terça-feira, 10 de julho de 2018

Empiristas dos séculos XVII e XVIII



(P.181) Cap. 09: Gelo quente e fogo frio.
(P.182) “Em geral, os erros em religião são perigosos; enquanto que os erros em filosofia são apenas ridículos” David Hume.
(P.183) O Gênio escapou.
Apesar de suas diferenças, Descartes, Spinoza e Leibniz eram racionalistas. Acreditavam que a razão fosse o alicerce de todo conhecimento possível. E que a mente humana era capaz de comprovar a existência objetiva do mundo, desde que não fosse ludibriado pelos sentidos.
Nos séculos XVII e XVIII porém uma série de filósofos questionaram esse entusiasmo racionalista e traçaram limites para o conhecimento humano com doses variadas de ceticismo.
(P.184) John Locke (1632-1704): diferente de Descartes e sua doutrina platônica de ideias inatas, para Locke todas as informações que dispomos chegam até nós de forma empírica[1], através de nosso conhecimento de mundo. É assim que formamos o nosso conhecimento (arquivando de tudo o que sabemos do mundo) e nosso entendimento (forma como articulamos aquilo que conhecemos).
O filósofo inglês é o pai do empirismo, doutrina que defende que a base do conhecimento é a experiência e não a razão pura. “A cera pode derreter, mudar de forma e queimar nossos dedos, mas ela é tudo o que nós temos”. A experiência não nos revela sempre a plenitude da verdade, mas ela é tudo o que temos.
 (P.185) Além disso, Locke foi o primeiro pensador a formular o problema da identidade pessoal na filosofia moderna. Locke perguntava-se “o que faz com que uma pessoa siga sendo a mesma ao longo do tempo?” Aquela criança que fazia traquinagem é o mesmo adulto de hoje? Para responder a essa pergunta, Locke diferencia ser humano de pessoa. Ser humano é o animal humano e dura enquanto o corpo durar. Pessoa é um ser pensante e inteligente é o que garante que eu sou hoje o mesmo de três décadas atrás, por isso minhas memórias que me ligam ao passado é a memória que define a minha identidade.
(P.186) Thomas Reid (1710-1796): discorda dessa importância exagerada à memória na formação da identidade pessoal. Nos esquecemos de muitas coisas que passamos, assim as lembranças não podem ser critério de identidade.
Mas defendendo Locke, podemos entender que apesar de não nos lembrarmos efetivamente de muitas coisas, mas a personalidade pessoal talvez seja como uma corrente cujos elos são as memórias interligadas, onde vários elos mnemônicos ligam o que éramos ao que somos.
(P.187) A Árvore que só Deus vê.
O irlandês George Berkeley (1685-1753) acreditava que todo conhecimento vem dos sentidos (era um empirista). Locke e Descartes acreditavam no dualismo de que mente e matéria eram duas coisas separadas. Para Berkeley este tipo de divisão era algo supérfluo.
