quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Que coisa é a Política" de João Ubaldo Ribeiro

O primeiro capítulo trata da definição sobre o termo política. Qual a melhor definição desta palavra? O segundo fala sobre como a política afeta diretamente o nosso cotidiano e se existe político corrupto a culpa é em grande parte nossa!
1.Que coisa é a Política.
(P. 13) O termo política refere-se ao exercício de alguma forma de poder e suas múltiplas consequências. Toda a maneira pela qual o poder é exercido se reveste de grande complexidade. Por exemplo, a criação de um imposto que desencadeia inter-relações entre a fonte de poder (a que criou o imposto) e os submetidos a esse poder (os que direta ou indiretamente são afetados). Basta pensar um pouco para perceber como todo ato de poder é complexo. E é este o terreno da política. (...)
(P. 14) Contudo, definir a Política apenas como algo relacionado ao poder não é satisfatório.  Pois existem inúmeras dificuldades para se definir o que é o poder. O que significa “ter poder”? Ter um cargo não significa ter poder, ter carisma, magnetismo ou dinheiro tampouco.
A tarefa de tentar entender o que realmente é o poder deve ser deixado ao cargo os filósofos e teóricos que examinam a realidade além dos interesses imediatos das pessoas.
(P. 15) Entretanto, é inútil em termos práticos discutir sobre o que é o poder, pois este só se torna visível ao manifestar-se. Ou seja, é em ação que se analisa o poder. É no processo, na inter-relação, não na elaboração intelectual abstrata.
Os americanos dizem que “o poder é a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas”. Então se a política tem a ver com o poder e se o poder visa alterar o comportamento das pessoas, é evidente que o ato político possui dois aspectos: a) um interesse; b) uma decisão.
a) se alguém deseja influenciar ou modificar o comportamento das pessoas, esse alguém tem um interesse que deseja ver corporificado pela modificação pretendida, seja ele ditado por conveniências pessoais, de grupo, religiosas, morais, etc.
(P. 16) b) o objetivo configurado pelo interesse só pode ser conseguido por uma decisão que efetivamente venha a alterar o comportamento das pessoas. Seja esta decisão imposta, consensual, de maioria, etc.
A política passa, neste caso, a ser entendida como um processo através do qual interesses são transformados em objetivos e os objetivos são conduzidos à formulação e tomada de decisões efetivas.
Pode-se afirmar que a política tem a ver com quem manda, por que manda, como manda. Afinal, mandar é decidir, é conseguir aquiescência [1], apoio ou até submissão. Não se tratando, portanto de um processo simples. Em toda sociedade, existem estruturas de mando. Alguém, de alguma forma, manda em outrem, normalmente uma minoria mandando na maioria. Este fato está no centro da coisa política.
(P. 17) A política fica então vista como o estudo e a prática da canalização de interesses com a finalidade de conseguir decisões. A política já foi chamada e com razão, de arte, ciência e filosofia.
Além de ser uma profissão, pois, afinal, é por meio dela que nos governamos, que ordenamos nossa vida coletiva. Nenhum homem pode assumir sua humanidade fora de uma estrutura social. E nenhuma estrutura social pode existir sem alguma forma de processo político. Assim a política tornou-se profissão, a profissão dos que se dedicam a influenciar a coletividade.
(P. 18) Enfim, a política nos rodeia e é impossível que fujamos dela. É possível sim, que desliguemos a televisão quando aparece um político dizendo algo que não estamos interessados em ouvir. Isto, porém não nos torna “apolíticos”, mas somente indiferentes, o que só beneficia o homem da televisão já que ao desligarmos a Tv não nos opomos a ele.
Vimos então que a política se preocupa com o encaminhamento de interesses para a formulação e tomada de decisões.
2. Como a Política interessa a todos e a cada um.
