sexta-feira, 23 de abril de 2010

FICHAMENTO: RUDÉ, George: “A MULTIDÃO NA HISTÓRIA”.

Cap. 11: A Revolução Francesa de 1848.

(P.179). Dois fatores fizeram com que as multidões da revolução francesa não fossem idênticas às da de 1789. Um deles foi o início da industria moderna; o outro, a difusão das idéias socialistas, entre a população industrial e trabalhadora.    (...)

Fora dessas industrias, a “revolução” tinha feito pouco progresso sociais. A população de Paris passara a pouco mais de 1 milhão de habitantes, mas ainda era uma cidade de manufaturas, industriais domésticas e de pequenos artesanatos.

(P.181). Havia apenas 5 trabalhadores para cada patrão, e os principais centros da população trabalhadora eram ainda os velhos bairros e mercados de 1789. Eram o banqueiro, o comerciante manufatureiro, o especulador e o dono de terras, e não o industrial, que davam as cartas e formavam a espinha dorsal do que Marx chamou de “a sociedade anônima para a exploração da riqueza nacional da França”.

Embora a transformação social e industrial fosse lenta, as novas idéias nasciam depressa; e a década de 1830 viu um notável desenvolvimento da educação política industrial francesa. O que havia de novo na década de 1830, depois da experiência de julho, era o fato de os trabalhadores estarem começando a se associar em grupos organizados a fim de participar das questões políticas. E tinham objetivos sociais muito mais profundos do que um simples aumento de salários e a existência de empregos, 1830 é considerado como o nascimento do moderno movimento trabalhador.

Ocorreu numa época em que a habitação era miserável, os salários eram baixos, e a depressão predominava, e foi seguido, em Paris, por uma série de motins e insurreições armadas que visavam principalmente o próprio governo.

(P.182). Pela primeira vez, encontramos os mesmos trabalhadores empenhados em sucessivas manifestações políticas. Isto não era visto em revoluções anteriores e constitui um marco na história da ação e das idéias da classe trabalhadora.

Logo depois do segundo levante de Lyon, em abril de 1834, essa fase de motins políticos terminou, mas a fermentação das idéias políticas continuou. No mesmo ano a palavra “socialista” foi usada pela primeira vez por Pierre Leroux, e as idéias de Bebeuf, Blanqui, Barbès, Blanc, Cabet, Proudhon e dos Saint-Simonianos começaram a circular entre os trabalhadores. Seus remédios iam de medidas reformistas até a guerra de classe e insurreição armada: Eles ressaltavam a necessidade de igualdade de distribuição da propriedade publica e da riqueza nacional. Todos eles se dirigiam aos trabalhadores o que era algo novo.

Surgiram assim sociedade secretas e clubes, onde Alexis de Tocqueville discursou em janeiro de 1848, ele advertiu que “ as classes trabalhadoras ...estão formando gradualmente opiniões e idéias destinadas não só a modificar esta ou aquela lei, ministério, e até mesmo forma de governo, como a própria sociedade”.

(P.183). A revolução eclodiu em Paris, 4 semanas depois. O movimento começou com uma campanha, apoiada pela oposição liberal, de organizar banquetes em favor do sufrágio. Quando Guizot proibiu o banquete, os lideres da oposição de afastaram e os jornalistas radicais republicanos de Le National e La Réforme assumiram o movimento e organizando grandes manifestações populares de apoio. A essa altura a Guarda Nacional Burguesa, em vez de dispersas a multidão ficou com os reformadores. O rei demitiu Guizot. Mas as manifestação cresceram em força e tiveram apoio nos bairros populares. No Boulevard des Capucines, vários manifestantes foram mortos e feridos num sangrento choque com os soldados. Isso deu um novo objetivo e direção aos motins: lojas de armas foram saqueadas e, na manhã de 24 de fevereiro, Paris estava em franca revolta.

O rei abdicou e fugiu para a Inglaterra. As multidões invadiram a Câmara dos Deputados e depuseram os antigos fazedores de constituição, receberam e aclamaram um novo governo “provisório” escolhido das listas de nomes apresentados pelos jornalistas liberais e radicais. As multidões, lembrando-se da “traição” de 1830, estavam decididas a colher sua parte da vitória, assim, o governo tinha mais dois nomes: O do líder socialista Louis Blanc e do metalúrgico Albert.

Nos dias seguintes, manifestações de massa apoiadas pelos socialistas e pelos clubes arrancaram do Governo Provisório várias concessões: a promessa do “direito do trabalhador”, oficinas “nacionais” para aos desempregados; 10 horas de trabalho por dia, a abolição da prisão por dívidas, o sufrágio masculino adulto e a proclamação imediata da República.

