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Em seu livro "A dinâmica do capitalismo" Braudel analisa o desenvolvimento do capitalismo entre os séculos XV e XVIII
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1º Capitulo: Reconsiderando a vida material e a vida econômica.
(P. 12) A chamada história econômica, ainda em construção, defronta-se com
alguns preconceitos. Ela não é uma história nobre.
Apesar disso toda a história do homem está nela, vista segundo uma
determinada perspectiva.
(P. 13) É simultaneamente a história dos grandes homens, dos grandes
acontecimentos, das conjunturas e das crises, e por último a história maciça
que evolui lentamente no decurso da longa duração. (...)
Resida ai a dificuldade, pois trata-se de 4 séculos do mundo inteiro,
então como organizar toda essa quantidade de fatos e interpretações? Braudel
escolheu tratar dos equilíbrios e dos desequilíbrios profundos do longo prazo.
Por um lado, camponeses nas aldeias vivendo de maneira quase autônoma,
por outro uma economia de mercado e um capitalismo em expansão. Temos assim
dois universos (no mínimo) dois tipos de vida alheios um ao outro e cujas
massas explicam-se mutuamente.
(P. 14) Parti do cotidiano, daquilo que nos condiciona a vida, sem que sequer
saibamos: o hábito, a rotina, gestos que se florescem, se completam fora da
nossa plena consciência.
(P. 15) Acredito que mais da metade da vida da humanidade está mergulhada no
cotidiano. Inúmeros gestos herdados, confusamente acumulados, infinitamente
repetidos para chegarem até nós, ajudam-nos, aprisionam-nos, decidem por nós,
ao longo de toda a nossa existência. Tentei dar conta de tudo isso chamando-lhe
de vida material.
(P. 16) A vida material para Braudel, é tudo o que a humanidade ao longo da
história passada, foi incorporando na sua vida profunda e nas próprias
entranhas dos homens, para quem tais experiências ou intoxicações antigas se
tornaram necessidades do cotidiano, banalidades. E ninguém lhes dedica nenhuma
atenção.
II.
Apresentado o fio condutor, aponto também o seu objetivo: é uma
exploração.
1º capítulo: “O número de Homens”. A força biológica por excelência, que
leva o homem, tal como todos os outros seres vivos, a reproduzirem-se.
(P. 17) Essa matéria humana que está em perpétuo movimento comanda, sem que os
indivíduos se apercebam, uma boa parte dos destinos dos homens, destinos de
conjunto.
O jogo demográfico tende para o equilíbrio, raramente atingindo. Fluxos
e refluxos sucessivos revelam as tendenciais, de longa duração que se mantem
válidas até o séc. XVIII. Somente no séc. XVIII o número de homens não parou de
aumentar, onde nunca mais se inverteu o movimento.
Até o séc. XVIII, o sistema de vida encontrava-se encerrado num círculo
quase intangível. Sempre que a circunferência é atingida, acontece
imediatamente um momento de retração, de recuo.
(P. 18) Para estabelecer o equilíbrio existem: As fomes, as carências, as duras
condições de vida, as guerras e sobretudo as doenças.
(P. 19) Nos capítulos seguintes o autor levanta as seguintes questões: O que é
que os homens comem? O que bebem? Como se vestem? Quais são suas condições de
vida?
Perguntas inconvenientes que exigem quase uma viagem de descobrimento,
pois nos livros de história o homem não come e nem bebe.
Os cereais são muito importantes, já que os vegetais são dominantes na
alimentação antiga. O trigo, o arroz e o milho são resultados de opções muito
antigas e de inumeráveis e sucessivas experiências.
O trigo, que devora a terra, que exige que esta repouse em tempos
regulares, permite a criação de gado.
(P. 20) O arroz que nasce de uma espécie de jardinagem, por cultura intensiva,
em que não são necessários animais
O milho, mais cômodo e mais fácil de obter, proporcionava os
tempos livre que originaram as corveias camponesas e os monumentos ameríndios.
Uma força de trabalho desocupada foi monopolizada pela sociedade.
Poderíamos falar também acerca das rações e calorias que cada
alimento contém. Além das drogas antigas o álcool e principalmente o tabaco que
deu a volta ao mundo.
(P. 21) Outro ponto importante diz respeito às técnicas: o trabalho dos homens e
os lentíssimos progressos na luta cotidiana contra o meio exterior e contra si
próprio. Tudo é técnica, não só o esforço violento, mas também o esforço
paciente e monótono dos homens, ao modelarem uma pedra, um pedaço de madeira ou
ferro para criar um utensílio ou uma arma.
Todas as técnicas, todos os elementos das ciências se trocam e viajam
através do mundo, desde sempre. Há um incessante movimento de difusão.
(P. 22) Os dois últimos capítulos são referentes a moeda e as cidades: As duas
mergulham simultaneamente no cotidiano. A moeda é uma invenção muito antiga (se
entendermos por moeda todo o meio que contribui para aceleração da troca) e sem
troca não há sociedade. Quanto às cidades, existem desde a pré-história.
Poderíamos dizer que as cidades e a moeda fabricaram a modernidade, mas
também que a modernidade, a massa em movimento da dos homens, impulsionou a
expansão da moeda, construiu a tirania crescentes das cidades.
Cidades e moedas constituem, motores e indicadores, provocam e assinalam
a mudança. E são uma consequência da mudança.
