quinta-feira, 8 de março de 2018

Fichamento: Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.



(P.29) Cap. 01: Fronteiras da Europa.
 (P.31) Nosso país é marcado pela tentativa de implantação e aplicação de um sistema estrangeiro europeu em um ambiente desfavorável. Somos desterrados em nossa própria terra. Parece que a civilização que possuímos aqui é fruto de outro clima e de outra paisagem. Apenas o Mundo é Novo, pois a civilização aqui instalada é velha. Para entendermos isso é necessário sabermos que somos herdeiros do que Sérgio Buarque chama de Nação Ibérica (Espanha e Portugal).
(P.32) As nações da Península Ibérica, são em diversos aspectos, muito diferentes das outras nações europeias. Uma grande característica desses países é a valorização do indivíduo independente e autônomo. Quanto menos depender do outro, mais bem quisto é o homem. Assim, em uma terra onde quase todos são barões é impossível um acordo duradouro, a não ser pela força.
Há uma espécie de personalismo exagerado que tem como consequências a tibieza do espírito de organização, da solidariedade e de entendimento sobre os privilégios hereditários. Assim, os privilégios hereditários – respeitadíssimos em países de forte herança feudal – nunca tiveram muita influência nos países ibéricos. Disso resulta a frouxidão da estrutura social, a falta de hierarquia e a tendência a anarquia.
Nossa história nunca teve coesão, ela não é um fenômeno moderno. Assim, erram aqueles que acreditam na defesa da tradição como única defesa a desordem[1].
A hierarquia funda-se em privilégios, e muito antes das revoluções contra esses privilégios explodiram pelo mundo, os ibéricos já pareciam perceber a irracionalidade e a injustiça desses privilégios, em especial os hereditários. O prestígio pessoal, muito mais que o nome, era algo admirado pelos ibéricos, assim eles podem considerarem-se os pioneiros do pensamento moderno neste sentido.
(P.38) Um fato importante sobre a psicologia moral dos ibéricos é a repulsa ao trabalho. Isso explica por que as modernas religiões protestantes, como a Calvinista, não vingaram por lá. Pois, o que os portugueses e espanhóis consideravam como uma vida ideal, era uma vida de senhor, sem esforços e sem preocupações, uma vez que o trabalho manual era inimigo da personalidade, tão estimada nas sociedades ibéricas.
(P.39) Essa carência de moral para o trabalho reflete na reduzida capacidade de organização social do ibérico. O esforço humilde, desinteressado e anônimo comum em sociedades com forte inclinação ao trabalho, são pouco estimadas aqui, o que em geral gera um fraco ideal de solidariedade. Sendo que a solidariedade só existe entre familiares e amigos.
(P.40) O interessante é que a obediência aparece como virtude suprema, já que a disposição para mandar e para cumprir regras são igualmente peculiares. Não existindo outra forma de disciplina que não seja a que se funde na centralização do poder e na obediência. Assim, as ditaduras são tão comuns quanto a anarquia. Sérgio Buarque acredita que mesmo com o contato com os indígenas, este traço cultural ibérico ficou profundamente enraizado em nossa cultura.
(P.41) Cap. 02: Trabalho & Aventura.
(P.43) Os portugueses foram os pioneiros da conquista dos trópicos, sendo essa sua maior missão histórica. Nenhum outro povo europeu seria capaz de realizar essa empreitada, que não se empreendeu de maneira metódica e racional, mas com certo desleixo e abandono.
(P.44) A vida coletiva e os princípios das atividades dos homens podem ser divididas desde o princípio dos tempos entre aventureiros e trabalhadores. Existe uma ética do trabalho e outra da aventura. E cada indivíduo tem por ética uma e detesta a outra. São assim duas éticas opostas.
Aventureiro
Trabalhador
Busca novas experiências;
Estima a segurança e o conforto;
Acomoda-se com o provisório;
Valor moral ao esforço;
Prefere descobrir a consolidar;
Constrói;
Foco na chegada.
Enxerga a dificuldade a vencer.
(P.45) Cada pessoa possuí a combinação dos dois, não existe pessoa que é em estado puro nem um nem o outro. Conceitos não existem fora do mundo das ideias.