(P.184). Assim, os assalariados não só tinham, como em 1789 e 1830, ajudado a fazer a revolução mas também, uma vez obtida a vitória inicial, continuaram a deixar sua marca sobre ela.

Em revoluções anteriores, tinham seguido as idéias e lemas de burguesia, mesmo quando ocasionalmente os adaptavam para seu próprio uso. Desta vez, estavam organizados em seus clubes políticos e associações profissionais próprios, marchavam sob bandeiras e lideres próprios e estavam profundamente imbuídos das novas idéias do socialismo.

Mas se em Paris, os assalariados tinham sido capazes de dar nova forma e conteúdo a uma revolução popular, nas províncias, predominavam as velhas formas.

(P.185). A visão dos trabalhadores no Palácio de Luxemburgo, onde Louis Blanc tinha estalado seu “parlamento dos trabalhadores”, começava a alarmar muitos, que embora revolucionários em fevereiro, (agora em junho) partilhavam da preocupação de Tocqueville, de que “a propriedade” poderia ser ameaçada.

Um mês depois, os clubes e a Comissão do Luxemburgo, de Blanc, combinaram uma grande manifestação dos trabalhadores, com o objetivo de adiar as eleições para a nova Assembléia, e pressionar o governo a criar uma “República democrática” baseada na “abolição da exploração do homem pelo homem” e na “organização do trabalho pela associação”. Os membros não socialistas do governo atemorizaram-se e convocaram a Guarda Nacional para uma contramanifestação.

No Hotel de Ville, os delegados da Guarda Nacional é que foram recebidos com honras; a representação dos trabalhadores foi menosprezada e recebida aos gritos de “abaixo os comunistas !”. O rompimento entre o governo e os socialistas era agora completo.

(P.187). As eleições nacionais realizaram-se uma quinzena depois e foram um trunfo para os republicanos moderados que conquistaram mais de 500 lugares, enquanto os socialistas ficaram com menos de 100 membros.

Numa tentativa de restabelecer o equilíbrio, os lideres dos clubes resolveram promover outra “insurreição”. Em 15 de maio, seus seguidores desarmados, apoiados por 14.000 trabalhadores desempregados das oficinas nacionais invadiram a Assembléia para apresentar uma petição em favor da guerra contra a Rússia a em defesa da Polônia. Na confusão que se seguiu, alguns de seus porta-vozes declararam dissolvida a assembléia e leram uma lista de novos membros para o governo provisório, que continha socialistas e líderes dos clubes. Mas logo a Guarda Nacional chegou, foram facilmente dispersados.

A Assembléia e o Conselho Executivo, trataram o incidente como uma tentativa de golpe de Estado. Blanqui, Raspail, Barbès e Albert, e cerca de mais 400 foram presos. A comissão do Luxemburgo, de Blanc, foi fechada. E as oficinas nacionais com seus 115.000 internos, foram dissolvidas.

(P.188). Os mais vigorosos líderes trabalhadores estavam presos, graças a essa falta de liderança política, surgiu um estranho místico de nome Louis Pujol, auto intitulado o “profeta da desgraça” que se tornou porta voz dos trabalhadores.

Em 22 de junho, cerca de 1.500 trabalhadores, mandaram uma delegação de 56 delegados para parlamentar com o governo no palácio de Luxemburgo. Marie recebeu Pujol e 5 outros, tratou-os com pouca cortesia respondendo as ameaças de Pujol com outras ameaças. Naquela mesma noite realizou-se na Bastilha um comício, onde falou Pujol. Enquanto os manifestantes voltavam pelas avenidas, surgiu um grito “às armas!”, e a primeira barricada, feita de ônibus derrubados, colchões e pedras de pavimentação, foi levantada perto da Ponte St. Denis.

A insurreição durou 3 dias e estendeu-se muito além das fileiras dos trabalhadores de oficinas. Os revoltosos não tiveram muita dificuldade para encontrar armas: muitos eram antigos soldados, outros eram Guardas Nacionais. O numero de armas podem ter chegado a 100.000.

A exigência imediata era dupla: Restabelecer as oficinas nacionais e dissolver a Assembléia que as tinha fechado. Quando outros trabalhadores se juntaram aos insurgentes, novos objetivos foram acrescentados.