III.
(P. 23) Não é fácil abarcar esse imenso reino do habitual, do rotineiro, (O
grande ausente da história). Na realidade, o habitual invade totalmente a vida
dos homens e por ela se difunde.
(P. 24) De 1400 a 1800, encontramos uma economia de troca ainda muito
imperfeita. Não consegue abranger toda a produção, nem todo o consumo, já que
uma enorme parte da produção se perde no autoconsumo da família ou da aldeia e
não chega a entrar no circuito do mercado.
A economia de mercado se encontra em fase de progresso e põe em contato
um número suficiente de burgos e de cidades, para iniciar a organização da
produção e orientar e comandar o consumo.
Esses mercados demarcam uma fronteira, o limite inferior da economia.
Tudo o que se situa fora do mercado apenas tem valor de uso; tudo o que cruza o
seu estreito limiar adquire valor de troca.
(P. 25) O indivíduo, (o agente), conforme se situe de um lado ou do outro do
mercado elementar, está ou não incluído na troca, naquilo a que chamei vida
econômica, em oposição à vida material.
(P. 29) Fizemos a distinção entre dois registros na economia de mercado: o
registro inferior (mercados, loja, vendedores ambulantes) e o registro superior
(feiras e bolsas).
Surgem duas questões: 1º como podem estes instrumentos de troca
auxiliar-nos a explicar, as vicissitudes[1] da economia européia do Antigo
Regime?
2º de que forma poderão esses mecanismos contribuir para iluminar os
mecanismos da economia não européia?
IV.
(P. 30) Consideremos a evolução do ocidente ao longo destes 4 séculos: XV, XVI,
XVII e XVIII.
O séc. XV vai assistir, sobretudo após 1450, a um relançamento geral da
economia em benefício das cidades favorecidas pela subida dos preços
industriais. Por outro lado, os preços agrícolas estagnam ou baixam. Nesse
momento o papel de motor da economia cabe as lojas de artesãos, situado nos
mercados urbanos. Ditando as suas leis.
(P. 31) No séc. XVI acontece a expansão para o Atlântico, a dinâmica motriz
situa-se ano nível das grandes feiras internacionais. O séc. XVI foi a época do
apogeu das feiras.
(P. 32) No séc. XVII liberta-se dos sortilégios do mediterrâneo para
desenvolver-se através do vasto oceano atlântico. Esse século tem sido descrito
como uma época de recessão ou estagnação econômica. A feira cede lugar às
bolsas e as praças de comércio. As lojas multiplicam-se através da Europa,
criando apertadas redes de redistribuição.
(P. 33) No séc. XVIII ocorre uma generalizada aceleração econômica, todos os
instrumentos da troca encontram-se presentes. As bolsas multiplicam-se. Num
contexto assim é natural que as feiras tendam a desaparecer. Existindo apenas em
regiões marginais da economia europeia.
(P. 35) O que acabamos de descrever, limita-se a Europa. Mas se os mecanismos de
troca existirem fora da Europa (e existem na China, Índia, em todo o islã e no
Japão) podemos utilizá-los para uma tentativa de análise comparativa?
E ver se a distância entre a Europa e o resto do mundo já era tão grande
antes do séc. XIX, se nessa época a Europa já estava, ou não mais avançada que
o resto do mundo.
Primeira constatação: por todos os lados encontramos mercados, até nas
sociedades incipientes da África e das civilizações ameríndias. Com um pequeno
esforço, estes mercados aparecem-nos diante dos olhos, ainda vivos ou de fácil
reconstituição.
(P. 36) Nos países islâmicos, as cidades foram gradualmente despojando as aldeias
dos seus mercados (como na Europa). Os grandes mercados dispõem-se diante das
portas das cidades, onde homens citadinos encontram-se com o camponês em
terreno neutro.
Na Índia não há uma aldeia que não tenha seu mercado, que serve para
arrecadar dinheiro para os senhores ou o Grão-Mongol do lugar.
(P. 37) A China apresenta uma surpreendente organização em seus mercados.
Imaginemos um burgo e marquemos um ponto numa folha em branco. Em redor desse
ponto agrupam-se entre seis e dez aldeias, a uma distância que permite ao
camponês ir e voltar no mesmo dia.
(P. 40) Se compararmos as economias do resto do mundo com a economia europeia,
esta parece dever o seu grau avançado de desenvolvimento à superioridade dos
seus instrumentos e das suas instituições: As bolsas e as diversas formas de
crédito.
(P. 41) A economia de mercado estendeu os seus fios e manteve ativa as suas
diversas redes acima da enorme massa da vida material cotidiana: e foi sobre a
economia de mercado que o capitalismo prosperou.
(P. 43) 2º Capitulo: Os jogos da troca.
(P. 45) O séc. XV ao XVIII é caracterizado por um enorme setor de autoconsumo,
que se mantém totalmente alheio à economia de troca. Toda a Europa está
amarrada a isso até o séc.XVIII.
Braudel aborda aquilo que ele chama de economia da mercado e capitalismo.
Que para ele são coisas distintas.
Ambos são minoritários, até o séc. XVIII. E as massas de homens
permanecem submersas no domínio da vida material.
