Étienne de La Boétie nasceu em 1 de novembro de 1530 em Sarlat, sudoeste da França, em uma família rica e culta de magistrados.
Seu pensamento é marcadamente influenciado pelo renascimento, pelos conceitos republicanos e pela antiguidade clássica.
Cursou direito em um momento em que a França descobria e tentava aperfeiçoar as leis do jovem Estado.
(P.10) Um espírito novo.
La Boétie formou-se com honras e assumiu o cargo de conselheiro do Parlamento de Bordéus.  Foi neste período que se casou com a cunhada de Michel de Montaigne.
Uma amizade famosa.
Estabeleceu-se uma grande amizade entre os dois.
(P.11) Uma missão especial.
Etienne foi incumbido de diversas missões diplomáticas entre católicos e protestantes franceses.
(P.13) Doença e morte.
Morreu de desinteria em 18 de agosto de 1563.


(P.15) Uma História curiosa (Casemiro Linarth).
O livro de Étienne foi utilizado, dez anos após sua morte, pelos huguenotes (protestantes) para denunciar o massacre de São Bartolomeu. Partes de seu livro eram impressas e distribuídas para fomentar rebeliões. As guerras religiosas europeias se arrastaram por muitos anos.
(P.16) As obras de La Boétie.
Foram recolhidas, organizadas e publicadas postumamente por Montaigne.
Um texto militantes.
Trechos do livro Discurso da Servidão Voluntária circulavam clandestinamente pela França e Montaigne achou melhor não o publicar naquele momento. Assim, o Discurso assumia um tom militante, incitando revoltas contra a monarquia. Contudo, La Boétie defendia a resistência pacífica.
(P.17) Um exemplar raríssimo.
Durante séculos, a obra de La Boétie ficou em termos “escondida”, “esquecida”.

(P.21) O DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA.
(P.23) La Boétie inicia seu livro analisando uma frase de Odisseu (Ulisses) disse em A Ilíada, “não é bom ter vários senhores. Um só seja o senhor, um só seja o rei”. Para Étienne bom mesmo é não ter senhor. Seja um ou muitos, eles sempre causam infelicidade.
(P.24) O objetivo deste livro é entender como tantos homens, tantas cidades, tantas nações suportam a opressão e o despotismo de um só tirano. Ver um milhão de pessoas dobrar a cabeça a um único homem, não que eles sejam obrigados – um homem não é mais forte que um milhão – mas que o fazem por fascinação e encanto.
(P.25) Os deveres recíprocos da amizade absorvem boa parte de nossas vidas.
A natureza humana nos obriga a sermos recíprocos com quem nos faz o bem e a quem amamos. Não é incomum reduzirmos nosso bem-estar para aumentar a honra, o progresso e o conforto de quem amamos. Quando um país encontra um homem bom que pode protegê-lo e governá-lo, com o tempo habituamo-nos a obedecê-lo e a confiar nele ao ponto de ceder algumas vantagens a este líder.
Que desgraça de vício é esse? De que os homens se submetem as vontades de um único homem? Não as vontades de um poderoso Hércules, mas ao mais covarde e afeminado ser da nação.
(P.26) Seria isso covardia? Quando quatro homens não se defender de um, chamamos de covardia, mas quando cem países, mil cidades e um milhão de homens não o fazem recebe outro nome.
Quais irão com mais coragem ao combate?
Coloquem frente a frente dois exércitos, um lutando por sua liberdade e outro para subjugar e escravizar o povo inimigo. Qual apresentará mais coragem?
(P.27) Basta observar a História para perceber a motivação que a liberdade cria. Basta observar os gregos e persas, como a defesa da liberdade animou um exército menor a vencer um maior.
Então, como é possível que cem mil homens que lutam por sua liberdade possam ser reprimidos por apenas um, que lhes priva de sua liberdade?
