quarta-feira, 2 de março de 2016

Resenha do livro Maquiavel em 90 minutos de Paul Strathern


Observação importante:
O presente livro de Paul Strathern trabalha como uma espécie de biografia intelectual de Maquiavel. Mostrando como o meio em que viveu o autor de O Princípe foi fundamental para o pleno desenvolvimento de sua teoria política, e como esta se desenvolveu e amadureceu ao longo dos anos.
Boa Leitura.
Introdução.
Apesar do nome Maquiavel ter se tornado sinônimo de maldade, com a criação do termo maquiavélico, sua filosofia política não era nem boa nem má. Apenas realista.
A filosofia da arte de governar que ele elaborou pretendia ser científica, e isto não dava espaço para o sentimento, a compaixão ou, em especial, a moral.
O Príncipe nada mais é que um livro de conselhos a um príncipe (ou qualquer governante), sobre como dirigir o Estado. Sendo que o principal objetivo de qualquer príncipe é se manter no poder e dirigir o Estado em seu melhor proveito pessoal.
A filosofia política de Maquiavel reflete profundamente, o seu tempo e as circunstâncias que enfrentou, contudo ainda hoje conserva um toque de contemporaneidade, sendo um reflexo da perturbadora condição humana.
Vida e obra.
Niccolo Maqueavelli nasceu em Florença, em 3 de maio de 1469, em uma velha família toscana decadente.
O jovem Maquiavel viveu em uma Florença que emergia do topor intelectual da Idade Média, em uma Itália que liderava o ocidente rumo a Renascença. Era possível sonhar, nesse momento, com uma Itália unificada, grande, como nos tempos do Império Romano.
Florença era o coração do Renascimento italiano, como os Médici, os Pazzi e os Strozzi, controlavam a nova tecnologia da época: o Banco Mercantil. O Banco Mercantil era a mais revolucionária tecnologia de comunicações do período. Seu desenvolvimento no século XIV havia transformado gradualmente o comércio e as comunicações em toda Europa. Agora, a riqueza podia ser transmitida, na forma de crédito ou saque bancário, de um extremo do continente a outro, liberando o comércio das costumeiras restrições de pagamento por escambo ou em espécie. Seda e especiarias do Extremo Oriente chegadas por terra em Beirute podiam ser compradas por meio de transferência financeira e embarcadas para Veneza.
Em 1414 os Médici conseguiram a grande cartada: eram os banqueiros do papa. Em 1934, Cosme Médici não era mais somente o homem mais rico da Europa, mas uma espécie de Príncipe da república Florentina.
A cidade florescia como nunca, alcançando renome internacional. A moeda local (o florim), era o dólar da época. Em meio ao caos da cunhagem europeia (as vezes existam várias moedas em circulação dentro de um mesmo país), o Florim era reconhecido como o padrão monetário internacional.
O dinheiro logo colocou de lado a tradicional perspectiva medieval de amor à pobreza. As páginas do livro-razão dos Médici vinham timbradas com a frase “em nome de Deus e do lucro”.
O fato é que Cosme de Médici era cristão e extremamente temente a Deus. E a prática da usura era inequivocamente proibida pela Bíblia. Então, conforme envelhecia, Cosme começou a ficar cada vez mais perturbado com a perspectiva de danação eterna. Assim começou a reformar, construir e decorar inúmeras igrejas. Os Médici tornaram-se os maiores patronos privados de arte jamais vistos no mundo. Esse era o financiamento que faltava para a eclosão do Renascimento.
Graças ao ressurgimento do interesse pela Antiguidade Clássica greco-romana, autores clássicos foram redescobertos sufocando a antiga escolástica cristã medieval. Toda a maneira de ver o mundo foi transformada. A existência já não era mais uma provação para se poder chegar ao outro mundo, mas uma arena em que devíamos demonstrar a nossa capacidade. O jovem Maquiavel absorveu tudo avidamente.
O Renascimento é a ruptura com o pensamento medieval e esta à meio caminho da Idade da Razão. Ele é formado por uma curiosa mistura de teologia cristã, pensamento clássico, atitude científica embrionária e magia medieval.
Maquiavel seria ai meio que uma exceção – talvez por ser autodidata –, pois seus textos eram escandalosamente isentos de ilusão e superstição.
O apogeu do Renascimento florentino veio com Lourenço (neto de Cosme Médici) que sem dúvida fez jus à sua origem.