Na conquista da colonização da América a figura do trabalhador foi muito limitada, tendo uma atuação quase nula.
(P.46) O gosto pela aventura, a ânsia pela prosperidade fácil, de riqueza sem trabalho é algo muito influente na vida nacional. (P.47) O português aventureiro era extremamente plástico e maleável adaptando-se a qualquer estilo de vida e cultura.
(P.48) Os portugueses e castelhanos criaram o regime que iria servir de modelo para todos os outros povos da Europa que fossem colonizar outras regiões quentes do planeta. A grande quantidade de terras férteis forçou o surgimento do latifúndio e o fracasso do uso da mão-de-obra indígena transformou a escravidão africana em uma necessidade.
(P.49) Só com grandes reservas podemos dizer que o que houve no Brasil foi “agricultura”. O processo de exploração da terra usada no Brasil e uma mescla da técnica europeia e dos métodos rudimentares dos indígenas, o que gerou um método devastador. Não havia o zelo com a terra que deveria ser sugada até sua ruína.
O português veio buscar riqueza que custasse ousadia e não riquezas que custasse trabalho. Assim, a civilização criada pelos portugueses no Brasil com a cana de açúcar não foi uma civilização agrícola por três motivos: 1º o gênio aventureiro, 2º a escassez populacional portuguesa não possibilitou a emigração em larga escala de trabalhadores rurais, 3º a atividade nunca ocupou uma posição central em Portugal.
(P.53) Outro ponto relevante sobre a mentalidade do povo português, além de sua plasticidade, é a ausência de um orgulho de raça. Diferente dos povos do Norte, o povo latino, em especial o português, é um povo mestiço. O sangue português é marcadamente uma mistura com árabes e africanos, sendo no continente os que mais possuem sangue negro. Assim, o Brasil não foi nenhuma novidade, uma vez que a mistura racial já havia começado na Metrópole antes de 1500.
(P.55) De maneira geral os portugueses a raça do indivíduo nunca foi algo determinante para o exercício de determinados empregos. Muito mais decisivo era o labéu (mancha infame na reputação, desonra) associado aos trabalhos considerados vis. Muito mais determinante que a raça para a reputação, era o tipo de trabalho realizado.
(P.57) Uma das grandes consequências da escravidão e da expansão da lavoura latifundiária no sistema colonial brasileiro foi a ausência de outras atividades produtoras, como o artesanato. Enquanto que na América Espanhola tínhamos carpinteiros, alfaiates, confeiteiros, entre outros, no Brasil a organização desses ofícios foi muito discreta.
(P.62) A moral das Senzalas (preguiça) veio imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas do brasileiro da época. Talvez a maior influência deste moral tão avessa ao trabalho esteja refletida na agricultura e nas técnicas primitivas que se instauraram no Brasil.
(P.67) O autor percebe uma espécie de regresso até mesmo nos povos acostumados com ao trato da terra. A pá e a enxada são elementos que apesar de obsoletos em todo mundo, aqui possuem papel de destaque. O arado é algo secundário para o agricultor brasileiro. Outra técnica herdade dos indígenas, são as queimadas para abrir clareiras na plantação.
(P.71) Cap. 03: Herança Rural.
(P.73) Toda cultura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. É preciso considerar esse fato para entender essa influência que, direta ou indiretamente, nos domina até os dias de hoje. Os portugueses não criaram aqui uma civilização agrícola, mas uma civilização de raízes rurais.
A principal característica desta época é a propriedade rústica da terra, que não se modificará até a abolição de 1888, sendo esta a divisão entre duas eras.
(P.74) Entre 1851 e 1855, houve um surto de capitalismo no Brasil com a criação de Bancos, estradas de ferro, telégrafos, etc. Isso golpeou profundamente o sistema escravocrata e mostrou a incompatibilidade do trabalho escravo com a civilização burguesa e o capitalismo moderno.