(P.188) Para ele tudo o que conhecemos é o que os nossos sentidos mostraram (cheiros, ruídos, cores, etc), mas nada em nossas percepções garante que haja substância física por trás dessas percepções. Assim, a existência de coisas materiais depende de nossas percepções, sabemos que existe uma ideia de mesa, por exemplo, e ideia não pode existir fora de nossa mente. Logo, podemos afirmar apenas a existência de duas coisas: nossa própria mente e as ideias que fazemos do mundo.
(P.189) Ou seja, até onde sabemos, as coisas externas só existem no momento em que alguém as vê, toca, sente e escuta. “Existir é ser percebido”.
Se é assim como é possível que as cosas tenham uma existência contínua? Se uma árvore só existe enquanto é percebida o que acontece quando ninguém está olhando? Berkeley responde o mundo externo só existe porque a mente de Deus o percebe continuamente. Para ele esse é o argumento definitivo para a existência de um ser divino, sem Deus o mundo existiria em saltos e intervalos aparecendo e desaparecendo quando observado. O Deus de Berkeley é um Deus onipotente.
Os gostos das maças.
David Hume (1711-1776) aplicou o mesmo raciocínio de Berkeley à consciência individual. Sua obra é o ápice do ceticismo. As ideias de Hume nos levam a um beco sem saída onde apenas escapamos se andarmos para trás (transcendendo o beco, como faz Kant).
(P.190) Segundo Berkeley, nada nos garante que haja um objeto real por trás das impressões dos sentidos; Hume afirma que tampouco podemos ter certeza de que exista uma mente realizando e unificando as percepções.
Nada em nossas experiências garante que o cogito, ergo sum de Descartes esteja certo. O máximo que podemos dizer, de forma totalmente empírica é “existem pensamentos” ou “algo pensa”. Concluir que esse seja eu seria um salto de fé.
Além da identidade pessoal, Hume questionou outros dois pilares do conhecimento humano: o raciocínio indutivo e a noções de causalidade
Indução: forma de raciocínio que vai do particular ao geral, pela observação de uma determinada regularidade nos acontecimentos do mundo. Ex: comi uma maçã na segunda, na terça, na quarta e na quinta e todas tinham um sabor entre o doce e o azedo. Na sexta estou com uma maçã na mão e mesmo sem mordê-la tenho quase certeza de que ela possuí o mesmo sabor. A maçã de hoje pode estar bichada, podre, mas tenho certeza de que ela nunca terá, por exemplo, sabor de carne, bacon, plástico, etc.
A causalidade: é o agente que liga dois processos, sendo um a causa e outro o efeito, em que o primeiro é entendido como sendo, ao menos em parte, responsável pela existência do segundo, de tal modo que o segundo é dependente do primeiro.
(P. 191) O mesmo tipo de raciocínio – indutivo – governa todas as nossas expectativas sobre o futuro. Para Hume a indução não é racional, pois todos os fatos no qual ela se baseia aconteceram no passado; e não temos garantia alguma de que o futuro será igual.
Fonte:
BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.181-191