O jovem Maquiavel presenciou um fato que mudaria sua maneira de ver o mundo. Durante a chama Conspiração de Pazzi de 1478 que tentou, sem sucesso, assinar Lourenço, Maquiavel aprendeu uma importante lição – faça aos outros o que eles fariam a você, mas faça primeiro e seja definitivo.
Em 1494, apenas dois anos após a morte de Lourenço, Florença foi invadida pelo rei Francês Carlos VIII, e os Médici tiveram que fugir. Embora essa ocupação francesa fosse mais simbólica que real, a cidade corria o perigo de perder sua independência para uma potência estrangeira. Neste momento Maquiavel aprendeu outra lição – só uma Itália unificada poderia resistir ao poderio francês e às invasões estrangeiras.
Após esse período surge a República Cristã de Savonarola (1494-1498) e logo em seguida o período em que Sorderini foi eleito gonfaloniere, e pela primeira vez Maquiavel surge das sombras, conseguindo um cargo público e sendo enviado em missões diplomáticas de pequena importância. Não demorou muito para Maquiavel começar a se destacar por suas habilidades.
Contudo, Florença enfrentava uma nova ameaça. O filho do papa, César Bórgia, estava usando o exército papal (ajudado por tropas francesas) para tentar criar um novo principado independente, para si, na Itália central.
Maquiavel foi enviado em um série de missões para informar sobre os levantes nos territórios de Florença e como embaixador no quartel-general dos Bórgia (funcionou como um espião creditado).
Maquiavel observa então, que Bórgia possuía o atributo dos grandes homens: é um oportunista manhoso e sabe usar a melhor chance para tirar a maior vantagem.
A forma como Bórgia tratou seus comandantes rebeldes e os meses que Maquiavel passou com ele, foram fundamentais na criação de uma ciência política distinta e independente de qualquer consideração moral, era a chamada Realpolitik.
Em 1503 o papa – pai de César Bórgia – morre e é então substituído por um papa inimigo declarado da família. César é então condenado a viver como fugitivo. E Maquiavel sente um pouco de desgosto ao ver seu “ídolo” fugir como um fraco.
A política de Florença ainda continuava conturbada e Maquiavel, por suas ideias, foi ganhando cada vez mais prestígio. Defendeu a criação de uma milícia Florentina, contra o uso de forças mercenárias e de certa forma liderou o cerco à cidade de Pisa.
Em 1507, entra em cena um novo ator na rixa italiana, o Imperador do Sacro-Império Romano Germânico Maximiliano I, aliado de Milão – rival de Florença – preparava um ataque ao norte da Itália. Maquiavel foi enviado como embaixador na corte de Maximiliano, onde ficou por seis meses.
Ao retornar estava pronto para montar sua milícia e assim o fez. Seu ato foi fundamental para a retomada de Pisa em 1509.
Em 1511, Maquiavel foi enviado à França para tentar evitar uma invasão francesa a Milão. Pois, apesar de rivais, uma guerra envolvendo Milão e França, inevitavelmente envolveria também o Sacro Império, os espanhóis, Veneza e Florença. Maquiavel tentou de todas as formas negociar, mas foi inútil. Neste momento ele aprendeu outra lição: quando você tem o poder na luta pelo poder, não há necessidade de negociar.
Os acontecimentos desenrolaram-se rapidamente. O papa se declarou contra Florença e a favor do retorno dos Médici. A Santa Aliança marchou sobre Florença. A milícia local se recusou a enfrentar as poderosas forças espanholas e os cidadãos se ergueram a favor dos Médici. Sorderini fugiu e Juliano de Médici marchou sobre Florença.
Esse foi o fim para Maquiavel. Destituído de seu posto, de sua cidadania e levado à falência, foi banido da cidade e exilado em sua pequena propriedade. Com 43 anos sua vida estava em ruínas.
Mas o pior estava por vir. Em 1513 foi descoberto um complô para assassinar Juliano de Médici. Um dos conspiradores tinha uma lista de 20 nomes que ajudariam caso o assassinato tivesse êxito. Maquiavel estava na lista. Foi então expedido um mandato de prisão contra ele. Ao saber disso Maquiavel se entregou para poder provar sua inocência. Ele é então preso e submetido à quatro sessões de tortura.
Eis uma lição que ele aprendeu na pele e que teve grande efeito sobre ele e sua obra. Sua teoria política deu grande ênfase à tortura. Um príncipe “deve ser sempre temido em função dos castigos que pode infligir”. A dor e o medo de senti-la são o que está por trás do respeito às sanções morais, leis e tratados.
Depois de dois meses na Prisão de Bargello, Maquiavel foi libertado e voltou a viver em sua pequena propriedade.