(P.76) A lei Eusébio de Queirós de 1850, junto com a intensificação das atividades britânicas de repressão ao tráfico foram um duro golpe a estrutura escravista brasileira. A extinção deste comércio, que era a origem de algumas das maiores fortunas brasileiras, deveria forçosamente deslocar os capitais que eram comprometidos com o tráfico negreiro para outras áreas produtivas. (P.77) Criou-se assim uma expectativa de que do tráfico negreiro iria surgir um aparato sem precedentes de nossa história comercial.
Foi um período de euforia e prosperidade, facilidade de crédito e enriquecimento por meio de investimentos e ações, algo totalmente nova para uma elite acostumada à riqueza ligada a posse da terra.
(P.78) A instabilidade dessas novas fortunas era a grande crítica dos ricos do antigo Brasil rural e patriarcal. Eram duas mentalidades rivais que se opunham
(P.79) Um grande exemplo da incompatibilidade entre esses dois sistemas é a crise de 1864, a primeira do Brasil imperial, que ocorreu não por problemas políticos internos ou externos, mas foi o desfecho de uma situação insustentável de tentar vestir um país preso a uma economia escravocrata com trajes modernos de uma democracia burguesa.
O fracasso comercial de Mauá é um indício da incompatibilidade entre as formas de vida copiadas de nações avançadas e o patriarcalismo e personalismo brasileiro.
O patriarcalismo assemelha-se a um espírito de facção, onde os membros estão unidos por vínculos biológicos e afetivos a um chefe. Esta união é sempre relacionada por sentimentos e deveres, nunca por ideias. Este sistema é tão forte que troca de partidos -  coisa comum em outros países – é visto como traição no Brasil.
(P.80) Patriarcalismo herdado de nossas origens rurais, onde a autoridade do proprietário de terras não era questionada.
(P.81) Na zona rural a família é organizada segundo normas clássicas do velho direito romano-canônico, mantidas na península ibérica através de inúmeras gerações. Com o pater-família, agregados e escravos.
(P.82) De todos os setores de nossa sociedade colonial, foi a esfera doméstica a que mais resistiu aos “ataques” da modernidade. O poder paterno é virtualmente ilimitado e sem freio.
O quadro familiar é tão poderoso que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. Para este indivíduo a entidade privada sempre precede a entidade pública.
Com o declínio da vida rural, os filhos dos senhores de engenho migram para as cidades, ingressando em atividades políticas, burocráticas e liberais carregando consigo essa mentalidade.
(P.83) O trabalho mental, que não suja as mãos e não fadiga o corpo, tornou-se a ocupação digna dos senhores de escravos e seus herdeiros. A inteligência, contudo, é usada como ornamento e não como meio de ação, o título de bacharel assemelha-se a um título de nobreza.
(P.84) A “inteligência” celebrada e cultivada era apenas decorativa, essencialmente antimoderno e contrário a Revolução Industrial que via a inteligência como um meio para a produção e o enriquecimento,
(P.85) Cairu observa que a sociedade política e civil no Brasil funciona como um prolongamento da comunidade doméstica, onde o soberano deve ser o chefe ou o cabeça de uma vasta família e amparar a todos como seus filhos. Quanto mais o governo civil realizar essa tarefa filantrópica mais justo e poderoso ele é, e essa obediência do povo é mais voluntária e verdadeira.
A vida patriarcal fornece o grande modelo no qual iremos criar a vida política. – Relação governantes e governados – monarcas e súditos.
(P.89) No Brasil houve uma espécie de Ditadura dos domínios rurais, enquanto que no restante do planeta, a regra era a prosperidade urbana fazer-se as custas dos centros de produção agrícolas graças à formação de classes dominantes não agrárias, aqui e na América Latina podemos perceber que as funções mais levadas eram destinadas aos senhores de terras.
O predomínio do rural sobre o urbano pode ser entendido a partir do fato de que senhores de engenho realmente viviam nos engenhos, indo as cidades apenas em dias de festa, algo que nem a Europa feudal viveu. Durante a maior parte do ano, as cidades brasileiras eram praticamente vazias.
(P.93) Cap. 04: O Semeador e o Ladrilhador.
(P.95) Fundar cidades como um instrumento de dominação é algo tão antigo quanto a humanidade: Alexandre o Grande, os romanos, chineses, persas, etc, usaram destas técnicas.