(P. 46) Essa economia de mercado ainda está em desenvolvimento, mas já cobre
vastas superfícies. Já o Antigo Regime que Braudel chama de capitalismo é
sofisticado, mas pouco desenvolvido, e com tendências para se generalizar. Esse
capitalismo chama-se geralmente de mercantil. O papel nacional,
internacional e mundial, do capitalismo já é evidente.
I.
(P. 47) A economia de mercado tem sua própria natureza o papel de ligação entre
a produção e o consumo. Antes do séc. XIX, ela é um simples estrato que
situa-se entre a vida cotidiana sustentando os processos do capitalismo que, em
metade dos casos, a manobram desde cima.
(P. 48) Entre o séc.XV e o séc. XVIII, a região abrangida por essa vida veloz,
que é a economia de mercado, aumenta incessantemente.
(P. 49) Em suma, há uma certa economia de mercado, que liga entre si os
diferentes mercados do mundo, uma mercadoria que arrasta consigo apenas raras
mercadorias e metais preciosos, que já nesta época dão a volta ao mundo.
(P. 50) As trocas têm, em si um papel decisivo, restaurador de equilíbrios, que
nivelam, por efeito da concorrência, todos os desníveis, ajustam a oferta e a
procura, e que o mercado é um deus oculto e benevolente, “a mão-invisível”, de
Adam Smith.
O mercado é uma ligação imperfeita entre a produção e o consumo.
II.
(P. 51) Braudel lança o termo capitalismo em uma época em que nem se reconheceu
o direito de cidade. Fez isso pois tinha necessidade de encontrar um termo
diferente de economia de mercado para designar atividades bem diversas.
(P. 52) Braudel tem conhecimento de que a designação é ambígua e carregada de
anacronismo.
Vejamos, antes de mais nada, que entre os séc.XV e XVIII, há
determinados processos que exigem uma designação especial. Se os incluíssemos,
pura e simplesmente na economia de mercado, seria quase um absurdo. A palavra
que logo nos ocorre é capitalismo.
A melhor razão para utilizarmos a palavra capitalismo, é a de não termos
encontrado outra que a substitua.
O maior inconveniente está no fato que essa palavra está carregada de
significações que a vida de hoje lhe atribui.
(P. 53) Capitalismo é um termo que data do início do séc. XX, sua verdadeira
irrupção dar-se com o aparecimento, em 1902, do conhecido livro de Werner
Sombart. Marx praticamente ignorou essa palavra.
Isso nos ameaça com o pior dos pecados, o anacronismo.
Não há capitalismo antes da Revolução Industrial: capital sim,
capitalismo não!
Contudo entre o passado e o presente nunca há ruptura total. As
experiências do passado prolongam-se incessantemente na vida presente. Com isso
muitos historiadores começaram a perceber que a Revolução Industrial se anuncia
muito antes do séc. XVIII.
III.
(P. 54) Definir o termo capital e capitalista:
O capital, realidade papável, uma massa de meios facilmente
identificáveis e sempre em atividade.
O capitalista, o homem que preside ou tenta presidir aos destinos da
inserção do capital, no incessante processo de produção a qual todas as
sociedades estão condenadas.
O capitalismo é a forma de conduzir, para fins geralmente pouco
altruístas, esse constante jogo de inserções.
A palavra-chave é o capital. Nos estudos dos economistas, esta palavra
adquiriu o sentido de bem de capital. Não designa só as acumulações
de dinheiro, mas também os resultados utilizáveis e utilizados no trabalho
previamente realizado: Uma casa é um capital, o trigo armazenado é um capital.
Mas um bem de capital só merece essa designação quando participa no
processo ininterrupto da produção: O tesouro não utilizado, a floresta não
explorada, etc, não são capitais neste sentido.
(P. 55) No séc. XV, qualquer modesta aldeia do ocidente possui os seus caminhos,
os seus campos limpos de pedras, as suas terras cultivadas, as suas florestas
tratadas, os seus pomares, os seus moinhos, as suas reservas de cereais... As
economias do Antigo Regime dão-nos uma relação de 1 para 3, ou para 4, entre o
produto bruto de um ano de trabalho e o conjunto dos bens de capital. (que
designamos, na França por patrimônio).
Cada cidade teria, pois, atrás de si, o equivalente a três ou quatro
anos de trabalho acumulado, em reservas, que lhe serviria para fazer progredir
a sua produção.
Como poderemos distinguir corretamente capitalismo e economia de
mercado?
(P. 56) É possível aceitar duas formas de economia de mercado (A e B).
Na categoria A, encontram-se as trocas cotidianas do mercado, as
correntes de tráfico locais ou de pequenas distancias: o trigo e a madeira,
encaminhados para a cidade mais próxima, e até os ramos de comércio de mais
longo raio de ação, previsíveis, rotineiros e aberto tanto para os pequenos
como para os grandes comerciantes.
O mercado de um burgo proporciona-nos um bom exemplo dessas trocas sem
surpresas, “transparentes”, com pressupostos e consequências antecipadamente
conhecidas por todos e de cujo os lucros, sempre modestos, se pode fazer um cálculo
aproximado.
(P. 57) De igual modo o comércio regular, que dá vida aos grandes comboios do
trigo Báltico é um comércio transparente. Mas basta interromper a fome no
Mediterrâneo, como aconteceu por volta de 1590, para podermos ver mercadorias
internacionais, representando grandes clientes, desviar da sua rota habitual
barcos inteiros, cuja carga é posta em Livorno ou em Gênova com o preço
triplicado. Neste caso a economia A cedeu o passo a economia B.