Ele odiava cada dia da rotina no campo, queria a todo custo voltar à vida política. Tentou de todas as maneiras mostrar os Médici que agirá por Florença e não por esta ou aquela facção política, sem sucesso.
Então, num inspirado ardor Maquiavel concluiu o Príncipe entre a primavera e o outono de 1513. Tudo o que aprendera fundiu-se em uma filosofia prática, simples e profunda.
O amargo desespero o despojou de toda ilusão e ele viu a impiedosa verdade da vida política. O mundo tal qual ele sempre foi.
O Príncipe é dirigido a um príncipe que esteja governando um Estado e o aconselha sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível. Maquiavel viu a política como uma ciência e nessa busca por eficiência despojou-se de toda ética e compaixão.
Aqui o autor faz um parênteses sobre a forma como Maquiavel é lido por executivos, funcionários públicos e políticos nos dias de hoje. Segundo ele, O Príncipe é um conjunto de conselhos ao príncipe sobre como governar o Estado e não um guia de moralidade pessoal. Assim sendo, devemos colocar o livro em seu contexto de produção, a conturbada vida política das cidades-estados Renascentistas.
O livro começa com Maquiavel descrevendo os diferentes tipos de Estado e as diferentes formas de governar sobre eles. Também ensina como conquistar um Estado e manter o domínio sobre ele.
Maquiavel segue distinguindo os tipos de governo. Os centralizados (como por exemplo a Turquia) e os descentralizados (França). O primeiro é difícil de conquistar e fácil de controlar, o segundo é fácil de conquistar e difícil de controlar.
Mais adiante, Maquiavel aconselha a crueldade a todos que de alguma forma tentam tomar o poder criminosamente.
Maquiavel segue recomendando “quando tomar um Estado, o conquistar deve infligir todos os danos de uma vez só, para não ter que infligi-los diariamente. Isso tranquiliza o povo e o faz ganhar apoio ao distribuir favores”.
Na segunda metade do livro Maquiavel descreve as virtudes que o príncipe deve adquirir e os vícios que deve evitar para se manter no poder.
O novo governante deve fazer seu governo parecer firme e estabelecido. “os homens devem ser tratados com generosidade ou destruídos, porque podem se vingar de pequenos danos – os danos pesados eliminam tal inconveniente”.
Isso nos leva à questão: é melhor ser temido ou amado? Segundo Maquiavel, os dois, mas diante da dificuldade de possuir ambos, é melhor ser temido. Maquiavel é pragmático na análise da natureza humana, enquanto não se é despojado de suas propriedades e de sua honra, a maioria das pessoas está satisfeita.
Mais adiante Maquiavel trabalha com o conceito de virtú (virtude) que são as qualidades pessoais do príncipe. Contudo, esse conceito de virtú não tem nada a ver com a ideia cristã do bem, humildade, caridade, etc. A ideia de virtú de Maquiavel se assemelha as ideias clássicas de virtude – justiça, força moderação, prudência, virilidade, potência, poder. Para Maquiavel, quanto mais difícil for manter o poder, mas virtú o príncipe terá que demonstrar.
Sempre que possível, um governante deve tentar manter as coisas intactas durante sua conquista. Mínimo de interferência nas instituições, nos costumes, tradições, línguas, etc. Contudo, quando não for possível é melhor destruir totalmente o Estado que se conquistou. É melhor governar sobre ruínas e uns poucos sobreviventes, do que não governar. Isso ilustra bem a visão de Maquiavel, o bem-estar do Estado é secundário, fundamental mesmo é manter o poder.
Ainda segundo Maquiavel quanto mais territórios conquistados através da destruição, mais o príncipe deve se mostrar virtuoso.
A virtú se relaciona com dois outros conceitos: a fortuna (sorte) e a occasione (oportunidade).
Para Maquiavel, controlamos apenas metade do nosso destino – o resto está na mão da fortuna. E a História é recheada de casos assim. A fortuna apresenta a occasione. Cabe ao príncipe reconhecer a oportunidade oferecida pela sorte e aproveitá-la. O príncipe também deve fazer o máximo para eliminar as oportunidades dos adversários.
Maquiavel ainda afirma que o príncipe deve ter sensibilidade para perceber que em alguns momentoso que lhe parece uma virtude pode levá-lo à ruina e o que parece um vício pode salvar-lhe o poder. Governar não é questão de bondade ou maldade, mas luta contínua entre a virtú forçosa e os caprichos da fortuna.
Isso significa que o príncipe deve estar preparado para mudar de política de acordo com as circunstâncias. Aderir a algum princípio pode levar o príncipe à ruina.