[1] Empírico é um fato que se apoia somente em experiências vividas, na observação de coisas, e não em teorias e métodos científicos. Empírico é aquele conhecimento adquirido durante toda a vida, no dia-a-dia, que não tem comprovação científica nenhuma.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

O Deus de Spinoza


(P.165) Cap. 08: Sob o olhar da eternidade.
(P.166) “Apenas Deus existe; e além de Deus, nada pode ser concebido” Spinoza.
(P.167) Todo mundo é um capítulo.
(P.168) Baruch Spinoza (1632-1677), descendente de judeus portugueses que chegaram aos Países Baixos no século XVII. Gentil, dócil e delicado, Spinoza desde criança apresentava habilidades intelectuais fora do comum. Em sua comunidade judaica todos acreditavam que seria o próximo líder espiritual. Lia dos clássicos, mas dedicava-se mesmo ao estudo de Descartes. Aos 23 anos foi excomungado do judaísmo por opiniões tidas como heréticas, sendo obrigado a se exilar. Despertou admiradores por toda Europa até que morreu em 1677.
(P.172) O Deus de Spinoza.
Spinoza sempre foi acusado de ser ateu, o que é uma ironia já que sua obra é dominada pela ideia de Deus.
No cerne de seu pensamento, está o intuito de adequar o mundo determinista de Descartes a um ideal de vida ético, reverente e piedoso.
(P.173) Spinoza tinha como objetivo traçar um plano filosófico para a máxima felicidade humana neste mundo; mas antes queria elaborar uma cartografia do universo, buscando a chave essencial para decifrar tudo o que existe.
Os pré-socráticos buscavam a physis[1] do universo. Spinoza também e para ele o elemento constitutivo do universo era Deus ou a Natureza.
(P.174) No monoteísmo Deus e o mundo existem de forma separada, onde Deus criou e Deus controla o mundo. Para o ateísmo o mundo existe sem um Deus. Para Spinoza Deus existe dentro do universo.
O Deus de Spinoza não é um monarca arbitrário que em algum lugar do cosmos dita todos os acontecimentos terrenos ao sabor de suas oscilações de humor. (P.175) Para ele os acontecimentos do universo são estritamente lógicos e racionais. Deus não poderia diferente do que é, e nem criar um universo diferente do que existe.
Segundo a bíblia, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança. Para Spinoza, Deus não é uma pessoa, nem tem o sexo masculino. O ser humano tende a acreditar que universo existe em seu proveito. “Se um triângulo pudesse falar diria que Deus tem a forma de um triângulo”. Para Spinoza o universo apenas existe e pronto. (P.176) Spinoza diz que ao adorarmos um Deus antropomórfico, estamos adorando a nós mesmos, pois cada cultura cria um deus a sua imagem. O Deus de Spinoza não exige oração, não é bom nem mau. Ele é simplesmente tão grandioso que não faz diferença. Deus seria como a relação entre você e uma célula do seu corpo. Esse Deus impessoal e monstruosamente infinito causou furor entre seus contemporâneos.
O tempo e a eternidade.
Segundo filósofos cristãos como Santo Agostinho, a criação do mundo ocorreu em algum momento específico do passado. O que levantava uma série de perguntas: se nada existia, também não existia o tempo? Deus criou o tempo junto com o universo? O que Deus fazia antes de criar o universo?
(P.177) Para Spinoza a angustia humana decorre de sua limitada visão das coisas. Não percebemos a totalidade do universo e por isso somos dominados por emoções confusas que Spinoza chama de afetos e paixões – entre elas o medo, a esperança e o remorso. O antídoto contra essas mazelas é a compreensão racional do mundo. Sábio é aquele que percebe a ilusão do tempo e passa a contemplar o mundo com os olhos de Deus.
Descartes dizia que a matéria é pré-determinada, mas a mente é livre. Isso criava um paradoxo pois, com minha mente eu influencio a matéria. Ex: jogar uma xícara na parede.
(P.178) Spinoza conclui que nossa mente é tão pré-determinada quanto a matéria. Tentar driblar o determinismo é ilusão. Ex: se ao invés de jogar a xícara eu colocar ela no lugar, já estava tudo pré-determinado.
A ideia de um universo pré-determinado pode ser assustadora. Mas o objetivo de Spinoza não era multiplicar a angústia, mas curá-la. Se tudo é necessário, nosso sofrimento é apenas uma questão de perspectiva. Como um quadro que ao olharmos de perto percebemos apenas borrões, mas ao olhar de longe contemplamos sua beleza.
(P.179) Gottfried Leibnitz defendia o múltiplo. Para ele Deus não imaginou apenas um, mas infinitos universos possíveis – todos eles, de acordo com as leis da lógica. Dentre esses mundos, Deus escolhei o melhor, portanto viveríamos no melhor dos mundos possíveis. Apesar de todo mal existente, em geral a soma dos bens é superior a soma dos males. O deus de Leibnitz é um ser pessoal que criou o universo em algum momento do tempo.

Fonte: 
BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.165-179

[1] O elemento primordial constitutivo de todas as coisas.