(P. 58) Esse segundo tipo de economia predomina e traça perante os nossos
olhos uma “esfera de circulação” obviamente diferenciada.
Mercados itinerantes, recolhedores, coletores de mercadorias vão
procurar os produtores as suas casas. Compram diretamente dos camponeses a lã,
o cânhamo, gado vivo, as peles, cevada, trigo, etc, ou compram–lhes esses
produtos antecipadamente, a lã antes da tosquia, o trigo quando ainda está na
seara.
Depois, encaminham os produtos comprados, por meio de carros, de animais
de carga ou por barco, para as grandes cidades e para o cais de exportação.
(P. 59) Este tipo de trocas vem substituir as condições normais do mercado
coletivo por transações individuais, cujos termos variam arbitrariamente, de
acordo com a situação respectiva dos interessados.
É evidente que se trata de trocas desiguais, em que a concorrência (que
é uma lei essencial da chamada economia de mercado) tem um reduzido lugar, e em
que o comerciante desfruta de uma dupla vantagem: 1º rompeu as relações entre o
produtor e o destinatário último da mercadoria (assim, só ele conhece as
condições do mercado nas duas extremidades, e o lucro provável). 2º Dispõe de
dinheiro sonante, deste modo, longas cadeias de comércio ligam a produção ao
consumo. Quanto mais essas cadeias se estendem, mais escapam às regras e a
fiscalização habitual e mais claramente desponta o processo capitalista.
(P. 60) O Fernhandel é um domínio da livre iniciativa, opera em
distâncias que o mantém ao abrigo dos sistemas normais de controle ou lhe
permite contorná-los. Com tão vasta zona de operação é lhe possível escolher,
tudo o que permitir maximizar os seus lucros.
Desses grandes lucros provêm acumulações consideráveis de capital,
sobretudo porque o comércio a longa distância se concentra num pequeno número
de mãos.
(P. 61) Não basta querer para se introduzir nele. O comércio local, pelo
contrário, fragmenta-se em múltiplas partes interessadas.
(P. 62) Desde tempos antigos, desde sempre, os capitalistas têm ultrapassado os
limites nacionais.
(P. 63) Graças à massa dos seus capitais que os capitalistas conseguem preservar
os seus privilégios e reservar para si os grandes negócios internacionais de
cada época. Num tempo de transportes muito lentos, o grande comércio impõe
grandes prazos à rotação dos capitais: São necessários muitos meses, por vezes
anos, para que as somas investidas regressem avolumadas por seus lucros.
(P. 64) O mundo da mercadoria ou da troca encontram-se rigorosamente
hierarquizados, desde os ofícios mais humildes, aos caixas, lojistas,
corretores, usuários e os negociantes.
À primeira vista surge um fato surpreendente: A especialização, a
divisão do trabalho, que se acentua com grande rapidez, paralela aos progressos
da economia de mercado, afeta toda a sociedade mercantil, excetuando a sua
cúpula, os negociantes capitalistas.
O processo de divisão de função manifestou-se assim, primeiramente e
apenas na base. São os ofícios, os lojistas e mesmo os vendedores ambulantes
que se especializaram, não o alto da pirâmide, por que até o séc. XIX, o
comerciante de grande envergadura nunca se limita, a uma única atividade.
(P. 65) É negociante, mas nunca num só ramo: se perder na cochonilha, ganha nas
especiarias; se for malsucedido em uma transação comercial, ganhará jogando com
os câmbios ou emprestando dinheiro a um camponês para estabelecer uma renda.
O comerciante não se especializa, porque nenhum ramo de comércio ao seu
alcance é suficientemente importante para absorver inteiramente a sua
atividade.
(P. 66) Supõe-se que o capitalismo de ontem estava pouco desenvolvido, por falta
de capitais, e que lhe foi necessário acumular longamente para depois expandir.
Contudo, o epistolário comercial e as memórias das câmaras de comércio
mostram-nos, repetidamente, que há capitais que procuram, em vão, oportunidades
de investimento.
Mas é significativo que o capitalismo não se interesse pelo sistema de
produção e se contente com controlar, através do sistema de trabalho
domiciliário, do putting out, a produção artesanal, para melhor se
apoderar da sua comercialização. As manufaturas representarão até o séc.XIX,
apenas uma pequena parte da produção.
Se o grande comerciante muda tantas vezes de atividade, é porque o
grande lucro muda constantemente de setor. O capitalismo é essencialmente
conjuntural. Ainda hoje, uma das suas grandes forças é a facilidade de
adaptação e de reconversão.
(P. 67) O capitalismo financeiro só triunfará no séc. XIX, depois de um período
que vai de 1830 a 1860, época em que a banca lançará mão a tudo, à indústria e
à mercadoria, e em que a economia em geral terá finalmente adquirido vigor para
sustentar essa construção.
Ou seja: dois tipos de troca, uma troca terra-a-terra, concorrencial,
pela transparência, outra superior, sofisticada, dominante. Não são os mesmos
mecanismos, nem os mesmos agentes, que regem estes dois tipos de atividade.
Sendo o segundo que constitui a esfera do capitalismo.
(P. 68) Gerschenkron pensa que o verdadeiro capitalismo surgiu da relação de
forças que está na base do capitalismo. Que encontra-se em todos os estratos da
vida social. Mas é na cúpula da sociedade que o 1º capitalismo se manifesta,
que afirma a sua força e se revela aos nossos olhos.