(P.28) Não é preciso combater este tirano para que ele caia, basta que o país deixe de consentir com sua servidão. É o próprio povo que consente com seu maltrato e privação da liberdade, é o povo que renuncia a sua liberdade e aceita o jugo, ele consente e procura seu sofrimento.
Mais arruínam e destroem quanto mais é dado a eles.
(P.29) Quanto mais lenha um fogo recebe, mais ele queima. Para apaga-lo não é preciso jogar água, basta parar de alimentá-lo. Do mesmo modo, os governantes que mais pilham são os que mais exigem e segundo La Boétie não é necessário enfrenta-los, basta não os obedecer e não lhes dar mais nada.
Viveis de tal maneira que não podeis gabar-vos de que algo vos pertence.
Povos inteiros vivem na miséria e tem seus bens roubados por apenas um inimigo, que só é grande pelo poder que os próprios miseráveis deram a ele.
(P.30) O homem que o oprime, possui o corpo de qualquer homem comum. As mil mãos que golpeiam, os mil olhos que espionam são cedidos pelos próprios oprimidos. Somos cumplices de nosso assassino, receptores do ladrão que nos pilha e traidores de nós mesmos.
Sendo que não é necessário enfrenta-lo, mas, como o fogo, basta parar de alimentá-lo, basta não mais servir e sereis livre.
(P.31) Somos todos companheiros, ou melhor, todos irmãos.
Se seguíssemos os preceitos da natureza seriamos obedientes apenas aos pais, sujeitos a razão e não seriamos escravos de ninguém. Deus nos criou diferentes em dons; uns mais espertos e outros mais fortes, não para que estes oprimissem o resto, mas para que como companheiros e irmãos uns ajudassem aos outros.
(P.32) Boétie considera a liberdade um dom natural. Basta olhar os animais que morrem quando são capturados.
(P.33) O cavalo deve ser preparado desde o nascimento para receber cela e se acostumar a servir.
(P.34) Sugam como o leite a natureza do tirano.
Há três tipos de tiranos: uns adquirem o poder pela eleição do povo, outros pela força das armas, e o último por sucessão hereditária.
Os que chegam ao poder pelas armas, comportam-se como se estivessem em um país conquistado.
Os que herdam, veem o povo como súditos e servos, os ignoram e os veem como inferiores.
Teoricamente os eleitos deveriam ser melhores, mas logo encantam-se com o poder e logo criam mecanismo para perpetuarem-se.
Estes três, embora cheguem ao poder por meios diferentes, governam todos da mesma maneira.
(P.36) Não só perdeu a liberdade, mas ganhou a servidão.
É incrível ver como um povo, quando é submetido, esquece rapidamente de sua liberdade, não conseguindo despertar para reconquistá-la. Serve tão bem que não só perdeu a liberdade, como ganhou a servidão.
É verdade que no início os vencidos servem pela força, mas as gerações seguintes servem sem relutância e voluntariamente.
(P.39) Experimentaste o favor do rei, mas não sabe o gosto delicioso da liberdade.
(P.41) Sobre as gerações que nascem sob o jugo da servidão. Elas não resistem, pois, nunca se lamenta o que nunca se teve. O homem é naturalmente livre e quer sê-lo, mas sua natureza é tal que ele se amolda facilmente a educação que recebe. Assim, a primeira razão para a servidão é o hábito.
(P.42) O tirano os priva de toda liberdade, não só de falar e de agir, mas até de pensar.
Os tiranos percebem que os livros e a instrução dão aos homens o bom senso e o entendimento para odiarem a tirania. Assim, em geral os tiranos atacam a educação e aos sábios.
(P.44) Mas a principal razão pela qual os homens servem voluntariamente é por que nascem servos e são educados como tais. Desse fato ocorre outros: sob a tirania os homens tornam-se covardes e afeminados.
(P.45) Os homens livres são guerreiros, os submissos covardes.
Os tiranos, prejudicando a todos, são obrigados a temer todo mundo.