(P. 21) Em alguns momentos é fácil percebermos o poder agindo sobre nós. Como no caso dos brasileiros que são obrigados a se alistar no serviço militar aos 18 anos. Em outros casos é bem mais difícil visualizar a ação do poder. Como por exemplo, agimos ou pensamos de uma maneira que achamos natural e que na realidade não é, como no caso do preconceito. A existência do preconceito não é natural. O homem não nasce preconceituoso e fica claro a ação da influência sobre ele.
(P. 22) Queiramos ou não, estamos imersos num processo político que penetra todas as nossas atitudes, toda a nossa maneira de agir, até mesmo porque a educação, tanto a doméstica quanto a pública, é também uma formação política.
Quando saímos para trabalhar de ônibus, enquanto outro melhor situado vai de carro com motorista, não estamos pensando em política, mas tudo está rodeado de política. (P. 23) É o processo político que dita às condições para a acumulação de uma poupança por exemplo. Se o mesmo processo político não dá oportunidade de educação para uns, é evidente que estes são prejudicados o que paralelamente beneficia e privilegia outros.
Quando alguém diz: - Não ligo para a política! – Ele não está sendo apolítico, mas somente um político conservador, que não vê necessidade de mudanças.
(P. 24) A política, o jogo de poder está em toda parte, na conduta humana. Quando um casal vai gradualmente marcando os papéis dentro do lar (eu mando aqui, você manda ali), estamos diante de um mini processo político decisório. Entretanto, não devemos levar ao exagero esta visão das coisas, que aqui está servindo apenas como exemplo.
Para o ato ser considerado realmente político como um todo, falta-lhe o elemento ligado a natureza publica da política. A própria palavra “Política” vem de polis, que significa, mais ou menos “cidade” em grego antigo. Ou seja, quando o casal discute para decidir que filme assistir, este não é rigorosamente um fato político, pois não interessa à polis, à sociedade como um todo.
(P. 25) Mas aqui apresentamos uma sutileza. A discussão entre homem e mulher sobre o filme pode não ser política. Mas se, nessa discussão o marido sempre acaba por impor a sua decisão e a mulher não tem direito a opinião e é forçada a fingir que gosta de um filme que detesta. Então este fato pode estar refletindo uma situação específica da mulher naquela sociedade.
(P. 26) Vê-se com isso que os fatos podem adquirir significado político, mesmo onde originalmente não o tenham. Se a mulher do exemplo dado reunir outras mulheres na mesma condição que ela e buscar modificar o comportamento daquela sociedade, então ela estará exercendo uma atividade política.
A política não se ocupa de todos os processos de formulação e tomada de decisões, mas somente daqueles que afetem, de alguma forma, a coletividade.
(P. 27) A política não é apenas uma coisa que envolve discursos, promessas, eleições e muita sujeira. Não é uma coisa distante de nós. É a condução de nossa própria existência coletiva, com reflexos imediatos sobre nossa existência individual, nossa prosperidade ou pobreza, nossa educação ou falta dela, nossa felicidade ou infelicidade.
É claro que uma pessoa pode não se preocupar com a política e os políticos. Trata-se de uma escolha pessoal. Mas, este individuo deve saber que quando age com essa postura de passividade, apenas favorece a quem já está no poder e a ninguém mais.
É comum considerar a política como uma ocupação apenas exercida por gente de mau caráter. O que é uma grande injustiça, muitos grandes homens foram políticos.
(P. 28) Mas se achamos que a política está entregue a gente ruim, grande parte da culpa é nossa, por não nos envolvermos. Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso, estamos sendo políticos: estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável ou inaceitável. (P. 29) Se queremos fazer alguma coisa para melhorar a situação, também estamos sendo políticos, pois a única via de ação possível, neste caso é a política.
Bibliografia:
RIBEIRO; João Ubaldo: “Política: quem manda, por que manda, como manda” - 1981. (Pág. 13-29.) 

[1] Aquiescência: assentimento, consentimento.  

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