Maquiavel possuí uma visão extremamente pessimista da natureza humana.
Devemos entender que apesar da obra de Maquiavel ser considerada amoral, o próprio Maquiavel se considerava um moralista e sua obra tem o intuito de descrever o mundo como ele via, não como desejava que fosse.
Maquiavel era um patriota que desejava ver a Itália unificada novamente (a última vez foi durante o Império Romano) e escreveu o livro dedicando-o a Julian de Médici, mas antes que ele terminasse o livro Juliano deixou de governar Florença e seu primo Lourenço de Médici assume o poder. Maquiavel, então, reedita o livro e o dedica ao “Il Magnifico Lourenço”.
Mas uma vez terminado o livro, o problema tornou-se como entregá-lo. Maquiavel havia caído em desgraça e tinha muitos inimigos na corte, ou seja, não conseguiria entregá-lo em mãos.
Outro problema é que o próprio livro diz que o príncipe não deve se aconselhar com os outros, devendo-se supor que todas as ideias são dele mesmo. Se tivesse conseguido apresentar o livro àquele a quem foi dedicado, talvez hoje estivéssemos lendo O Príncipe por Lourenço de Médici.
Em 1519 Lourenço morreu e foi sucedido pelo carde Júlio de Médici que deu uma nova chance à Maquiavel. Mesmo decepcionado (queria participar da política), Maquiavel acabou se tornando o historiador oficial de Florença.
Em 1523, Júlio de Médici tornou-se papa e abandonou o governo de Florença. Então as coisas ficaram difíceis. Carlos V rei da Espanha e do Sacro Império Romano, ameaçava toda Itália. Maquiavel foi encarregado da fortificação de Florença, mas foi inútil. Em maio de 1527 o exército de Carlos V saqueou Roma. Simultaneamente os cidadãos de Florença se levantaram contra os Médici, inaugurando uma nova República.
Maquiavel cai em desgraça outra vez. Isso foi demais para ele. O desgosto foi tanto que caiu enfermo e morreu no mês seguinte no dia 21, aos 58 anos de idade.
Posfácio.
Maquiavel foi trapaceiro, astuto, falaz e indigno de confiança – e defendeu esse tipo de comportamento em seu livro. Mas ao fazer isso desnudou a natureza humana. Logo surgiram grupos (e a Igreja) que discordavam dessa visão da natureza humana, ninguém poderia se comportar como o príncipe, aquilo só podia ser obra de um demônio.
Todo esse estardalhaço ocorreu pelo fato de Maquiavel ter sido usado pelos protestantes, durante a Reforma, para denunciar os abusos da Igreja.
Além disso, Maquiavel expôs uma ruptura ainda mais profunda. Desde os primórdios da filosofia, os pensadores assumiram implicitamente que os seres humanos eram essencialmente os mesmo. Que existia uma espécie de coisa chamada natureza humana universal. O que implicava uma força ideal de sociedade na qual todos os seres humanos podiam viver melhor. Platão tentara descrever essa utopia na República. Outros sugeririam forma de melhorar a sociedade humana pelo bem de todos os envolvidos. No iluminismo, os pensadores acreditavam na harmonia final dos valores humanos e buscaram os princípios básicos da natureza humana e uma sociedade na qual esse princípio pudesse ser expresso. Outras tentativas de criar sociedades harmoniosas surgiram depois com o marxismo, o coletivismo e o socialismo. Essa crença de que pudéssemos viver juntos em paz, amor e harmonia persistiu até depois da década de 1960.
Maquiavel já deixava bem claro em sua obra a impossibilidade desses projetos. No Príncipe fica claro a contradição entre governar um Estado e ao mesmo tempo levar uma vida moral. Para governar é necessário ser amoral.
Se moralidade e a ciência política estão separadas, como nos mostrou Maquiavel, simplesmente não temos balizamento para um juízo universal. Isso significa que a Alemanha Hitlerista está em pé de igualdade com o Reino Unido parlamentarista. Tudo isso é deprimente. Mas hoje sabemos que na era pós-freudiana a psicologia humana não é racional e nem coerente, mas por outro lado, todo governo é racional e coerente. A satisfação popular e a experiência pública estão fadadas a entrar em conflito.

Maquiavel foi o primeiro escritor a apontar essa verdade desagradável da condição humana. Com sua teoria política realista colocou a humanidade face a face com sua mais profunda e talvez insolúvel dicotomia. 
Referências;
STRATHERN, Paul. Maquiavel em 90 minutos. Rio de Janeiro. Zahar. 2001.

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