Enquanto na América Portuguesa as cidades eram meros apêndices da zona rural, os espanhóis foram seguros na efetivação e dominação dos territórios conquistados por meio da conquista militar, econômica e política mediante a criação de inúmeros povoados estáveis e bem ordenados.
(P.96) O zelo e o planejamento espanhol na fundação dessas cidades podem ser percebidas por sua linha retas. Enquanto nas cidades brasileiras não é raro encontrar ruas estreitas e caminhos sinuosos (que ilustram bem a falta de planejamento na construção destas cidades), as cidades coloniais espanholas possuíam ruas retas e planejadas.
A construção das cidades coloniais espanholas deveriam seguir uma série de normas e regras para a sua construção: não serem construídas em terrenos muito altos ou baixos, ruas largas e estreitas dependendo do clima, ter ao centro de sua construção uma igreja e uma praça maior, etc.
(P.97) O esforço português foi predominantemente de exploração comercial, enquanto que os castelhanos viam a América como um prolongamento orgânico de seu reino.
(P.98) Isso se deu por vários motivos: luta pela expansão da fé cristã, clima mais ameno nos territórios espanhóis da América, etc. Em geral a colonização tendeu ao planalto e ao interior.
(P.100) Os portugueses ao contrário, povoaram zonas litorâneas e tropicais. Sendo até mesmo proibido a ida ao interior, já que se temia o despovoamento do litoral.
(P.102) É somente na formação da cidade de São Paulo que a população colonial adquire forma própria. Os paulistas não tinham raízes do outro lado do oceano, pois sua localização e a mestiçagem os afastaram de Portugal.
(P.103) A descoberta de ouro em Minas Gerais levou a uma grande migração para o interior do Brasil e foi determinante para finalmente Portugal por um pouco mais de ordem em sua colônia. Ordem tirânica visando a extração de riquezas diga-se de passagem.
(P.104) O mar para os espanhóis eram um obstáculo a ser ultrapassado, as terras do litoral eram apenas um acesso ao interior de terras temperadas. O português, ao contrário fixou-se no litoral, adentrando o interior somente por vias fluviais.
(P.106) Outro fato interessante é que ao colonizarem ao Brasil, de costa a costa, os portugueses entraram em contato com o grupo Tupi que recém havia conquistado o litoral brasileiro e expulsado outras tribos por meio de guerras tribais, o que deu enorme vantagem ao colono português.
(P.107) Mesmo em seus melhores momentos, a obra realizada na Brasil pelos portugueses teve mais um caráter de feitorização do que de colonização.
(P.109) A rotina e não a razão abstrata foi o princípio que norteou os portugueses. Preferem agir por experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras, à traçar de antemão um plano para segui-lo até o final. Um exemplo é o desordenamento das cidades que aqui surgiram, frente as linhas retas espanholas.
(P.110) Outra característica portuguesa é o seu realismo. Um povo que se nega a transfigurar a realidade por meio da imaginação delirante. Esse apego a realidade português pode ser percebido no fato das conquistas do descobrimento não transformarem-se em narrativas épicas como no caso espanhol.
(P.112) A ascensão social em Portugal nunca foi algo impossível como era em países com uma forte tradição feudal. Assim, a burguesia em ascensão ao enriquecer tinha como ideário tornarem-se fidalgos e aderir a nobreza. A burguesia portuguesa possuía uma mentalidade de nobre. Surge a “nobreza nova” do quinhentismo que ascendeu ao poder pelo trabalho e que ao chegar a nobreza perceberam o trabalho como algo indigno.
(P.116) Segundo o autor, esta obsessão imperial castelhana de tudo controlar e ordenar vem do fato da própria Espanha ser totalmente fragmentada. E a maior abertura de Portugal vem do fato deste país desfrutar de uma unidade política desde o século XIII.
(P.119) Nota ao Cap 04.
1. Vida Intelectual na América Espanhola e no Brasil.
Estima-se que durante a colonização espanhola suas universidades instaladas nas colônias, tenham formado cerca de 150 mil pessoas. O Brasil formou menos de mil na universidade de Coimbra em Portugal.