Não se estabelece, normalmente, distinção entre capitalismo e economia
de mercado, porque ambos progrediram a par, desde a Idade Média até nossos
dias, e porque o capitalismo tem sido frequentemente apresentado como motor do
progresso econômico. Na realidade tudo assenta sobre o enorme dorso da vida
material.
(P. 69) Acredito que é o movimento de conjunto que é determinante e que
toda e qualquer forma de capitalismo existe em função das economias que lhes
são subjacentes.
IV.
O capitalismo, privilégio de um pequeno número, é impensável sem uma
cumplicidade ativa da sociedade.
É uma realidade de ordem social e até política, ou mesmo uma realidade
civilizacional. É lhe necessário, que de certa forma, a sociedade inteira
aceite, mais ou menos conscientemente, os seus valores. Mas nem sempre isso
acontece.
As sociedades densas decompõem-se em conjuntos de vários tipos: O
econômico, o político, o cultural e o social de um ponto de vista hierárquico.
O econômico só pode ser compreendido em ligação com os outros conjuntos.
(P. 70) O Estado moderno não fez o capitalismo, mas é seu herdeiro, ora o
favorece, ora o desfavorece; ora o deixa expandir-se, ora lhe trava ímpetos. O
capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado.
Assim, o Estado é favorável ou é hostil ao mundo do dinheiro, conforme o
seu próprio equilíbrio e sua capacidade de resistência.
O mesmo acontece em relação à cultura e à religião. Em princípio, a
religião, a força tradicional, diz não as novidades do mercado, do dinheiro, da
especulação, da usura. Mas há sempre possibilidade de conciliação com a Igreja.
(P. 71) Chegou-se a sustentar que tais escrúpulos só foram vencidos pela
Reforma, sendo essa a razão profunda da ascensão capitalista dos países do
Norte da Europa.
Para Max Weber, o capitalismo teria sido uma criação do protestantismo,
ou melhor, do puritanismo. E, no entanto, para Braudel essa ideia é falsa.
Os países do norte limitaram-se a tomar o lugar dos velhos centros
capitalistas do Mediterrâneo. Não inventaram nada, nem na técnica, nem na
condução dos negócios.
Amsterdã copia Veneza, Londres copiará Amsterdã, Nova York copia
Londres. O que está em jogo é a deslocação do centro de gravidade da economia
mundial.
(P. 72) Este deslocamento, é o triunfo de um país novo sobre um envelhecido.
Enfim, para Braudel o erro de Weber decorre essencialmente do exagero do
papel desempenhado pelo capitalismo como artífice do mundo moderno.
O futuro do capitalismo decidiu-se verdadeiramente no campo das hierarquias
sociais.
Toda a sociedade evoluída consente várias hierarquias, várias
escadas, digamos, que permitem a saída do rés-do-chão, onde vegeta uma massa de
povo básica.
E o Grundvolk de Weber Sombart: temos a hierarquia
religiosa, hierarquia política, militar e as diversas hierarquias do dinheiro.
Entre umas e outras, conforme as épocas e os locais há oposições, compromissos
e alianças e por vezes entre elas confusões.
(P. 73) Ex: No séc.XIII, em Roma, a hierarquia política e a religiosa
confundiam-se, enquanto, em redor da cidade, a terra e os rebanhos geram uma
classe ameaçadora de novos senhores.
Tanto as sociedades quantos os caminhos para a ambição dos indivíduos e
quantos tipos de sucessos.
(P. 74) No ocidente, embora os casos de sucesso de indivíduos isolados não sejam
raros, a história repete-nos interminavelmente a mesma lição, que é possível
inscrever os triunfos individuais no ativo de famílias, apostadas em fazer
aumentar pouco a pouco a sua fortuna e influência.
Podemos utilizar um termo que se impôs tardiamente, a história da burguesia,
portadora do processo capitalista, criadora ou usufruidora de uma hierarquia
sólida que vai ser a espinha dorsal do capitalismo.
Se prestarmos atenção a essas longas cadeias familiares, à lenta
acumulação de patrimônio e de honrarias, a passagem, na Europa, do regime
feudal para o regime capitalista torna-se quase compreensível.
Existindo para benefício de famílias senhoriais, o regime feudal é uma
forma duradoura de partilha da riqueza imobiliária, riqueza de uma base (uma
ordem estável).
(P. 75) Ao longo dos séculos a burguesia terá sugado, parasitamente, essa classe
privilegiada, vivendo junto dela, contra ela, aproveitando-se dos seus erros,
do seu luxo, da sua ociosidade, da sua imprevidência, para se apoderar dos seus
bens, infiltrando-se nas suas fileiras, e assim acabando por dissolver-se nela.
Mas logo outros burgueses estão prontos para voltarem ao assalto, para
recomeçar a luta. Em suma parasitismo a longo prazo.
A burguesia não cessa de destruir a classe dominante, para dela se
alimentar. E a sua ascensão foi lenta e paciente, com as ambições
permanentemente transferidas para os filhos e netos, sucessivamente.