domingo, 8 de julho de 2018

Introdução ao pensamento de Descartes


(P.151) Cap. 07: O demônio de Decartes
(P.152) “Penso, logo existo” Descartes.
(P.153) O cético preguiçoso.
René Descartes (1596-1650) viveu em um período de crescente ceticismo onde as certezas da tradição escolástica eram postas em xeque.
(P.154) Descartes percebeu que para cada povo, cada religião, cada escola filosófica, a verdade tinha uma cara distinta. O solo do pensamento humano parecia feito em areia movediça – assim, como avançar em um caminho tão instável?
(P.155) Encontrou a resposta durante um sonho em 1619. Sonhou com duas cidades, primeiro uma totalmente assimétrica, construída por múltiplas mãos ao longo de séculos, onde os escombros do passado impediam que os futuros edifícios se aprumassem direito. A segunda cidade, ao contrário, havia sido planejada por um único arquiteto. Era planejada, limpa, perfeita, sublime, racional.
Descartes convenceu-se de que o mesmo acontecia com a inteligência humana. Antes de erguer o edifício do conhecimento seria necessário limpar o terreno.
(P.156) A partir desse raciocínio surge o método cartesiano: que consiste em duvidar de tudo o que possa ser duvidado. Descartes queria usar a dúvida como uma espécie de filtro para limpar as impurezas do pensamento e assim chegar a verdade.
(P.157) A dúvida hiperbólica.
Descartes começa por identificar as crenças elementares que dão base à nossa visão de mundo – crenças que em nosso dia a dia tomamos como inquestionáveis. Chamadas de necessidades epistemológicas, essas ideias servem para fundamentar o nosso conhecimento de mundo.
O próximo passo é demonstrar que essas bases talvez sejam feitas de barro. Pois, quem garante que a realidade não é uma ilusão, uma vez que meus sentidos podem ser facilmente enganados?
(P.158) Argumento onírico: quando sonhamos tudo nos parece real e não percebemos que estamos sonhando. Portanto, quem me garante que o universo que me cerca não seja uma ilusão criada por um demônio com o objetivo de me ludibriar?
(P.159) O mundo cartesiano.
Descartes mergulha no abismo da dúvida porque desejava sair de lá com certezas sólidas e purificadas.
(P.160) Eis que Descartes resolve sua charada: por mais ardiloso que seja o demônio, ele não poderia me enganar se eu não existisse. Ao pensar que tudo é falso eu não posso negar que estou pensando, se penso, logo existo.
No momento em que duvido de minha própria existência, eu estou comprovando-a, pois se não existisse não poderia duvidar de coisa alguma.
A partir dessa verdade indubitável, Maquiavel parte em busca de outras verdades. Por exemplo, com o penso, logo existo sei de minha existência, mas como posso provar a existência do universo? Maquiavel recorre ao argumento ontológico de Santo Anselmo, onde sem Deus não poderíamos entender o conceito de perfeição, e como Deus é bom criou o universo e não no engana.
(P.161) Com base nestas certezas objetivas, conquistada por meio da dúvida sistemática, Descartes passa então a reconstruir o edifício do conhecimento pelas etapas graduais da razão.
Bom, sabemos que nosso corpo e o universo existem e que essa certeza não veio do mundo físico, mas do pensamento. A partir disso Descartes conclui que existe uma diferença fundamental entre o mundo da matéria e o mundo da mente.
Minha mente é parte essencial de mim mesmo, eu não posso imaginar minha existência sem meus pensamentos. Mas eu posso imaginar uma mente sem olhos, boca, pernas, braços, pele, etc. Sou necessariamente uma coisa que pensa, mas sou apenas acidentalmente um corpo. Assim, Descartes separa o pensamento da matéria. Para ele o mundo físico é determinista ou pré-determinado por eventos anteriores (não há liberdade), apenas há liberdade no mundo da mente.
(P.162) O conhecimento que vem da matéria, por meio dos sentidos, é confuso e inseguro, para ele, só podemos alcançar a essência das coisas por meio da reflexão pura.
Para conhecermos o universo, Descartes busca ideias inatas e intrínsecas da mente humana: o tempo, o movimento, a extensão. A partir disso nos apresenta em seu livro Meditações Metafísicas, o exemplo da cera de abelha que em temperatura ambiente se apresenta de uma forma aos nossos sentidos e em contato com o calor de outra. Assim, para não sermos enganados devemos abstrair todas as conclusões secundárias e analisar a cera a partir de nossas ideias inatas. A cera é uma coisa extensa, flexível e móvel. Dessa maneira, abstraímos as confusões criadas pelos sentidos e compreendemos a cera por meio da razão.
Assim como Platão, Descartes nos conduz por meio da dúvida sistemática às ideias eternas. Com o enigma cético resolvido é possível conhecermos objetivamente o universo, assim como a nós mesmos.
 Fonte:
BOTELHO, José Francisco. Uma Breve História da Filosofia: São Paulo. Abril. 2015. P.151-164