A punição dos tiranos segundo Xenofonte é a falta de paz e ter que temer a todos. Por isso, muitos reis armam mercenários para a guerra, por não confiarem em armas na mão de seu povo.
(P.47) Os meios que os tiranos empregam para entorpecer seus súditos sob o jugo.
O teatro, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores, os animais ferozes, as medalhas e outras drogas semelhantes eram para os povos antigos a isca para a servidão, o preço de sua liberdade. O meio de embrutecimento do povo utilizado pelo tirano.
“Nero foi um tirano, mas suas festas eram maravilhosas” lamentavam os romanos.
(P.49) Alguns belos discursos sobre o bem público e o interesse geral.
Os imperadores romanos ainda assumiam para si o título de Tribuno do Povo, ofício considerado santo e sagrado pela população. Encobrindo seus verdadeiros ideais em belos discursos sobre o bem público e interesse geral.
Os reis da Assíria, apareciam raramente em público, criando entre o povo (de imaginação fértil) que estes reis possuiriam qualidades sobre-humanas, tornando-o uma divindade.
Essas mentiras e contos sobre habilidades sobrenaturais dos reis representaram muitas vozes na História: Egito, Roma, Idade Média, etc.
(P.53) La Bopetie se pergunta: não está claro que os tiranos, para se manter no poder, esforçam-se para acostumar o povo, não só a obediência, mas ainda a sua devoção?
Contudo, os métodos explicitados até aqui servem apenas para habituar à servidão os homens miúdos e grosseiros.
(P.54) A mola mestra da dominação, o apoio fundamental da tirania, não são os miseráveis, nem os guardas do palácio, mas na verdade 4 ou 5 pessoas. São apenas 4 ou 5 pessoas que mantém o tirano e conservam um país inteiro na servidão.
Cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, favorecedores de sua libidinagem e beneficiários de suas rapinas.
Um tirano conserva 5 ou 6 homens de sua confiança que servem a ele. Esses seis homens mandam em outros 600, estes 600 comandam mais 6 mil. A tirania se mantém, segundo Leandro Karnal (em uma palestra sobre Etienne de La Boétie), graças a uma cascata de tiranias, que vem do topo da pirâmide até sua base.
(P.55) Assim, milhões estão ligados a um tirano por uma espécie de corda invisível, onde os beneficiados pela tirania mantêm sob seu jugo, aqueles que são oprimidos. Surgem pequenos tiranos sob o grande tirano.
É assim que o tirano subjuga os súditos, uns por meio dos outros.
Aqui ele apresenta os bajuladores e aduladores do tirano.
(P.58) Essas pessoas de bem não poderiam manter-se junto ao tirano.
Pessoas realmente boas, jamais aceitariam viver como vivem os bajuladores do tirano. Mesmo que esteja disfrutando da graça e da riqueza do tirano.
(P.60) Os tiranos não possuem amigos. Os tiranos traem e são traídos por pessoas que lhe são queridas.
(P.61) O tirano nunca ama e nunca é amado.
O tirano nunca ama e nunca é amado. A amizade é um sentimento sagrado que só existe entre pessoas de bem. Ela nasce da estima mútua e nunca da bajulação.
Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, se temem. Não são amigos, mas cumplices.
(P.62) Mostrar sempre um rosto sorridente quando o coração está apreensivo.
Os gananciosos que cercam o rei, o fazem ao ver o brilhar de seus tesouros (a esperança de enriquecer), mal sabem que estão cavando suas próprias covas. E mesmo que se salvem com a queda do tirano que servem, poderão eles se salvarem do rei que vem depois?
(P.63) Que vida é essa onde a traição espreita a toda parte, sorrir e desconfiar de todos.
Ao final, Boétie joga uma praga aos tiranos e seus servos: “espero que exista um cantinho especial no inferno esperando para eles”.
 Referência:
BOÉTIE, Etienne de la. Discurso da Servidão Voluntária. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2017.

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