Uma sociedade deste tipo, que deriva de uma sociedade feudal é então,
semifeudal, uma sociedade em que o propriedade e os privilégios sociais
encontram-se relativamente protegidos, em que as famílias podem desfrutar deles
com relativa tranqüilidade, visto que a propriedade é tida como sagrada, e é
uma sociedade em que cada qual se mantém mais ou menos em seu lugar.
São necessárias águas sociais como estas, para que a acumulação se dê,
para que despontem e se mantenham as linguagens, para que, com o auxílio da
economia monetária, o capitalismo acabe finalmente por emergir.
Nessa emergência, o capitalismo derruba alguns bastiões da
alta sociedade, mas reconstrói para si outros, também sólidos e duradouros.
(P. 76) Esses longos processos de gestação de fortunas de família, que conduzem,
um belo dia, a triunfos espetaculares se trata efetivamente de uma
característica essencial das sociedades do ocidente. Sendo a única região fora
do continente que assemelha-se a esses critérios o Japão.
A sociedade ocidental e a sociedade japonesa são os únicos exemplos de
sociedades que passaram, quase que por si sós, da ordem feudal para a ordem
monetária.
Noutras sociedades, as posições relativas do Estado, dos privilégios do
dinheiro são muito diversas.
(P. 77) Vejamos como exemplo a China e o Islã:
(P. 78) O Estado chinês, apesar das cumplicidades locais, que se estabelece
entre comerciantes e mandarins corruptos, foi sempre hostil a expansão do
capitalismo. Cada vez que este se manifesta é metido na ordem por um Estado de
certo modo totalitário.
Nos vastos países do Islã, sobretudo antes do séc. XVIII, a propriedade
da terra é provisória, pois pertence ao príncipe. As terras são distribuídas
pelo Estado e ficam disponíveis cada vez que seu beneficiário morre. O senhorio
e todos os bens regressam a posse do Sultão.
Esses grandes senhores, enquanto exercem a autoridade, podem mudar de
sociedade dominante, de elite, como quem muda de camisa e não hesitam em fazer.
(P. 79) A cúpula da sociedade renova-se, pois, com frequência, as famílias não
têm possibilidade de nela instalar-se em definitivo. Grandes comerciantes não
conseguem manter a sua posição, para além de uma única geração.
A tese de Braudel: há condições de natureza social para a manifestação e
para o triunfo do capitalismo. O capitalismo exige que haja uma certa tranquilidade
na ordem social, uma neutralidade, ou complacência por parte do Estado. No
próprio ocidente, essa complacência tem vários graus.
O capitalismo necessita de uma hierarquia. Mas o que é hierarquia para
um historiador que tem visto desfilar à sua frente centenas de sociedades,
todas possuindo as suas hierarquias respectivas?
(P. 80) Todas habitadas no topo por um punhado de privilegiados e de
responsáveis.
Nesta extensa perspectiva da história, o capitalismo é um visitante de
última hora; só chega quando tudo está preparado.
(P. 81) 3º Capitulo: O Tempo do Mundo.
(P. 83) O tempo do mundo sugere, por si, a minha pretensão: vincular o
capitalismo, a sua evolução e os seus meios, a uma história geral do mundo.
Este mundo afirma-se sob o signo da desigualdade. Países abastados por
um lado e países subdesenvolvidos por outro.
(P. 84) Os países abastados e os países pobres não tem sido imutavelmente
os mesmos. O mundo é uma espécie de sociedade, tão hierarquizada como qualquer
outra sociedade.
I.
(P. 85) Vamos utilizar duas expressões: economia mundial e economia-mundo.
Por economia mundial entende-se a economia do mundo globalmente
considerado.
Por economia-mundo (termo forjado por Braudel), entendo a economia de
uma porção do nosso planeta, desde que forme um todo econômico. O mediterrâneo
no séc. XVI era por si só uma economia-mundo. “Um mundo em si e para si”.
Uma economia mundo pode definir-se por:
1º ocupa determinado especo geográfico; tem, portanto, limites, que a
explicam, e que variam, embora bastante devagar. De tempos a tempos, com longos
intervalos, há mesmo inevitáveis rupturas.
(P. 86) 2º uma economia-mundo submete-se a um pólo, a um centro, representado
por uma cidade dominante, outrora uma cidade-estado, hoje uma grande capital
econômica. Podem coexistir, e até de forma prolongada, dois centros em uma
mesma economia-mundo. Mas uma sempre acaba triunfando.
3º Todas as economias–mundo se dividem em zonas sucessivas. Há o
coração, isto é a zona que se estende em torno do centro. Depois as zonas
intermediarias à volta do eixo central e finalmente, surgem-nos as margens
vastíssimas que, na divisão do trabalho que caracteriza uma economia-mundo, mas
do que participantes são subordinados e dependentes. Nestas zonas periféricas,
a vida doa homens faz lembra o purgatório ou o inferno.
(P. 87) Para Immanuel Wallerstein não existe outra economia-mundo, senão
as da Europa, estabelecidas somente a partir do séc. XVI.
Para Fernand Braudel, o mundo tinha se dividido, muito antes de ser
totalmente conhecido pelos Europeus, desde a Idade Média até a Antiguidade. Em
várias economias-mundo coexistentes.
(P. 88) Estas economias, que coexistem, não tendo entre si senão trocas
extremamente limitadas, partilham o espaço habitado do planeta, de um e de
outro lado, de regiões limítrofes bastante vastas, que o comércio tem
geralmente pouca vantagem em atravessar, salvo raras exceções.