(P.120) Em 1535 já se imprimiam livros na cidade do México, no Brasil a imprensa só foi definitivamente permitida com a chegada da Família Real.
(P.121) Portugal impunha entraves a intelectualidade brasileira pelo medo da circulação de novas ideias, que pudessem colocar em risco o seu domínio.
(P.122) 2. A Língua geral em São Paulo.
Os bandeirantes paulistas e a própria população da cidade de S. Paulo valiam-se do tupi para a comunicação social e doméstica. As mães falavam em tupi e os filhos aprendiam português na escola.
Em geral a maioria dos falantes da língua geral eram as mulheres, e os homens só se entendiam com elas por essa língua. Fato fácil de entender em meio a uma colonização predominantemente masculina.
A língua geral foi largamente usada no planalto paulista no séc. XVIII, deixando de ser usada na primeira metade do séc. XVIII.
(P.131) É sabido que a expansão bandeirante rumo ao interior deveu-se a carência de mão-de-obra nas lavouras de São Paulo – Zona de difícil acesso aos escravos africanos vindos do litoral na época. O objetivo era claro, alcançar o nível de sedentarismo em São Paulo, dos barões do nordeste que mal precisavam deixar seus engenhos. A mobilidade paulista deu-se em função de um ideário de permanência e estabilidade.
(P.133) 3. Aversão as virtudes econômicas.
As qualidades morais da vida de negócios é diferente do das classes nobres. O primeiro busca crédito, o segundo honra e glória. Os negócios requerem racionalização e despersonalização o que é repulsivo para povos de origem ibérica. Para negociar é necessário, antes de tudo, criar vínculos afetivos.
(P.134) O freguês ou cliente há de assumir de preferência a posição de amigo.
(P.137) O que separará a mentalidade portuguesa e espanhola da de outros povos, não é a temperança nem o gosto da riqueza, não é a falta de avareza, é na verdade a incapacidade de fazer prevalecer qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica sobre as relações sociais que não se fundam no parentesco, na vizinhança ou na amizade.
(P.139) Cap. 05: O Homem Cordial.
(P.141) Apesar do que disseram alguns pensadores do século XIX, o Estado não é descendente direto da estrutura familiar. Na verdade, elas são instituições opostas, só com a transgressão da estrutura familiar é que surge o Estado. Antígona X Creonte – Família X Estado – Pessoal X Coletivo.
(P.142) A transição dos trabalhos das oficinas medievais, onde o artesão e o aprendiz eram muito próximos, pelo sistema industrial de trabalho, onde o empregado nem sabe quem é o patrão é um evento universal e mostra como as instituições baseadas nas relações abstratas, tendem a substituir as de afeto e sangue.
(P.145) No Brasil, onde imperou desde tempos remotos, o tipo de família patriarcal – que é muito ligada a vida rural - a urbanização e o êxodo migratório para as cidades, criou um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje.
(P.146) Não foi fácil para os funcionários públicos, criados dentro destas famílias, compreenderem a distinção fundamental entre o público e o privado. Falta a esse funcionário o caráter da impessoalidade, necessário a vida pública.
A grande contribuição brasileira a civilização será a cordialidade. Daremos ao mundo o homem cordial.
A hospitalidade, a lhaneza no trato, a generosidade do caráter brasileiro mostra a influência ancestral do ruralismo e do patriarcalismo. (P.147) Estas virtudes não significam apenas boas maneiras, civilidade, mas antes de tudo a expressão de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante.
Segundo Sérgio Buarque de Holanda este trato nada tem de polidez ou de boas maneiras, pois estas virtudes são ritos, e não há povo mais distante dessa noção ritualista do que o brasileiro.
(P.148) O brasileiro não é dado à reverências prolongadas, buscando sempre que possível estabelecer relações de intimidade com seu superior.
Na linguística o uso exagerado dos diminutivos (inho) é a maneira de nos familiarizar com pessoas e objetos, levando-os para o lado emotivo.
No trato social tendemos a nos relacionar usando o primeiro nome, ao invés do nome de família, acabando com a barreira de que entre nós existam famílias diferentes.