(P.189). Para enfrentar os rebeldes, o governo podia usar 30.000 soldados regulares, 16.000 gardes móbiles, 2.000 Guardas Republicanos e, teoricamente a Guarda Nacional. Mas só os dos distritos do oeste eram confiáveis. Com o desenrolar das lutas as ferrovias trouxeram vigoroso apoio, na forma de voluntários de todas as partes do país. “Entre eles (escreveu Tocqueville), camponeses, pequenos lojistas, donos de terras e nobres, todos misturados nas mesmas fileiras...Era evidente, partir daquele momento, que terminaríamos vencendo, pois os insurgentes não recebiam reforços, ao paço que nós tínhamos toda a França como reserva”. Muitos socialistas se recusaram a participar, outros só o fizeram depois de iniciada a luta armada. Acima de tudo, na que se relaciona com o resto da França, os trabalhadores parisienses estavam numa posição perigosa e isolada.

No dia 24, as forças da ordem conseguiram varrer os últimos centros de resistência no norte e no sul da cidade, e os rebeldes provocaram indignação ao balearem o general Bréa e o arcebispo de Paris, que tinham ido oferecer mediação.

(P.190). Na manhã do dia 26, uma comissão oferecia a deposição de armas em troca de anistia, Cavaignac, porém, insistiu na rendição incondicional e, pouco depois de reiniciada a batalha, conseguiu impô-la. A insurreição estava terminada.

A contagem de 2.000 mortos e feridos, feita pela policia, é provavelmente uma subestimativa. 15.000 pessoas foram presas, 6.374foram libertadas após interrogatório. Mais de 4.000 foram condenados a prisão em fortalezas ou em degredo para a Argélia. Só os assassinos do general Bréa foram guilhotinados. Os clubes e jornais revolucionários foram fechados. Livres dos socialistas e do medo de novas ações operárias, a Assembléia pode desmantelar o que restava da República “social” e levantar outra que correspondia melhor aos interesses dos vencedores.

Marx e Tocqueville, embora divergindo quanto aos detalhes, concordavam que se tratava de uma luta de classe contra classe, que marcou um ponto culminante na história da França. Segundo Tocqueville, o que a distinguiu dos acontecimentos dos 60 anos anteriores, foi o fato de não visar uma modificação na forma de governo, e sim alteração da ordem da sociedade. Para Marx, foi, precisamente uma luta do Proletariado e da burguesia, onde a revolução significava a “derrubada da sociedade burguesa, ao passo que, antes de fevereiro, significava a derrubada da forma do Estado”. Para os contemporâneos que não conheciam expressões como “guerra de classes”, a revolta de junho foi um protesto armado dos trabalhadores de Paris, se não contra os capitalistas, pelo menos contra os donos de propriedades, ou os ricos.

(P.191). Será esta interpretação aceitável ou precisa ser revista? O conflito não foi, certamente, entre trabalhadores de fábricas e seus empregados. É até mesmo provável que, entre os presos, os pequenos mestres, os donos de lojas e os artesãos independentes fossem mais numerosos do que os assalariados.

Remi Gossez acrescenta que não havia distinções de classe nítidas entre as duas forças em oposição. Por isso, ele conclui que, embora o conflito social fosse bastante autêntico, colocou lado a lado pequenos produtores, inquilinos e sublocatários ( e não apenas assalariados) contra lojistas e comerciantes, e contra donos de terras e principalmente locatários e não contra donos de fábricas, mestres e empregados industriais.

(P.192). Por mais notáveis que sejam certas semelhanças entre as multidões de 1789 e de junho de 1848, as diferenças são igualmente grandes. Em primeiro lugar, na revolução mais antiga, a iniciativa foi tomada, geralmente pelos mestres das oficinas, mais alfabetizados e de melhor formação política. No segundo movimento, o ímpeto inicial veio dos trabalhadores das oficinas nacionais.

Em junho foi apenas uma minoria dos trabalhadores em oficinas que participou: fato devido à decisão do governo de continuar a pagar salários, mesmo depois de iniciada a luta. A espinha dorsal da insurreição vinha de outros grupos. Assim, os trabalhadores de construção representam a maior categoria de presos, e já se notou que cada um dos principais centros de resistência era sustentado por sua associação profissional característica.

(P.193). Marx pode ter olhado demasiado à frente ao escrever como se o proletariado parisiense já estivesse totalmente formado. Mas tinha razão ao ressaltar as novas relações que se desenvolviam entre as classes e seu significado para toda a Europa.

Bibliografia:
RUDÉ, George: “A MULTIDÃO NA HISTÓRIA”.Estudo dos movimentos populares na França e na Inglaterra 1730-1848. ed Campus. Pág 179-194.


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