(P. 89) Essas economias, que tão lentamente mudam de forma, revelam uma
história profunda do mundo.
Como é que sucessivas economias-mundo, elaboradas na Europa a partir da
expansão europeia, explicam, ou não, os jogos do capitalismo e a sua própria
expansão. Essas economias-mundo típicas foram matrizes do capitalismo europeu e
posteriormente do capitalismo mundial.
II.
(P. 90) Todas as vezes que ocorre um descentramento, dá se inversamente um
recentramento, como se uma economia-mundo não pudesse viver sem um centro de
gravidade, sem um pólo.
(P. 91) Crises econômicas fortes, abatem o centro antigo, já antes
ameaçado, e confirma a emergência do novo centro.
Centramento, descentramento e recentramento parecem estar ligados, em
regra, a crises prolongadas da economia geral.
(P. 94) O esplendor, a riqueza, a felicidade de viver, concentram-se no
centro da economia-mundo, no seu coração. Ai se evidenciam os preços e os
salários elevados, a banca, as mercadorias, as indústrias lucrativas, as
agriculturas capitalistas.
(P. 95) Este nível de existência desce um traço, na escala, quando
chegamos aos países intermediários, vizinhos do centro. Nestes, há poucos,
camponeses livres, poucos homens livres, trocas imperfeitas, organizações
bancárias e financeiras incompletas, muitas vezes mantidas do exterior,
indústrias relativamente tradicionais.
Quando nos debruçamos sobre as regiões marginais à situação fica inda
pior.
(P. 96) Por exemplo: A economia-mundo europeia, em 1650, é a justaposição,
a coexistência de sociedades, que vão de uma sociedade já capitalista como a
holandesa, até sociedades onde a imprensa a servidão e a escravatura, no fundo
da escala.
Esta simultaneidade, este sincronismo, levanta-nos, de novo e ao mesmo
tempo, todos os problemas: o capitalismo vive deste escalonamento regular: As
zonas exteriores alimentam as zonas médias e sobretudo, as zonas centrais. E o
que é o centro, senão a ponte dominante, a superestrutura capitalista de toda a
construção?
Como há uma reciprocidade de perspectiva, se o centro depende dos
abastecimentos da periferia, esta depende das necessidades do centro, que lhe
dita a sua lei.
(P. 97) Daí o peso da afirmação de Immanuel Wallerstein: o capitalismo é
uma criação da desigualdade no mundo, para se desenvolver, precisa da
conivência da economia internacional. É filho da organização autoritária de um
espaço sem dúvida desmedido. Não teria surgido tão vicejantemente[2] num
espaço econômico restrito. Talvez nem sequer tivesse surgido sem o recurso ao
trabalho servil dos outros.
Esta tese apresenta uma interpretação bem diversa do habitual
modelo em sequência: escravidão, servidão, capitalismo.
Põe em destaque uma simultaneidade, um sincronismo demasiado singular
para não ter um vasto alcance. Mas não explica, nem pode explicar tudo.
Pelos menos em relação a um determinado ponto, que penso ser essencial
para as origens do capitalismo moderno, isto é, tudo o que passa para além das
fronteiras da economia-mundo europeia.
III.
(P. 98) Note-se que, até por volta de 1750, esses
centros dominadores foram sempre cidades. Cidades-estados.
(P. 99) Podemos dizer que Amsterdã, que em meados dos séc.XVIII domina o
mundo da economia, foi a última “polis” da história.
Surge Londres, nova soberana, não é uma cidade-estado, é a capital das
Ilhas Britânicas, o que lhe dá força de um mercado nacional.
Temos, portanto, duas fases: A das criações e dos domínios urbanos. E a
das criações e dos domínios nacionais.
Até 1750, a Europa terá girado sucessivamente em torno de cidades
essenciais, que pelo seu papel, se transformam em monstros sagrados: Veneza,
Antuérpia, Gênova, Amsterdã.
(P. 103) Uma economia nacional é um espaço político que foi transformado
pelo Estado, devido às necessidades e às inovações da vida material, em um
espaço econômico coerente, unificado, cujas atividades podem ser desenvolvidas
em conjunto numa mesma direção. Só a Inglaterra terá podido realizar tal
façanha precocemente.
Nesse país, é costume falar-se em revoluções: revolução agrícola,
política, financeira, industrial. Será necessário acrescentar a esta lista a
revolução que criou o mercado nacional inglês.
(P. 104) Otto Hintze foi um dos primeiros a subliminar a importância dessa
transformação, que se deve à relativa abundância dos meios de transporte, num
território bastante pequeno.
As províncias inglesas trocam os seus produtos e exportam-nos por
intermédio de Londres, tanto mais que o espaço inglês se libertou muito cedo de
alfândegas e de portagens internas. E por último, a Inglaterra efetuou a sua
união com a Escócia em 1701, e em 1801, com a Irlanda.
(P. 105) Londres, centro econômico e político desde o séc. XVI. Formou-se
rapidamente, modelou o mercado inglês, de acordo com suas conveniências, ou
seja, conveniência dos grandes comerciantes da cidade.
(P. 106) A insularidade da Inglaterra ajudou-a a separar-se dos outros, a
libertar-se das ingerências do capitalismo estrangeiro.