O brasileiro não conhece qualquer forma de convívio que não seja aquele ditado por um fundo emotivo.
(P.149) A própria religião católica, que permite aos devotos tratarem os santos de maneira intimista converge para isso. A religiosidade que aqui “pegou” é a de superficialidade, menos atenta aos cultos e as cerimônias, e mais apegadas ao colorido. Mais importante que a cerimônia é a festa que a acompanha.
(P.150) Até as religiões protestantes degeneram por aqui.
(P.153) Cap.06: Novos tempos.
(P.158) O sucesso do positivismo no Brasil e nos países latinos, se faz justamente por esse repouso que permite definições irresistíveis e imperativas. Sistema racional que se dizia perfeito, fixo e capaz de resistir a fluidez da vida. A infalibilidade e a rigidez deste pensamento agradaram aos brasileiros, pois não é o pensamento que deve se moldar a realidade, mas a realidade que deve se moldar ao pensamento.
(P.160) O positivismo é apenas um exemplo de todas as ideologias estrangeiras que trouxemos ao Brasil sem saber até que ponto elas se adaptariam as nossas terras. O liberalismo jamais se naturalizou entre nós e a democracia sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou esta ideologia e a acomodou de forma a não prejudicar seus direitos e privilégios.
Os movimentos reformadores na Brasil sempre foram feitos de cima para baixo: sempre de inspiração intelectual. Independência, reformas liberais e república foram assistidas pelo povo bestializado.
(P.161) Os velhos padrões coloniais viram-se seriamente ameaçados somente com a chegada da família real em 1808. Certamente que o cosmopolitismo deste evento não constituiu perigo aos senhores agrários, mas abriu novos horizontes. (P.163) Neste contexto, surgem nossos primeiros pensadores, intelectuais, escritores, literatos que segundo Junqueira Freire eram mais “belos que verdadeiros, mas arte que ciência, mais cúpula que alicerce”. Desta estufa nossa única flor foi Machado de Assis.
Ainda quando punham-se a cuidar e organizar coisas práticas, nossos homens de ideias eram mais palavras e lírios do que ação.
(P.169) Cap. 07: Nossa Revolução.
(P.171) A abolição marca o fim do predomínio agrário, sendo a proclamação da República uma resposta a este novo quadro social. Perto das agitações vividas pelos nossos vizinhos, a instauração da república no Brasil assemelha-se as “revoluções palacianas” europeias.
A grande revolução brasileira caminha lenta e certamente, sendo um processo que já dura ¾ de século.
(P.172) A abolição da escravatura preparou o terreno para um novo sistema que deslocou o centro gravitacional do rural para o urbano. É esta nossa revolução: o aniquilamento de nossas raízes ibéricas e a inauguração de um estilo novo.
Sérgio Buarque delega a culpa pela persistência dessa cultura ibérica a falta de uma cultura tipicamente americana.
(P.173) A passagem da plantação de cana para a lavoura de café, principalmente os cafezais do Oeste Paulista de 1840, mudou a sociedade e a dinâmica da economia brasileira. O café não depende tanto de trato quanto a cana, muitos cafeicultores viviam nas cidades, fazendo de suas fazendas uma simples fonte de renda, e não um mundo à parte como no caso das fazendas de cana. Passamos da figura do senhor de engenho para a do fazendeiro.
(P.181) Apoiando-se no pensamento de Herbert Smith, Sérgio Buarque propõe uma “revolução vertical” - é isto que falta à América do Sul. Diferente das revoluções de cúpula, era hora de tornar protagonistas os membros dos grupos dominados. O autor observa os acontecimentos de seu tempo e prevê que uma revolução contra as oligarquias está em marcha. Contra esta revolução erguem-se os fascistas, caudilhistas e integralistas, mas estes jamais fincaram bandeira no Brasil por três motivos: 1) repulsa dos povos americanos a hierarquia. 2) tendência natural as ideias das democracias liberais. 3) relativa ausência de preconceito de raça.
 Referência.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo. Companhia das Letras, 1995.



[1] Aviso aos conservadores que insistem em buscar um passado maravilhoso que simplesmente não existe.

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