(P. 107) Com a ascensão de Londres, vira-se mais uma página da história
econômica da Europa e do mundo, pois a afirmação da preponderância econômica da
Inglaterra, preponderância que abrange a liderança política, marca o fim de uma
era multissecular, a das economias dirigidas por cidades e a das
economias-mundo.
Pela primeira vez, a economia mundial europeia, atropelando as outras
economias, vai pretender dominar a economia mundial e identificar-se com ela.
IV.
(P. 108) A revolução industrial inglesa, foi para a continuação da
preponderância da ilha, como um banho de rejuvenescimento, um contrato renovado
com o poder.
Pretendo assinalar em que medida a industrialização inglesa segue os
esquemas e os modelos que tracei e em que medida ela se integra na história
geral do capitalismo, tão rica já em golpes de teatro.
Convém tornar claro que o termo revolução é aqui utilizado em sentido
inverso. Revolução é um movimento de uma roda, de um astro que gira, um
movimento rápido: desde o movimento em que se inicia, sabemos que vai terminar,
bastante depressa.
Ora, a Revolução Industrial foi um movimento lento por excelência e
difícil de detectar, no início. O próprio Adam Smith viveu no meio dos
primeiros indícios, sem se dar conta.
(P. 111) Por que a Inglaterra?
Existem várias versões inglesas sobre o fato. Mas a tendência é para
considerar, cada vez mais, a Revolução Industrial um fenômeno lento e de
conjunto, vinculado por causas longínquas e profundas.
O que nos parecerá mais surpreendente é o fato de o boom da Revolução
das Maquinas inglesa, da 1º produção em massa, ter podido desenvolver-se, no
final do séc. XVIII e para além do séc. XIX, num fantástico crescimento
nacional.
(P. 112) Os campos esvaziaram-se da população masculina, na Inglaterra, mantendo,
simultaneamente, a sua capacidade de produção. Os novos industriais encontraram
a mão-de-obra, qualificada ou não, de que necessitavam. O marcado interno
continuou a desenvolver-se, não obstante a alta de preços. A técnica cumpriu o
seu papel, prestando regularmente os serviços necessários. Os mercados externos
abriram-se, em cadeia, um após o outro. E mesmo os lucros descendentes (como o
algodão) não provocaram qualquer crise, pois os capitais acumulados
transferiram-se para os caminhos de ferro.
Em suma, todos os setores da economia inglesa corresponderam às
exigências dessa súbita aceleração na produção, nada a bloqueou.
(P. 113) A Revolução inglesa não teria certamente sido o que foi se não se
verificassem circunstâncias que fizeram, da Inglaterra praticamente a senhora
incontestável do mundo inteiro.
A Revolução Francesa e as guerras napoleônicas contribuíram para isso.
E se o boom do algodão se instalou extensa e duradouramente, foi porque
a abertura de novos mercados (América, império Turco, as Índias...) permitiu
sempre pôr o motor de novo em movimento.
O mundo foi, eficaz e involuntariamente, cúmplice da Revolução Inglesa.
Para essa tese existem: os que aceitam apenas uma explicação interna do
capitalismo e da Revolução Industrial pela transformação (local) das estruturas
socioeconômicas. E os que aceitam apenas a explicação externa (a exploração
imperialista do mundo na verdade).
(P. 114) Não explora o mundo quem quer. É necessário para isso possuir de antemão
um poder lentamente amadurecido. Que embora resulte de uma lenta ação sobre si,
reforça-se pela exploração dos outros. No decurso desse duplo processo, a
distância entre esse poder e os outros aumenta.
As duas explicações (interna e externa) estão inextricavelmente ligadas.
Braudel termina fazendo uma análise: o que penso acerca do mundo e do
capitalismo de hoje vistos à luz do mundo e do capitalismo de ontem é: é certo
que o capitalismo atual mudou extraordinariamente de envergadura e proporções.
Ajustou-se às dimensões das trocas de base e dos meios ampliados. Porém a
natureza do capitalismo não mudou radicalmente.
Para provar Braudel apresenta três argumentos:
(P. 115) 1º o capitalismo assenta, ainda, sobre uma exploração dos recursos
e das possibilidades internacionais. Existe à escala mundial, ou pelo menos aspira
o mundo inteiro. Atualmente, o seu maior problema é refazer esse universalismo.
2º apoia-se ainda e sempre, em monopólios de direito ou de fato, apensar
de todas as violências que por essa razão se tem desencadeado contra si. A
organização continua a conseguir contornar o mercado. E não é justo considerar
esse fato como algo absolutamente novo.
3º apesar do que geralmente se diz, o capitalismo não abarca toda a
economia, toda a sociedade em atividade. Não consegue encerrar nem uma, nem
outra, num sistema, o seu, que seria perfeito.
(P. 116) Tudo isso confirma a opinião de Braudel:
O capitalismo decorre das atividades orgânicas de cúpula, ou que tendem
para a cúpula. E este capitalismo de grande fôlego paira sobre uma dupla camada
subjacente, constituída pela vida material e pela economia corrente de mercado
e representa uma faixa de lucro elevado.
Bibliografia:
BRAUDEL; Fernand: “A Dinâmica da Capitalismo”. Ed. Teorema,
Lisboa 1985, (pág 12-116).
Parabéns pelo blog! Está entre meus favoritos.
ResponderExcluirUm abraço.
Muito obrigado é sempre muito bom receber um elogio!
ResponderExcluirAbraço
Muito bom
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